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Estelionato e impunidade

28/01/2005 às 00:00
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Dentre os crimes sem violência física ou grave ameaça à pessoa, praticados diariamente pela maior parte dos delinqüentes, temos o estelionato, tipificado no art. 171 do Código Penal como sendo a conduta de "obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artificio, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento", cuja pena de reclusão, abstratamente considerada, varia entre l (um) e 5 (cinco) anos, podendo ser aumentada de mais 1/3, quando praticado em detrimento de entidade de direito público ou de instituição de economia popular, assistência social ou beneficência.

A Previdência Social tem sido a pessoa jurídica de direito público mais atingida pela prática desse crime, na medida em que é obrigada a pagar diversos benefícios, entre os quais, o de aposentadoria.

É, portanto, no pagamento de aposentadoria que se formam quadrilhas para minarem os cofres da Previdência em prejuízo daqueles que efetivamente trabalharam e contribuíram por vários anos de suas vidas para, ao final, receberem verdadeiras migalhas.

O estelionato praticado contra o INSS, porque Autarquia Federal, conforme art. 109, I, da Constituição Federal, é julgado pelos Juízes Federais que, constantemente, se deparam com processos que só lhe chegam às mãos alguns anos após o meliante receber, indevidamente, a primeira parcela de aposentadoria fraudulenta.

Como o Juiz não elabora a Lei nem a Constituição e também não instaura Inquérito Policial nem oferece denúncia, ou seja, só pode agir se provocado, fica a depender que o INSS, a Policia Federal e o Ministério Público Federal trabalhem rápido para que os fraudadores sejam processados logo em seguida ao recebimento da primeira parcela.

No julgamento desses processos, temos constatado que a demora para ser dado inicio à ação penal é primeiramente causada pela própria Previdência Social que só meses ou anos depois da descoberta requer a instauração de Inquérito Policial.

Na Polícia Federal, o Inquérito também não tramita com a rapidez necessária por vários fatores, entre os quais, a falta de verba para viagens em diligências que o Delegado necessita.

Essa demora, sem dúvida, beneficia os réus, em face da prescrição.

Para o leigo e a imprensa, é preciso esclarecer que prescrição é o lapso de tempo, fixado na Lei Penal, durante o qual o réu deverá ser processado e julgado. Passado o prazo sem julgamento é como se o Estado tivesse perdoado sua conduta.

Talvez até para contornar essa demora e evitar a impunidade, em face da prescrição, o Superior Tribunal de Justiça entendia que o prazo de prescrição, nesses casos, só começaria a correr a partir do último recebimento do benefício fraudulento, porque o estelionato seria, na sua visão, um crime eventualmente permanente.

Acontece, todavia, que o Supremo Tribunal Federal, no HC 80.349-SC, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18.12.2000, Boletim Informativo nº 215, entendeu que o estelionato não é crime eventualmente permanente e sim crime instantâneo com resultados permanentes, caso em que, a sua prescrição começa a correr do primeiro recebimento indevido ou mais precisamente a partir do dia em que confeccionada a certidão de nascimento falsa (CP, art. 111, I).

O leigo e a imprensa que não estão aptos a entenderem um assunto técnico como esse, ficarão surpresos quando o Juiz, que cumpre a lei constitucional e Constituição Federal, decretar a prescrição, inclusive antecipada (em perspectiva ou virtual), e extinguir a punibilidade dos estelionatários, argumentando que a demora, notadamente por parte do INSS, em descobrir o crime e levá-lo ao conhecimento da Policia Federal e Ministério Público, fez com que a Justiça ficasse impedida de condenar o réu.

Que se cobre então do INSS mais atenção na rápida descoberta dessas fraudes para, depois, não culparem o Juiz, cujo dever não é o de fazer média com a imprensa ou com quem quer que seja, mas sim cumprir e fazer cumprir a lei constitucional e a Constituição de seu País. O juiz só se ajoelha diante de Deus.

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Sobre o autor
Agapito Machado

juiz federal no Ceará, professor de Direito na Universidade de Fortaleza (Unifor)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Agapito. Estelionato e impunidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 570, 28 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6223. Acesso em: 19 abr. 2024.

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