Loteamentos irregulares e a responsabilidade solidária do Município

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Resumo:


  • A construção de loteamentos irregulares e a responsabilidade do município são temas relevantes, pois afetam diretamente o uso do espaço urbano e a qualidade de vida dos cidadãos, exigindo atenção às diretrizes urbanísticas e constitucionais.

  • O parcelamento do solo urbano é regulamentado por legislações como a Lei 6.766/79 e o Estatuto das Cidades, que estabelecem as normas para a criação de loteamentos, visando evitar a proliferação de áreas irregulares e garantir o bem-estar social.

  • A responsabilidade civil do município é objetiva em casos de loteamentos irregulares, implicando a necessidade de fiscalização e ação adequadas para prevenir danos urbanísticos e assegurar os direitos dos cidadãos, podendo haver ações regressivas contra os responsáveis diretos pelos danos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O município tem poder de polícia para fiscalizar e evitar a formação ilegal de loteamentos urbanos.

RESUMO:O presente trabalho visa trazer à tona um assunto de extrema importância, na medida em que tem reflexo direto no cotidiano das pessoas pertencentes às mais diversas classes sociais, podendo ser, o tema em discussão, percebido como um direito-dever do Estado. A preocupação com a construção de loteamentos irregulares, bem como, com a responsabilidade solidária do município frente às consequências negativas que atingem pessoas que se tornam, a partir de então, novos sujeitos de direitos motivou o desenvolvimento da pesquisa. A omissão do município diante da construção de loteamentos irregulares é algo que vem desestruturar a paz familiar, além de colidir com o que representa o Estado Democrático de Direito, cujo embasamento consiste em garantir o mínimo de dignidade a cada cidadão, levando-se em consideração aquilo que será prioridade e trará o bem-estar da coletividade, caso contrário será colocada em cheque a capacidade urbanístico-jurídica da gestão pública deixando a propriedade de cumprir a sua função social. É através da análise de fundamentação legal e doutrinária que poderemos chegar ao nosso objetivo, ou seja, sabermos qual a parcela de responsabilidade que cabe ao município e aos proprietários, visto que o primeiro deixa de cumprir com uma de suas funções por meio da omissão de seus agentes e o segundo pelos danos causados por agir em desconformidade com a lei. Após vivenciar na prática essa situação, testemunhar o desconhecimento da população e perceber que essa é uma prática recorrente e nociva o desejo de conhecer o assunto passou a ser uma necessidade diante da realidade vivenciada, que por muitas vezes, acaba por atingir pessoas desinformadas, embora existam institutos que regulamentam o tema no Brasil, e que este reflita e tenha incidência direta no cotidiano da sociedade como um todo.


1 INTRODUÇÃO

A construção de loteamentos irregulares e a responsabilidade solidária do município têm se tornado um tema de extrema relevância, haja vista que o uso adequado do espaço urbano visa a contemplar e garantir preceitos constitucionais considerados fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, através da moradia, do trabalho, do lazer e da possibilidade do direito a cidade.

Diante do desenvolvimento dos centros urbanos e da exploração desenfreada do espaço urbanístico esse tema tornou-se recorrente, fazendo-se necessária a sua discussão diante das fontes formais que orientam e que norteiam o referido tema, com o intuito de proporcionar, de forma efetiva, o bem-estar social, visando à concretização dos interesses difusos.     

O parcelamento do solo urbano surgiu como uma necessidade básica do ser humano que tem se manifestado, cotidianamente, levando à criação de uma legislação, Lei 6766/79, dentre outras, que orientam a construção de loteamentos urbanos, como o Estatuto das Cidades e a própria Constituição da República Federativa do Brasil. 

Mas é possível perceber que, embora haja uma legislação sobre o referido tema, é crescente a construção de loteamentos irregulares que acabam trazendo consequências negativas para a sociedade e, quando estes aparecem, a população não sabe  quem irá assumir a responsabilidade para responder pelos danos causados, muito embora os municípios tenham que autorizar e fiscalizar a construção dos mesmos.

A legislação atual de uso urbanístico do solo não abarca unicamente a responsabilização do proprietário, mas também do município, já que o Estado tem o poder dever de resguardar e garantir o bem-estar do cidadão de forma ainda que mínima e, embora busque estimular o desenvolvimento econômico, tal estímulo não pode usurpar a garantia de uma vida digna no espaço urbano, privilegiando, muitas vezes, por meio da omissão dos atos de fiscalização, a “especulação imobiliária”.


2 LOTEAMENTOS: DA CONSTITUIÇÃO À NORMATIZAÇÃO LEGAL

O uso fragmentado do solo urbano é valorado pelo direito constitucional, trazendo à tona a tutela jurisdicional/administrativa protegendo não só a dignidade da pessoa humana através do direito à moradia, trabalho e lazer, mas também possibilitando ao município zelar pela dinâmica da mobilidade urbana.

Isso se torna possível através do controle administrativo dos loteamentos, papel crucial exercido pelo Estado perante a sociedade, visando à garantia de direitos difusos. É assim que a própria Carta Magna nos traz em  seu art. 30, VIII [1], que vem de encontro ao tema ora discutido no presente trabalho.

Sobre isso, vejamos a definição de Hely Lopes Meirelles[2] (1976, p. 62) para loteamento:

Loteamento é meio de urbanização e só se efetiva por procedimento voluntário e formal do proprietário da gleba, que planeja a sua divisão e a submete à aprovação da Prefeitura, para subsequente inscrição no registro imobiliário, transferência gratuita das áreas das vias públicas e espaços livres ao Município, e a limitação dos lotes; o desmembramento é apenas repartição da gleba, sem atos de urbanização, e tanto pode ocorrer pela vontade do proprietário (venda, doação, etc) como por imposição judicial (arrematação, partilha, etc), em ambos os casos sem qualquer transferência de área ao domínio público.

É importante ressaltar que a Lei Nº 6.766/76[3], que é um dentre os diversos institutos que abordam a temática do parcelamento do solo urbano, define em seu art. 1º, § 1º, que loteamento “subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes”.

Não resta dúvida de que a atividade urbanística de parcelamento do solo nasceu imbricada ao processo de urbanização das cidades, trazendo consequência para estas mudanças significativas, seja no âmbito espacial, paisagístico ou limítrofe. Porém, o loteamento não pode ser configurado apenas de acordo com o desejo da iniciativa privada, o mesmo deve seguir formalidades, visto que, embora a gleba de terra pertença ao particular, é o poder público quem traça as diretrizes a serem seguidas nesse processo, com a finalidade de evitar futuras distorções ao processo futuro de urbanização.

Embora a União dê as diretrizes gerais, o Município possui legislação própria, o Plano Diretor, que tem como primordial intuito a viabilização do adequado desenvolvimento do espaço urbano. Daí a relevância da ação de seus agentes que, ao atuarem dentro dos padrões exigidos, viabilizarão que os loteamentos urbanos surjam em consonância com a norma e não cause futuros transtornos aos munícipes.


3 RESPONSABILIDADE CIVIL SOLIDÁRIA POR LOTEAMENTO IRREGULAR

A não observância do poder de polícia do município, ou seja, os atos omissivos de seus agentes, pode trazer consequências negativas que terão desdobramentos negativos e incidirão de forma objetiva na esfera cível, criminal e social.

 Nos dizeres de Hely Lopes Meirelles (1991, p. 552)[4], a mesma afirma que “[...] o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos aos particulares”. Quando se trata do uso e parcelamento do solo urbano é notório que a própria Constituição Federal procura dar o embasamento necessário, trazendo as diretrizes referentes ao assunto, tamanha é a relevância do tema e, em especial, pelo que pode ocorrer ao sujeito de direito, no caso a coletividade, caso o poder público venha a agir de forma omissiva no tocante a suas atribuições a esse respeito.

Já sobre o referido tema em análise, diz Celso Antonio Bandeira de Mello (2013, p.11-20)[5] que “no caso de dano por comportamento omissivo, a responsabilidade do Estado é subjetiva. Responsabilidade subjetiva é aquela cuja irrupção depende de procedimento contrário ao Direito, doloso ou culposo”.

É necessário compreender que a maioria dos cidadãos não consegue vislumbrar, no seu total ou parcial desconhecimento, a relevância do assunto em pauta, nem muito menos compreender que o desconhecimento de tal tema reforça e se nos apresenta como um aprofundador das desigualdades sociais, diante do descaso com que algumas pessoas infringem a legislação vigente que regula tal assunto.

Sobre isso Hely Lopes Meirelles[6], ao analisar o texto da Carta Magna, compreende “(...) que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar a terceiros por danos causados por seus servidores independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. (...)”.

O que prevalece hoje no nosso sistema jurídico é a Teoria da Responsabilidade Objetiva, segundo as longas discussões ora feitas pela doutrina, o que garante a responsabilização, seja ela por ato comissivo ou por omissão, fazendo com que os sujeitos de direito tenham seus direitos minimamente resguardados.

Desta forma o poder de polícia ganharia uma nova significação, não se restringindo apenas à questão da segurança, mas possibilitando a regulamentação dos direitos individuais em detrimento da coletividade.

O exercício do poder de polícia é um poder-dever, cuja omissão do ente que deve exercê-lo, confronta de forma direta não só com leis específicas, mas também com preceitos constitucionais. Sobre isso vejamos o que diz o Art. 40 da Lei nº 6.766/79[7]:

Artigo 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes (Brasil, 1979)

Sobre isso vejamos o que a própria jurisprudência diz:

ADMINISTRATIVO – LOTEAMENTO INACABADO – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO MUNICÍPIO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPUTAÇÃO POR AÇÃO DE REGRESSO À EMPRESA LOTEADORA. 1. É dever do município fiscalizar os loteamentos, desde a aprovação até a execução de obras. 2. A CF/88 e a lei de parcelamento do solo (Lei 6.766/79) estabelecem a solidariedade na responsabilidade pela inexecução das obras de infra-estrutura (art. 40). 3. Legitimidade do município para responder pela sua omissão e inação da loteadora. 4. Recurso especial provido. (REsp 252.512/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma do STJ. DJ 29/10/2001 p. 194)[8]

RECURSO ESPECIAL. DIREITO URBANÍSTICO. LOTEAMENTO IRREGULAR. MUNICÍPIO. PODER-DEVER DE REGULARIZAÇÃO. 1. O art. 40 da lei 6.766/79 deve ser aplicado e interpretado à luz da Constituição Federal e da Carta Estadual. 2. A Municipalidade tem o dever e não a faculdade de regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bem-estar da população. 3. As administrações municipais possuem mecanismos de autotutela, podendo obstar a implantação imoderada de loteamentos clandestinos e irregulares, sem necessitarem recorrer a ordens judiciais para coibir os abusos decorrentes da especulação imobiliária por todo o País, encerrando uma verdadeira contraditio in terminis a Municipalidade opor-se a regularizar situações de fato já consolidadas. 4. (…). 5. O Município tem o poder-dever de agir para que o loteamento urbano irregular passe a atender o regulamento específico para a sua constituição. 6. Se ao Município é imposta, ex lege, a obrigação de fazer, procede a pretensão deduzida na ação civil pública, cujo escopo é exatamente a imputação do facere, às expensas do violador da norma urbanístico-ambiental. 5. Recurso especial provido. (REsp 448216/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, 1ª Turma do STJ. DJ 17/11/2003 p. 204)[9]

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O poder-dever do município, que é o poder de polícia que a mesma tutela, tem como escopo a prevenção para que a omissão de suas ações não enseje danos aos padrões urbanísticos e a coletividade que nele vive, desta feita o poder dado ao Estado, na verdade é um instrumento assecuratório do interesse coletivo e do próprio direito urbanístico. Por tutelar interesse de tamanho alcance é que a responsabilidade do município é objetiva, não podendo a esfera pública da administração municipal se omitir diante do que aqui foi ora exposto. Assim diz a Constituição Federal em seu art. 37, §6º:

Artigo 37.- (...)

§6º- As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

A previsão constitucional desse direito está embasada no princípio da supremacia do interesse público, valorando legalmente de forma proporcional e razoável direitos que ponderados diante de sua relevância acabam por ser priorizados em determinado momento, porém não anulam os demais. Esse equilíbrio evidencia e efetiva a vivência de um real Estado Democrático de Direito.

Assim explica Hely Lopes Meirelles[10] (1991, p. 551) no referido artigo:

O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente no cometimento da lesão. Firmou-se, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos.

Sobre isso vejamos o que diz Raquel de Carvalho sobre a supremacia do interesse público “com base na premissa de que a Administração não titulariza os interesses públicos primários, é lugar comum afirmar a indisponibilidade de tais interesses pelo agente encarregado de, na sua gestão, protegê-los. Quem detém apenas poderes instrumentais à consecução de um dado fim não possui, em princípio, a prerrogativa de deles abrir mão, donde resulta a ideia de indisponibilidade do interesse público”

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[11] (2012, p. 82) conceituam o significado do termo dano. Segundo os mesmos seria uma “lesão a um interesse jurídico tutelado - patrimonial ou não -, causado por ação ou omissão do sujeito infrator”.

Portanto, o poder-dever do Estado surge como uma limitação ao uso da propriedade, visto que a mesma deve ter o seu uso adequado a uma função social, sendo o bem utilizado de forma positiva não só para o proprietário, mas também visando o bem de toda a coletividade.

Se há uma previsão legal de que o município deve agir como órgão fiscalizador compete a ele também autuar os infratores da lei de forma coercitiva e, mesmo que o Estado se posicione de forma omissiva, este posicionamento não retira do particular a sua responsabilidade pelos danos causados a coletividade e este também terá que adimplir os gastos  pelos danos materiais e morais causados aos cidadãos que tenham adquirido os lotes, podendo ainda responder criminal, civil e administrativamente pela conduta praticada.

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Sobre os autores
Luiz Felipe Camelo Gabriel

Graduando em Direito na Faculdade Luciano Feijão.

Lorena Fortuna Cirqueira

Acadêmica do Curso de Direito

Antônio Adriano Martins Melo

Acadêmico de Direito na Instituição Faculdade Luciano feijão

Jordânia Maria Pinto Sipião

graduanda em Direito na Faculdade Luciano Feijão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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