A atual lei de Recuperação Judicial e Falência, Lei 11.101/2005, em seu artigo 48[1], traz os requisitos mínimos para que o devedor possa requerer o processamento da Recuperação Judicial. Basicamente, o devedor (empresário ou sociedade empresária), deverá exercer regularmente, pelo período de 2 anos, sua atividade empresarial no momento em que vier a socorrer-se do Poder Judiciário.
E não é para menos. O legislador levou em consideração dois aspectos: o formal – a regularidade da atividade empresarial e o temporal – por pelo menos, dois anos.
Não se olvida que o conceito de empresa é basicamente econômico, ou seja, é algo enérgico, com a organização dos fatores de produção para um fim econômico, abrangendo a circulação de produtos e serviços, gerando riqueza. Todavia, o legislador compreende que não basta o empresário exercer sua atividade econômica, é preciso sujeitar-se a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de suas atividades, tudo conforme preconiza o artigo 967 do Código Civil[2].
Assim sendo, via de regra, o empresário deverá efetuar o registro de suas atividades para ser considerado um empresário regular, ao revés, será considerado um empresário irregular, não podendo obter os benefícios que a condição de empresário oferece àqueles que exercem sua atividade de forma regular, a exemplo, do requerimento do processamento da Recuperação Judicial.
Grande celeuma instaurou-se nos casos em que envolvia o empresário rural que, diante de uma crise financeira, ficava impedido de pleitear o beneplácito da Recuperação Judicial, principalmente diante de sua não comprovação do exercício da atividade empresarial. Ocorre que, o artigo 970 do Código Civil[3] asseverou aos produtores rurais, um tratamento diferenciado e simplificado em relação à inscrição e aos efeitos daí decorrentes. Deste modo, a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis é facultativa. Deste modo, independentemente da ausência de registro, o produtor está regular para os efeitos da lei.
Todavia, como conciliar a facultatividade do registro, com a exigência de registro pelo artigo 48 da lei de Recuperação Judicial?
No ano de 2013, houve a inclusão do parágrafo 2º no artigo 48 da Lei de Recuperação Judicial e Falências dispondo: em se tratando de exercício de atividade rural, por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Declaração de Informações Econômicos-Fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente.
Todavia, apesar da inclusão do dispositivo supramencionado, doutrina e jurisprudência continuaram divergindo. Seria requisito fundamental o empresário rural comprovar dois anos de registro para ter legitimidade ao pedido de Recuperação Judicial?
Após inúmeros debates, o melhor entendimento firmou-se no sentido de que é aceitável a soma dos anos anteriores à inscrição, durante os quais tenha havido comprovadamente a atividade rural de que fala o artigo 971 do Código Civil[4], para que se preencha o requisito temporal. A real justificativa reside no fato de que o produtor rural, normalmente, já exerce sua atividade econômica há muitos anos. O registro realizado tem apenas efeito declaratório.
Assim, a jurisprudência, ao menos no Estado de São Paulo, consolidou-se no sentido de que a comprovação exigida pela Lei 11.101/2005 é acerca da existência da prática contínua da atividade empresarial pelo prazo mínimo de 2 anos e não da existência de registro do empresário ou ente empresarial por aquele lapso temporal. Vejamos: “Recuperação Judicial. Decisão que defere o seu processamento. Impugnação por via de Agravo de Instrumento admissível. Recuperação Judicial. Empresário Rural. Cabimento, desde que comprovado o desenvolvimento por mais de dois anos, inscrevendo-se perante o Registro Mercantil em data anterior ao pedido, legitimado o espólio, representado pela inventariante. Inteligente do artigo 48, parágrafo 1º e 2º da Lei 11.101/05. Recuperação Judicial. Empresário Rural. Para postulação, não basta a inscrição antecedente no Registro Mercantil, exigindo, a lei, que se comprove o desenvolvimento da atividade por dois anos”[5].
Em harmonia com esse entendimento, o Projeto que altera a Lei de Recuperação Judicial e Falência[6], traz procedimento simplificado para que os produtores rurais possam ser beneficiados com o pedido de Recuperação Judicial, a exemplo da permissão do produtor rural pessoa física comprovar o prazo estabelecido no caput do artigo 48, somente com a Declaração de Imposto de Renda, bem como para excetuar-lhe o cumprimento do requisito temporal.
Desta forma, diante dos desafios inerentes ao processo recuperacional, é tempo de permitir a aprovação do Plano de Recuperação Juidicial do produtor rural, que em tempos de crise politico-econômica, deve ter amparo jurídico do Instituto que nasceu para preservar empresas em dificuldades.
[1] Artigo 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exercer regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos.
[2] Artigo 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.
[3] Artigo 970. A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.
[4] Artigo 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o artigo 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário a registro.
[5] TJSP, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Agravo de Instrumento nº 2048349-10.2017.8.26.000, Rel. Araldo Telles. J. 30/10/2017).
[6] PL 6.279/2013.