Abandono Afetivo: Consequências, responsabilização e análises jurisprudenciais.

Exibindo página 1 de 3
27/11/2017 às 07:35
Leia nesta página:

Reflexões sobre a possível responsabilização civil, por danos morais, dos pais que praticam o abandono afetivo nos filhos.

RESUMO:Cuida-se de expor, sob o título de Abandono Afetivo: Consequências, Responsabilização e Análises Jurisprudenciais, os principais fundamentos legais, doutrinários e jurisprudenciais sobre a temática, concentrando-se, ao final, no dano moral já assentado pelos grandes tribunais brasileiros por sobre a matéria. Por objetivo geral tem-se a análise sobre as possibilidades de responsabilização civil por danos morais no abandono afetivo no tocante à afetividade não despendida em razão dos filhos e a verificação da possibilidade de condenar os pais à indenização por dano moral. Por metodologia encontra-se fundamentalmente, quanto ao procedimento, a pesquisa bibliográfica, e, quanto à abordagem, a pesquisa qualitativa.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Civil. Abandono Afetivo. Responsabilização.

 ABSTRACT:The main legal, doctrinal and jurisprudential foundations on the subject, focusing on the moral damage already established by the major Brazilian courts over and above what has been described as "Affective Abandonment: Consequences, Accountability and Jurisprudential Analyzes" school subjects. The general objective is to analyze the possibilities of civil liability for moral damages in affective abandonment in relation to affection not spent on the children and the possibility of condemning the parents to compensation for moral damages. By methodology it is fundamentally, as far as the procedure, the bibliographical research, and, as far as the approach, the qualitative research is concerned.

 Keywords: Constitutional Law. Civil Law. Affective Abandonment. Accountability.


INTRODUÇÃO

Não existem dúvidas em se mencionar que a família se trata da maior influência de indivíduo ante a sociedade. Deste modo, pode-se então afirmar a importância do berço familiar para a formação de um indivíduo.

Neste sentido, a presente pesquisa visa discorrer acerca do abandono afetivo, dando ênfase nas questões que concernem tanto às consequências desse feito, quanto a responsabilização aos que o realizam.

O direito, diante das relações sociais contemporâneas, se vê continuamente obrigado a encontrar soluções que se harmonizem com a realidade. Neste cenário, surge à responsabilidade civil por abandono paterno-filial, tema polêmico que enseja grande debate no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que se tornou forma de pleitear na justiça, uma indenização pela falta de afeto do pai e pelo descumprimento de deveres garantidos aos filhos.

Nesse contexto, o presente trabalho buscará estudar sobre as possibilidades de responsabilização civil por danos morais decorrente de abandono afetivo nas relações entre pais e filhos, analisando se essa medida tem caráter de reparação dos prejuízos causados no desenvolvimento do indivíduo que sofre o abandono, trazendo o posicionamento dos tribunais brasileiros acerca da matéria, bem como analisar a natureza jurídica da afetividade e da responsabilidade dos genitores através dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais.


A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA MARITAL NO DESENVOLVIMENTO DOS FILHOS

Com base nos ensinamentos religiosos aos quais se tem acesso, entende-se por família uma entidade formada inicialmente pela figura do marido e da mulher, e, só posteriormente, existe a ampliação por meio dos filhos, de modo que a família cresce por meio do casamento.

Com o decorrer dos anos, a sociedade viu a necessidade de se criarem determinadas regras com o intuito de organizar de maneira mais eficiente o que se conhecia por família foi onde criou-se o então conhecido, Direito de família1.

2.1 A Evolução da Legislação

No que concerne ao entendimento do Código Civil de 1916, acerca do conceito de família pode-se afirmar que o mesmo abordava sobre o pátrio poder, que se tratava dos direitos incumbidos ao pai ou a mãe por meio do poder de guarda, onde os mesmos deveriam proteger e educar os filhos, formando-os para a vida em sociedade2.

O primeiro dispositivo da legislação brasileira que mencionou a importância da família foi a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, que passou a vigorar em 16 de julho de 1934, que mencionava em seu artigo 144 o seguinte texto: “A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado”3.

Só a partir do dispositivo legal mencionado, é que a palavra família passou a fazer parte dos códigos posteriores, onde cada vez mais foi se aprimorando e ampliando o conceito da mesma e mencionando sua devida importância. 

Cabe mencionar um marco importante acerca da evolução do direito de família com o decorrer dos anos, o qual se trata da Constituição Federal de 1988, onde o legislador pretendeu driblar a desigualdade e o preconceito no direito de família brasileiro, e introduziu ainda no referido dispositivo legal o conceito de união estável, entre outras mudanças.

2.2 Direito de Família e a Constituição Federal de 1988

Em 1988, quando passou a vigorar a atual Carta Magna, foi que a conceituação de família recebeu determinada proteção, como consta em seu artigo 22.

 Em termos simples, é possível afirmar que, o direito de família, consiste em um conjunto de normas e regras que são aplicáveis especificamente as pessoas que são ligadas pelo vínculo de parentesco, casamento, e até mesmo pela adoção4.

No entendimento do direito de família, existem várias formas de se constituir uma família com todos os seus direitos e deveres. A forma mais segura para construir uma família, para o âmbito jurídico se trata do casamento. E como previsto nos parágrafos 1º e 2º do artigo 226 da Constituição Federal, o mesmo pode ser realizado tanto de forma religiosa, quanto civil, firmado em cartório, sendo reconhecido pelo Direito, apenas o casamento civil.

O Poder Judiciário atento as modificações da sociedade e ao mencionar a complexidade das relações familiares incluiu a União estável, como entidade familiar, modificação substancial que acrescentou o §3º no art. 226 CF, independente da união ser formada por heterossexuais ou homossexuais. Assim, os filhos concebidos por vínculos consanguíneos ou adotados no decorrer da união pertencem a seio familiar. 

Em conformidade com outro autor, tem-se interessante definição mais explicativa sobre os escritos legais. Deste modo elucida-se que: 

Direito de família é o complexo de normas que regulam a celebração do casamento (e da união estável) sua validade e os efeitos que (deles) resultam as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal (e da união estável), as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco (do companheirismo) e os institutos complementares da tutela e da curatela5.

Assim, o autor nos remete ao sentido mais amplo do direito de família, aclarando que o mesmo se trata do meio legal que visa estabelecer normas para regulamentar à vida familiar dos indivíduos unidos pelo casamento, parentesco sanguíneo e até mesmo o afetivo, nos casos de adoção, conforme mencionado anteriormente nesse contexto.

2.2.1 Dignidade Humana

O texto constitucional e a aplicação do Direito Civil não podem se desvincular de forma alguma, pois a Constituição é fonte única do Direito Civil. Os direitos fundamentais constituem elementos basilares do constitucionalismo. O texto constitucional possui, entre tais direitos, uma composição dos direitos individuais, políticos, sociais, econômicos, culturais, ambientais. 

No que tange a respeito do jovem e adolescente, a Carta Magna apregoa as regras concernentes ao Direito de Família: 

Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.6

Pois, se a história constitucional brasileira pode gabar-se da presença permanente da Declaração de Direitos e Garantias Individuais do Cidadão, a Constituição de 1988 introduz direitos fundamentais específicos da criança e do adolescente e que “não se restringem apenas ao artigo 227 da CF”7. Sendo conveniente que se explane sobre diversos outros direitos fundamentais, entre eles: 

a) equiparação de filhos e a vedação de designações discriminatórias relativas à filiação (art. 226 § 6.º).

b) inimputabilidade dos menores de 18, sujeitos à legislação especial (art. 228). Há de se ressaltar que diversa é a forma de se deparar com os adolescentes infratores: a aplicação de medidas socioeducativas; 

c) assistência e educação por parte dos pais (art.229).

O fato de se encontrarem dispersos no texto constitucional – o artigo 227 e os demais citados a título de exemplo – não lhes retira o status de direitos fundamentais, devendo ser tratados da mesma forma que todos os demais8.

Ainda, pode-se ir de encontro com a doutrina que afirma que os direitos fundamentais oriundos das regras internacionais aglutinam- se à Constituição, por meio do § 2º do artigo 5º. Adquirem, outrossim, junto ao sistema constitucional, status igual ao concedido aos demais direitos fundamentais9.

Essa sistemática constitucional propôs mudanças mais do que significativas com referência à hipótese de colocação dos filhos no seio da família. No sistema anterior à Constituição Federal de 1988, os filhos pertenciam às famílias, sem que tivessem qualquer direito, pois na hierarquia familiar, ficavam em plano inferior, sem qualquer participação ativa ou passiva na família. 

Nessa perceptiva, os filhos passam a ser tratados como membros participativos da família, tornando-se titulares de direitos. O filho passa a ser o centro de atenção da família10 no que tange à filiação, o extenso conjunto de preceitos reguladores absoluta à pessoa dos filhos.

2.3 O Direito da Criança ao Convívio Familiar

            Realizado um estudo geral da bibliografia a respeito do tema pode-se constatar que o afeto se caracteriza como uma importante ferramenta, que pode auxiliar na resolução de inúmeros conflitos no âmbito familiar.

Com base em inúmeros ensinamentos jurídicos existentes, sabe-se que, todo brasileiro, sem nenhum tipo de distinção, é norteado por uma série de deveres e por consequência e até para uma melhor qualidade de vida é regido por vários direitos também.

Deste modo, cabe salientar que entre diversos direitos que são direcionadas especialmente as crianças e adolescentes, encontra-se o direito ao convívio familiar, que se trata de um direito fundamental para o desenvolvimento para a vida adulta.

Primeiramente destaca-se a legislação pertinente aos deveres dos pais em relação aos filhos. Estes deveres podem ser encontrados em diversos dispositivos de nosso ordenamento jurídico, entre eles, destacamos os seguintes: artigos 227 e 229 da Constituição Federal; artigos 3º e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente; e artigos 1566, IV e 1634 do Código Civil.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Além de tais dispositivos, também achamos sempre oportuno recordar que os pais têm o dever de garantir aos filhos a dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, bem como estabelecer deveres para os pais com relação aos filhos, de assistência, criação e educação.

Estes deveres não apresentam somente critérios materiais, mas também afetivos, já que conforme aclaram os dispositivos legais, cabem aos pais zelar pelos filhos, promovendo entre outros aspectos importes para a vida, o amor. 

Importante salientar, que a legislação estabelece esses cuidados como sendo direito dos filhos e dever dos pais, de modo que, caso estes descumpram com tal exigência, cabe ao mesmo responder pelos seus atos, conforme menciona a doutrina:

Poderíamos dizer que o dever dos pais para com os filhos deriva do dever conjugal de guarda, sustento e educação dos filhos. A inobservância deste dever pode configurar, também, segundo o Código Penal, crime de abandono material ou abandono intelectual, além de dar causa à suspensão ou destituição do poder familiar, ou a separação litigiosa culposa, conforme estabelece o Código Civil vigente11.

            Detecta-se que os pais não cumprem com suas obrigações de promover tanto o sustento, quanto o afeto para com os filhos, os mesmos devem responder pelos seus erros e de alguma forma, reparar os danos.

Para ilustrar a questão, a obrigação alimentar de ambas as partes nos casos de cônjuges separados. O legislador é claro ao mencionar que cabe aos genitores assegurar as necessidades vitais dos filhos, as quais se enquadram alimentação, educação, lazer, vestimenta, entre outros.

Destarte, é possível perceber que, o cuidado, zelo e afeto também se enquadram nas necessidades vitais do ser humano, uma vez que, a presença do desamor pode acarretar em danos psicológicos que em alguns casos são irreversíveis. 

A falta do convívio do pai, com a ruptura dos genitores, acaba sendo inevitável a distância existente entre pai e filho, porém devem-se permanecer os laços afetivos e a presença, pois compromete o desenvolvimento saudável com a omissão destes.

É importante salientar que, não se trata de estabelecer a obrigação de amar, ou indenizar nos casos de desamor, e sim priorizar os cuidados necessários aos filhos, e a presença física se encontra entre os mesmos.

A legislação impõe que, nos casos de total descumprimento desses deveres, os danos causados pelo sofrimento sejam de reparados de alguma forma. Assim, tem-se:

Não se pode rejeitar a possibilidade de pagamento de indenização do dano decorrente de falta de afeto simplesmente pela consideração de que o verdadeiro afeto não tem preço, porque também não tem sentido sustentar que a vida de um ente querido, a honra e a imagem e a dignidade de um ser humano tenham preço, e nem por isso se nega o direito de obtenção de um benefício econômico em contraposição à ofensa praticada contra esses bens12.

Como exposto por alguns doutrinadores, o amor não tem preço, porém, a responsabilização pelos danos psíquicos resultantes desta falta, devem ser cobrados e seus pais responsabilizados. Os menores, popularmente dizendo, “pagam um preço alto” no seu começo de vida por conviver com a ausência de um ente, ente este totalmente essencial, formador de caráter, conduta e base de personalidade. 

Logo, os prejuízos causados pelo abandono afetivo podem afetar a construção da personalidade, e, uma vez, preenchidos os requisitos da responsabilidade civil, deverá ser analisada a existência de uma conduta ilícita do pai ou da mãe e o nexo causal. Assim, além de tentar compensar o dano sofrido, a condenação visa inibir ações semelhantes no futuro.

Especialmente nas hipóteses de separação judicial por descumprimento de alguns dos deveres do casamento. [...] cabível a indenização quando houver dano ao consorte em razão de tal descumprimento, não se enquadrando nessa hipótese o simples desamor, pois falta de amor, por si só, não pode acarretar qualquer consequência jurídica, já que amar não é dever jurídico, inexistindo ato ilícito na falta de amor.

2.3.1 Dos Filhos

No passado, os filhos, eram “lateral, periférico e quase acessório”13.

Em 1924, a Declaração de Genebra já estabelecia a “necessidade de proclamar à criança uma proteção especial”, mais tarde em 1948 no mesmo sentido a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas impunha a criança e ao adolescente “o direito a atendimento e cuidados especiais”.

Com o decorrer dos tempos, as crianças e adolescentes passaram a ser cada vez mais amparadas pela legislação, de modo que no ano de 1959 a ONU em união a declaração Internacional dos Direitos da criança e do Adolescente que:

A criança gozará de proteção especial e disporá de oportunidades e serviços, a serem estabelecidos em lei, por outros meios, de modo que possa se desenvolver física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança14.

Destarte, o legislador nos remete ao entendimento de que, prioriza-se em qualquer situação o bem-estar do menor, sem que faça distinção acerca de suas origens ou de qualquer outro tipo, visando sempre o bom desenvolvimento das crianças, bem como as assegurando uma vida digna.

Por essas razões é que os filhos passaram a ter sua proteção assegurada a partir do texto constitucional de 1988. No entanto, os direitos resguardados aos filhos evoluíram de modo que, atualmente se tem um dispositivo que é voltado para os mesmos, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

O ECA veio como complemento da legislação, e trata especificamente das crianças e adolescentes, destacando tanto os seus direitos, como também seus deveres e obrigações diante da sociedade. Assim, os mesmos têm  mais segurança também no caso de separação dos cônjuges. 

Nossa Carta Magna prioriza sempre a dignidade humana. Nesse norte, visando estabelecer maior valorização do âmbito familiar originou-se o princípio do melhor interesse do menor.

Tal princípio preconiza o zelo daqueles que se encontram em situação de fragilidade e vulnerabilidade, quais sejam a criança e adolescente, uma vez que os mesmos estão passando pela fase de formação de personalidade 

Deste modo, fica subentendido que a criança e adolescente contam com o amparo legal também deste princípio para que se possa garantir que os mesmos cheguem na vida adulta de maneira que se faça cumprir o que foi estabelecido pelo mencionado artigo 227 da Constituição Federal.

Nesse sentido, Silva elucida que:

Acerca do tema a melhor doutrina preceitua que o princípio do melhor interesse da criança atinge todo o sistema jurídico nacional, tornando-se o vetor axiológico a ser seguido quando postos em causa os interesses da criança. Sua penetração no ordenamento jurídico tem o efeito de condicionar a interpretação das normas legais. Por isso, na aplicação da Convenção, o magistrado precisa ter em mente a aplicação do princípio de forma ampla, como, aliás ocorre em diversos setores da normativa jurídica15.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Lays Freitas

Acadêmica de Direito no Instituto Luterana de Ensino Superior ILES/ULBRA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos