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A responsabilidade civil do médico cirurgião-chefe por conduta culposa da equipe cirúrgica

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17/12/2017 às 18:05
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3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO CIRURGIÃO-CHEFE POR CONDUTA CULPOSA DA EQUIPE CIRÚRGICA

 RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA

Após analisar de forma cuidadosa o escorço histórico da responsabilidade civil médica, seus pressupostos, teorias, conceitos e demais detalhes, cabe estudar de forma mais específica a responsabilidade civil do médico cirurgião-chefe por conduta culposa da equipe cirúrgica que venha a causar dano ao paciente.

O intento do estudo é analisar se o médico cirurgião-chefe responde civilmente pela conduta falha de médico ou outro prestador de serviços de saúde integrante da equipe cirúrgica, que tenha causado dano ao paciente.

Ou seja, a discussão é se o médico atuando como cirurgião principal do procedimento médico cirúrgico responderia por atos falhos em prejuízo do paciente cometidos pela equipe de saúde que lhe auxilia na cirurgia.

Na prática, a maioria dos casos envolvendo esta questão se dá na apuração da responsabilidade do médico cirurgião-chefe em face dos atos praticados pelo médico anestesista por culpa in eligendo, mas também a casos de responsabilidade do médico cirurgião-chefe em face de atos do setor de enfermagem, dentre outros.

Sobre a culpa in eligendo, vale mencionar, no que tange à matéria de responsabilidade civil médica, que se trata de uma obrigação do médico escolher bem aqueles que trabalham consigo e sob sua coordenação. Consequentemente, pela culpa in eligendo, uma má eleição das pessoas que trabalham consigo pode acarretar na responsabilização civil do médico.

Neste norte, cabe trazer alguns conceitos a respeito da culpa in eligendo:

[...] a culpa in eligendo advém da má escolha daquele em quem se confia a prática de um ato ou o adimplemento da obrigação, como p. ex.: admitir ou manter a seu serviço empregado não habilitado legalmente ou sem aptidões requeridas. (SOUZA, 2001).

E mais:

A culpa in eligendo é aquela que resulta da má escolha. Quando se escolhe mal uma pessoa para desempenhar certa tarefa, resultando danos, a responsabilidade é daquele que escolheu mal. (FIUZA, 2006).

Deste modo, a culpa in eligendo neste trabalho terá grande repercussão, pois o médico será afetado em sua responsabilidade civil pelas pessoas que eleger para trabalhar consigo, certamente não de modo absoluto, mas em determinadas situações que serão analisadas adiante.

Primeiramente cabe transcrever os artigos 932, inciso III, e 942, do Código Civil, que irão estampar de forma sucinta o tema ora abordado:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.

O Código de Defesa do Consumidor também dispõe sobre a solidariedade da cadeia de fornecedores de produtos e serviços, nos artigos 7º, parágrafo único, e 34.

Assim, verifica-se que em nossa legislação está presente a responsabilização civil por ato de preposto e a consequente solidariedade inerente.

Antes de se iniciar a discussão central da matéria, urge delinear de forma breve acerca do conceito de preposto na esfera cível, posto que de grande importância para a presente matéria.

O conceito de preposto aqui tratado não se iguala ao conceito de preposto utilizado no direito do trabalho, posto que na seara cível, mormente na responsabilidade civil médica, o preposto não é considerado um empregado investido nos poderes de representação, mas sim os profissionais que integram o grupo escolhido, comandado e subordinado pelo cirurgião-chefe (outros médicos, enfermeiros e auxiliares).

Partindo deste conceito de preposto, verifica-se que a responsabilidade civil do médico cirurgião-chefe pode ser tida como solidária aos atos de seus prepostos, ou seja, dos profissionais que elege e comanda em determinado tratamento ou procedimento cirúrgico.

Cabe esclarecer, desde já, que não há consenso nem na doutrina nem na jurisprudência acerca desta matéria, como será detalhadamente verificado a seguir.

Primeiramente, cabe mencionar o entendimento jurisprudencial, através dos principais julgados no Brasil sobre esta matéria.

Um dos julgados mais polêmicos e importantes sobre o tema trata de um caso onde se discute a responsabilidade civil do médico cirurgião-chefe por conduta culposa do médico anestesiologista em cirurgia que trouxe danos ao paciente.

O caso em tela, REsp 605435/RJ, ainda não transitou em julgado e o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça vem se modificando nos julgamentos ocorridos até então.

Quando do julgamento do Recurso Especial referente a este caso, prevaleceu, por maioria, o entendimento do Ministro Luis Felipe Salomão de que o cirurgião-chefe comanda a equipe cirúrgica, equipe esta que está sob sua ordem, sendo constatado que o médico anestesiologista de sua escolha cometeu má prática profissional que gerou danos irreversíveis ao paciente, motivo este que se entendeu pela solidariedade do cirurgião-chefe que coordenava o médico anestesiologista autor do dano, conforme segue a ementa do julgado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. CIRURGIA PLÁSTICA. ERRO MÉDICO. DEFEITO NO SERVIÇO PRESTADO. CULPA MANIFESTA DO ANESTESISTA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO CHEFE DA EQUIPE E DA CLÍNICA.

1. O Tribunal a quo manifestou-se acerca de todas as questões relevantes para a solução da controvérsia, tal como lhe fora posta e submetida. Não cabe alegação de violação do artigo 535 do CPC, quando a Corte de origem aprecia a questão de maneira fundamentada, apenas não adotando a tese da recorrente. Precedentes.

2. Em regra, o cirurgião chefe dirige a equipe, estando os demais profissionais, que participam do ato cirúrgico, subordinados às suas ordens, de modo que a intervenção se realize a contento.

3. No caso ora em análise, restou incontroverso que o anestesista, escolhido pelo chefe da equipe, agiu com culpa, gerando danos irreversíveis à autora, motivo pelo qual não há como afastar a responsabilidade solidária do cirurgião chefe, a quem estava o anestesista diretamente subordinado.

4. Uma vez caracterizada a culpa do médico que atua em determinado serviço disponibilizado por estabelecimento de saúde (art. 14, § 4º, CDC), responde a clínica de forma objetiva e solidária pelos danos decorrentes do defeito no serviço prestado, nos termos do art. 14, § 1º, CDC.

5. Face as peculiaridade do caso concreto e os critérios de fixação dos danos morais adotados por esta Corte, tem-se por razoável a condenação da recorrida ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de danos morais.

6. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido. (STJ – REsp 605435/RJ, Relator do voto vencedor: Ministro Luis Feipe Salomão. Julg. 22/09/2009).

Já no julgamento dos Embargos de Divergência do Recurso Especial acima mencionado, a Relatora Ministra Nancy Andrighi teve seu voto vencido e o Ministro Raul Araújo, em seu voto vencedor, modificou o posicionamento acima esposado, entendendo que as condutas de cada profissional são independentes, que a responsabilidade é pessoal e subjetiva, que há autonomia nas condutas de cada profissional durante a cirurgia, e que nesse caso comprovou-se a culpa exclusiva do médico anestesiologista, afastando-se a solidariedade do médico cirurgião-chefe, o qual somente seria responsável caso tivesse o médico anestesiologista predominantemente subordinado a ele, de acordo com a ementa abaixo descrita: 

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL E CONSUMIDOR. ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE DOS MÉDICOS CIRURGIÃO E ANESTESISTA. CULPA DE PROFISSIONAL LIBERAL (CDC, ART. 14, § 4º). RESPONSABILIDADE PESSOAL E SUBJETIVA. PREDOMINÂNCIA DA AUTONOMIA DO ANESTESISTA, DURANTE A CIRURGIA. SOLIDARIEDADE E RESPONSABILIDADE OBJETIVA AFASTADAS.

1. Não se conhece dos embargos de divergência apresentados pela Clínica, pois: (I) ausente o necessário cotejo analítico entre os acórdãos embargado e paradigma, para fins de comprovação da divergência pretoriana (RISTJ, arts. 255, §§ 1º e 2º, e 266, § 1º); e (II) o dissídio apontado baseia-se em regra técnica de conhecimento do recurso especial.

2. Comprovado o dissídio pretoriano nos embargos de divergência opostos pelo médico cirurgião, devem ser conhecidos.

3. A divergência cinge-se ao reconhecimento, ou afastamento, da responsabilidade solidária e objetiva (CDC, art. 14, caput) do médico-cirurgião, chefe da equipe que realiza o ato cirúrgico, por danos causados ao paciente em decorrência de erro médico cometido exclusivamente pelo médico-anestesista.

4. Na Medicina moderna a operação cirúrgica não pode ser compreendida apenas em seu aspecto unitário, pois frequentemente nela interferem múltiplas especialidades médicas. Nesse contexto, normalmente só caberá a responsabilização solidária e objetiva do cirurgião-chefe da equipe médica quando o causador do dano for profissional que atue sob predominante subordinação àquele.

5. No caso de médico anestesista, em razão de sua capacitação especializada e de suas funções específicas durante a cirurgia, age com acentuada autonomia, segundo técnicas médico-científicas que domina e suas convicções e decisões pessoais, assumindo, assim, responsabilidades próprias, segregadas, dentro da equipe médica. Destarte, se o dano ao paciente advém, comprovadamente, de ato praticado pelo anestesista, no exercício de seu mister, este responde individualmente pelo evento.

6. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, caput, prevê a responsabilidade objetiva aos fornecedores de serviço pelos danos causados ao consumidor em virtude de defeitos na prestação do serviço ou nas informações prestadas - fato do serviço. Todavia, no § 4º do mesmo artigo, excepciona a regra, consagrando a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais. Não há, assim, solidariedade decorrente de responsabilidade objetiva, entre o cirurgião-chefe e o anestesista, por erro médico deste último durante a cirurgia.

7. No caso vertente, com base na análise do contexto fático-probatório dos autos, o colendo Tribunal de Justiça afastou a culpa do médico-cirurgião - chefe da equipe -, reconhecendo a culpa exclusiva, com base em imperícia, do anestesista.

8. Embargos de divergência da Clínica não conhecidos.

9. Embargos de divergência do médico cirurgião conhecidos e providos. (STJ – Embargos de Divergência em REsp 605.435/RJ, Relator do voto vencedor: Min. Raul Araújo. Julg. 14/09/2011). Grifo nosso.

Colhe-se do inteiro teor do julgamento acima mencionado as razões do voto vencedor do Ministro Raul Araújo (STJ – Embargos de Divergência em REsp 605.435/RJ, Relator do voto vencedor: Min. Raul Araújo. Julg. 14/09/2011):

No mérito, a divergência cinge-se ao reconhecimento, ou afastamento, de responsabilidade solidária por parte do médico-cirurgião, chefe da equipe que participa da cirurgia que ele realiza, por danos causados ao paciente em decorrência de erro médico cometido exclusivamente pelo médico anestesista. Há duas teses aqui discutidas. A primeira, no sentido de que o médico-chefe, por estar no comando do grupo e por escolher os profissionais que o integram, seria responsável, solidariamente, por danos causados ao paciente por erro de qualquer um dos membros da equipe que dirige (outros médicos, enfermeiros, auxiliares e anestesista), nos termos do art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, como entenderam a eminente Ministra Nancy Andrighi e os ilustrados Ministros que a acompanharam. A segunda, no sentido de que, se o dano decorre em tais casos, exclusivamente, de ato praticado por profissional que, embora participante da equipe médica, atua autonomamente, sem receber ordens do cirurgião-chefe, sua responsabilidade deve ser apurada de forma individualizada, excluindo-se aí a solidariedade do cirurgião-chefe. A respeito do tema, entendo que deve prevalecer a segunda tese, na medida em que, em razão da moderna ciência médica, a operação cirúrgica não pode ser concebida apenas em seu aspecto unitário, mormente porque há múltiplas especialidades na medicina. Nesse contexto, somente caberá a responsabilização solidária do chefe da equipe médica quando o causador do dano for integrante da equipe que atue na condição de subordinado, ou seja, sob comando daquele. Assim, no caso de médico anestesista, que compõe o grupo, mas age como profissional autônomo, seguindo técnicas próprias de sua especialidade médica, deverá ser responsabilizado individualmente pelo evento a que der causa. Afinal, o nosso sistema jurídico, na esfera civil, adotou como regra a teoria da causalidade adequada (CC/2002, art. 403), de maneira que, salvo exceção prevista em lei, somente responde pelo dano aquele que lhe der causa, direta e imediatamente.

[...] A atuação do anestesista, portanto, enquadra-se na segunda hipótese em razão de sua capacitação própria e de suas funções específicas, agindo com predominante autonomia, segundo técnicas da especialidade médica que domina e suas convicções e decisões pessoais, assumindo, assim, responsabilidades próprias, segregadas, dentro da equipe médica. Dificilmente o anestesista aceitaria interferência que ditasse modificação nos procedimentos adotados com o paciente, por força de intervenção do cirurgião-chefe, sendo igualmente improvável que este interfira no trabalho do anestesista, salvo em situações excepcionais, de evidente anomalia. Destarte, se o dano ao paciente advém, comprovadamente, de ato praticado pelo anestesista, no exercício de seu mister, este responde individualmente pelo evento. Não há, assim, solidariedade decorrente de responsabilidade objetiva, entre o cirurgião-chefe e o anestesista, oriunda de erro médico cometido por este último. Embora exista o fato de que todos integram uma equipe, o trabalho do anestesista não é comandado, dirigido, pois não atua sob as ordens do cirurgião-chefe. O anestesista é um médico que se emparelha, que se ombreia com o cirurgião-chefe, durante a cirurgia. O cirurgião-chefe dá ordens aos médicos que o auxiliam na cirurgia, ao pessoal de enfermagem e outros profissionais auxiliares, mas o trabalho do anestesista, por sua especialidade, é de predominante autonomia. Faz-se de per si, quer dizer, sob as técnicas que esse ramo da Medicina, a Anestesiologia, ensina e proporciona. Então, não há relação de subordinação entre os referidos profissionais para efeito de configurar a solidariedade que ficou reconhecida no recurso especial ora confrontado. Não se pode pretender afastar a responsabilidade do cirurgião-chefe apenas quando a parte contratar, ela própria, em paralelo, o anestesista. Não parece ocorrente tal hipótese de o paciente, ao contratar serviço de médico cirurgião, buscar autonomamente a contratação de trabalho de anestesista. O anestesista sempre virá em um pacote de contratação que é feito diretamente com o cirurgião ou com o hospital. O anestesista normalmente não virá compor a equipe de um médico que nem conhece. Não haverá isso. Então, apesar de haver a ligação entre o médico anestesista e a equipe selecionada pelo médico cirurgião, não existe predominante subordinação a ensejar a responsabilidade solidária entre aqueles profissionais da Medicina.

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Ainda do inteiro teor do julgamento havido, colhe-se as razões do voto vencido da Ministra Nancy Andrighi (STJ – Embargos de Divergência em REsp 605.435/RJ, Relator do voto vencedor: Min. Raul Araújo. Julg. 14/09/2011), que entendeu nesse caso pela configuração da responsabilidade solidária do médico cirurgião-chefe por conduta do médico anestesiologista, tendo como suporte as disposições sobre responsabilidade solidária e cadeia de serviços trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor, bem como pelo fato de que o médico cirurgião-chefe nesse caso em específico escolheu os profissionais que atuaram consigo e sobre eles exerceu comando, devendo ser responsável solidariamente por suas condutas, como abaixo pode ser verificado:

Embora as equipes cirúrgicas sejam formadas por profissionais de diversas especialidades, cada qual autônoma em seu ramo de conhecimento, ao compor a equipe médica, o cirurgião-chefe, que escolhe especificamente os profissionais com quem deseja atuar, estabelece, durante o procedimento, dentro do centro cirúrgico, uma relação de comando sobre demais integrantes da equipe, inclusive sobre os médicos, auxiliares ou anestesistas. Com efeito, uma vez caracterizado o trabalho de equipe, deve ser reconhecida a subordinação dos profissionais de saúde que participam do procedimento cirúrgico em si, em relação ao qual a anestesia é indispensável, configurando-se uma verdadeira cadeia de fornecimento do serviço, nos termos do art. 34 c/c art. 14, ambos do CDC.

[...] O Código de Defesa do Consumidor introduziu, no tocante à prestação de serviços, uma obrigação de solidariedade entre todos os participantes da cadeia de fornecimento, sem exceção, ao indicar, no caput do art. 14, a expressão genérica “fornecedor de serviços”. A cadeia de fornecimento de serviços se caracteriza, na sociedade atual, por reunir inúmeros contratos num relação de interdependência, com vários atores para a realização adequada de um mesmo objetivo: o serviço contratado pelo consumidor, o qual, muitas vezes, sequer visualiza a conexidade e complexidade dessas relações.

[...] Nesse passo, verifica-se que, embora o § 4º do art. 14 do CDC afaste a responsabilidade objetiva para os profissionais liberais não exclui, se configurada uma cadeia de fornecimento do serviço, e uma vez comprovada a culpa desse profissional, a solidariedade imposta pelo caput do art. 14 do CDC. Dessa forma, quando houver uma cadeia de fornecimento para a realização de determinado serviço, ainda que o dano decorra da atuação de um profissional liberal, verificada culpa deste, nasce a responsabilidade solidária do grupo, ou melhor, daqueles que participam da cadeia de fornecimento do serviço.

[...] Dessa forma, é possível vislumbrar, na hipótese em análise, uma cadeia de fornecimento de serviço, nos termos do art. 14, caput, cumulada com § 4º do mesmo artigo do CDC, a fim de reconhecer a responsabilidade solidária do cirurgião chefe da equipe na culpa do médico anestesista, por ele indicado.

Como já afirmado, o caso acima referido ainda não transitou em julgado, podendo ainda haver nova modificação do posicionamento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Já em 08/05/2001, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 200.831/RJ, de relatoria do Min. Barros Monteiro, havia entendido pela responsabilização civil do médico cirurgião-chefe por ato de membro de sua equipe, que por ele foi escolhido e estava diretamente sob suas ordens, conforme a seguinte ementa:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA. QUEIMADURA CAUSADA NA PACIENTE POR BISTURI ELÉTRICO. MÉDICO-CHEFE. CULPA "IN ELIGENDO" E "IN VIGILANDO". RELAÇÃO DE PREPOSIÇÃO.

Dependendo das circunstâncias de cada caso concreto, o médico-chefe pode vir a responder por fato danoso causado ao paciente pelo terceiro que esteja diretamente sob suas ordens. Hipótese em que o cirurgião-chefe não somente escolheu o auxiliar, a quem se imputa o ato de acionar o pedal do bisturi, como ainda deixou de vigiar o procedimento cabível em relação àquele equipamento. Para o reconhecimento do vínculo de preposição, não é preciso que exista um contrato típico de trabalho; é suficiente a relação de dependência ou que alguém preste serviços sob o comando de outrem.

Recurso especial não conhecido.

E na Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, o posicionamento se assemelha, entendendo-se pela responsabilidade solidária, in eligendo, do médico cirurgião-chefe pela conduta culposa do médico anestesiologista integrante da equipe cirúrgica, a qual causou dano a paciente, como resta transcrito abaixo:  

CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ERRO MÉDICO – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO CIRURGIÃO (CULPA ELIGENDO) E DO ANESTESISTA RECONHECIDA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO – MATÉRIA DE PROVA – SÚMULA 7/STJ.

I – O médico chefe é quem se presume responsável, em princípio, pelos danos ocorridos em cirurgia pois, no comando dos trabalhos, sob suas ordens é que executam-se os atos necessários ao bom desempenho da intervenção.

II – Da avaliação fática comprovada a responsabilidade solidária do cirurgião (quanto ao aspecto 'in eligendo') e do anestesista pelo dano causado. Insuscetível de revisão esta matéria a teor do enunciado na Súmula 07/STJ.

III – Recurso não conhecido. (STJ – REsp 53.104/RJ, Relator: Min. Waldemar Zveiter. Julg. 04/03/1997).

Em 2007, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu pela ausência de responsabilidade do cirurgião-chefe pelas condutas culposas do médico anestesista, através do seguinte julgado:

DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. OPERAÇÃO GINECOLÓGICA. MORTE DA PACIENTE. VERIFICAÇÃO DE CONDUTA CULPOSA DO MÉDICO-CIRURGIÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVA. SUMÚLA 7/STJ. DANOS MORAIS. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO. CONTROLE PELO STJ. I – Dos elementos trazidos aos autos, concluiu o acórdão recorrido pela responsabilidade exclusiva do anestesista, que liberou, precocemente, a vítima para o quarto, antes de sua total recuperação, vindo ela a sofrer parada cárdio-respiratória no corredor do hospital, fato que a levou a óbito, após passar três anos em coma. A pretensão de responsabilizar, solidariamente, o médico cirurgião pelo ocorrido importa, necessariamente, em reexame do acervo fático-probatório da causa, o que é vedado em âmbito de especial, a teor do enunciado 7 da Súmula desta Corte. II – O arbitramento do valor indenizatório por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, podendo ser majorado quando se mostrar incapaz de punir adequadamente o autor do ato ilícito e de indenizar satisfatoriamente os prejuízos extrapatrimoniais sofridos. Recurso especial provido, em parte. (STJ – REsp 880349/MG, Relator: Min. Castro Filho. Julg. 26/06/2007).

Por fim, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve posicionamento do juízo de 2º. grau no caso julgamento abaixo mencionado, entendendo pela ausência de responsabilidade do médico cirurgião-chefe quando este atuava em hospital da rede pública de saúde, não escolhendo qualquer dos membros integrantes da equipe cirúrgica, em um caso em que se esqueceu corpo estranho no organismo de paciente, como segue:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO CONFIGURADA. ALEGAÇÃO DE DISSIDÊNCIA NÃO ANALISADA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO CHEFE DA EQUIPE MÉDICA POR ERRO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE O DECISUM RECORRIDO E OS ACÓRDÃOS PARADIGMÁTICOS.

1. Os embargos de declaração são cabíveis quando o provimento jurisdicional padece de omissão, contradição ou obscuridade, consoante o que dispõe o art.535, I e II, do CPC, bem como para sanar a ocorrência de erro material.

2. No caso sub examinem, os presentes embargos declaratórios merecem acolhimento. Deveras, o acórdão embargado, de fato, não analisou o alegação de divergência pretoriana relativamente à responsabilidade de chefe de equipe médica por dano causado em cirurgia, sendo certo que o ora embargante vem sustentando essa tese desde a interposição do recurso especial.

3. À demonstração do dissídio jurisprudencial impõe-se indispensável avaliar se as soluções encontradas pelo decisum recorrido e paradigma partiram das mesmas premissas fáticas e jurídicas, existindo entre elas similitude de circunstâncias, nos ditames do parágrafo único do art. 541 do CPC combinadocom o art. 255, e seus parágrafos, do RISTJ .

4. Sucede que, no caso sub examine, a divergência jurisprudencial não foi devidamente demonstrada. Isso porque é manifesta a ausência de similaridade fática entre o acórdão atacado e o julgados paradigmáticos, porquanto estes tratam de hipótese na qual o cirurgião-chefe foi condenado por culpa in eligendo/vigilando, ao fundamento de o médico-chefe da equipe foi quem escolheu mal o causador direito do dano; enquanto que na presente hipótese a situação fática é outra, qual seja, o médico-chefe atuava em hospital da rede pública de saúde, no qual os membros que integraram a sua equipe no dia do infausto episódio obedeciam à escala de serviço previamente determinada. Logo, essa singularidade inviabiliza o manejo de recurso especial arrimado em dissenso pretoriano, porquanto o medico denunciado na presente hipótese não ostentava a faculdade de escolher os membros da equipe que lhe auxiliariam.

5. Embargos de declaração acolhidos, sem atribuição de efeito infringente ao julgado. (STJ – EDcl no AgRg no AgRg no REsp 1163402/DF, Relator: Min. Benedito Gonçalves. Julg. 07/10/2010).

No Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual abordou a questão de forma específica, também há divergência sobre o assunto, conforme ementas dos julgados abaixo descritos:

PROVA - NECESSIDADE DA DILAÇÃO PROBATÓRIA QUE DEVE FICAR EVIDENCIADA EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA FORMAR O CONVENCIMENTO DO JULGADOR CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRENTE PRELIMINAR REJEITADA. RESPONSABILIDADE CIVIL AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO SEQUELAS MOTORAS IRREVERSÍVEIS DECORRENTES DO PROCEDIMENTO ANESTÉSICO ADOTADO EM CIRURGIA DE REDUÇÃO DE MAMAS (MAMOPLASTIA) PROVA NOS AUTOS DE QUE A AUTORA, QUE ENTROU NO CENTRO CIRÚRGICO EM PERFEITAS CONDIÇÕES DE SAÚDE, EM RAZÃO DA TÉCNICA ANESTÉSICA EMPREGADA SOFREU GRAVE COMPLICAÇÃO NEUROLÓGICA, COM ATROFIA E HIPOTROFIA DE MEMBROS INFERIORES, A DIFICULTAR PERMANENTEMENTE A LOCOMOÇÃO, MOVIMENTAÇÃO E DEAMBULAÇÃO, COM NECESSIDADE DE USO DE ÓRTESE E APOIO DE BENGALA RESPONSABILIDADE DA CLÍNICA E DA MÉDICA ANESTESIOLOGISTA CORRETAMENTE RECONHECIDA CULPA, PORÉM, QUE NÃO SE ESTENDE AO CIRURGIÃO, DADA A AUTONOMIA DE QUE SE REVESTE O ANESTESIOLOGISTA NO EXERCÍCIO DE SEU MISTER RECURSO DO CORRÉU KLAUS PROVIDO, DESPROVIDO O DA CORRÉ. INDENIZAÇÃO DE DANOS MATERIAIS ADEQUADAMENTE ESTABELECIDA DANO MORAL CONFIGURADO - MONTANTE INDENIZATÓRIO QUE NÃO PODE SER IRRISÓRIO, SOB PENA DE NÃO SERVIR AO CUMPRIMENTO DE SEU OBJETIVO ESPECÍFICO, NEM EXCESSIVAMENTE ELEVADO, DE MODO A PROPICIAR ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA INDENIZAÇÃO ESTABELECIDA COM EXAGERADA MODERAÇÃO ELEVAÇÃO DETERMINADA RECURSO DO AUTOR PRÓVIDO EM PARTE PARA ESSE FIM. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA NÃO PLEITEADA PELA CORRÉ, MÉDICA ANESTESIOLOGISTA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO REVOGADA MANUTENÇÃO DO CRITÉRIO DE IMPOSIÇÃO DOS ENCARGOS DA SUCUMBÊNCIA. (TJSP – AC 0098943-73.2005.8.26.0100, Relator: Elliot Akel. Julg. 10/09/2013).

Responsabilidade civil. Erro médico. Transplante de córnea que acarretou perda da substância do olho direito, gerando cegueira absoluta, irreversível e permanente, com necessidade de colocação de prótese. Ação ajuizada em face do cirurgião e do hospital, que denunciou à lide a anestesista. Condenação do hospital e em regresso da anestesista. Exclusão do cirurgião, que é o chefe da equipe, inadmissível. Conjunto probatório que demonstra a responsabilidade solidária de todos os profissionais da saúde envolvidos na cirurgia. Decisão suficientemente fundamentada. Hospital-réu que mantém convênio com cooperativa de médicos anestesistas. Hospital que responde por culpa relativa ato da escolha e da fiscalização do médico (culpa 'in eligendo' e 'in vigilando'). Redução da verba indenizatória por dano moral, mantendo-se a condenação no tocante a recomposição possível da estética da face do autor. Sucumbência mínima do autor. Aplicação da regra do parágrafo único do art. 21 do CPC. Recurso provido em parte. (TJSP – AC 9047492-98.2001.8.26.0000, Relator: Carlos Stroppa. Julg. 02/02/2006).

No primeiro julgado supramencionado, restou afastada a responsabilidade civil do médico cirurgião-chefe, no sentido de não estender a responsabilidade civil do médico anestesiologista ao médico cirurgião, pois o médico anestesiologista possui autonomia para exercer sua atividade, bem como pelo fato de que a prova dos autos revelou de forma clara que o dano decorreu unicamente da técnica anestésica, sem relação com o atuar do médico cirurgião.

Por outro lado, no segundo julgado mencionado acima, a decisão se deu sob o entendimento de se figurar inadmissível a exclusão do médico cirurgião-chefe em razão de conduta do médico anestesista, fundamentando que o médico cirurgião é o chefe da equipe e possui responsabilidade solidária quanto aos profissionais da saúde envolvidos na cirurgia.

A doutrina igualmente não apresenta unanimidade, como abaixo será explicitado.

Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 268) se manifesta defendendo a responsabilidade civil do médico cirurgião-chefe por atos danosos da equipe cirúrgica, conforme segue:

O médico responde não só por fato próprio como pode vir a responder por fato danoso praticado por terceiros que estejam diretamente sob suas ordens. Assim, por exemplo, presume-se a culpa do médico que mandou que enfermeira sua aplicasse determinada injeção da qual resultou paralisia no braço do cliente. Dentro de uma equipe, em principio, é o médico-chefe quem se presume culpado pelos danos que acontecem, pois é ele quem está no comando dos trabalhos e só sob suas ordens é que são executados os atos necessários ao bom desempenho da intervenção.

Silvio de Salvo Venosa (2006, p. 146) continua na mesma linha de raciocínio, entendendo que, “na dúvida sobre se houve culpa concorrente do anestesista e do cirurgião, todos que participaram da operação devem responder solidariamente."

Ruy Rosado de Aguiar Junior (1995, p. 42/43) traz um entendimento mais ameno:

O médico pode se reunir a colegas para o exercício da profissão. A situação mais comum se dá com a formação de uma equipe cirúrgica pela qual responde o chefe da equipe; tanto pelos atos do outros médicos, seus assistentes, como pelos serviços auxiliares de enfermagem (salvo quando estes constituem atos de enfermagem banais e comuns, pelos quais responde o hospital). O anestesista ocupa uma posição especial, em razão da autonomia que alcançou a especialidade: em relação a este tem se aplicado a noção de ato destacável, própria do direito administrativo (Ac. Da 2º CC – TJRS, Rel. Antonio Augusto Uflacker, Ver. Jurídica 75/237), a fim de determinar a sua responsabilidade e, não necessariamente a do cirurgião. Uma vez demonstrada a causalidade exclusiva do ato anestésico, sem a concorrência do cirurgião, isto é, sem que este pratique atos ou expeça ordens contrárias ao recomendado pelo anestesista, não há razão para a imputação do cirurgião; porém, se foi ele quem escolheu o anestesista, poderá responder pela culpa in eligendo. Integrando o anestesista o quadro médico do hospital, sem possibilidade de escolha pelo paciente, mesmo assim normalmente surge uma relação contratual entre o anestesista e o paciente, que é por ele previamente examinado e dele recebe cuidados prévios (Penneau, La Responsabilité Médicale, p. 293), razão pela qual responde tanto o hospital quanto o anestesista, solidariamente. Os erros do anestesista podem ser de diagnóstico (avaliar o risco anestésico, a resistência do paciente), terapêutico (medicação pré-anestésica ineficaz, omissões durante a aplicação) e técnica (uso de susbtância inadequada, oxigenação insuficiente, etc). Sustenta-se que ele assume uma obrigação de resultado, desde que tenha tido a oportunidade de avaliar o paciente antes da intervenção e concluir pela existência de condições para a anestesia, assumindo a obrigação de anestesiá-lo e de recuperá-lo (Guilherme Chaves Sant´ana, Responsabilidade civil dos médicos anestesistas, pp. 133 e ss.). Parece, todavia, que a álea a que estão submetidos o anestesista e seu paciente não é diferente das demais situações enfrentadas na medicina, razão pela qual não deixa de ser uma obrigação de meios, ainda que se imponha ao profissional alguns cuidados especiais na preparação do paciente, na escolha do anestésico, etc. Dele se exige o acompanhamento permanente, não podendo afastar-se da cabeceira do paciente durante o ato cirúrgico, até a sua recuperação. [...] Estabelecendo-se, porém, entre eles, uma relação de subordinação (de fato ou regulamentar) é possível aplicar a regra da responsabilidade transubjetiva do art. 1.521, III, do CC, sendo para isso inicialmente necessário definir o âmbito de decisão de cada um: se o subordinado apenas cumpriu ordens, responde só o superior; se teve condições para concorrer na decisão, ambos respondem solidariamente.

Já Rui Stoco (2004, p. 536), preleciona que haverá solidariedade do médico cirurgião-chefe quando não for possível individualizar a conduta de cada profissional atuante na equipe cirúrgica, bem como quando o médico cirurgião-chefe estiver sob o comando da equipe, conforme segue abaixo:

Mas a grande discussão surge quando o procedimento é realizado por equipe médica da qual faça parte o anestesista ou com a qual tenha atuado. Nota-se na doutrina e na jurisprudência francesa uma certa tendência de tornar autônoma a responsabilidade do anestesista, até mesmo em relação ao cirurgião (cf. Philippe La Tourneau. La Responsabilité Civile. Dalloz, 1976, p. 1.172/1.173). Contudo, caso fique caracterizado o trabalho de equipe, sem possibilidade de identificar a atuação de cada qual, impõe-se responsabilizar todos, e não só o anestesista e o chefe da equipe. [...] Entretanto, impõe-se esclarecer que ainda persiste divergência quanto à responsabilidade exclusiva do anestesista quando o acidente ocorre no interior do centro cirúrgico, esteja ele sob o comando ou sob as ordens do cirurgião ou do chefe da equipe. Neste caso a responsabilidade será solidária, tanto do cirurgião quanto do anestesista.

Sergio Cavalieri Filho (2010, p. 389/390) expõe que se os profissionais atuantes na equipe cirúrgica forem autônomos, a responsabilidade será individualizada, cada um respondendo por seus próprios atos, já se a equipe trabalha diretamente para o médico cirurgião-chefe, este terá sua solidariedade configurada, dentre outros detalhes abaixo transcritos:

As múltiplas especialidades da Medicina e o aprimoramento das técnicas cirúrgicas permitem fazer nítida divisão de tarefas entre os vários médicos que atuam em uma mesma cirurgia. Em outras palavras: embora a equipe médica atue em conjunto, não há, só por isso, solidariedade entre todos os que a integram. Será preciso apurar que tipo de relação jurídica há entre eles. Se atuam como profissionais autônomos, cada qual em sua especialidade, a responsabilidade será individualizada, cada um respondendo pelos seus próprios atos, de acordo com as regras que disciplinam o nexo de causalidade [...]. A responsabilidade será daquele membro da equipe que deu causa ao evento. Assim, se a cirurgia, propriamente dita, transcorreu sem problemas, não se pode responsabilizar o médico cirurgião pelo erro do anestesista, e vice-versa. Outra, todavia, será a solução se a equipe trabalha para o cirurgião (responsabilidade pelo ato do preposto), se todos integram uma sociedade ou se, ainda, trabalham para o hospital.

Das transcrições doutrinárias acima, pode ser verificado que parte da doutrina defende a responsabilidade civil solidária do cirurgião-chefe por atos culposos de sua equipe, sob o entendimento de que o médico cirurgião está no comando da cirurgia e os atos necessários à intervenção são executados sob sua ordem.

Outra parte da doutrina traz posicionamento divergente, entendendo que, quando se comprovar a atuação danosa individualizada do anestesiologista ou de outro profissional da saúde atuante, o médico cirurgião não deve responder se não concorreu para o dano.

Há ainda parte da doutrina que entende que, caso seja caracterizado trabalho em equipe, sem se precisar a atuação individual de cada qual para o evento danoso, impõe-se a responsabilidade solidária.

Por fim, parte da doutrina ainda entende que, para configurar a responsabilidade solidária do médico cirurgião em relação à conduta culposa de sua equipe, não basta a atuação em conjunto, mas sim deve restar provada a concorrência para o dano, e a relação jurídica existente entre os profissionais atuantes no procedimento, somente gerando responsabilidade solidária ao cirurgião se comprovado que o cirurgião teve a faculdade de eleger e coordenar a equipe.

Através de todo o estudo acima apresentado, infere-se que não há consenso nem na doutrina nem na jurisprudência acerca desta matéria, como detalhadamente verificado, até pelas inúmeras possibilidades fáticas de sua ocorrência.

De um lado, há o posicionamento de que o médico cirurgião-chefe não pode ser responsabilizado por condutas culposas da equipe cirúrgica, posto que a medicina evoluiu, possui múltiplas facetas, estando cada atividade bem dividida entre a equipe, não havendo como imputar solidariedade ao médico cirurgião-chefe conduta culposa de integrante da equipe cirúrgica, porque cada qual é responsável pelos seus atos e condutas, sendo muitas delas independentes do controle do médico cirurgião-chefe. E em muitas situações o médico cirurgião-chefe nem mesmo tem a possibilidade de escolher a equipe cirúrgica que consigo labora.

De outro lado, há o posicionamento de que o médico cirurgião-chefe é responsável pelas condutas da equipe cirúrgica que lidera, pois detém a coordenação sobre o atuar de cada um deles e, muitas vezes, tem o condão de selecionar sua equipe, respondendo pelo ato de seu preposto.

Em relação ao médico anestesista, igualmente permanece grande discussão acerca de sua individualidade, da pessoalidade e da subjetividade de sua conduta, e da solidariedade do médico cirurgião-chefe com o mesmo. 

Há, ainda, inúmeros detalhes inerentes a esta matéria, como a análise de cada caso em concreto, levando-se em conta se a equipe é autônoma, se responde por si, se são prepostos, se trabalham para o cirurgião-chefe, se integram uma sociedade ou se trabalham para o hospital, e se o atuar do médico cirurgião-chefe contribuiu de alguma forma pelo evento danoso.

Concluindo, não há uma regra clara a respeito da configuração ou não da responsabilidade civil do médico cirurgião-chefe por conduta culposa da equipe cirúrgica que tenha causado dano a paciente, mas sim um conjunto de diretrizes na legislação e um conjunto de circunstâncias trazidas pela doutrina e pela jurisprudência, não unânime sobre a temática, que devem ser analisadas e aplicadas de forma minuciosa e atenta em cada caso concreto.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERRI, Carolina. A responsabilidade civil do médico cirurgião-chefe por conduta culposa da equipe cirúrgica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5282, 17 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62405. Acesso em: 22 dez. 2024.

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