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Critérios para a valoração das circunstâncias judiciais (art. 59, do CP) na dosimetria da pena

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30/01/2005 às 00:00
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Da conduta social do sentenciado

A terceira circunstância do artigo 59, do Código Penal que, antes da reforma de 1984, era abrangida pelos antecedentes, diz respeito ao comportamento do sentenciado em relação à comunidade em que vive.

Esse exame traduz verdadeira "culpabilidade pelos fatos da vida" (ao invés da "culpabilidade pelo fato praticado"), tão criticada pelos penalistas, mas que tem, por escopo, auxiliar o Juiz na busca da perfeita graduação da censura penal.

Devem ser examinados, nessa ocasião, os elementos indicativos da inadaptação ou do bom relacionamento do agente perante a sociedade em que está integrado (e não na sociedade que o Magistrado considera saudável ou ideal)32.Vale dizer: quando o ambiente em que o agente se inserir for, por exemplo, uma favela, não poderá o Juiz exigir-lhe comportamento típico das classes sociais mais abastadas.

É preciso haver uma circunstancialização para que se entenda a forma como o agente se comporta em seu meio.

Aufere-se a conduta social do apenado, basicamente, da análise de três fatores que fazem parte da vida do cidadão comum: família, trabalho e religião 33 .

Nestes três campos da vida (familiar, laborativo e religioso), pode-se analisar: o modo de agir do agente nas suas ocupações, sua cordialidade ou agressividade, egocentrismo ou prestatividade, rispidez ou finura de trato34, seu estilo de vida honesto ou reprovável35.

José Eulálio de Almeida36 leciona que o juiz deve colher da prova produzida nos autos:

"...a vocação do acusado para o trabalho ou para a ociosidade; a afetividade do mesmo para com os membros que integram a sua família, ou o desprezo e indiferença que nutre por seus parentes; o prestígio e a respeitabilidade de que goza perante as pessoas do seu bairro ou da sua cidade, bem como o índice de rejeição de que desfruta entre os que o conhecem socialmente; o seu entretenimento predileto (…) ou se prefere a companhia constante de pessoas de comportamento suspeito e freqüenta, com habitualidade, locais de concentração de delinqüentes, casas de tolerância, lupanares ou congêneres; o seu grau de escolaridade, tal como a assiduidade e a abnegação pelo estudo ou o desinteresse pelo mesmo, assim como o respeito e o relacionamento com funcionários, professores e diretores do estabelecimento escolar."

No seu dizer, também pode o julgador considerar o trabalho social realizado pelo agente em favor de determinado grupo comunitário, contudo, desde que essa atividade tenha fins sinceramente filantrópicos.

Gilberto Ferreira37 adota, como critério para a valoração da conduta social, a caminhada de vida percorrida pelo agente. Avalia, com esmero, como comportava-se o agente na condição de estudante, de pai, de trabalhador, de componente da vida social:

"...um mau aluno, um pai irresponsável, que deu causa à separação e não paga alimentos aos filhos, ou que se entrega constantemente à embriaguez ou a uma vida desregrada. Um empregado que vive encrencando com seus colegas de trabalho. Uma pessoa insensível que não tem a menor consideração para com o próximo, vivendo à margem da sociedade."

Deve-se ponderar, todavia, que o uso freqüente de bebida alcoólica, por si só, não justifica valoração negativa da conduta social do agente, pois o alcoólatra é um doente que carece de tratamento38.

A breve justificativa do Magistrado de que o apenado tem má conduta social porque "se revela perigoso" à sociedade também não é acertada, pois ao agente que se apresenta perigoso, pela probabilidade de voltar a delinqüir, a legislação estabelece a aplicação de medida de segurança39.

A valoração da conduta social também não se confunde com o exame dos antecedentes. Pode haver casos em que o sujeito com registro de antecedentes criminais tenha conduta social elogiável40, assim como é possível encontrar situações em que o sujeito com um passado judicial imaculado seja temido na comunidade em que vive.

No enfoque da conduta social, não pode o Magistrado restringir-se a afirmar que o réu "aparentemente não possui boa conduta social", sem tomar por base minimamente os elementos probatórios dos autos41. Não bastam meras conjecturas42, é necessário que se ponderem as provas, geralmente orais, produzidas nos autos: a palavra das testemunhas que conviveram com réu (inclusive das abonatórias), eventuais declarações, atestados, abaixo-assinados etc.43, que demonstrem um comportamento habitual. A constatação de um fato isolado na vida do condenado não revela sua conduta social, que é sempre permanente.


Da personalidade do sentenciado

A personalidade é definida pela doutrina como a índole do agente, sua maneira de agir e de sentir, seu grau de senso moral44, ou seja, a totalidade de traços emocionais e comportamentais do indivíduo45, elemento estável de sua conduta, formado por inúmeros fatores endógenos ou exógenos46.

A missão do Magistrado na valoração desta circunstância não é nada simples. Exige, em primeiro lugar, que ele tenha conhecimentos de psicologia e de psiquiatria. É preciso, ainda, que o processo esteja instruído com todos os elementos necessários a essa valoração. E, finalmente, que ao Magistrado tenha sido oportunizado o contato pessoal com o réu.

A realidade, no Brasil, conforme assevera Gilberto Ferreira47, é a de que o Juiz não tem condições de avaliar cientificamente a personalidade do criminoso, por quatro principais motivos: "Primeiro, porque ele não tem um preparo técnico em caráter institucional. As noções sobre psicologia e psiquiatria as adquire como autodidata. Segundo, porque não dispõe de tempo para se dedicar a tão profundo estudo. Como se sabe, o juiz brasileiro vive assoberbado de trabalho. Terceiro, porque como não vige no processo penal a identidade física, muitas vezes a sentença é dada sem ter o juiz qualquer contato com o réu. Quarto, porque em razão das deficiências materiais do Poder Judiciário e da polícia, o processo nunca vem suficientemente instruído de modo a permitir uma rigorosa análise da personalidade"

Fernando Galvão48 confirma esse entendimento, manifestando que o exame da personalidade é tarefa que supera as forças do Magistrado "padrão". Na obrigação legal de valorar tal circunstância, o Juiz acaba por fazê-lo de forma precária, imprecisa, incompleta, superficial, limitada, no dizer de Paganella Boschi49, a afirmações como "personalidade desajustada", "ajustada", "agressiva", "impulsiva", "boa" ou "má", que, tecnicamente, nada informam.

Por um lado, conforme consta do Acórdão da lavra do ilustre Juiz paranaense José Maurício Pinto de Almeida, "o dever de individualizar a pena fundamentadamente pode ser cumprido de forma concisa, desde que se apontem elementos de convencimento judicial das conclusões emitidas pelo julgador. De outro lado, não se pode confundir, na motivação da aplicação da pena, fundamentação concisa com frases abertas e genéricas que enfeixam demasiada concisão, a qual acaba por gerar carência de motivação, ferindo-se assim o inc. IX do art. 93. da Constituição Federal, que contém princípio de ordem pública." 50

Cumpre destacar que a personalidade do agente é característica individual. Praticamente impossível, portanto, repetir-se em terceiros, com igual forma e intensidade. Assim, é temerário considerar a personalidade de co-réus como idênticas.

Também não pode o Magistrado julgar o agente pelo que seus ancestrais praticaram nem pelo que pratica o agrupamento ou grupo social do qual participa51.

Salo de Carvalho52, ao tratar do tema, conclui pela verdadeira "impossibilidade técnica de o jurista proceder tal averiguação e, conseqüentemente dela retirar os efeitos legais". Defende, também, que essa circunstância judicial, por evidente consagração ao "direito penal de autor", fere o pensamento penalístico atual, citando julgado nesse sentido53.

Valem, também, aqui, as anotações sobre o especial cuidado que deve ter o Juiz para não incidir em bis in idem, ou seja, para não considerar, na análise da personalidade, fatores: que já foram utilizados na valoração negativa de outra circunstância judicial; ou que constituam ou qualifiquem o delito; ou, ainda, que caracterizem agravante ou causa especial de aumento de pena.

Destarte, é proibido, por exemplo, que utilize a justificativa da "personalidade deturpada em razão da reiteração criminosa" quando for considerar o aumento de pena relativo ao crime continuado54, para não incidir em bis in idem.

Geralmente são considerados na valoração da personalidade os seguintes elementos: laudos psiquiátricos, informações trazidas pelos depoimentos testemunhais e, ainda, a própria experiência do Magistrado em seu contato pessoal com o réu.

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Não havendo, contudo, nos autos, elementos suficientes para o exame da personalidade, ou, ainda, tendo o Juiz a consciência de sua inaptidão para julgá-la, não deve hesitar em declarar que não há como valorar essa circunstância e em abster-se de qualquer aumento de pena relativo a ela. Melhor será reconhecer a carência de elementos ou a própria inaptidão profissional do que acabar agravando a pena do sentenciado por uma valoração equivocada, pobre de provas ou injusta.


Dos motivos da infração penal

Não há dúvidas de que, conforme a motivação que levou o agente a delinqüir, sua conduta poderá ser bem mais ou bem menos reprovável. No dizer de Bitencourt e de Regis Prado, os motivos "constituem a fonte propulsora da vontade criminosa"55, sendo esta, para Magalhães Noronha56, a mais importante de todas as circunstâncias para se auferir a quantidade de pena.

Não existe conduta humana desprovida de motivos. Se fosse possível, na prática forense, encontrar um caso de crime sem motivo, dever-se-ia desconfiar das faculdades mentais do acusado57.

No exame dessa circunstância judicial, o magistrado deve indagar: qual a natureza e a qualidade dos motivos que levaram o agente a praticar a infração penal?58

Não se trata, portanto, de analisar a intensidade de dolo ou culpa59, mas de descobrir se a qualidade da motivação do agir do agente merece mais ou menos reprovação.

Assim, o agente que furta para satisfazer a necessidade alimentar o filho tem motivação menos reprovável (porque nobre) do que aquele que furta para prejudicar o desafeto (por inveja ou por vingança).

O médico que facilita a morte do paciente, diante de seu desmedido e incombatível sofrimento, possui motivo menos reprovável do que o agente que mata o irmão, para que seja o único sucessor do patrimônio do ascendente.

Nélson Hungria, citado por Gilberto Ferreira60, indica alguns dos motivos que devem ser sopesados nesta fase dosimétrica: "Motivos imorais ou anti-sociais e motivos morais ou sociais, conforme sejam, ou não, contrários às condições ético-jurídicas da vida em sociedade. O amor à família, o sentimento de honra, a gratidão, a revolta contra a injustiça, as paixões nobres em geral podem levar ao crime; mas o juiz terá de distinguir entre esses casos e aqueles outros em que o ‘movens’ é o egoísmo feroz, a cólera má, a prepotência, a malvadez, a improbidade, a luxúria, a cobiça, a ‘auri sacra fames’, o espírito de vingança, a empolgadura de vícios."

O motivo da infração, assim como as demais circunstâncias judiciais, não pode ser valorado negativamente quando integrar a definição típica, nem quando caracterizar circunstância agravante ou causa especial de aumento de pena.

De igual modo, quando o motivo do agente é o normal à espécie delitiva, não pode o Juiz aumentar a reprimenda, tendo em vista que aquele, por ser inerente ao tipo, já possui a necessária censura, prevista, até mesmo, na pena mínima abstrata.

Exemplificando: num caso de furto praticado pelo desejo de obtenção de lucro fácil, o Juiz deve entender pelo não recrudescimento da pena em razão desta circunstância judicial pois, freqüentemente, este é o motivo dos crimes de furto (assim como a satisfação da lascívia, nos crimes de estupro; o enriquecimento, nos crimes fiscais…). Os motivos diversos dos normais à espécie delitiva, portanto, é que devem ser valorados pelo Magistrado.

Assim, reprise-se, deve o Juiz agir com a máxima cautela para, no exame dos motivos, não incorrer em dupla valoração (bis in idem).

O motivo fútil e o motivo torpe, por exemplo, aparecem como agravante genérica no art. 61, inciso II, alínea a, do Código Penal. Portanto, se o motivo do agente, ao cometer uma infração, foi fútil ou torpe, não poderá sopesá-lo o Magistrado como circunstância judicial desfavorável, haja vista que é agravante, portanto, computada apenas na segunda fase da dosimetria.

Da mesma forma, se o crime cometido por motivo torpe ou fútil for o homicídio, a motivação caracterizará qualificadora, prevista no art. 121, §2º, inciso I ou II, respectivamente, do Código Penal, não podendo, também, ser valorada como circunstância judicial negativa.

É possível, ainda, citar o exemplo do motivo de relevante valor social ou moral que, em regra, será atenuante (art. 65, III, alínea a, do Código Penal); e, excepcionalmente, poderá caracterizar causa de diminuição da pena no crime de homicídio (art. 121, §1º, do CP) e de lesão corporal (art. 129, §4º, do mesmo codex). Nestes casos, por evidente, a motivação jamais poderá ser valorada em desfavor do condenado.

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Sobre a autora
Juliana de Andrade Colle

advogada criminalista em Curitiba (PR), professora de Direito Penal na Faculdade de Direito de Curitiba e no Curso Jurídico

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COLLE, Juliana Andrade. Critérios para a valoração das circunstâncias judiciais (art. 59, do CP) na dosimetria da pena. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 578, 30 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6232. Acesso em: 14 nov. 2024.

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