Furto famélico

25/11/2017 às 14:35
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O presente artigo mostra claramente o que se entende por furto famélico, as principais discussões teóricas, correntes doutrinárias e posicionamentos jurisprudenciais acerca deste instituto.

RESUMO:O presente artigo mostra claramente o que se entende por furto famélico, as principais discussões teóricas, correntes doutrinárias e posicionamentos jurisprudenciais acerca deste instituto. Abordam-se as possibilidades da não punibilidade ao furto famélico, por este se tratar do único recurso encontrado pelo agente de subsistir, tendo que furtar para sobreviver. Doutrinariamente compreende-se o estado de necessidade, a insignificância e a inexigibilidade de conduta diversa, como excludentes do furto famélico, considerado assim, não punível. Jurisprudencialmente compreende-se apenas a insignificância como excludente, analisando o caso concreto, o que consequentemente não contempla toda corrente doutrinária. Seria viável a tipificação de uma norma permissiva ao furto famélico, desembaraçando teorias contrárias, por todas concordarem com a atipicidade desta prática.

PALAVRAS-CHAVE: Furto, famélico, atípico, necessidade.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO.. 1 DO FURTO FAMÉLICO..2 NATUREZA JURÍDICA..2.1 POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS. 3 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL..3.1 O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.3.2 POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA..CONSIDERAÇÕES FINAIS.REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O presente artigo visa explicitar, de forma ampla, o que se entende por furto famélico e as principais discussões teóricas, doutrinárias e jurisprudenciais acerca deste instituto. Analisando as hipóteses da não aplicação da pena de furto ao agente que furta para sua subsistência, na única intenção de proteger sua vida.

Tendo por base as correntes doutrinárias que abordam o tema amplamente objetivando sua melhor interpretação. Autores como Rogério Greco, Fernando Capez e outras linhas de abordagem a este tema. Onde se demonstrará o estado de necessidade, a insignificância e a inexigibilidade de conduta diversa, excluindo a incidência da punibilidade do furto famélico.

Apresentar-se-á os diferentes posicionamentos jurisprudenciais do STF e STJ, aplicando-se unicamente a insignificância como excludente, estudando minuciosamente o caso concreto, não contemplando todas as linhas doutrinarias e teóricas sobre furto famélico.


1 DO FURTO FAMÉLICO

O furto famélico ocorre quando alguém furta para satisfazer uma necessidade urgente e relevante. Consiste basicamente na subtração de coisa alheia móvel, como dispõe o artigo 155 do CP, por quem se encontra em estado de penúria e que busca fartar sua própria fome ou de sua família.

É a pessoa que se encontra em necessidade, não vendo outra forma a não ser furtar para sobreviver, não havendo possibilidade de se alcançar tal objetivo por outros meios. Sendo movida pela real precisão da coisa furtada para sua subsistência. Diz-se, de forma abrangente, coisa furtada, por se entender que o objeto do furto famélico não se configura apenas para saciar a fome. Alguém que furta outro item necessário usado como meio essencial à sobrevivência e à vida, seja um remédio crucial para saúde, um cobertor em uma noite de frio, ou roupas mínimas para se vestir, também pode estar cometendo furto famélico. 

Atualmente, a realidade social do Brasil demonstra, infelizmente, a precariedade na sustentação básica a que ainda está submetida considerável parte da população. Assim sendo, compreende-se a prática generalizada do furto famélico como uma tentativa de conservar o bem jurídico mais valioso – a vida, assim como a dignidade da pessoa humana, pontos defendidos superiormente pela Constituição Federal.


2 NATUREZA JURÍDICA

Necessário se faz observar a natureza jurídica do tema em questão. Primeiramente, há considerações que defendem a suposição de que o furto famélico seria um excludente de tipicidade, ou seja, não haveria os elementos que definam legalmente este delito. Presumindo o princípio da insignificância, onde se excluem do tipo os fatos de mínima perturbação social, onde o alto custo social e desgaste processual não seriam justificados. O princípio da insignificância é assim explicado pelo Deputado Eduardo Cunha, relator do projeto de lei 6.984/06:

Caso a conduta venha a lesar de modo desprezível o bem jurídico protegido, não há que se falar em tipicidade material, o que transforma o comportamento em atípico, ou seja, indiferente ao Direito Penal e incapaz de gerar condenação ou mesmo de dar início à persecução penal (BRASIL, 2006).

Seguindo, há também a corrente que estabelece o furto famélico como excludente de ilicitude, isto é, uma causa excepcional que retira o caráter ilícito de uma conduta tipificada como criminosa. Baseando-se no princípio do estado de necessidade, onde o agente opera de forma emergencial a realidade imposta, protegendo-se de perigo iminente. Dispõe o art. 24 do Código Penal (1940) sobre o estado de necessidade:

Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

Por fim, afirma-se, ainda, que o furto famélico trata-se, na verdade, de excludente de culpabilidade, que em outras palavras representa a ausência de qualquer dos elementos essenciais para configurar a culpa. Neste caso, se alega que há a inexigibilidade de conduta diversa, ou seja, consiste na impossibilidade de exigir do agente que, diante das circunstâncias, aja de acordo com uma determinação legal. Analisando a Teoria Tripartida, conclui-se, mediante os princípios e excludentes supramencionados, a atipicidade do Furto Famélico.

2.1 POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS

O Código Penal brasileiro não se posicionou de forma clara acerca do furto famélico, restando observar a parte geral. Pela abstenção do CP em relação ao caso em questão, a interpretação deste fica sob responsabilidade de doutrinadores, jurisprudências e discussões teóricas. Greco (2013, p.18) aborda o assunto de forma ampla:

A palavra famélico traduz, segundo o vernáculo, a situação daquele que tem fome, que está faminto. [...]Em tese, o fato praticado pelo agente seria típico. Entretanto a ilicitude seria afastada em virtude da existência do chamado estado de necessidade. [...] o furto famélico amolda-se às condições necessárias ao reconhecimento do estado de necessidade, uma vez que, de um lado, podemos visualizar o patrimônio da vítima e, do outro, a vida ou a saúde do agente, que corre risco em virtude da ausência de alimentação necessária para a sua subsistência.

Para Greco (2013), se o agente podia furtar algo de menos valor que saciaria sua fome, e escolhe furtar algo consideravelmente mais caro, não poderia ser beneficiado com o discurso do estado de necessidade. Sobre o furto famélico, explicita Fernando Capez (2008, p.83):

FURTO FAMÉLICO OU NECESSITADO. É aquele cometido por quem se encontra em situação de extrema miserabilidade, necessitando de alimento para saciar a sua fome e/ou de sua família. Não se configura, na hipótese, o crime, pois o estado de necessidade exclui a ilicitude do crime. Dificuldades financeiras, desemprego, situação de penúria, por si sós, não caracterizam essa descriminante, do contrário estariam legalizadas todas as subtrações eventualmente praticadas por quem não estiver exercendo atividade laborativa.

Segundo Capez (2008), o furto deve ser um recurso inevitável, um ato in extremis. Assim sendo, se o agente tinha a possibilidade de captar recursos e a conduta recair sobre bens supérfluos, não configurará furto famélico.


3 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

 A jurisprudência brasileira é limitada, não compreendendo todas as correntes doutrinárias, atendendo-se apenas à aplicação do princípio da insignificância. 

3.1 O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Atualmente, o posicionamento que prevalece nos casos de furto famélico é a aplicação do princípio da insignificância. Sendo assim, há exclusão da tipicidade material do crime de furto famélico. Segundo o Ministro Luiz Fux, em decisão proferida no Habeas Corpus 112262/MG, assim definiu-se furto famélico: 

O furto famélico subsiste com o princípio da insignificância, posto não integrarem binômio inseparável. É possível que o reincidente cometa o delito famélico que induz ao tratamento penal benéfico. Deveras, a insignificância destacada do estado de necessidade impõe a análise de outros fatores para a sua incidência. É cediço que a) O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada; b) a aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais. [i]

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O STF entende que deve-se aplicar o princípio da insignificância ao delito famélico, porém necessário se faz observar todos os requisitos que se aplicam ao mesmo.  No julgado acima, não foi aplicado, pois o réu era reincidente, possuía ampla ficha criminal e agiu em concurso.

3.2 POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O posicionamento majoritário do STJ, também analisa a aplicação da insignificância, porém, continua-se aplicando mesmo quando o réu é reincidente e de maus antecedentes. Com base nisto, verifica-se que o STJ adota um posicionamento mais benéfico em relação ao STF.

Expõe o Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Quinta Turma. Recurso Ordinário em Habeas Corpus 23376):

O princípio da insignificância em matéria penal deve ser aplicado excepcionalmente, nos casos em que, não obstante a conduta, a vítima não tenha sofrido prejuízo relevante em seu patrimônio, de maneira a não configurar ofensa expressiva ao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora. Assim, para afastar a tipicidade pela aplicação do referido princípio, o desvalor do resultado ou o desvalor da ação, ou seja, a lesão ao bem jurídico ou a conduta do agente, devem ser ínfimos[ii]

O posicionamento do STF difere do posicionamento do STJ no que tange à consideração de circunstâncias desfavoráveis ao agente, onde o STF não aplica a insignificância se o agente for reincidente e/ou tiver maus antecedentes, diferente do STJ que se posiciona favorável à aplicação da insignificância não observando tais fatos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve o objetivo de narrar as principais discussões teóricas, correntes doutrinárias e posicionamentos jurisprudenciais acerca do furto famélico. Compreende-se que o furto famélico pode ocorrer devido à necessidade vivida, decorrente da realidade social imposta à grande parte da população, que não vê outro meio a não ser o de furtar para sobreviver. Como, ao cometer furto famélico, o agente está protegendo a vida, bem jurídico mais valioso, como também a dignidade da pessoa humana, há possibilidade de não se aplicar a pena de furto, por se tratar de condição alheia à vontade do agente.

Pela doutrina compreende-se aplicável o estado de necessidade, o princípio da insignificância e a inexigibilidade de conduta diversa, tirando a tipicidade, ilicitude e culpabilidade do furto famélico. Já jurisprudencialmente, vimos que se aplica unicamente a insignificância, analisando, ainda, o caso concreto, considerando que o STF não aplica este instituto se o agente tiver maus antecedentes e reincidência, ao passo que o STJ não observa tais elementos para aplicar a insignificância ao furto famélico. Ao se observar os posicionamentos jurisprudenciais mais recorrentes, nota-se que o STF se apresenta um grau superior penalizador que o STJ, mostrando-se mais rigoroso ao analisar o furto famélico.

Assim, a principal corrente doutrinária não tem respaldo jurisprudencial por defender, além do princípio da insignificância, a inexigibilidade de conduta diversa e o estado de necessidade. Uma solução viável para desembaraçar entendimentos contrários seria a tipificação de uma norma permissiva ao furto famélico, esclarecendo minuciosamente cada requisito. Com todo exposto conclui-se que, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, uma tese em comum é o fato de o furto famélico ser considerado atípico.


Notas

[i] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 112262/MG. Relator Ministro Luiz Fux. Primeira Turma. Julgamento em 10/04/2012. Publicado no Dj 02/05/2012. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 09 de novembro de 2017.

[ii] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus 23376/MG. Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Quinta Turma.  Julgamento em: 28/08/2008. Publicado no Dj 20/10/2008. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 09 de novembro de 2017.

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