Direito à Vida x Liberdade de Crença

Ponderação frente aos Direitos da Personalidade

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27/11/2017 às 10:06
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2 Do Conflito de Direitos: Direito à Vida x Direito à Liberdade de Crença

Aqui cabe ressaltar o ponto fundamental deste trabalho, a saber, se seria possível que o direito fundamental da liberdade de crença se sobreponha ao direito à vida e assim seja o fundamento para impedir um tratamento médico com transfusão de sangue.

Antes, vamos esclarecer sobre quando ocorre e como pode ser solucionada a colisão entre direitos fundamentais.

 2.1 Colisão de Direitos Fundamentais

Como o tema dos direitos fundamentais é cada vez mais relevante, debates e teorias sobre eles estão cada vez mais comuns. Muitos juristas enfatizam que, a partir do momento em que são definidos, pode haver a colisão entre direitos fundamentais – casos em que há incompatibilidade de exercício de dois ou mais direitos - pois o exercício de um, necessariamente, excluirá a possibilidade de exercício de outro. É a essa importante conclusão que chega SEQUEIRA (2004, p. 10):

“Isso significa que, desde Thibaut, a doutrina, praticamente em uníssono, tem considerado a colisão de direitos como um limite ao exercício de direitos, o qual se verifica sempre que o exercício de um direito impossibilita no todo ou em parte, o exercício de outro”.

Não se trata de estabelecimento dos limites entre um e outro direito e, sim, da admissão, em determinado caso concreto, de que um direito deve prevalecer sobre outro, numa situação de sobreposição.

Nos direitos da personalidade, dada a sua especial vitalidade, essa situação é mais evidente, pois o caráter absoluto dos mesmos implica na oponibilidade destes em quaisquer situações. Poder-se-ia falar, inclusive, em superoponibilidade ou absolutidade, vez que esta categoria especial de direitos opõe-se ao próprio titular, sendo absoluta inclusive em relação ao direito de liberdade de seu titular.

Assim existirão hipóteses em que o exercício de algum deles se chocará com o exercício de outros.

Portanto, a autonomia da colisão de direitos não pode ser solucionada senão pela ponderação axiológica jurídica dos direitos em choque, à luz do caso concreto, não sendo possível estabelecer soluções apriorísticas.

Na colisão de direitos não existem proposições normativas incompatíveis, mas sim exercício de direitos colidentes entre si, de modo que naquele caso concreto conflitual, deverá determinar-se qual direito poderá ou deverá ser exercido e qual sucumbirá, ou, ainda, quais as concessões deverão ser feitas no exercício dos direitos colidentes, não eliminando, em hipótese nenhuma, o direito subjetivo inferior, que continua latente, podendo ser avocado em outras hipóteses.

ALEXY (2001, p. 295) prossegue afirmando que, na ocorrência de colisão entre princípios, o reconhecimento da preponderância de um sobre outro não resulta na declaração de invalidade do que possui menor “peso”. Não se pode pensar em aplicar a cláusula de exceção, pertinente às regras.

2.2  Ponderação à luz do caso concreto

Ponderação de princípio no Direito Constitucional surge quando é preciso encontrar a solução para casos de tensão entre direitos e bens juridicamente protegidos. Isso conduz a uma hierarquia, à atribuição de peso ou valor maior de um em relação a outros. É uma solução justa de conflitos entre direitos e princípios. Segundo CANOTILHO (1992, p. 1241), é método conhecido pela ciência jurídica.

Segundo SOUSA (1995, p. 532), a solução dos conflitos derivados da colisão de direitos da personalidade é possível por meio de uma ponderação axiológico-jurídica dos direitos em choque.

Para ALEXY (2001, p. 295) fica determinado o critério de ponderação: pela ponderação, há interesses resguardados por princípios colidentes. Esse critério busca avaliar qual dos interesses, “abstratamente do mesmo nível”, possui “maior peso diante das circunstâncias do caso concreto”. Quando há dois princípios equivalentes abstratamente, prevalecerá, no caso concreto, o que tiver maior peso diante das circunstâncias (grifo nosso).

A ponderação de valores, como opção metodológica para fundamentar as decisões, é adotada no Brasil para superar o positivismo e seus antigos métodos de interpretação.

Sendo a nossa Constituição pluralística, alicerçada em valores que devem ser igualmente protegidos e, que por isso, constantemente entram em colisão, a atividade de ponderação deve ser realizada com os olhos no caso concreto, pois é nele que deve ser buscada alguma peculiaridade a fazer prevalecer naquele especifico caso um dos princípios em conflito.

Frequentemente, o judiciário lança mão do principio da proporcionalidade para solucionar esses conflitos. Por ele, o aplicador do direito tenta conciliá-los a fim de que ambos preservem sua normatividade, e não haja o sacrifício de nenhum.

É conhecido da jurisprudência do STF – Corte Maior brasileira - o uso da técnica da concordância prática que estabelece que os conflitos entre direitos fundamentais devam ser resolvidos à luz do caso concreto. Somente diante dele será possível uma solução justa. Não deve haver um sacrifício de direito, mas sim sua concordância.

Em que pese ser essa técnica muito utilizada e prestigiada, de certo ela somente pacifica a consciência do aplicador do Direito, pois há, naquele específico caso sub judice um sacrifício por completo de um dos direitos em colisão, pois na prática, e isso é o que mais importa, um dos direitos seria totalmente fulminado e apagado.

Como exemplo, podemos usar casos de que trata este trabalho. Imagine um caso em que um paciente que está com sua vida em risco, sem possibilidades de tratamentos alternativos, seja uma testemunha de Jeová, religião que não permite transfusão de sangue.

Qual seria a solução?

Pela ponderação de princípios defendida pelos juristas, a solução seria uma aplicação de ambos na medida em que cada um possa se realizar na medida do possível e os direitos fundamentais – a vida e a liberdade de crença – sejam preservados.

Mas qual seria essa medida possível, que pelo simples realizar de um direito (a transfusão de sangue) fulminaria por completo o outro (liberdade religiosa)?

Recebendo a transfusão de sangue, este paciente teria sua liberdade de religião completamente fulminada, pois em nenhuma medida seria respeitado.

Porém, caso se protegesse o direito à sua religião, o direito à vida estaria sendo, também completamente, extirpado, e em nenhuma medida sendo aplicável, afinal, não há como morrer menos ou mais.

Por tudo isso, é notório que a aplicação da técnica de ponderação não resolve satisfatoriamente o problema, que talvez não tenha solução.

No HC 89544, do Supremo Tribunal Federal, assim ficou consignado:

“Observou-se que ambas as garantias, as quais constituem cláusulas elementares do princípio constitucional do devido processo, devem ser interpretadas sob a luz do critério da chamada concordância prática, que consiste numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, em se deparando com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que aperfeiçoe a realização de todos eles, mas, ao mesmo tempo, não acarrete a negação de nenhum.”


3. Recusa à Transfusão de Sangue e o Direito à Vida

Não é demais enfatizar mais uma vez que, para a nossa Constituição, tanto o direito à vida como o direito à crença são valores essenciais para a nossa sociedade e ambos estão positivados no artigo 5º da Carta Magna brasileira.

Também reiteramos que todos os direitos fundamentais e a colisão entre eles vêm sendo cada vez mais discutidos e teorizados por constitucionalistas, que entendem  não ser possível positivar, unilateralmente, um tema cada vez mais polêmico.

Há os teóricos que defendem que o direito à liberdade religiosa deve ser respeitado, pois é uma escolha do paciente que tem suas crenças e suas convicções e pauta sua fé sobre elas. Há os que preconizam a autonomia de decidir se querem, ou não, ser submetidos à transfusão de sangue, independente do risco à vida.

Essas correntes teóricas defendem que a medicina tem evoluído e já oferece outras técnicas de tratamento, aceitas, inclusive, pela comunidade cristã Testemunhas de Jeová, que os preservaria de se submeterem ao método que não é aceito por sua doutrina religiosa.

Nessa corrente, defendendo a recusa, argumentam que o respeito à escolha do paciente, lhe assegura a dignidade da pessoa humana. Isso porque, a transfusão contra sua vontade, seria uma afronta à sua condição de crente em suas convicções.

Para Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2017, p.241) “Não é despiciendo registrar que a pessoa humana seguidora da orientação das Testemunhas de Jeová pretende, tão somente, viver em paz consigo mesmo, com aas demais pessoas e com o mundo, tendo respeitada a opção religiosa abraçada”.

Será preciso aprender a respeitar a escolha, a consciência e a convicção de alguém, mesmo que se encontre em situação de emergência e risco de vida? Forçar alguém a violar sua consciência não seria rude golpe à dignidade humana?

Os autores acima mencionados preconizam que a crença religiosa deve ser respeitada e nesse passo, citam o comovente relato de um caso em que o médico, no Paraná, promoveu a transfusão em determinada parturiente, contra a vontade dela e de seu marido, que recusavam o tratamento hematológico por motivos religiosos, vindo a paciente, após alta médica, a sofrer repúdio de sua comunidade, não sendo, sequer, aceita em seu lar pelo cônjuge, nem permitido que pudesse frequentar sua igreja (NETO, Miguel Kfouri, 1994, op. cit., p.183).

Não há de se defender que somente a integridade física é passível de proteção constitucional. Devendo também à integridade psíquica ser assegurada proteção legal e acima de qualquer coisa, respeito.

Para eles a fé, é algo que não se explica, ultrapassa a barreira do ser, do conhecimento pessoal. É mais do que uma simples conduta de vida, é a razão para a qual todas as coisas seguem e por ela são feitas.

Permite-se que uma vida seja salva, mas não a sua alma, o seu psíquico, o seu emocional. De que vale salvar uma vida e após a intervenção médica essa pessoa perder sua razão de ser. De que vale o tormento espiritual e psicológico? Viver sem paz, em tormento equivale a não viver. Um homem pode impor a outrem sua opção de vida?

De outro lado, Maria Helena Diniz defende a ideia de que o médico não pode jamais quebrar o seu juramento de salvar vidas. E vida é bem maior a ser protegido pelo ordenamento jurídico. Numa ponderação de interesses, a crença religiosa perde em comparação à vida.

“Deveras, como a vida é o bem mais precioso, que se sobrepõe a todos, entre ela e a liberdade religiosa do paciente, deverá ser a escolhida, por ser anterior a qualquer consentimento do doente ou de seus familiares. O sacrifício de consciência e um bem menor do que o sacrifício eventual de uma vida”(DINIZ, 2002, p.142).

Temos também a valorosa lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

“Temos plena convicção de que, no caso da realização de transfusão de sangue em pacientes que não aceitam esse tratamento, o direito à vida se sobrepõe ao direito à liberdade religiosa, uma vez que a vida é o pressuposto da aquisição de todos os outros direitos. Além disso, como já colocado, a manutenção da vida é interesse da sociedade e não só do indivíduo. ou seja, mesmo que, intimamente, por força de seu fervor, ele se sinta violado pela transfusão feita, o interesse social na manutenção de sua vida justificaria a conduta cerceadora de sua opção religiosa”.

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Claramente essa é uma opinião pessoal dos juristas citados, respeitáveis estudiosos que discordam em pontos sobre os mesmos princípios e direitos. O que reforça que, sem dúvidas, o debate envolve aspectos transcendentais, não podendo ser restrito à afirmação do direito à vida física, por envolver também, o direito (constitucionalmente assegurado) à liberdade de crença (ou de não ter crença) e de autodeterminação religiosa.

O Código Civil estabelece que ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica (art. 15).

Qual a interpretação que pode ser dada ao referido artigo? Pode ser que o legislador quis impedir que as pessoas fossem usadas como cobaias para pesquisas científicas ou pode ser que este artigo seja usado a favor das Testemunhas de Jeová.

Se houver a recusa do paciente mesmo assim o médico deverá intervir para tentar salvar sua vida?

Em regra, a transfusão de sangue e hemoderivados reveste-se de caráter de urgência, não podendo ser precedida de tratamento alternativo nem de formalismo.

Se houver urgência, como aplicar um tratamento alternativo intempestivo, evitando assim a transfusão de sangue numa testemunha de Jeová? Como solucionar o conflito entre a ética médica e o respeito à crença religiosa dos pacientes? Como conciliar o direito do paciente de escolher o tratamento ao qual será submetido com o dever do médico de salvar sua vida?

O Código de Ética Médica dispõe o seguinte:

“Capítulo III – Responsabilidade Profissional

É vedado ao médico:

Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. (...)

Capitulo IV - Dos Direitos Humanos

É vedado ao médico:

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. (...)

Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. (...)

Capitulo V - Relação com pacientes e familiares

É vedado ao médico:

Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.

Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente”. (Código de Ética Médica, 2009).

 No mesmo sentido, os Princípios Fundamentais mencionados no Código de Ética Médica:

“Capitulo I - Princípios Fundamentais

II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade”. (Código de Ética Médica, 2009).

Todos os dispositivos acima, guardam respeito e defesa à vida do paciente, deixando claro que, em caso de iminente perigo de morte, sua vontade e de seus representantes não prevalecerão.

Ainda, conforme os incisos VII e VIII do Capítulo I do Código de Ética Médica, ao médico é garantida a autonomia e liberdade profissional, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência e de seu dever profissional. Assim, sendo urgente e inadiável, a transfusão de sangue não consentida, prevalecem diante da ciência, do valor da vida do paciente e do interesse da comunidade, pois a vida é um bem coletivo, que interessa mais à sociedade do que ao indivíduo.

Ainda, atendendo à Resolução n.º 1021/80, art.2º que dispõe, in verbis:

Art. 2º. Se não houver iminente perigo de vida, respeitará a vontade do paciente ou dos responsáveis; se houver iminente perigo de vida, praticará a transfusão mesmo sem consentimento do paciente ou de seus responsáveis.

Diante do exposto, é fundamental a análise do caso a partir da existência ou não de perigo de vida do paciente, pois se houver perigo iminente de morte, o médico ao intervir, não poderá ser responsabilizado civilmente. Todavia, não havendo qualquer risco à vida do paciente, caso o médico realize intervenção, após a negativa do enfermo de não se submeter ao procedimento indicado pelo discípulo de Hipócrates, haverá a possibilidade de responsabilização na esfera cível.

No campo do Direito Penal não há que se falar em crime mediante a conduta do médico ao realizar a transfusão de sangue em paciente que esteja em iminente perigo de morte, pois não há como uma norma proibir aquilo que é protegido por outra norma.

Vale lembrar que o Código Penal brasileiro não considera crime de constrangimento ilegal “a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justifica por iminente perigo de vida” (art.146,§3, I, do CP).

Portanto, atuando o médico conforme autoriza ou fomenta o Direito, não há que se falar em fato típico. Conforme a precisa lição de Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli:

“Além do fato de que o direito, eventualmente, obriga o cirurgião a praticar certas intervenções, não há dúvida de que as intervenções cirúrgicas com finalidade terapêutica, são altamente fomentadas pela ordem jurídica, o que pode ser comprovado por uma ligeira consulta à legislação sanitária. Como, conforme os princípios que regem a tipicidade conglobante, resulta inadmissível que uma norma proíba o que outra fomenta, dentro da mesma ordem normativa, o problema deve ser resolvido neste nível, sem pretendera inexistência do tipo legal, nem cometer a incoerência de explicá-lo em nível de justificação. A atipicidade surge da consideração conglobada da norma anteposta ao tipo de lesões, para isto bastando que se busque o fim terapêutico, sem importar se ele é efetivamente alcançado, sempre que, no caso dele não ter sido atingido, se tenha procedido de acordo com as regras da arte médica, cuja violação pode dar lugar à tipicidade culposa de lesões (art. 129, § 6º, do CP) ou de homicídio(art. 121, §3º, do CP).

Por intervenções com fim terapêutico devem ser entendidas aquelas que perseguem a conservação ou o restabelecimento da saúde, ou então a prevenção de um dano maior ou, em alguns casos, a simples atenuação ou desaparecimento da dor”.

Ainda no âmbito penal, não caracteriza crime de constrangimento ilegal, como ensina a lição de Rogério Greco:

“Na hipótese de ser imprescindível a transfusão de sangue, mesmo sendo a vítima maior e capaz, em caso de recusa, tal comportamento deverá ser encarado como uma tentativa de suicídio, podendo o médico intervir, inclusive sem o seu consentimento, uma vez que atuaria amparado pelo inciso I do § 3º do art. 146 do Código Penal, que diz não se configurar constrangimento ilegal a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida”.

Alguns casos tem chegado ao nosso judiciário, a quem tem cabido decidir, resguardando a responsabilidade do médico, que opinará se a transfusão é indispensável à sobrevivência do paciente. Esses casos já encontram solução, aqui devidamente transcritas:

Este Tribunal, através de sua Sexta Câmara, na Apelação Cível n° 264.210.1/9, da Comarca de Suzano, admitiu a desnecessidade de obtenção da autorização para a transfusão de sangue em ‘Testemunhas de Jeová’ pois, em caso de iminente perigo de vida, segundo conclusão do médico, a terapêutica recusada deve ser realizada independentemente da vontade do paciente ou de seus responsáveis, como, aliás, estabelece a Resolução n° 1.021, de 26 de setembro de 1980, do Conselho Federal de Medicina. E o E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por meio de sua Sexta Câmara, na Apelação Cível n° 595000373, também perfilhou tal entendimento salientando: Se iminente o perigo de vida, é direito e dever do médico empregar todos os tratamentos, inclusive cirúrgicos, para salvar o paciente, mesmo contra a vontade deste, e de seus familiares e de quem quer que seja, ainda que a oposição seja ditada por motivos religiosos”. (Agravo de instrumento 618.631-4/5-00, 7ª Câm.Civ., TJSP, rel. Élcio Trujillo, j. 13-9-2009, v.u)

Há ainda outro julgado:

TJRS, Apelação Cível 70020868162, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS “Apelação cível. Transfusão de sangue. Testemunha de Jeová. Recusa de tratamento. Interesse em agir. Carece de interesse processual o hospital ao ajuizar demanda no intuito de obter provimento jurisdicional que determine à paciente que se submeta à transfusão de sangue. Não há necessidade de intervenção judicial, pois o profissional de saúde tem o dever de, havendo iminente perigo de vida, empreender todas as diligencias necessárias ao tratamento do paciente, independentemente do consentimento dela ou de seus familiares, Recurso desprovido“.

Em ambos os casos, as decisões se pautam no direito à vida e no dever do médico agir lançando mão de todos os recursos cabíveis para preservação da vida.

Esses casos tratam da recusa do tratamento com transfusão de sangue realizada por pacientes capazes.

Já em relação ao menor, poderiam os pais de uma criança, em razão de convicções religiosas, recusar a transfusão de sangue para seu filho, colocando-lhe a vida em risco? Os pais têm direito de decidir sobre a vida do filho, que não tiver condições ou capacidade de se manifestar, baseados no seu direito de liberdade de crença? (ECA, art. 3º). O tribunal poderia assumir o papel de pai substituto? Até que ponto deve ser respeitada a interferência parental nos tratamentos médicos?

Muitos doutrinadores entendem que os pais não podem decidir o futuro dos filhos com base na crença religiosa. Se o filho de uma Testemunha de Jeová se encontrar em iminente risco de vida, toda intervenção médica deverá ser providenciada com o intuito de salvar-lhe a vida. Os pais não podem dispor da vida do próprio filho, pois, mesmo sendo filho, é uma vida autônoma, que terá oportunidade futuramente de decidir se seguirá ou não os preceitos religiosos de seus pais.

Maria Helena Diniz enfatiza que:

 “O direito de crença não pode sobrepor-se ao de viver do menor, sob pena de os pais praticarem crime de abandono material e moral e serem destituídos do poder familiar. Isso é assim porque a objeção de consciência é ilegítima sempre que se colocam em perigo os direitos de terceiro. A repulsa do objetor só será legítima se não conflitar com direito fundamental de terceiro, como o é o direito à vida”.

A autora supracitada cita FRANÇA( 1996, p.205)“... O direito de liberdade religiosa dos pais termina quando surge o direito de viver do filho...”

Nesse entendimento, os juízes têm decidido a favor da transfusão contrariando o desejo dos pais, por considerarem que, não sendo possível a manifestação de vontade do menor, o seu direito à vida prevalece sobre a vontade parental.

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Sobre a autora
RUBIA MARA SILVA

Acadêmica de Direito na Faculdade Pitágoras de Betim

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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