Artigo Destaque dos editores

Contratos de leasing

Exibindo página 3 de 3
06/04/1997 às 00:00
Leia nesta página:

7. DAS AÇÕES REVISIONAIS

Conforme citado acima, os contratos que possuem cláusulas leoninas, devem ser revistos pelo judiciário considerando-se nulas as cláusulas que infringem o dispositivo no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor. O acesso ao judiciário tem sido gradual e os consumidores ainda têm encontrado certa dificuldade de caracterizar os contratos de "leasing" como contratos lesivos que são repelidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Muitos Juizes não tem aplicado as normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, entendendo que as normas do referido estatuto somente atingem as relações de consumo, e a relação do cliente com as instituições financeiras não envolvem consumo.

Arnoldo Wald (Lei de Defesa do Consumidor, Cadernos IBCB 22) ratifica esse posicionamento:

b) a nova lei também não se aplica às operações de empréstimos e outras análogas realizadas pelos Bancos, pois, o dinheiro e o crédito não constituem produtos adquiridos ou usados pelo destinatário final, sendo ao contrário, instrumentos ou meios de pagamentos, que circulam na sociedade e em relação aos quais não há destinatário final (a não ser os colecionadores de moeda e o Banco Central, quando retira a moeda de circulação).

As instituições financeiras, em suas operações, ativas ou passivas, não podem ser consideradas como produtoras ou fornecedoras de serviços. À luz do Código de Defesa do Consumidor, só se caracterizariam como fornecedoras quando efetivamente prestassem serviços (art. 3º, § 2º, da L. 8.078/90)

Porém, a corrente doutrinária majoritária é do posicionamento da abrangência das instituições financeiras pelo Código de Defesa do Consumidor, como já exposto alhures.

As ações revisionais intentadas, tem vindo de encontro com o princípio da manifestação da vontade para alteração contratual, em virtude da aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Ao Judiciário agora é permitido rever as cláusulas contratuais, controlando supremacia de interesses do poder economicamente mais forte (instituições financeiras) em face aos consumidores. Como bem posiciona-se Cláudia Lima Marques (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. RT, 1992, pág. 60):

É o intervencionismo estatal, que, ao editar leis específicas, pode, por exemplo, inserir no quadro das relações contratuais novas obrigações (...), mesmo que as partes não as queiram, não as tenham previsto "ou as tenham expressamente excluído no instrumento contratual".

(...) Assim também, a vontade das partes não é mais a única fonte de interpretação que possuem os juizes para interpretar um instrumento contratual. A evolução doutrinária do direito dos contratos já pleiteava uma interpretação teleológica do contrato, um respeito maios pelos interesses sociais envolvidos, pelas expectativas legítimas das partes, especialmente das partes que só tiveram a liberdade de aderir ou não aos termos pré-elaborados.

O Art. 52 do Código de Defesa do Consumidor, elenca os requisitos obrigatórios na celebração do contrato. Tais requisitos devem ser de suma importância na análise do contrato em ação revisional, podendo a partir desse momento estabelecer se houve má-fé. Havendo supressão de um desses requisitos, pode-se perceber a lesividade e a má-fé contratual, que deve rigorosamente ser repelida pelo judiciário.

Os contratos devem sempre elevar a vontade das partes, harmonizando os interesses, alcançando um acordo satisfatório para ambas as partes. O Projeto de Código Civil, prevê a intervenção do judiciário nas relações contratuais (Projeto de Lei nº 634-B/75) trazendo um artigo sobre a onerosidade excessiva nos contratos:

Seção IV
Da resolução por onerosidade excessiva

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contratos.

Os efeitos da sentença, que a decretar, retroagirão à data da citação.

Como se pode perceber, a tendência é realmente a intervenção do judiciário nas relações contratuais. Nos contratos de "leasing", enquadrado em operação de crédito, as mesmas considerações tem sido elevadas. O tratamento diferenciado que é dado às instituições financeiras, deixando ao seu livre arbítrio as cláusulas contratuais, bem como as taxas aplicadas, não encontra respaldo na Constituição Federal, pois, como já citado, as instituições financeiras devem ter caráter social, com finalidade de promover o desenvolvimento equilibrado e atender aos interesses da coletividade. E ainda, a aplicação de juros superiores a 12% ao ano é literalmente proibida pela nossa Carta Magna.

Dr. Roberto W. Amarante discute (ob. cit., p. 23):

Com efeito não existe nenhum argumento plausível para que se dê tratamento diferenciado aos bancos, também discutível a posição do STF, em negar aplicabilidade ao art. 192, § 3º da CF, uma vez que o dispositivo está tecnicamente perfeito e resolvido, se alga há para regulamentar, certamente não é o conceito de "taxas de juros", "juros" ou "juros legais". Neste sentido se manifestou com propriedade o então Min. Paulo Brossard, que também entende serem auto-aplicáveis as disposições constitucionais proibitivas, não sendo necessário norma que regulamente o que nelas já está contido.

Dessa forma, é necessário que o Poder Judiciário lance mão de todos os meios que possa ter para promover o equilíbrio nas relações que envolvem instituições financeiras e consumidores. Seria ferir o princípio do acesso ao Judiciário, negar provimento as ações revisionais, pois trata-se de direito de cidadania. Brilhante e sensível a posição do Dr. Eugênio Facchini Neto, Juiz de Direito da 3º Vara Cível de Passo Fundo, concluindo que:

(...) o exercício de um direito por parte do autor (direito de acesso ao Judiciário para ver discutidas e revisadas algumas cláusulas do seu contrato), não pode acarretar prejuízos ao mesmo, o que ocorreria se, para evitar o desapossamento do bem, tivesse que efetuar o pagamento das importâncias exigidas pela requerida (Proc. nº 21196001800)

O ilustre Juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Presidente Prudente Dr. Eduardo Gesse, com brilhantismo tem entendido a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas ações revisionais de "leasing":

(...) Pois bem, a requerente não se conforme com algumas condições estabelecidas no contrato firmado entre os demandantes e almeja anulá-las. É evidente que ela não poderia alterar unilateralmente o contrato. Necessita, portanto, da intervenção judicial. A via eleita pela requerente, inegavelmente, é adequada. Não há pois que se falar em falta de interesse de agir.

(...) A vulnerabilidade do arrendatário em contratos dessa natureza é marcante, bom como não se pode negar que ele ostenta a condição de destinatário final e o arrendador pode e deve ser equiparado como fornecedor do bem arrendado, de modo que pode ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor para anular cláusulas que geram obrigações sem vantagens para o arrendatário, ou que para este sejam excessivamente onerosas.

Dessa forma, podemos concluir indubitavelmente que as ações revisionais de contrato de "leasing" é o meio adequado para requerer provimento jurisdicional no sentido de ver-se valer as normas do Código de Defesa do Consumidor, limitando assim, a soberania e ostentação de poder econômico ante os institutos contratuais, como o contrato de "leasing". A prestação jurisdicional é imprescindível à equiparação das partes e igualdade de condições suprimidas nos contratos atuais, onde o poder dita as regras e o economicamente mais fraco e dependente de crédito as adere em bloco e se submete ao rigorismo e abusividade de suas cláusulas.


8. CONCLUSÃO

O contrato de "leasing", trata do negócio realizado entre a instituição financeira e o cliente, no propósito de oferecer recursos para utilização de bens, sem a necessidade de sua aquisição.

A natureza jurídica dos contratos de leasing, muito discutida doureinariamente traz a posição de grandes doutrinadores, das quais podemos destacar a classificação contratual desse instituto como contrato misto, conforme posição de Orlando Gomes. Tratando-se de contrato misto, sua composição é assemelhada a alguns institutos jurídicos contatuais, como a locação, a compra e venda e o financiamento. O contrato de leasing é insituto autônomo, tem sua própria definição, mas está composto por características diversas, que juntas asseguram o resultado do negócio.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A essência de locação é marcante na natureza do contrato de leasing. O pagamento de contraprestações mensais, figuram como alugueres, mas assim não podem ser consideradas, pois estão compostas de outros elementos, como taxa de depreciação do bem, juros, lucros da instituição e prestação de serviços. Dessa forma, o caráter locativo apenas se insinua nos contratos de leasing.

Os aspectos da compra e venda a prazo, também surgem nos contratos de leasing, mas de forma superficial, eis que as parcelas pagas mensalmente, são consideradas como alugueis, e a opção de compra do bem somente se consumará com o pagamento do valor residual garantido. A compra e venda a prazo não é aplicadas aos contratos de leasing porque no final do contrato, o arrendatário não está obrigado à adquirir o bem. Trata-se de uma faculdade que poderá ser exercida ou não. Em exercendo-a, tem-se consumada a compra e venda, caso contrário, o bem é devolvido e os valores pagos nas parcelas, passam a ter caráter exclusivamente de locação, pois o contrato não prevê a devolução de valores pagos a título de amortização do bem quando da devolução.

Outra característica importante dos contratos de leasing é a do financiamento. Nestes contratos, no valor final da operação, estão incluídos os lucros e custos da instituição, como no financimento, sendo que a trsnferência da propriedade do bem somente se transferirá ao término do contrato, mediante a vontade do arrendatário.

Além de suas características peculiares, o contrato de leasing é contrato de adesão, pois suas cláusulas já se apresentam elaboradas para a aceitação integral pelo aderente. Não há a possibilidade de participação do arrendatário na elaboração das cláusulas contratuais, tendo que acitá-las em bloco. Para tanto, a interpretação desses contratos merece cuidado, para evitar a prática de cláusulas abusivas, repelidas pelo Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor enquadra os contatos de natureza bancária, financeira e de crédito como fornecedores de serviços, protegendo os usuários desses serviços, conforme suas normas, repelindoa lesão contratual, muito praticada nos contratos de crédito, onde o consumidor não possui escolha, e sim é levado a procurar crédito junto às instituições e submete-se aos interesses destas.

As cláusulas abusivas devem ser consideradas nulas pelo judiciiário através de ações revisionais propostas, tendo como fundamento a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor. Somente através da intervenção judicial, as instituições financeiras farão a adaptação de seus contratos às normas vigentes, facilitando a aplicação da equidade e justiça social, para ao final fazer valer os preceitos constitucionais sobre o sistema financeiro nacional.

As ações revisionais são de suma importância na aplicação das normas de proteção ao consumidor, e devem ser analisadas pelo Judiciário com base na lesão contratual e fragilidade de participação do aderente na elaboração do contrato, assim como, a supremacia economica das instituições financeiras e intocabilidade de suas operações até pouco tempo amparadas pelo princípio do pacta sunt servanda.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Angélica Carro

advogada em Presidente Prudente (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARRO, Angélica. Contratos de leasing. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 10, 6 abr. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/626. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho monográfico apresentado ao curso de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil mantido pela Instituição Toledo de Ensino de Presidente Prudente em convênio com o INBRAPE - Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estudo Sócio-Econômico, para obtenção de título deespecialista. Orientadora: Prof. Dra. Jussara Susi Assis Borges Nasser Ferreira.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos