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Cartões de crédito

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27/01/1998 às 00:00
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HISTÓRICO

O cartão de crédito é uma criação relativamente recente, tendo surgido no início deste século.

A primeira idéia a se assemelhar com os atuais cartões de crédito foram os "cartões de credenciamento" (retail cards) emitidos por alguns hotéis europeus, a partir de 1914, para identificar seus bons clientes. Os fregueses habituais recebiam um cartão, que servia como sua identificação nas futuras hospedagens, e que garantia vantagens como deixar débitos pendentes para pagamento na próxima estada no hotel.

A partir de 1920, redes de postos de gasolina nos Estados Unidos, como a Texaco e a Exxon, passaram a emitir cartões semelhantes.

Mas só depois da II Guerra Mundial surgiram os primeiros cartões de crédito propriamente ditos, tais como os conhecemos hoje, emitidos por uma empresa especialmente criada para este fim. Os bens não são adquiridos junto à empresa emissora do cartão, mas em uma rede de empresas afiliadas a ela. A emissora do cartão é mera intermediária, financiando as vendas feitas junto às afiliadas.

O primeiro cartão de crédito deste tipo atual foi o Diners Club, surgido em 1949. Inicialmente restrito a uma rede de hotéis e restaurantes afiliados, o leque de opções logo se estendeu a diversos tipos de empresas.

Em 1958, a American Express, originalmente uma agência de viagens, também criou um cartão semelhante. A partir daí, começaram a surgir várias outras empresas com a mesma finalidade.

Em geral, a empresa emissora do cartão se associa a um banco ou outra instituição financeira, responsável pelo financiamento do crédito aberto para os titulares dos cartões.

Hoje, a grande maioria dos cartões são emitidos por empresas associadas a bancos, ou pelos próprios bancos, que criaram empresas próprias de cartões de crédito.

Existem ainda os cartões emitidos por um banco ou por um grupo de bancos para uso do crédito bancário do cliente, que não se enquadram no conceito estrito de cartão de crédito. Este tipo de cartão se utiliza do saldo em conta do corrente do cliente, e pode estar ou não vinculado ao uso do "cheque especial". O pioneiro nesta modalidade foi o Franklin Bank, dos Estados Unidos, em 1951.


O CARTÃO DE CRÉDITO HOJE

O cartão de crédito adquiriu grande relevância no panorama jurídico-econômico, pelas intrincadas relações jurídicas a que pode dar margem e pela sua grande freqüência de utilização, o que demonstra a necessidade de seu estudo e regulamentação.

Foram realizadas no Brasil, apenas em novembro de 1997, 40,1 milhões de transações com cartão de crédito, movimentando um total de US$1,8 bilhão. Neste mesmo mês, circulavam no país 19,1 milhões de cartões de crédito. Eram apenas 9 milhões em setembro de 1994: o número de cartões dobrou em apenas 3 anos.

O cartão de crédito representa uma verdadeira revolução no comércio, pela enorme expansão do crédito que possibilita. Destarte, incentiva a circulação da moeda e impulsiona o comércio e o desenvolvimento econômico.

Diferentemente do cheque, o cartão não exige provisão de fundos. O financiamento é facilitado, e dispensa a necessidade de prévia habilitação do cliente perante uma instituição financeira antes de cada compra.

Além das vantagens já citadas no gerenciamento de despesas e no parcelamento de compras, possibilita saques de emergência e tem ampla aceitação no comércio, facilitando inclusive em compras no exterior.


RELAÇÕES JURÍDICAS NO CARTÃO DE CRÉDITO

O funcionamento do cartão de crédito pode ser explicado por meio de uma série de contratos interligados materialmente entre si, embora formalmente separados.

A administradora emite, em favor de uma pessoa física (titular), um cartão de crédito, pessoal e intransferível, que lhe permite pagar suas contas numa rede de estabelecimentos afiliados, sendo que estes são reembolsados posteriormente pela administradora, descontada uma porcentagem de remuneração, e a administradora cobra, em relação jurídica autônoma, as dívidas ao titular, além de uma taxa anual.

Como se vê, a empresa administradora ocupa a posição central, como verdadeira intermediária nas relações jurídicas oriundas do cartão de crédito.

Em suma, há quatro contratos: o primeiro, entre o titular do cartão e a administradora; o segundo, entre esta e cada empresa afiliada; o terceiro, entre a administradora e a instituição bancária que financia as vendas realizadas por meio do cartão; e um quarto contrato, entre o titular do cartão e cada afiliada em que comprar ou locar serviços.

Este último contrato tem os caracteres do de compra e venda (ou do de locação de serviços, se for o caso), porém com uma particularidade: se para a afiliada há a obrigação de entregar a coisa, para o titular não há obrigação de entregar o preço, mas tão somente de emissão de um título pro soluto contra a administradora. O titular não paga diretamente à afiliada; quem a paga é a administradora. Por isso, nossa opinião é de que não há propriamente uma compra e venda a crédito a ser paga por um terceiro, mas uma promessa de fato de terceiro, pelo titular, em vista de uma contraprestação a ser paga pela afiliada.

Há posições em contrário, que enxergam no caso uma compra e venda perfeita. Segundo estes, o pagamento não é essencial à compra e venda (ou locação de serviços), sendo seu mero exaurimento, na fase de execução. Destarte, seria indiferente de quem parta o pagamento. Não entendemos assim. Vemos aí, s.m.j., uma promessa de fato de terceiro, e não uma compra e venda com seu sinalagma característico.

A afiliada, normalmente, não tem qualquer ação contra o titular. O titular se obriga a pagar perante a administradora. Só a esta cabe cobrá-lo em caso de inadimplemento.

Contudo, se é rompido o vínculo entre titular e administradora, por qualquer motivo e, não obstante, o titular contrai uma dívida junto à afiliada, esta deve exigir o pagamento não mais à administradora, mas ao titular, opondo-lhe o cancelamento do vínculo entre este e aquela.


RELAÇÕES JURÍDICAS EM ESPÉCIE

CONTRATO Nº 1: TITULAR x ADMINISTRADORA

A administradora abre, em prol do titular do cartão, um crédito pessoal, até certo valor limite, para ser utilizado na rede afiliada durante um mês. Ao fim do mês, o titular deve saldar a parcela gasta deste crédito, e o crédito retorna ao valor limite.

Desta forma, o pagamento efetivo pelo titular do cartão pode ser feito, dependendo do caso, até 30 dias após a compra, sem juros. O titular pode optar também pelo crédito rotativo, pagando apenas uma parcela do débito e financiando o restante com juros.

Trata-se, pois, de um característico contrato de "serviço de crédito", tal como se refere o art. 3º, §2º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90). Portanto, este contrato é considerado relação de consumo, por força da lei.

É também um contrato de adesão típico, tal como descreve o CDC, em seu art. 54, pois as cláusulas são impostas unilateralmente pela administradora, sem que o titular possa influir substancialmente em seu conteúdo. Portanto, suas cláusulas devem ser interpretadas restringindo-se o princípio da autonomia da vontade, no sentido de reequilibrar a hipossuficiência do titular.

O contrato entre titular e administradora pode ser cancelado em várias situações, a pedido de qualquer das partes. O titular pode pedir o cancelamento quando lhe aprouver; a administradora, p.ex., em caso de inadimplemento, ou caso seja ultrapassado o limite mensal de crédito. O cartão deve ser cancelado também em caso de extravio ou de falsificação.

Em todos os casos, o cancelamento é informado através de um boletim, distribuído pela administradora às afiliadas. Modernamente, a tradicional e quilométrica "lista negra" vem sendo substituída por um aparelho eletrônico, interligado à rede de computadores da administradora, que informa imediatamente se o cartão está em plena validade naquele momento.

Tornaremos a falar deste contrato entre titular e afiliada posteriormente, aprofundando os pontos a que nos referimos acima e acrescentando outros.

CONTRATO Nº 2: ADMINISTRADORA x AFILIADA

Nesta relação, a administradora recebe uma porcentagem de cada fatura emitida pela afiliada, e esta lucra com o agenciamento de clientes.

Muito se tem discutido na doutrina acerca da natureza jurídica deste contrato.

Para uns, é promessa de fato de terceiro; para outros, estipulação em favor de terceiro. Alguns o vêem como uma sub-rogação convencional, outros ainda como uma comissão mercantil.

Os que o classificam como contrato de mandato, em nome do titular, se enganam, pois a dívida paga pela administradora é própria, materialmente diferente daquela contraída pelo titular junto à administradora. Prova disto é que suas condições de pagamento e até seu valor podem ser diferentes dos originais.

Também não se trata de contrato de abertura de crédito, como outros erroneamente dizem. Tal é, sim, o entre titular e administradora, mas não o entre esta e a afiliada.

Fran Martins diz que se trata de uma cessão de crédito, pelo qual a afiliada (cedente) transfere o crédito à administradora (cessionário), independentemente de anuência do titular (cedido).

Penalva Santos se opõe, apontando que a causa do crédito da administradora é diferente do da afiliada. A causa do crédito da administradora é a abertura de crédito em favor do titular; já a do crédito da afiliada é a compra feita pelo titular cuja contraprestação é devida pela administradora. Uma evidência de que as causas são formalmente diferentes é que seus valores e forma de pagamento não são necessariamente os mesmos.

Em posição semelhante, outros autores dizem ser o contrato uma assunção de dívida, também chamada expromissão, em que o titular (devedor) transfere sua dívida à administradora (expromitente) independentemente da anuência da afiliada (credor).

Ora, o que faz esta teoria, em relação à anterior, é apenas inverter o ponto de vista: se acima falávamos de um crédito, aqui se fala de um débito. As mesmas críticas expostas acima valem também neste caso.

Na verdade, a administradora paga uma dívida própria, assumida no contrato com o titular, e não uma dívida cedida pela afiliada. A administradora não assume a posição do titular, nem da afiliada, mas se submete a um regime peculiar, em virtude dos contratos assumidos com titular e afiliadas.

Em conclusão, podemos dizer que nenhuma das teorias acima expostas se ajusta perfeitamente ao cartão de crédito. Trata-se, pois, de um contrato sui generis, que demandará um estudo mais aprofundado para sua melhor classificação.

CONTRATO Nº 3: ADMINISTRADORA x INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

Como vimos, hoje em dia a grande maioria das administradoras são empresas associadas à instituição financeira ou mesmo criadas e mantidas por elas. Por isto, este contrato se realiza, no mais das vezes, através de meras transações internas da corporação financeira.

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Há administradoras de cartões de crédito, tais como a Diners Club, que se mantém desvinculadas de um banco só, preferindo manter-se independentes.

CONTRATO Nº 4: TITULAR x AFILIADA

Já vimos, acima, rápidas considerações acerca da natureza jurídica deste contrato.

Podemos dizer que se trata de um contrato pelo qual a afiliada entrega um bem ao titular, que promete, em troca, adimplir suas obrigações para com a administradora, para que esta pague o preço à afiliada. Somente em caso de cancelamento do contrato entre administradora e titular, este se torna diretamente obrigado perante a afiliada.

Assim, se a administradora recusa o pagamento pela dívida contraída pelo titular junto à afiliada, devido ao fato de esta não ter verificado no momento da compra que o cartão estava cancelado, resta à afiliada a cobrança direta ao titular, como se uma compra e venda normal fosse.

Por outro lado, se a afiliada não entrega o bem, ou este é defeituoso, o titular deve cobrar diretamente daquela. Nos contratos, costuma constar uma cláusula de irresponsabilidade da emissora pela qualidade, quantidade e preços dos bens.


ASPECTOS POLÊMICOS DO CONTRATO ENTRE ADMINISTRADORA E TITULAR

POSSIBILIDADE DE PROTESTO E EXECUÇÃO DA DÍVIDA

A corrente mais tradicional admitia o protesto e a execução da dívida contraída pelo titular junto à administradora, referente à abertura do crédito.

Os defensores desta tese se apoiavam no art. 585, II, do Código de Processo Civil, que considera como título executivo qualquer documento público ou particular assinado pelo devedor, neste último caso desde que também subscrito por duas testemunhas.

Os contratos firmados entre titular e administradora costumam trazer cláusulas assegurando a possibilidade de execução e até protesto da dívida contraída.

Hodiernamente, os tribunais vêm negando a possibilidade de protesto do contrato de cartão de crédito. Veja-se o seguinte julgado:

O protesto é instituto de Direito Cambiário, não de Direito Comum, e representa verdadeira execução forçada. Só são protestáveis os títulos cambiários porque, sendo por lei rigidamente formais, garantem os devedores contra surpresas. Autorizar o protesto de títulos quaisquer, embora não cambiários, geraria insegurança social, pois aquele rigor peculiar aos títulos cambiários estaria sendo, inesperada e inexplicavelmente, comunicado a outros títulos.

(TARGS, Apelação 194057345, 1994, 1ª Câmara Cível. In: Jurídica On-Line. http://www.jol.com.br)

É negada também a sua executividade, pois o instrumento do contrato entre titular e administradora não consigna o valor da dívida. Portanto, não há os requisitos de liquidez e certeza necessários para a ação de execução.

Contrato de financiamento, adotando o sistema de cartão de crédito, não é executável, porquanto não consigna a obrigação de pagar quantia determinada. Irrelevante que, no instrumento, conste que os débitos serão cobrados executivamente. Se o título carece de executividade, não há como dispor, mesmo contratualmente, em contrário.

(TARGS, Apelação 185020427, 1985, 3ª Câmara Cível. In: Informa Jurídico. CD-ROM. Prolink)

CLÁUSULA-MANDATO PARA EMISSÃO DE CAMBIAL

Assim que começaram a surgir julgados decidindo pela impossibilidade de execução do contrato firmado entre os titulares e as administradoras de cartões, estas passaram a inserir uma nova cláusula nestes contratos pela qual lhes é outorgada procuração para, em nome do titular, emitir um título cambial (seja nota promissória, seja letra de câmbio), em favor da instituição financeira.

Assim, caso o titular se recuse a adimplir espontaneamente sua obrigação, a administradora simplesmente saca de uma cambial, em nome daquele e em favor da instituição financeira perante a qual contraiu o empréstimo para abrir o crédito em favor do titular.

Com este simples expediente, a administradora se eximia de qualquer obrigação perante a instituição financeira, e ainda transferia a esta o ônus de executar o título de crédito, diretamente, em face do titular do cartão.

Assim faziam as administradoras sob a égide da vetusta Lei 2044, de 31 de dezembro de 1908, que regulamenta a nota promissória e a letra de câmbio. O art. 1º desta lei permite que a letra (e por conseqüência a promissória) seja emitida "por ordem e conta de terceiro", "através de mandatário especial".

É mais comum que dita cláusula-mandato se refira à nota promissória. No caso da letra de câmbio, o mandato deve incluir não só os poderes para o saque da cambial, como também para o seu aceite.

Esta cláusula foi firmemente aceita pelos nossos juízes durante muito tempo, até recentemente. O Tribunal de Alçada do Paraná chegou a editar uma súmula, a de número 6, neste sentido.

Os argumentos contrários não são poucos. Vejamos alguns deles, em rápida síntese.

É evidente que a Lei 2044 não é aplicável na espécie, mas tão somente nos casos em que o mandato já traga consignado o valor da cambial.

Valem aqui os mesmos argumentos acima expostos para negar a executividade do contrato em si. O instrumento do contrato entre titular e administradora não traz o valor da dívida. Que valor seria então cobrado através da cambial?

Este raciocínio pode conduzir a situações no mínimo complicadas, como este julgado, que admitiu a validade formal da cláusula (embora a tenha negado no caso material), apesar de demonstrados claramente vários empecilhos à sua admissibilidade.

Execução. Cartão de crédito. Saldo devedor do usuário. Nota promissória. Não demonstração, pelo credor, do ´quantum´ da dívida. Embargos procedentes.

Tratando-se de nota promissória emitida por procuração, tendo em vista contrato de concessão de financiamento através de cartão de crédito, é possível ao usuário discutir o ´quantum´ da dívida, que deve ser devidamente demonstrada pelo credor no processo de execução . Sem tal prova, o credor é carecedor de ação executiva, lastreada, tão e só, no contrato de abertura de crédito e na nota promissória, sendo procedentes os embargos do devedor. Apelação provida, para essa finalidade.

(TAPR, Apelação 26744, 1987, 3ª Câmara Cível. In: Informa Jurídico. Grifos nossos)

Ora, como se admitir discussão do valor da dívida em sede de execução forçada? Se assim se procedesse, desapareceria a liquidez e a certeza do título cambial, desnaturando-o! Jamais poderia prosperar uma cambial emitida nestas condições. Neste sentido, a decisão abaixo:

Cambial emitida por cláusula-mandato. Cartão de crédito. Se não for esclarecido o conteúdo da soma de cambial emitida por mandato, em desacordo com a realidade do negócio subjacente, gera-se a incompatibilidade entre o interesse do mandante e a finalidade do mandato, que gera a nulificação da letra.

(TARGS, Apelação 187041579, 1987, 2ª Câmara Cível. In: Informa Jurídico)

Outro aspecto criticável é o fato de que o mandato em tela é no interesse exclusivo do mandatário, sem qualquer benefício para o mandante, o que é contra a natureza do instituto.

A emissão de nota promissória pelo mandatário, em decorrência de mandato contido em contrato de cartão de crédito, em seu próprio favor e em detrimento do mandante, é contrário à lei (arts. 1300, 1301 e 1307 do Código Civil).

(TARGS, Apelação 188094122, 1988, 1ª Câmara Cível. In: Informa Jurídica)

É com este argumento que o Superior Tribunal de Justiça vem se pronunciando pela nulidade da cláusula-mandato nestes casos, tanto nos contratos de cartão de crédito, como nos de mútuo.

Neste último caso, há a Súmula 60, do STJ:

É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste.

Um mandato concedido nestes termos é nulo por ser condição leonina, violadora da autonomia da vontade, concedendo poderes muito amplos, de dimensão não conhecida previamente, o que pode gerar abusos.

A cláusula-mandato é uma condição potestativa pura, aquela que depende de mero capricho da parte, e que é repelida pelo ordenamento jurídico. O Código Civil, art. 115, veda as cláusulas que sujeitarem o ato ao arbítrio de uma das partes.

Mesmo, porém, se considerada existente tal cláusula, nulo seria o mandato, por manifestamente leonina, por conferir poderes ilimitados e incontroláveis ao mandatário, não apenas para sacar contra o mandante títulos de crédito, mas também para, de forma unilateral e sem qualquer fiscalização ou controle daquele, apurar a existência ou importância do débito remanescente. Eis que contraria a norma contida no art. 115 do Código Civil. Despidos de executividade o contrato e a nota promissória a ele vinculada.

(TARGS, Apelação 188094122, cit.)

A dita cláusula-mandato é inserida num contrato de adesão, cujo teor o aderente não pode discutir, e em geral tem pouco destaque, o que se torna impossível ao leigo suspeitar da nocividade que pode representar. Tais caracteres são incompatíveis com o animus da pessoa que outorga procuração com poderes tão amplos.

Mesmo que cláusula inserta em contrato, em meio a outras, de forma disfarçada e na face oposta à que é lançada a assinatura do mandante, não constitui mandato, eis que não revestida dos requisitos de mútua confiança entre mandante e mandatário, pressuposto indispensável para a validade de tal avença.

(TARGS, Apelação 188094122, 1988, 1ª Câmara Cível. In: Informa Jurídica)

O Código de Defesa do Consumidor pôs uma pá de cal no assunto. Sendo o cartão de crédito uma relação de consumo, aplica-se a ele o disposto no art. 51 do CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

...

VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

Não obstante, a maioria dos cartões de crédito continuam insistindo na inserção da cláusula-mandato em seus contratos, embora indubitavelmente nula.

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Sobre o autor
Paulo Gustavo Sampaio Andrade

Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Editor de conteúdo do Jus.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Paulo Gustavo Sampaio. Cartões de crédito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1982, 27 jan. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/621. Acesso em: 19 mar. 2024.

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