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A nova lei de migração

25/11/2017 às 08:30
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O Brasil é o único país da América do Sul que ainda não garante direitos políticos (votar e ser votado) aos imigrantes em nenhum nível: municipal, regional ou nacional.

Entrou em vigor, no dia 21 de novembro do corrente ano, a nova Lei de Migração, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro, legislação oriunda do regime militar que abordava a migração do ponto de vista da segurança nacional. 

Um dos princípios contidos na lei, por exemplo, é a "não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional".

Passa-se a ter, pela Lei, uma visão mais humanista na matéria consentânea com direitos e garantias constitucionais.

O eixo central da nova lei é a proteção de direitos humanos na temática das migrações, intuída já na escolha da epígrafe: trata-se de uma lei de migração, aplicando-se ao migrante que vive no Brasil e, inclusive, ao brasileiro que vive no exterior. O reconhecimento da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos como princípio de regência da política migratória brasileira (artigo 3º, I) é decorrência da proteção da dignidade humana, vetor axiológico da Constituição (artigo 1º, III) e dos tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil e princípio constitucional impositivo.

Visando facilitar a regularização dos migrantes que entram no país, foram trazidas as seguintes novidades: i) racionalização das hipóteses de visto (com destaque para o visto temporário para acolhida humanitária); ii) previsão da autorização de residência; iii) simplificação e dispensa recíproca de visto ou de cobrança de taxas e emolumentos consulares, definidas por mera comunicação diplomática. Ainda, os integrantes de grupos vulneráveis e indivíduos em condição de hipossuficiência econômica são isentos do pagamento de taxas e emolumentos consulares para concessão de vistos ou para a obtenção de documentos para regularização migratória.

Importante inovação é o regramento do impedimento de ingresso. Foi assegurado que ninguém será impedido de ingressar no País por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política, possibilitando-se a responsabilização dos responsáveis pela prática de atos arbitrários na zona primária de fronteira.

Migrar é um direito e esta é a essência da nova Lei. Deve ser editado decreto com objeto de regulamentar a Lei. 

Diversas foram as alterações promovidas pela Lei com relação a situação do imigrante no país. 

Ficou mantida a proibição de exercício de atividade remunerada ao portador de visto de visita, porém com a facilitação em transformar para autorização de residência dentro do território brasileiro.

A concessão de vistos temporários para acolhida humanitária foi institucionalizada com a nova lei, que dá visto de um ano "ao apátrida ou ao nacional de qualquer país" em "situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses."

Os vistos temporários poderão ser concedidos em 10 (dez) hipóteses, sendo que a concessão para trabalho está inserida nesta previsão. Dependerá de regulamento posterior os requisitos para sua concessão. Poderá ser concedido ao imigrante que venha exercer atividade laboral, com ou sem vínculo empregatício, desde que comprove oferta de trabalho, dispensando esta exigência se o imigrante comprovar titulação em curso de ensino superior ou equivalente.

O decreto adia a regulamentação dos vistos e autorizações de residência por motivos humanitários, que são grandes inovações da Lei de Migração. No artigo 36, o texto determina que um "ato conjunto dos Ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e Segurança Pública e do Trabalho definirá as condições, prazos e requisitos para emissão do visto". Tal sentido que o regulamento deu à Lei, certamente, poderá burocratizar tal procedimento, o que poderá demandar ajuizamento de diversos mandados de segurança por eventuais atos omissivos.  

A autorização de residência poderá ser concedida para trabalhos, estudos, missão religiosa, reunião familiar e investimentos, dentre outros. Os procedimentos para autorização de residência serão dispostos em regulamento.

Os vistos de visita e cortesia poderão ser transformados em autorização de residência.

Há a criação, ainda, do visto de caráter humanitário, concedido a pessoas oriundas de países em situações de crise. Com a vinda nos últimos anos de haitianos e senegaleses para o Brasil, o Conselho Nacional de Migração chegou a abrir uma portaria para concessão de vistos humanitários, mas, sem caráter de lei, a decisão dependia da vontade do governo. 

A Polícia Federal continuará responsável pela fiscalização marítima, aeroportuária e de fronteiras em relação à presente lei nos termos da Constituição.

A nova Lei de migração proíbe no  artigo 123,  expressamente,  a  privação de liberdade por razões migratórias. 

O decreto, no entanto,  tem aspectos claramente contrários à própria Lei de Migração, como a previsão de prisão do migrante que será deportado, quando o artigo 123 da lei expressamente proíbe privação de liberdade por razões migratórias. 

Tal norma secundária afronta a Constituição. A uma, porque a lei não a instituiu; a duas, porque afronta o princípio da reserva legal, já que há reserva de Parlamento para a matéria. 

Outro dispositivo no decreto de constitucionalidade duvidosa se refere à regulamentação da reunião familiar de solicitantes de asilo político –pelo decreto, os familiares precisam estar em território nacional. Na maioria das vezes, no entanto, solicitantes de asilo político chegam ao país sozinhos, em fuga. A norma, portanto, fere a razoabilidade, razão pela qual deve ser extirpada.

O  Brasil é o único país da América do Sul que ainda não garante direitos políticos (votar e ser votado) aos imigrantes em nenhum nível: municipal, regional ou nacional. Em todos os outros países do sub-continente os imigrantes têm direito a participação eleitoral em um ou mais níveis. Observa-se, entretanto, que tal mudança não poderia estar contida na Lei de Migração, por consistir em uma modificação da Constituição, o que só pode ser alcançado através de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional).

O artigo 48 obriga o chefe da unidade da Polícia Federal a representar perante um Juízo, “respeitados os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal”. Na prática inviabiliza deportações pela PF, por discricionariedade, sem ouvir o Judiciário, o que caracterizaria afronta a garantia constitucional. 

São medidas de retirada compulsória (art. 47): repatriação; deportação; e expulsão. Em todos os casos, deve-se observar os dispositivos da Lei 9.474/97 (Estatuto dos Refugiados) e os tratados ratificados pelo Brasil sobre a proteção jurídica aos apátridas.

REPATRIAÇÃO (art. 49) consiste em medida administrativa de devolução de pessoa em situação de impedimento (impedido de ingressar em território nacional pela fiscalização fronteiriça – DPF, em razão da ausência de documento ou visto, por exemplo) ao país de procedência ou de nacionalidade. Comunicação imediata do ato de repatriação deverá ser feito à autoridade consular do país de procedência ou de nacionalidade do migrante ou visitante a ser repatriado. A lei veda (art. 49, par. 4) medida de repatriação à pessoa em situação de refúgio ou de apatridia e ao menor de 18 anos desacompanhado, não podendo haver qualquer devolução para país em situações de risco à vida.

DEPORTAÇÃO (art. 50) consiste na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional, e deve ser precedida de notificação pessoal ao deportando apontando as irregularidades e o prazo para a regularização. Essa notificação não impede a livre circulação em território nacional. Vencido o prazo sem que se regularize a situação migratória, a deportação poderá ser executada. Prevê-se que a DPU (Defensoria Pública da União) deverá prestar assistência jurídica ao deportando nos procedimentos administrativos de deportação, em respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Além disso, reproduzindo a regra do Estatuto do Estrangeiro, “não se procederá à deportação se a medida configurar extradição não admitida pela legislação brasileira” (art. 53). Esta será precedida de notificação pessoal do deportando, sendo que será ofertado um prazo de, no mínimo, 60 (sessenta) dias, prorrogável por igual período, para sua regularização migratória. Será assegurado o contraditório e a ampla defesa, com a garantia de recurso administrativo com efeito suspensivo, ou seja, a medida não poderá ser executada enquanto não houver decisão final da administração.

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EXPULSÃO (art. 54) consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante/visitante do território nacional, com impedimento de reingresso, na hipótese de condenação judicial transitada em julgado relativa à prática de: I – crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão; ou II – crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade.

Não se procederá à repatriação, à deportação ou à expulsão de nenhum indivíduo quando subsistirem razões para acreditar que a medida poderá colocar em risco a vida ou a integridade pessoal.

O artigo 50, em seus parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, institui prazo de 60 dias (renováveis por igual período) para a deportação, retirando da  PF o poder de deportação sumária. 

O artigo 51, caput e parágrafo 1º, abre espaço para a Defensoria Pública da União poder exercer a devida defesa do estrangeiro. 

O artigo 55, impede a expulsão quando o ilegal tiver filho brasileiro, ou cônjuge e companheiro residente no Brasil. 

 O artigo 75, inclusive, permite o reconhecimento do filho depois da notificação de expulsão.

A nova Lei de Migração permite ao estrangeiro organizar e participar de reuniões para agremiação política, por força do princípio de liberdade. A prisão por exercer atividades de natureza política já teria sido revogada pela Constituição de 1988.

A Lei de migração ainda prevê normas sobre o asilo poítico e o refúgio.

Para que uma pessoa possa ser considerada asilada política, é fundamental que ela esteja sendo perseguida por motivos políticos em seu país de origem. Para receber o benefício, o solicitante de asilo não pode ter cometido crime comum ou estar em aguardo de julgamento relacionado a um crime comum.

Diferente do asilo, que somente se refere a uma perseguição política, o refúgio pode ter relação com os mais diferentes tipos de perseguição: de etnia, religião, nacionalidade, grupo social, convicção política, entre outros. O refúgio também pode ser solicitado quando há uma situação de guerra ou conflito interno no país de origem.

Outra grande diferença é que, enquanto a decisão de receber um asilado político é exclusivamente do Estado, consistindo em uma relação direta deste com o indivíduo, o refugiado faz parte de um grupo que sofre perseguição por um mesmo motivo, não cabendo ao Estado decidir de forma política acolher ou não esses indivíduos que chegam a seu território após fugir de uma situação de risco.

A regulamentação internacional referente ao refúgio se baseia principalmente na Convenção de Genebra de 1951, que, dentre outros benefícios, garante aos refugiados o direito de não serem expulsos ou retornados a seus países de origem enquanto permanecerem os riscos à sua vida ou liberdade.

A Lei brasileira reconhece o direito de circular livremente, pois a todos é dado o amplo direito de ir e vir. 

A Lei também garante que o estrangeiro não deve ser deportado ou repatriado se correr risco de morrer ou de sofrer ameaças à sua integridade pessoal ao retorna ao país de origem.

A nova Lei de Migração prevê uma anistia para migrantes sem documentos que entraram no país até 6 de julho de 2016, conforme consta no artigo 118. Seu objetivo é bem claro: ajudar a regularizar os migrantes que já contribuem com o Brasil e possuem uma vida estabelecida por aqui, mas ainda se encontram em situação indocumentada – causada, em grande parte, pelos empecilhos presentes no Estatuto do Estrangeiro.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A nova lei de migração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5260, 25 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62176. Acesso em: 26 abr. 2024.

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