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Direito ao patrimônio genético mínimo

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O presente trabalho tem como escopo analisar a novíssima dimensão do direito humano que trata sobre o patrimônio genético, com base na Constituição e na Lei Infraconstitucional nº 11.105, 24 de março de 2005 (denominada de Lei de Biossegurança).

Resumo: O presente trabalho tem como escopo analisar a novíssima dimensão do direito humano que trata sobre o patrimônio genético, com base na Constituição Federal e a Lei Infraconstitucional nº 11.105, 24 de março de 2005 (denominada de Lei de Biossegurança). Com a evolução da sociedade, as denominadas “tradições dimensões dos direitos humanos” sofreram um maciço alargamento, passando, em decorrência da complexidade do indivíduo, a coexistir com as nominadas “novíssimas dimensões”. Dentre aludidas dimensões, passa-se a computar o direito ao patrimônio genético como expressão contemporânea, verificando-se, inclusive, em decorrência da promulgação do Texto Constitucional, em 1988, que o patrimônio genético passou a usufruir de tratamento jurídico, sendo que a contemporânea ótica adotada buscou salientar a necessidade de preservar não apenas a diversidade e a integridade do supramencionado patrimônio. Assim, houve a necessidade de se estabelecer meios de fiscalização às entidades voltadas à manipulação do material genético, cabendo ao Poder Público seu estabelecimento. Nesse sentido, o patrimônio genético encontra-se tutelado pela nossa Lei Maior em seu art. 225, §1º e na Lei de Biossegurança a qual atua de forma a estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização aos organismos geneticamente modificados. O método empregado é o hipotético-dedutivo, conjugado com pesquisa literária específica e análise de jurisprudência acerca da temática.

Palavras-chave: Direito humano; Patrimônio genético; Direito fundamental; Integridade; Manipulação genética.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O artigo em tela visa tratar do direito ao patrimônio genético mínimo na esfera de direitos humanos, sob a ótica da Constituição Federal do ano de 1988 e da Lei de Biossegurança. Levando em consideração a desenfreada da evolução da sociedade, os direitos humanos também se expandiram, ensejando o surgimento das “novíssimas dimensões”, onde o direito ao patrimônio genético mínimo se revela como expressão contemporânea, sendo corroborado pela promulgação do Texto Constitucional em 1988, pois o aludido direito passa a se revestir de tratamento jurídico, vez que essa nova visão procurou sobrelevar a necessidade de preservar a diversidade e integridade do patrimônio em questão e ainda, promover a fiscalização das entidades ligadas à pesquisa e à manipulação do material genético por meio do Poder Público. Em vista disso, aflora questões pertinentes aos limites estipulados pelo próprio texto da Carta de Outubro no que se refere à autorização constitucional, com a finalidade de destituir a tutela jurídica em relação à produção e à comercialização, como também no que tange ao emprego de técnicas, substância e técnicas que acarretem risco à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente.

Nesse diapasão, encontra-se a proteção da tutela jurídica do patrimônio genético da pessoa humana, prevista na Constituição Federal, mais especificamente em seu art. 225, §1º, incisos II, IV e V. Já no âmbito infraconstitucional, encontra-se na Lei nº 11.105 de 24 de Março de 2005, denominada Lei de Biossegurança, uma vez que a política nacional de biossegurança é encarregada de delinear normas de segurança quanto à fiscalização das atividades que abarquem organismos geneticamente modificados, que se compreendem patrimônio genético humano, vegetal, fúngico, microbiano ou animal. Estabelecendo também, punições administrativas, criminais e cíveis, ante determinados comportamentos.

Em sede Constitucional, com o decurso do tempo, a ideia de preservar a diversidade e integridade do patrimônio genético para a presente geração e às gerações vindouras sofreu dilatação, passando-se a autorizar pesquisas e manipulações de materiais genéticos voltados à resolução de problemas nacionais. Sendo assim, fez-se necessário a tutela ambiental se ligar ao mínimo existencial de modo a propiciar uma sadia qualidade de vida advinda da qualidade ambiental, configurando, assim, o mínimo de direitos que devem ser proporcionados pelo Estado a todos os cidadãos, como também o direito à saúde, para que dessa forma venha gozar de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, efetivando os valores elencados pela justiça social e democracia.


1 O RECONHECIMENTO DO ASPECTO DIFUSO DO MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Como já salientado, houve um alargamento dos direitos humanos, levando em consideração a evolução da sociedade. De forma a atender as necessidades de cada momento desse processo evolutivo, a doutrina classifica historicamente em direitos humanos de primeira, segunda e terceira dimensão, de acordo com Thiago do Amaral Rocha e Mariana Oliveira Barreiros de Queiroz (2011). Nesta senda, os direitos humanos de primeira dimensão surgiram através da concretização dos direitos fundamentais de caráter individual, tendo como pilar a liberdade, de modo a impossibilitar a intervenção do Estado no âmbito jurídico dos indivíduos, ou seja, esses direitos desempenhavam a função de escudo. Com o advento da Revolução Industrial, ficou evidente ao Estado a distinção entre os cidadãos, retirando a ideia de que todos eram naturalmente iguais, assim, originou-se os direitos de segunda dimensão, que seja, os direitos sociais, econômicos e culturais, dando origem ao Estado Social. Ainda em conformidade com Thiago do Amaral Rocha e Mariana Oliveira Barreiros de Queiroz (2011), a Revolução Industrial desencadeou diversos conflitos de massa e impulsionou o Estado a instituição de novos direitos com a finalidade de pacificar as relações interpessoais, coletivamente, onde se caracterizou marco diferencial entre a segunda e terceira dimensão que passou da esfera individual para a esfera coletiva.

Desse modo, originou-se a terceira dimensão dos direitos humanos, que, por sua vez se tratava de direitos coletivos e transindividuais sob o prisma dos valores de solidariedade. Conforme leciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2000, p. 58), o direito à paz, direito ao desenvolvimento, direito ao meio ambiente e direito ao patrimônio comum da humanidade, configuram os principais direitos de solidariedade e ainda sustenta que dentre todos os direitos da terceira dimensão, o mais elaborado é o direito ao meio ambiente. Norberto Bobbio (1992, p. 43 apud FERREIRA FILHO, 2000) leciona no sentido de que o direito mais importante, em sede de direitos humanos de terceira dimensão, é o direito de viver num ambiente não poluído. Outrossim, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de que os direitos de terceira dimensão abarcam toda uma coletividade, não sendo possível se obter a exatidão do seu alcance (BRASIL, 1995).

No âmbito nacional, o reconhecimento do aspecto difuso Direito Ambiental está demonstrado no art. 225, caput, da Constituição Federal (BRASIL, 1988). A partir disso, os bens ambientais passam a ser considerados bem de uso comum indispensável à sadia qualidade de vida, como também a função social da propriedade ganha um novo revestimento, pois essa função passa a ser condicionada, ou seja, deve respeitar os valores comuns ambientais. Não obstante, o art. 5º, inciso LXXIII da nossa Lei Maior traz expresso em sua redação que o meio ambiente é objeto de ação popular, nesse sentido Thiago do Amaral Rocha e Mariana Oliveira Barreiros de Queiroz

Como é elementar, o artigo 5º da Constituição Federal cuida dos direitos e garantias fundamentais. Ora, se é uma garantia fundamental do cidadão a existência de uma ação constitucional com a finalidade de defesa do meio ambiente, tal fato ocorre em razão de que o direito ao desfrute das condições saudáveis do meio ambiente é, efetivamente, um direito fundamental do ser humano (ROCHA; QUEIROZ, 2011, s. p.)

Diante disso, resta demonstrado que o direito ao meio ambiente, devido o seu caráter de direito fundamental, é irrevogável e imprescritível, configurando cláusula pétrea e tornando inconstitucional, toda e qualquer norma que venha contrariar, revogar ou atenuar esse direito, segundo Thiago do Amaral Rocha e Mariana Oliveira Barreiros de Queiroz (2011). Dada qualificação como direito difuso, cabe-lhe uma maior proteção no âmbito nacional e internacional, considerando a hipótese de responsabilização do país diante dos órgãos internacionais que atuam de forma a defender os direitos humanos.


2 O PATRIMÔNIO GENÉTICO E A SALVAGUARDA CONSTITUCIONAL

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a tutela jurídica alcançou o patrimônio genético com o objetivo de preservar a diversidade e integridade genética, bem como delinear a atividade fiscalizadora do Poder Público para com as entidades de estudo e manipulação de material genético.

O direito à preservação do patrimônio genético e a imposição do poder público de fiscalizar empresas que o manipulam e pesquisam tornam-se constitucionalmente consagrados que não podem ser abolidos, de sorte que é o direito de todo ser humano de não sofrer interferências artificiais contrárias à própria natureza humana. (WINCKLER, 2010, p. 6.825)

O art. 225, bem como os incisos II, IV e V todos do §1º do mesmo dispositivo da Carta Magna, são considerados como dispositivos protecionistas do patrimônio genético, em sede de proteção ambiental constitucional. Na esfera infraconstitucional, tem-se a lei nº 11.105/2005, denominada Lei de Biossegurança, que atua na fiscalização das atividades que abarcam os organismos geneticamente modificados de modo a estabelecer normas de segurança e artifícios para tal fiscalização. A lei em tela teve como objetivo tutelar juridicamente o patrimônio genético humano como direito, levando em consideração sua dimensão metaindividual. Nesse sentido leciona Celso Antônio Pacheco Fiorillo

O direito ambiental constitucional assegura a tutela jurídica não só individual das pessoas – como o direito às informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência - abarcadas pela Carta Magna mas particularmente do povo brasileiro, observado em sua dimensão metaindividual, analisado nos dias de hoje por meio das novas “ferramentas” científicas desenvolvidas em proveito da tutela dos grupos participantes do processo civilizatório nacional. (FIORILLO, 2009, p. 25)

Segundo Rangel (2014), a lei em comento institui sanções de caráter criminal, civil e administrativa pela prática de algumas condutas, podendo ser consideradas lesivas ao patrimônio genético da pessoa humana. Todavia, a aplicação da Lei de Biossegurança não se restringe ao patrimônio genético humano, sendo aplicada também a origem genética inclusa em espécies vegetais, fúngicas, microbianas ou animais, em forma de moléculas e substâncias que compõem esses organismos, sejam vivos ou mortos. Neste passo, a Constituição Federal, de forma permissiva, se posicionou em relação às entidades de pesquisa e manipulação de material genético para que esses solucionassem problemas brasileiros, abrangendo o que inicialmente se restringira a preservação da diversidade e integridade do patrimônio genético de forma intergeracional e transgeracional.

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Cumpre salientar que a Lei de Biossegurança atua de modo a colaborar e incentivar as empresas que exerçam atividades que envolvam material genético para que aumente as pesquisas e criação de tecnologias apropriadas ao Brasil, sob a orientação constitucional focalizada à resolução de problemas no âmbito nacional. Verifica-se ainda que a lei supracitada propiciou aquilo já buscado pela Lei Maior, nesse seguimento leciona Rangel: 

O mencionado diploma legislativo viabilizou, no plano infraconstitucional a contemporânea visão adotada Carta de 1988, que já buscava realçar no final do século passado a necessidade de preservar não apenas a diversidade como a integridade de referido patrimônio genético brasileiro. (RANGEL, 2014, s.p.)

Bem como denota Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2012, p. 114), a legislação infraconstitucional, mais especificamente a Lei de Biossegurança, não deixa de tratar a questão jurídica em relação a função constitucional direcionada ao Poder Público, no que tange ao poder de fiscalizar às entidades destinadas à pesquisa, bem como a manipulação do direito material genético deverá ser praticado de fato. Igualmente, essa autorização de caráter constitucional é regulamentada pela Lei de Biossegurança nos moldes estabelecidos na redação constitucional com a finalidade de garantir a exequibilidade jurídica quanto a produção e comercialização, bem como a utilização de quaisquer técnicas, substâncias e métodos que possam comprometer a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, que por sua vez estarão sob fiscalização do Poder Público, consoante as atividades que possam acarretar degradação ambiental. Sendo assim, imprescindível se faz a realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental e, na forma legal, o EIA deverá ser exigido pelo Poder Público sempre que o objetivo seja de instalação de obras ou atividades potencialmente poluidoras e causadoras de impacto ambiental em maiores proporções, consoante Rangel (2014).


3 PATRIMÔNIO GENÉTICO E O MÍNIMO EXISTENCIAL

Ao adotar como ponto inicial de análise o meio ambiente e sua relação direta com o homem contemporâneo, necessário faz-se esquadrinhar a concessão jurídica apresentada pela Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981 (2016), que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Aludido diploma, ancorado apenas em uma visão hermética, concebe o meio ambiente como um conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Nesse primeiro momento, salta aos olhos que o tema é dotado de complexidade e fragilidade, eis que dialoga uma sucessão de fatores distintos, os quais são facilmente distorcidos e deteriorados devido à ação antrópica.

José Afonso da Silva (2009, p. 20), ao traçar definição acerca de meio ambiente, descreve-o como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”. Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2012, p. 77), por sua vez, afirma que a concepção definidora de meio ambiente está pautada em um ideário jurídico despido de determinação, cabendo, diante da situação concreta, promover o preenchimento da lacuna apresentada pelo dispositivo legal supramencionado.

Trata-se, com efeito, de tema revestido de maciça fluidez, eis que o meio ambiente está diretamente associado ao ser humano, sofrendo os influxos, modificações e impactos por ele proporcionados. Não é possível, ingenuamente, conceber, na contemporaneidade, o meio ambiente apenas como uma floresta densa ou ecossistemas com espécies animais e vegetais próprios de uma determinada região; ao reverso, é imprescindível alinhar o entendimento da questão em debate com os anseios apresentados pela sociedade contemporânea. Nesta linha, o Ministro Luiz Fux, ao apreciar a ADI N°. 4.029/AM, já salientou que:

[...] o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal. (BRASIL, 2016c).

Pelo excerto transcrito, denota-se que a acepção ingênua do meio ambiente, na condição estrita de apenas condensar recursos naturais, está superada, em decorrência da dinamicidade da vida contemporânea, içado à condição de tema dotado de complexidade e integrante do rol de elementos do desenvolvimento do indivíduo. Tal fato decorre, sobremodo, do processo de constitucionalização do meio ambiente no Brasil, concedendo a elevação de normas e disposições legislativas que visam promover a proteção ambiental. Não é possível esquecer que os princípios e corolários que sustentam a juridicidade do meio ambiente foram alçados a patamar de destaque, passando a integrar núcleos sensíveis, dentre os quais as liberdades públicas e os direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente” (THOMÉ, 2012, p. 116).

A construção do direito ao meio ambiente enquanto direito de todos exige uma perspectiva republicana de bem comum, enquanto bem da comunidade, que não se ajusta com perfeição às teses liberais. A construção – e não a declaração – do direito ao meio ambiente exige um fundamento ético que não se funda na competição, mas antes na solidariedade. Exige uma construção ética que pensa a figura do outro, não como adversário, mas como parte da construção por todos de um projeto comum de humanidade. (SCARPI, 2008, p. 77-78)

Em ressonância com o preceito de necessidades humanas básicas, na perspectiva das presentes e futuras gerações, é colocada, como ponto robusto, para reflexão a exigência de um patamar mínimo de qualidade e segurança ambiental, sem o qual o preceito de dignidade humana restaria violentado em seu núcleo essencial. A seara de proteção do direito à vida, quando confrontado com o quadro de riscos ambientais contemporâneos, para atender o padrão de dignidade alçado constitucionalmente, reclama ampliação a fim de abarcar a dimensão no seu quadrante normativo. Insta salientar, ainda, que a vida se apresenta como condição elementar para o pleno e irrestrito exercício da dignidade humana, conquanto esta não se limite àquela, porquanto a dignidade não se resume a questões existenciais de natureza essencialmente biológica ou física, todavia carece a proteção da existência humana de forma mais ampla. Desta maneira, é imprescindível que subsista a conjugação dos direitos sociais e dos direitos ambientais para identificação dos patamares necessários de tutela da dignidade humana, a fim de promover o reconhecimento de um direito-garantia do mínimo existencial socioambiental, “precisamente pelo fato de tal direito abarcar o desenvolvimento de todo o potencial da vida humana até a sua própria sobrevivência como espécie, no sentido de uma proteção do homem contra a sua própria ação predatória” (SARLET; FENSTERSEIFER, 2012, p. 116).

A exemplo do que ocorre com o conteúdo do superprincípio da dignidade humana, o qual não encontra pontos limítrofes ao direito à vida, em uma acepção restritiva, o conceito de mínimo existencial não pode ser limitado ao direito à simples sobrevivência na sua dimensão estritamente natural ou biológica, ao reverso, exige concepção mais ampla, eis que almeja justamente a realização da vida em patamares dignos, considerando, nesse viés, a incorporação da qualidade ambiental como novo conteúdo alcançado por seu âmbito de proteção. Arrimado em tais corolários, o conteúdo do mínimo existencial não pode ser confundido com o denominado “mínimo vital” ou mesmo com o “mínimo de sobrevivência”, na proporção em que este último tem seu sentido atrelado à garantia da vida humana, sem necessariamente compreender as condições para uma sobrevivência física em condições dignas, portanto, de uma vida dotada de certa qualidade.

O conteúdo normativo ventilado pelo direito ao mínimo existencial deve receber modulação à luz das circunstâncias históricas e culturais concretas da comunidade estatal, inclusive numa perspectiva evolutiva e cumulativa. Destarte, é natural que novos elementos, decorrentes das relações sociais contemporâneas e das novas necessidades existenciais apresentadas, sejam, de maneira paulatina, incorporados ao seu conteúdo, eis que o escopo primordial está assentado em salvaguardar a dignidade da pessoa humana, sendo indispensável o equilíbrio e a segurança ambiental. Nesta esteira, com o escopo de promover a conformação do conteúdo do superprincípio da dignidade da pessoa humana, é imperioso o alargamento do rol dos direitos fundamentais, os quais guardam ressonância com a concepção histórica dos direitos humanos, porquanto a tendência é sempre a ampliação do universo dos direitos fundamentais, de maneira a garantir um nível cada vez maior de tutela e promoção da pessoa, tanto em uma órbita individual como em aspectos coletivos.

Ademais, o processo histórico-constitucional de afirmação de direitos fundamentais e da proteção da pessoa viabilizou a inserção da proteção ambiental no rol dos direitos fundamentais, de maneira que o conteúdo do mínimo existencial, até então restrito à dimensão social, deve necessariamente compreender também um mínimo de qualidade ambiental, no sentido de encampar o mínimo existencial ecológico, que assume verdadeira feição socioambiental. Ao se adotar os paradigmas ventilados pelo artigo 225 da Constituição Federal, é verificável que a promoção da sadia qualidade de vida só é possível, enquanto desdobramento da vida e saúde humanas, dentro dos padrões mínimos estabelecidos constitucionalmente para o desenvolvimento pleno da personalidade humana, num ambiente natural com qualidade ambiental.

O ambiente está presente nas questões mais vitais e elementares para o desenvolvimento das potencialidades humanas, além de ser imprescindível à sobrevivência do ser humano como espécie natural. Desta feita, com o intento que se contribuir para a construção de uma fundamentação do mínimo existencial ecológico e, em uma perspectiva mais ampla, socioambiental, é adotado, portanto, uma compreensão alargada do conceito de mínimo existencial, com o escopo de alcançar a ideia de uma vida com qualidade ambiental. “A dignidade da pessoa humana, por sua vez, somente estará assegurada – em termos de condições básicas a serem garantidas pelo Estado e pela sociedade – onde a todos e a qualquer um estiver assegurada nem mais nem menos do que uma vida saudável” (SARLET; FENSTERSEIFER, 2012, p. 120), o que, com efeito, passa, por imperioso, pela qualidade, equilíbrio e segurança do ambiente em que a vida humana se encontra sediada.

É possível salientar que com a adoção do mínimo existencial socioambiental, configura verdadeira ampliação do rol dos direitos fundamentais, notadamente no que concerne à sua dimensão sociocultural, abarcando novas demandas e desafios existenciais provenientes da matriz ecológica. Trata-se, com efeito, do processo de reestruturação do Estado e juridificação de questões peculiares, estendendo a incidência do direito a questões florescidas na contemporaneidade, objetivando emprestar uma visão normativa ao tema, utilizando, como filtro de análise, a promoção do princípio da dignidade da pessoa humana e sua densidade no ordenamento jurídico brasileiro. Nesta senda, incumbe ao legislador promover a ampliação do rol dos direitos fundamentais, garantindo, via de consequência, o alargamento do conjunto de prestações socioculturais indispensáveis para assegurar a cada indivíduo uma vida condigna e a efetiva possibilidade da inserção na vida econômica, social, cultural e política, refletindo um processo dinâmico e fortemente receptivo ao contexto.

Nesta esteira, a edificação e fortalecimento dos valores atrelados ao mínimo existencial socioambiental inauguram um novo patamar, no qual aspectos essenciais da tutela ambiental e de outros direitos. Desta feita, com o intento que se contribuir para a construção de uma fundamentação do mínimo existencial ecológico e, em uma perspectiva mais ampla, socioambiental, é adotado, portanto, uma compreensão alargada do conceito de mínimo existencial, com o escopo de alcançar a ideia de uma vida com qualidade ambiental. O piso mínimo vital de direitos que deve ser assegurado pelo Estado a todos os indivíduos, dentre os quais insta salientar o direito à saúde, para cujo exercício é imprescindível um ambiente equilibrado e dotado de higidez, como afirmação dos valores irradiados pela democracia e justiça social.

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Sobre os autores
Tauã Lima Verdan Rangel

Mestre (2013-2015) e Doutor (2015-2018) em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especialista Lato Sensu em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) (2017-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Administrativo pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Ambiental pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito de Família pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais Civil, Penal e Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015).. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil e Direito Ambiental.

Anysia Carla Lamão Pessanha

Graduanda de Direito na Faculdade Metropolitana São Carlos, vinculada ao grupo de pesquisa "Faces e Interfaces do Direito: Sociedade, Cultura e Interdisciplinaridade no Direito". Pesquisadora e Autora de artigos e resumos na seara do Direito. Estagiária no Tribunal de Justiça do estado do Espírito Santo (TJES).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RANGEL, Tauã Lima Verdan ; PESSANHA, Anysia Carla Lamão. Direito ao patrimônio genético mínimo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5443, 27 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62559. Acesso em: 19 abr. 2024.

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