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Breve análise da competência para conhecer do habeas corpus impetrado em face de coação de turma recursal

18/02/2005 às 00:00
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RESUMO

Conquanto polêmico o assunto abordado no presente artigo, tentou-se analisar, de forma sucinta e objetiva, a competência para julgamento do habeas corpus ajuizado contra ato de coação de Colégio Recursal dos Juizados Especiais, socorrendo-se de um estudo sistemático do ordenamento jurídico, para fins de demonstração que o entendimento do Pretório Excelso cristalizado na súmula de n.º 690 resta, data maxima venia, equivocado.

Antes de se adentrar no mérito do trabalho propriamente dito, urge que sejam tecidas algumas considerações preliminares acerca do que seria competência.

É cediço que todo e qualquer magistrado exerce jurisdição, mas nem todo juiz detém, necessariamente, competência para processar e julgar tal ou qual matéria.

Tal ocorre, porquanto sendo a jurisdição uma parcela da soberania estatal, faz se necessário estabelecer regras e parâmetros, para fins de equacionar e se efetivar a prestação jurisdicional, facilitando, deste modo, o acesso à Justiça.

Denota-se, então, que a competência não é senão uma delimitação do poder jurisdicional, que no dizer de Liebman, citado por Athos Gusmão Carneiro [1]: "[...] ‘a competência é a quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão, ou seja, a medida de jurisdição".

Assim, competência é a distribuição do exercício da jurisdição dentre os vários órgãos positivados do Poder Judiciário.

É sabido também que algumas Cortes de Justiça brasileiras têm as suas competências definidas e preconizadas em sede constitucional, de modo que qualquer alteração ou modificação deve ser, necessariamente, ventilada por Emenda Constitucional — mediante o Poder Constituinte Derivado Reformador — não se admitindo, portanto, alteração via lei infraconstitucional, qualquer que seja sua natureza.

Com efeito, a Carta Magna estabelece as competências, tanto originárias, quanto recursais, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, nos dispositivos 102 e 105, respectivamente.

Nesse diapasão, infere-se, pois, que aquelas disposições são taxativas, não sendo passíveis nem de ampliação, nem de restrição, a não ser, segundo foi dito anteriormente, via Emenda Constitucional.

E justamente por serem numeros clausus, tais previsões não comportam interpretações extensivas, mas, ao revés, devem ser interpretadas de forma restritiva, sob pena de ofensa à Carta Magna.

Empós essas considerações iniciais, mas não menos essenciais, torna-se forçoso, por ora, analisar a competência originária do colendo Supremo Tribunal Federal, no que tange à impetração de habeas corpus, quando o ato de constrangimento partir de órgão jurisdicional, cabendo invocar para tanto, o artigo 102, inciso I, alínea "i", da Lei Maior, in verbis:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

[...]

i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 22/99); (grifos nossos)

[...]

Da análise do referido dispositivo, constata-se que compete à Corte Suprema o conhecimento e julgamento do processo do habeas corpus impetrado quando a autoridade tida por coatora for Tribunal Superior, vale dizer, STJ, STM, TST e TSE.

Frise-se, porém, que até a promulgação daquela Emenda Constitucional n.º 22/99, o Supremo Tribunal Federal detinha competência para conhecer do writ proposto em relação ao ato de constrangimento oriundo de qualquer tribunal, haja vista que a redação primitiva do mencionado dispositivo preconizava que aquela colenda Corte era competente, originariamente, "o habeas corpus, quando o coator ou paciente for tribunal, autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em única instância". (grifos nossos).

Nesse contexto, são precisas as lições de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes [2]:

"Até a edição da Emenda Constitucional n.º 22/99, a competência do STF para julgar o habeas corpus abrangia todos os casos que a coação fosse atribuída a um tribunal, incluindo-se nessa expressão tanto os Tribunais Superiores como os Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, bem como os Tribunais Militares Estaduais (STF, DJU 21.08.1992, p. 12.781). Depois da referida Emenda, a competência, nos últimos casos, passou a ser do Superior Tribunal de Justiça, restando a competência do STF apenas as hipóteses de coação atribuída aos Tribunais Superiores".

Ainda nesse diapasão, tem-se o entendimento de Alexandre de Moraes [3]:

"[...] o entendimento anterior a Emenda Constitucional n.º 22/99, determinava ser a competência do Superior Tribunal de Justiça o julgamento do habeas corpus impetrado contra decisão do relator ou ato único de Desembargador ou juiz de Alçada, em tribunal local, ou de juiz do Tribunal Regional Federal, somente competindo ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar o habeas corpus dirigido contra ato de colegiado".

Assim sendo, o panorama da competência do Pretório Excelso, após a promulgação da Emenda n.º 22/99, restou modificada em relação ao remédio heróico impetrado em face de coação de órgão judicial, porquanto aquela Augusta Corte somente e, tão-somente, detém competência, originária, para conhecer de tal remédio constitucional quando a autoridade coatora for Tribunal Superior, isto é, STJ, STM, TST e TSE. Logo, não mais subsiste competência do Supremo Tribunal Federal para julgar habeas corpus ajuizado em face de ato de outros tribunais que não aqueles mencionados.

Ocorre que, mesmo após a superveniência daquela supracitada emenda constitucional, a Corte Suprema vem se posicionamento no sentido da permanência de sua competência no que tange ao habeas corpus impetrado contra constrangimento de Turma Recursal de Juizados Especiais, tendo em vista o silêncio da Lei Maior sobre tal situação.

Levando em consideração tal entendimento, o Supremo Tribunal Federal publicou, no dia 09.10.2003, a súmula de n.º 690, cujo enunciado transcreve-se: "Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais".

Desta feita, torna-se forçoso, por ora, frisar, com o devido respeito, que não se comunga com o teor de tal posicionamento sumular da Corte Constitucional. Passa-se, pois, a demonstrar o equívoco, com a devida venia, desse entendimento.

Primeiramente, saliente-se que, segundo foi dito anteriormente, o rol de competência do Pretório Excelso por ser exaustivo e taxativo, deve ser interpretado restritivamente, vale dizer, não comporta uma exegese extensiva. O que se permite, em seara jurisprudencial, é a admissão de uma competência implícita, extraída do sistema e do bojo constitucional, o que não é o presente caso.

Portanto, por não abranger situações e hipóteses ali não elencadas, é que não se deve entender que, no silêncio da Carta Magna, permanece a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar e processar o habeas corpus proposto contra atos de Colégio Recursal dos Juizados Especiais Criminais.

Ora, se a redação do artigo 102, inciso I, alínea "i", da Lei Maior, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.º 22/99, foi clara e pontual no viés de ser competente, originariamente, a Suprema Corte para julgar writ ajuizado contra coação emanada de Tribunal Superior, tão-somente; como se conceber o posicionamento de deter competência o Pretório Excelso para conhecimento de habeas corpus quando o constrangimento for proveniente de Turma Recursal dos Juizados Especiais, quando se sabe que Tribunal tal Turma não é, quiçá Tribunal Superior.

Com efeito, é por demais cediço que Colégio Recursal é um órgão colegiado, composto por três magistrados de primeira instância, integrante do Sistema dos Juizados Especiais, para conhecer de eventuais recursos em face de decisões oriundas desse sistema.

Ademais, importa em reconhecer que o intérprete deve socorrer-se não apenas da interpretação literal, como também, em especial, da exegese sistemática, compatibilizando as normas constitucionais.

Assim sendo, como se concebe que eventual remédio constitucional impetrado contra uma decisão judicial proferida por Tribunal Regional Federal ou do Tribunal de Justiça — os quais não raro julgam crimes de grande repercussão social e nacional — seja processado e julgado no Superior Tribunal de Justiça, e o habeas corpus ajuizado em face de decisão exarada por Colégio Recursal dos Juizados Especiais — o qual julga os delitos de menor potencial ofensivo, muitas das vezes de pequena ou insignificante monta— seja julgado na mais alta Corte de Justiça brasileira.

Demais disso, nem todo silêncio da lei dever ser entendido, necessariamente, como uma omissão normativa, porquanto haverá situações, como no presente caso, que o silêncio é intencional.

Deste modo, a Lei Maior ao preconizar que o Pretório Excelso tem competência, originária, tão-somente, para julgar o remédio constitucional quando a autoridade tida por coatora for Tribunal Superior, deve-se entender que se trata de um silêncio provocado, na direção de afastar da incidência de âmbito da competência da Augusta Corte, o julgamento do writ proposto contra coação de outros Tribunais que não Superiores, quiçá Turma Recursal de Juizados Especiais cuja natureza não é de tribunal.

Nesse diapasão, têm-se as precisas lições de Fernando da Costa Tourinho Filho: [4]

"Ademais constitui gritante aberração, monstruosidade jurídica mesmo, admitir habeas corpus das Turmas Recursais, constituídas de três juízes de primeira instância, para o Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do nosso Poder Judiciário, e, quando o coator for Tribunal Regional Federal, Tribunal de Justiça ou Alçada, o remédio heróico, ser dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, hierarquicamente inferior ao STF".

Destaca-se, outrossim, que se mantida aquela posição sumular, desatendidos e inobservados restarão os princípios informativos e regentes do Sistema dos Juizados Especiais, quais sejam, celeridade, economia processual e simplicidade, todos insertos no dispositivo 2º, da Lei n.º 9099/95.

Saliente-se, ainda, que o argumento de que celeridade processual que paira no Sistema dos Juizados não deve obstar o controle de legalidade pela Corte Suprema em relação às decisões proferidas naquele sistema, não pode e não dever ser invocado, para fins de se adotar o entendimento daquela súmula de n.º 690, porquanto esse mesmo controle será exercido e efetivado por outro órgão do Poder Judiciário que não o Pretório Excelso.

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Assim, é que não se concorda, data venia, com o teor da supramencionada súmula.

Após todas essas considerações na direção de se afastar a competência originária da Corte Suprema brasileira no que tange ao habeas corpus contra decisão do Colégio Recursal, nos posicionarmos, de forma sucinta, qual seria, pois, o órgão do Poder Judiciário competente para conhecer de tal writ.

Conquanto polêmica tal matéria, adota-se, aqui, o entendimento de se atribuir competência ao Tribunal de Justiça ou ao Tribunal Regional Federal, conforme se tratar de Juizado Especial Estadual ou Federal, respectivamente, comungando-se com o posicionamento de Fernando da Costa Tourinho Filho [5]:

"[...] restringida a competência da mais alta Corte de Justiça, parece-nos que a competência para conhecer de habeas corpus impetrado contra ato de Turma de Recurso deva ser dos Tribunais Estaduais. Poder-se-ia dizer: não houve previsão legislativa no sentido de conferir-lhes competência para processar e julgar esse remédio heróico quando o constrangimento partir de Turmas Recursais. Indaga-se: por acaso a Constituição da República conferiu tal competência ao STF? Por acaso a Constituição da República autorizou os Tribunais Regionais Federais a processar e julgar Prefeitos municipais e Deputados estaduais nos crimes de alçada federal? A Constituição ou o Código Eleitoral (recepcionado pelo Pacto Fundamental de 1988) conferiram competência aos Tribunais Regionais Eleitorais para processar e julgar Prefeitos municipais e Deputados estaduais nas infrações eleitorais? A resposta é negativa. Sem embargo, são esses Tribunais que processam e julgam referidas autoridades, sem qualquer previsão legislativa. Então, por que motivo os Tribunais Estaduais não podem processar e julgar pedidos de habeas corpus quando a coação partir de Turmas Recursais? Haverá mais lógica e juridicidade em se lhes conferir competência para tal fim do que admitir no texto da Lei Magna interpretação extensiva ou analógica, mesmo porque, no dizer de Canotilho, ‘a extensão do conteúdo da lei através da interpretação pode levar a uma usurpação de funções, transformando-se os juízes em legisladores activos’ (cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, p. 1113)".

Aliás, nada obsta, antes aconselha tal entendimento.

Por outro lado, há de se frisar que também não se concorda com o posicionamento, sem embargo dos que entendem o contrário, de ser competente o colendo Superior Tribunal de Justiça para conhecer de tal writ, porquanto esse órgão é competente para processar e julgar o habeas corpus quando a autoridade coatora for Tribunal, e, segundo foi dito, Tribunal, Colégio Recursal não é.

Demais disso, aplicam-se, outrossim, para afastar a competência do Superior Tribunal de Justiça, os mesmos argumentos e razões lançadas na direção de excluir a competência da Suprema Corte.

Portanto, diante de tais considerações ventiladas, é que não se concorda, data maxima venia, com o entendimento consubstanciado na súmula de n.º 690, do prestigioso Supremo Tribunal Federal.


REFERÊNCIAS

CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 12 ed.. São Paulo: Saraiva, 2002.

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no processo penal: teoria geral dos recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. 3 ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12 ed.. São Paulo: Atlas, 2002.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos juizados especiais criminais. 2 ed.. São Paulo: Saraiva, 2002.


NOTAS

1 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 12 ed.. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 59.

2 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no processo penal: teoria geral dos recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. 3 ed.. São Paulo; Revista dos Tribunais, 2001. pg. 364.

3MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12 ed.. São Paulo: Atlas, 2002. p. 147.

4 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos juizados especiais criminais. 2 ed.. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 130.

5 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos juizados especiais criminais. 2 ed.. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 129-130.

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Sobre o autor
Gustavo Machado Tavares

Procurador Judicial do Município do Recife. Especialista em Novas Questões do Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damas em convênio com a Escola Superior de Advocacia - ESA/OAB-PE. Pós-graduando em Direitos Humanos pela Universidade Católica de Pernambuco. Concluinte do Curso de Preparação e Aperfeiçoamento à Magistratura pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco - ESMAPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, Gustavo Machado. Breve análise da competência para conhecer do habeas corpus impetrado em face de coação de turma recursal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 590, 18 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6260. Acesso em: 22 nov. 2024.

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