A conciliação nos juizados especiais cíveis estaduais e o atual cenário jurídico brasileiro

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2. O Atual Cenário Jurídico Brasileiro

O Poder Judiciário se constitui um dos três poderes da república e representa a noção de Justiça e o que está expresso no art.5º, inciso XXXV da Constituição Federal, porém, atualmente este órgão vem passando por dificuldades, que não atinge apenas a justiça comum, mas, também compromete o Juizado Especial Cível. Por outro lado, ao garantir aos cidadãos, o acesso ao Poder Judiciário deve se ter preocupação com o efetivo acesso à Justiça que constitui em garantir a solução efetiva e justa para a demanda das partes que buscam o Judiciário.

2.1 O Acesso à Justiça

Atualmente a noção de Acesso à Justiça não mais se limita ao mero acesso formal aos órgãos do Judiciário. Ao se garantir o acesso à Justiça ao cidadão, está a se garantir a solução de seu problema através de uma decisão justa, tempestiva e acima de tudo, efetiva. Deve-se garantir, portanto, que a sua pretensão seja realmente satisfeita.

A Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXXV, efetivou o acesso à Justiça como um direito fundamental, ao dizer que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, a lesão ou ameaça à direito. Mauro Cappelletti e Bryant Garth, explica em que consiste o Acesso à Justiça: “A expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. (CAPPELLETI, GARTH, 1988, p. 8).

A utilização dos meios alternativos de solução de conflitos também se insere na ordem jurídica justa e no acesso à Justiça, conforme pontua Cintra, Grinover e Dinamarco: “Em relação a mediação e a conciliação, a Exposição de Motivos da res. n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça deixa claro que o inc. XXXV do art. 52 da Constituição, que literalmente trata apenas do acesso ao Poder Judiciário, deve ser interpretado como garantia de acesso a justiça por qualquer meio adequado de solução de conflitos, como a mediação e a conciliação .”(CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2012, p. 31).

A problemática do Acesso à Justiça consiste no atual sistema de Justiça, que dificulta o acesso aos mais pobres e dificulta a resolução das pequenas causas, define Mauro Cappelletti, os obstáculos organizador, econômico e processual que impedem o acesso à Justiça: “Os problemas principais do movimento reformador tem sido os seguintes: “a) o obstáculo econômico, pelo qual, muitas pessoas não estão em condições de ter acesso às cortes de justiça por causa de sua pobreza, aonde seus direitos correm o risco de serem puramente aparentes; b) o obstáculo organizador, através do qual, certos direitos ou interesses “coletivos” ou “difusos” não são tutelados de maneira eficaz se não se operar uma radical transformação de regras e instituições tradicionais de direito processual, transformações essas que possam ter uma coordenação, uma organização” daqueles direitos ou interesses; c) finalmente, obstáculo propriamente processual, através do qual, certos tipos tradicionais de procedimento são inadequados aos seus deveres de tutela.” (CAPPELLETTI, 1991, p. 148).

É nesse contexto que a Conciliação nos Juizados Especiais Cíveis, se torna um importante meio de acesso à Justiça, uma vez que os procedimentos não possuem custas judiciais, um fator que impede o acesso ao menos favorecidos. Por outro lado, promove a resolução dos litígios através da Conciliação, buscando a pacificação social através da pretensão satisfeita de ambas as partes através do acordo e da composição.

2.2 A Crise do Poder Judiciário

Atualmente o Poder Judiciário Brasileiro vem passando por uma crise de desempenho que vêm colocando em risco direitos e garantias, gerando uma ineficiência da efetiva pacificação social com a prestação jurisdicional na resolução de Conflitos a consequente perda de credibilidade na justiça. São muitos os fatores que contribuem para a crise no Poder Judiciário, a doutrina elenca vários deles.

Segundo Watanabe, um dos motivos da crise do poder judiciário advém também da falta de uma política adequada do tratamento do conflito de interesses: “É decorrente a crise mencionada, também, da falta de uma política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses que ocorrem na sociedade. Afora os esforços que vem sendo adotados pelo Conselho Nacional de Justiça, pelos Tribunais de Justiça de grande maioria dos Estados da Federação Brasileira e pelos Tribunais Regionais Federais, no sentido da utilização dos chamados Meios Alternativos de Solução de Conflitos, em especial da conciliação e da mediação, não há uma política nacional abrangente, de observância obrigatória por todo o Judiciário Nacional, de tratamento adequado dos conflitos de interesses.” (WATANABE, 2011, p. 2, 3).

Marco Aurélio Buzzi, também descreve vários fatores que contribuem para a crise do Poder Judiciário: “a) o distanciamento entre o Poder Judiciário e o cidadão; b) o excesso de processos, que abarrotam o Judiciário; c) a morosidade e os altos custos dos processos; d) a burocracia e a complexidade dos procedimentos que deveriam oferecer ao indivíduo a almejada justiça; e) a mentalidade de um contingente de juízes pouco compromissados com a missão da instituição a qual pertencem e que fazem menos do que poderiam; f) a ignorância das partes acerca dos procedimentos e rotinas judiciais; g) a deficiência, ou inexistência, concernente ao funcionamento dos serviços de defensoria pública ou assistência judiciaria gratuita.” (BUZZI, 2014, pp. 469-470).

Um outro grande obstáculo que impede a efetiva utilização de meios como a conciliação e a mediação, e consequentemente é um dos fatores da crise no Poder Judiciário, é a formação acadêmica dos operadores do direito, que é voltada para a solução adjudicada e contenciosa dos conflitos de interesses, esse é o modelo de ensino adotado em todas as faculdades de Direito do país e é também o modelo de profissional que o mercado exige para as principais carreiras Jurídicas, Advocacia, Magistratura, Ministério Público e Procuradorias. (WATANABE, 2011).

A grande quantidade de ações ajuizadas e pendentes no poder judiciário, constitui outro fator que agrava a crise gerando uma lentidão na prestação da Tutela Jurisdicional, não só na Justiça Comum, mas também nos Juizados Especiais, conforme pontua Grinover: “A crise da Justiça, representada principalmente por sua inacessibilidade, morosidade e custo, põe imediatamente em realce o primeiro fundamento das vias conciliativas: o fundamento funcional. Trata-se de buscar a racionalização na distribuição da Justiça, com a subsequente desobstrução dos tribunais, pela atribuição da solução de certas controvérsias a instrumentos institucionalizados que buscam autocomposição. E trata-se ainda da recuperação de certas controvérsias, que permaneceriam sem solução na sociedade contemporânea, perante a inadequação da técnica processual para a solução de questões que envolvem, por exemplo, relações comunitárias ou de vizinhança, a tutela do consumidor, os acidentes de trânsito etc. (GRINOVER, 2013, p. 2, 3).

O doutrinador e Desembargador aposentado Kazuo Watanabe, dentro da crise pela qual passa o poder judiciário e da falta de uma política pública adequada para o tratamento do conflito de interesses, descreve a existência da cultura da sentença, que é a responsável pela grande quantidade de sentenças, recursos e execuções que sobrecarregam o Poder Judiciário.

Abordando a falta de uma política pública adequada para o tratamento do conflito de interesses, Watanabe pontua que: “O mecanismo predominantemente utilizado pelo nosso Judiciário é o da solução adjudicada dos conflitos, que se dá por meio de sentença do juiz. E a predominância desse critério vem gerando a chamada "cultura da sentença", que traz como consequência o aumento cada vez maior da quantidade de recursos, o que explica o congestionamento não somente das instâncias ordinárias, como também dos Tribunais Superiores e até mesmo da Suprema Corte. Mais do que isso, vem aumentando também a quantidade de execuções judiciais, que sabidamente é morosa e ineficaz, e constitui o calcanhar de Aquiles da Justiça. (WATANABE, 2011, p. 2).

Por fim, um dos grandes fatores que contribui para que o Poder Judiciário não consiga dar uma resposta efetiva na prestação da Tutela Jurisdicional, advindo do grande volume de processos é a sobrecarga dos Juízes e a falta de infraestrutura e serventuários para atender a demanda excessiva no Poder Judiciário, nesse sentido escreve Bacellar: “Desconhece a maioria da população que os juízes, em geral, trabalham mais do que é recomendável, inclusive em finais de semana e feriados, além dos plantões obrigatórios e da impossibilidade de se ausentarem da comarca sem autorização; não sabe que há juízos com mais de 20 mil processos em andamento e apenas um magistrado para dirigi-los, o que exige mais de 12 horas para atendimento às partes, aos advogados, audiências, inspeções, despachos, decisões e sentenças. (BACELLAR, 2004, p. 82, 83).

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São muitos os problemas que afetam o Judiciário e fazem gerar essa crise, mas os principais, que foram elencados acima são os que mais contribuem para o agravamento dessa crise da Justiça.


3. Dados Do CNJ e do Juizado Especial Cível Estadual da Comarca de Pirapora-MG

Segundo dados do CNJ, realizados através da pesquisa Justiça em Números em 2017, tendo como base o ano de 2016, o Poder Judiciário finalizou o ano de 2016 com 79,7 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma solução definitiva, sendo que 79, 2% desses processos pendentes estão na Justiça Estadual. Durante o ano de 2016, ingressaram 29,4 milhões de processos e houve um crescimento em relação ao ano anterior na ordem de 5,6% e 2,7%, respectivamente, sendo que o estoque de processos cresceu em 2,7 milhões, ou seja, em 3,6%. (JUSTIÇA, 2017).

Quanto ao número de novos processos nos Juizados Especiais no Brasil, apesar do CNJ, não diferenciar o Cível do Criminal, houve um aumento de 6,36 milhões de novos processos em todo País no ano de 2016. Hoje há 3.626 Juízes atuando nos Juizados Especiais Cíveis em todo o País e existe um déficit de 4.439 cargos de magistrados em todo o País. Quanto aos serventuários, nos Juizados Especiais há 26.583 servidores e uma quantidade de 57.509 cargos vagos em todo o País. (JUSTIÇA, 2017).

A porcentagem da quantidade de disputas que são resolvidas por acordos no Poder Judiciário, segundo a Justiça em Números digital 2017, com base de 2016 é de 12% e nos Juizados Especiais, em que a pre­sença de um advogado não é exigida, 16% das di­vergências terminam na chamada via da concilia­ção. Pode perceber que é uma baixa quantidade perto da enorme quantidade de processos que tramitam no Poder Judiciário Brasileiro. (JUSTIÇA, 2017).

Segundo a Pesquisa Justiça em números do CNJ, a taxa de congestionamento, que mede o percen­tual de processos em tramitação que não baixou durante 2016, permanece alta, com percentual de 73%. Isso quer dizer que foram solucionados apenas 27% de todos os processos, segundo a Pesquisa. (JUSTIÇA, 2017).

No TJMG, ingressaram em 2016, 8,2 milhões de novos processos, sendo que a taxa de congestionamento foi de 71%. Já o índice de conciliação na Justiça Mineira foi de 15,3%. Quanto a quantidade de processos novos nos Juizados Especiais de Minas Gerais, foi de 1.973,016 milhões de processos. (JUSTIÇA, 2017).

Além do estudo realizado pelo “Justiça em Números”, tendo como base o ano de 2016, foi realizado uma Pesquisa sobre o Juizado Especial Cível Estadual em Pirapora - MG, com base nos relatórios produzidos pelo próprio JESP CÍVEL da Comarca de Pirapora e tendo como Base o ano de 2016 e o ano de 2017 até o mês de Julho. (JUSTIÇA, 2017).

Com base em resumo dos dados, houve em 2016, 1.625 audiências de Conciliação e dessas 230 resultaram em acordo, fazendo um percentual de 14% de acordos. Já no ano de 2017, até o mês de Julho, houve 954 audiências de Conciliação, tendo dessas, 132 acordos realizados, perfazendo uma porcentagem de 13,83%. (JUSTIÇA, 2017).

Sendo assim, pode-se concluir que todo o procedimento de Conciliação adotado nos Juizados Especiais Cíveis, são feitos para se ter uma Justiça célere, barata, informal e de acesso à toda sociedade, com o objetivo de trazer pacificação social e acesso à Justiça e também ao Poder Judiciário. Contudo, a crise do Judiciário que atinge a Justiça comum também atinge o Juizado Especial Cível comprometendo também o andamento processual no Juizado Especial Cível, inviabilizando uma maior quantidade de acordos e autocomposições, do que hoje promove.

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Sobre os autores
Jessé Almeida da Costa

Acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros-Unimontes.

Wellington de Oliveira Félix

Docente do Curso de Direito da Unimontes e Mestrando em Direito.

Ricardo Batista de Almeida

Acadêmico de Direito da Unimontes

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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