Requisição e Tombamento

04/12/2017 às 09:19
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O direito de propriedade é reconhecido e consolidado pela Constituição Federal. Porém, a função social também é uma das finalidades da propriedade. Caso não cumpra tal requisito, o Estado intervirá, tendo como principal fundamento, o princípio da Supremacia do Interesse Público.

O direito de propriedade é reconhecido e consolidado pela Constituição Federal. Porém, a função social também é uma das finalidades da propriedade. Caso não cumpra tal requisito, o Estado intervirá, tendo como principal fundamento o princípio da supremacia do interesse público, que visa garantir ao indivíduo condições de segurança e sobrevivência, e sendo amparado também pelo princípio da função social, o qual estabelece que a propriedade deve ter como objetivo principal alcançar o bem estar social. As modalidades de intervenção do Estado são: a servidão administrativa, a requisição, a ocupação temporária, as limitações administrativas, o tombamento e a desapropriação.


Requisição

A requisição é a modalidade de intervenção estatal através da qual o Estado utiliza bens móveis, imóveis e serviços particulares em situação de perigo público iminente. Um exemplo de requisição pode ser o uso do imóvel, dos equipamentos e dos serviço de determinado hospital privado em uma situação de iminente calamidade pública, pelo Poder Público.

Nas palavras do Prof. Hely Lopes:

“requisição é a utilização coativa de bens ou serviços particulares pelo Poder Público por ato de execução imediata e direta da autoridade requisitante e indenização ulterior, para atendimento de necessidades coletivas urgentes e transitórias”. (MEIRELLES, 2009)

O fundamento das requisições encontra-se no art. 5º, XXIII e no art. 170, III, CF. O dispositivo específico é o art. 5º, XXV, CF, que assim dispõe: “No caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano.”

Presente a situação de perigo iminente, a requisição pode ser decretada de imediato, sem necessidade de prévia autorização judicial. O ato administrativo que formaliza a requisição é auto-executório, não depende de qualquer apreciação judicial prévia.

Segundo o Prof. Hely Lopes:

“O ato de requisição é sempre um ato de império do Poder Público, discricionário quanto ao objeto e oportunidade da medida, mas condicionado à existência de perigo público iminente e vinculado à lei quanto à competência da autoridade requisitante, à finalidade do ato e, quando for o caso, ao procedimento adequado. Esses quatro últimos aspectos são passíveis de apreciação judicial, notadamente para a fixação do justo valor da indenização”. (MEIRELLES, 2009)

A requisição administrativa pode ser civil ou militar. A requisição militar objetiva o resguardo da segurança interna e a manutenção da soberania nacional, diante de conflito armado, comoção intestina etc., enquanto a requisição civil visa a evitar danos à vida, à saúde e aos bens da coletividade, diante de inundação, incêndio, sonegação de gêneros de primeira necessidade, epidemias, catástrofes, e situações do gênero.

A requisição será extinta tão logo desapareça a situação de perigo público iminente, sendo, portanto, de natureza transitória. A indenização pelo uso de bens e serviços alcançados pela requisição é condicionada, o proprietário somente fará jus à indenização se a atividade estatal lhe tiver provocado danos. Inexistindo danos, nenhuma indenização será devida. O princípio neste caso é o mesmo aplicável às servidões administrativas.

Algumas características que podemos citar, sintetizadas pelo Prof. José dos Santos Carvalho Filho, são: a) é direito pessoal da Administração; b) seu pressuposto é o perigo público iminente; c) incide sobre bens móveis, imóveis e serviços; d) caracteriza-se pela transitoriedade; e) a indenização, somente devida se houver dano, é ulterior.


Tombamento

Tombamento é a modalidade de intervenção na propriedade por meio da qual o Poder Público procura proteger o patrimônio cultural brasileiro. No tombamento, o Estado intervém na propriedade privada para proteger a memória nacional, protegendo bens de ordem histórica, artística, arqueológica, cultural, científica, turística e paisagística.

Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro:

“O tombamento pode ser definido como o procedimento administrativo pelo qual o poder público sujeita a restrições parciais os bens qualquer natureza cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da história ou por seu valor arqueológico ou etnológico, bibliográfico ou artístico.” (PIETRO, 2008)

A maioria dos bens tombados é de imóveis de valor arquitetônico de épocas passadas em nossa história. É comum, também, o tombamento de bairros ou até mesmo de cidades, quando retratam aspectos culturais do passado. O tombamento pode, ainda, recair sobre bens móveis.

A Constituição Federal estabelece, expressamente, a autorização para essa modalidade de intervenção na propriedade, nos seguintes termos (CF, art. 216, § 1º): “O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”.

O tombamento pode ser voluntário ou compulsório, provisório ou definitivo:Ocorre o tombamento voluntário quando o proprietário consente no tombamento, seja por meio de pedido que ele mesmo formula ao Poder Público, seja concordando voluntariamente com a proposta de tombamento que lhe é dirigida pelo Poder Público.O tombamento compulsório ocorre quando o Poder Público realiza a inscrição do bem como tombado, mesmo diante da resistência e do inconformismo do proprietário.O tombamento é provisório enquanto está em curso o processo administrativo instaurado pela notificação do Poder Público, e definitivo quando, depois de concluído o processo, o Poder Público procede à inscrição do bem como tombado, no respectivo registro de tombamento.

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O tombamento é sempre resultante de vontade expressa do Poder Público, manifestada por ato administrativo do Executivo.

A competência para legislar sobre a proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal (CF, art. 24, VII). A legislação federal e estadual poderá, no que couber, ser suplementada pela legislação municipal, por força do art. 30, II, da Constituição Federal.

Ademais, por força do art. 30, IX, da Constituição Federal, cabe também ao Município a competência para promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O ato de tombamento deve ser precedido de processo administrativo, no qual serão apurados os aspectos que materializam a necessidade de intervenção na propriedade privada para a proteção do bem tombado.

Nesse processo, são obrigatórios: O parecer do órgão técnico cultural; a notificação ao proprietário, que poderá manifestar-se anuindo com o tombamento ou impugnando a intenção do Poder Público de decretá-lo; decisão do Conselho Consultivo da pessoa incumbida do tombamento, após as manifestações dos técnicos e do proprietário. A decisão poderá concluir pela anulação do processo, se houver ilegalidade, pela rejeição da proposta de tombamento, ou pela homologação da proposta, se necessário o tombamento; possibilidade de interposição de recurso pelo proprietário, contra o tombamento, a ser dirigido ao Presidente da República.

Como se vê, é imprescindível para o ato de tombamento a existência do processo administrativo, com observância do princípio constitucional do devido processo legal, no qual se assegure ao proprietário o direito ao contraditório e à ampla defesa, no intuito de que este possa comprovar, se for o caso, a inexistência de relação entre o bem a ser tombado e a proteção ao patrimônio cultural.

O ato de tombamento gera alguns relevantes efeitos no que concerne ao uso e à alienação do bem tombado. Efetivado o tombamento e o respectivo registro no Ofício de Registro de Imóveis respectivo, ficará vedado ao proprietário, ou ao titular de eventual direito de uso, destruir, demolir ou mutilar o bem tombado. Além disso, o proprietário somente poderá reparar, pintar ou restaurar o bem após a devida autorização do Poder Público.

O proprietário deverá conservar o bem tombado para mantê-lo dentro de suas características culturais; para isso, se não dispuser de recursos para proceder a obras de conservação e restauração, deverá necessariamente comunicar o fato ao órgão que decretou o tombamento, o qual poderá mandar executá-las a suas expensas.

Independentemente de solicitação do proprietário, pode o Poder Público, no caso de urgência, poderá tomar a iniciativa de providenciar as obras de conservação do bem tombado. Porém, o tombamento do bem não impede o proprietário de gravá-lo por meio de penhor, anticrese ou hipoteca.

No caso de alienação do bem tombado, o Poder Público tem direito de preferência; antes de alienar o bem tombado, deve o proprietário notificar a União, o Estado e o Município onde se situe, para exercerem, dentro de trinta dias, seu direito de preferência; caso não seja observado o direito de preferência, será nula a alienação, ficando autorizado o Poder Público a sequestrar o bem e impor ao proprietário e ao adquirente multa de 20% (vinte por cento) do valor do contrato.

Não há obrigatoriedade de o Poder Público indenizar o proprietário do imóvel no caso de tombamento. Somente se o proprietário comprovar que o ato de tombamento lhe causou prejuízo, o que não é a regra, é que fará jus à indenização.

Finalmente, cabe ressaltar que o tombamento não é a única maneira de proteção do patrimônio cultural brasileiro, pois este intuito pode ser alcançado, também, por meio da ação popular (CF, art. 5º, LXXIII), do direito de petição aos Poderes Públicos (CF, art. 5º, XXXIV), da ação civil pública (Lei nº 7.347, de 1985).

É possível que, depois do tombamento, o Poder Público, de ofício ou em razão de solicitação do proprietário ou de outro interessado, julgue ter desaparecido o fundamento que deu suporte ao ato. Reconhecida a ausência do fundamento, desaparece o motivo para a restrição ao uso da propriedade. O efeito será o desfazimento do ato, promovendo-se o cancelamento do ato de inscrição, fato também denominado de “destombamento”.


REFERÊNCIAS:

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35. ed. (atual. Eurico Azevedo et al.) São Paulo: Malheiros, 2009.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

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