4. A PRISÃO DECORRENTE DE ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO RECORRÍVEL
4.1Natureza jurídica
Importante chegar-se à conclusão sobre a natureza jurídica das prisões decorrentes de acórdão penal recorrível.
A prisão pena destina-se à satisfação da pretensão executória em virtude do pronunciamento condenatório definitivo, não tem finalidade acautelatória. Em contrapartida, a prisão processual tem natureza puramente processual, depende do preenchimento dos pressupostos do periculum in mora e fumus boni iuris.
Consoante Maria Lúcia Karan, a prisão decorrente de sentença ou acórdão condenatório recorrível jamais poderia ter natureza jurídica de pena, porquanto não terminado o processo de conhecimento, seria, dessa forma, prisão provisória ou processual.
No entanto, o que se observa é que a doutrina tradicional49 não classifica a prisão em razão da condenação pelo segundo grau como prisão preventiva, embora Delmanto Junior classifica-a nessa modalidade de prisão.
Decerto, como se viu, não se trata de prisão pena, que tem como característica sua finalidade repressiva e ocorre após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Porém, também não preenche os requisitos da tutela cautelar e não está assim definida em lei.
Pode-se afirmar, então, que se trata de uma prisão preventiva incompatível com a ordem constitucional, eis que, na realidade, cuida-se de execução antecipada da pena. Sedo prisão provisória, deveria, sob pena de constrangimento ilegal, cingisse, fundamentadamente, à órbita do art. 312 do CPP.
4.2 Fundamento e função dos recursos nos Tribunais Superiores.
Os recursos dirigidos aos Tribunais Superiores se diferem em muito dos recursos ordinários, cuida-se de uma esteira restrita, com uma série de requisitos especialíssimos para a sua admissibilidade.
O recurso especial visa a garantir a harmonia e aplicação da legislação infraconstitucional enquanto o extraordinário tem por finalidade garantir a supremacia da Constituição Federal.
São requisitos de admissibilidade comum a ambos os recursos: presta se somente ao reexame de matéria de direito; b) existência de uma questão de direito federal, não se admite que a decisão recorrida verse exclusivamente sobre direito estadual ou municipal; c) pré-questionamento; d) cabíveis somente nas hipóteses taxativas previstas na Carta Magna; e) causas decididas em última e única instância. Nesse último aspecto, ressalta-se uma distinção entre esses recursos: para o acesso ao STJ é indispensável que a decisão recorrida tenha sido proferida por um Tribunal, assim, não é possível recurso especial contra decisão prolatada pelos Juizados Especiais, ao passo que para a interposição do recurso extraordinário basta que já se tenham utilizado todos os meios recursais disponíveis.
A competência dos recursos extraordinário e especial está, respectivamente elencada no art. 102, inciso III e art. 105, inciso III, ambos da CF.52O pré-questionamento consiste em que a parte tenha alegado, nas suas razões recursais, de modo expresso, a matéria a ser discutida nos recursos excepcionais.
A súmula 282 do STF informa que: “É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão Federal suscitada”.
A súmula 279 da Suprema Corte, bem com a súmula 7 do STJ são claras ao elucidar que para a pretensão do simples reexame da prova não cabe recurso aos Tribunais Superiores.
Porém, “não se exclui, entretanto, a reapreciação de questões atinentes à disciplina legal da prova e também à qualificação jurídica dos fatos assentados no julgamento de recurso ordinário”.
A função das impugnações extraordinárias é, na verdade, a tutela do próprio direito federal e, somente de forma mediata, visa a proteger o direito do recorrente.
Busca, com isso, a uniformidade da interpretação da Constituição Federal e das Leis Federais. Por serem de fundamentação vinculada, isto é, a lei fixa limites às impugnações, não expressam a garantia do duplo grau de jurisdição – característica dos recursos ordinários – se enquadram, pois, num terceiro ou quarto reexame.
Contudo, é bem possível que o acusado se beneficie diretamente dos julgados das instâncias superiores. Não são raros os casos em que a interpretação da Carta Magna e das leis federais acaba por ocasionar ao réu uma situação mais benéfica para a execução da pena imposta no segundo grau, como na hipótese de substituição da pena de prisão por restritiva de direito, alteração do regime de
cumprimento da pena por um menos gravoso e, até mesmo, a absolvição.
É preciso ter presente o momento da edição da Lei nº 8.072/90, em 28 de maio de 1990. O Ministro Eros Grau, no voto do RHC 89.550, refere que a década de 1990 foi marcada por uma política criminal vigorosamente repressiva e que o casuísmo do legislador na elaboração da desta Lei é o mesmo que resultou, antes, na instituição da prisão temporária pela Lei nº 7.960/89.
A referida Lei que destituiu os recursos excepcionais de efeito suspensivo, expressamente revogou os artigos 541 e 546 do CPC e a Lei nº 3.396 e passou a disciplinar, tanto no âmbito penal como no âmbito civil, o procedimento dos recursos especial e extraordinário. Tal diploma legal estipulou o prazo de 15 dias para a inter posição dos recursos, contados a partir da publicação do acórdão (artigo 26,caput). No caso do Ministério Público, o prazo começa a contar da intimação direita e pessoal do representante ministerial. As contra -razões devem ser apresentadas também dentro de 15 dias (art. 27, caput). O primeiro juízo de admissibilidade é feito pelo presidente do Tribunal a quo, que se encarregará da verificação do cabimento do recurso (art. 27, § 1º).
O artigo 27, § 2º, da Lei nº 8.038/9057 expressamente dispõe que os recursos extraordinário e especial serão recebidos apenas no efeito devolutivo.
Entende-se por efeito devolutivo o efeito que é comum a todos os recursos, significa transferir ao Tribunal o conhecimento da matéria controvertida, já o efeito suspensivo significa, em linhas gerais, a impossibilidade da execução até o julgamento final da lide. É, pois, uma condição suspensiva da eficácia da decisão.
Tal dispositivo se aperfeiçoa à execução provisória do processo civil, porém sua aplicação no processo penal é questionável. Por isso a crítica que se faz em relação à lei, haja vista que o processo penal e o processo civil têm características peculiares que não se coadunam. Essa questão será analisada mais adiante.
Uma outra indagação que se faz é sobre a compatibilidade do conceito de recurso e o início da execução da pena como consequência de sua interposição.
Para Alexandre Wunderlich.
Ora, se recorrer é um direito e se o recurso é um instrumento de garantias, é o remédio contra a arbitrariedade e o abuso judicial, não há como se privar a liberdade o indivíduo pelo fundamento de que o seu recurso não possui efeito suspensivo.
Aliás, sendo o recurso um meio de defesa, onde a questão é levada ao conhecimento de uma instância hierarquicamente superior, é um modo hábil e eficaz de alterar a decisão impugnada.
Com a nítida possibilidade de reforma da decisão, questiona-se: como seria possível o réu cumprir pena, ter sua liberdade privada, enfrentar as mazelas do cárcere, quando, ao final, há a possibilidade legítima de ser considerado inocente, ou seja, de reconhecer-se que a pena imposta não lhe foi justa?
De fato, não se mostra compatível que um meio de defesa, “instrumento de garantias, remédio contra arbitrariedade e o abuso de poder61” acarrete, como consequência imediata da sua interposição, a execução da pena do acusado antes mesmo de ele ser considerado culpado pelo poder judiciário
4.3Execução provisória da pena e os dispositivos do Código de Processo Penal
Primeiramente, o que se nota da leitura dos dispositivos do Código de Processo Penal acerca da necessidade ou não do réu recolher-se à prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória (sem os pressupostos da prisão cautelar), é que há uma aparente contradição entre os artigos do próprio código.
Em relação ao inciso II do artigo 393, do CPP62, como já se verificou, a jurisprudência entendeu que a Constituição Federal de 1988 não o recepcionou.
Na dicção do inciso I, do artigo supramencionado, depreende-se quês o mente o pagamento da fiança poderá obstar a execução da pena. Desse modo, deverão ser preenchidos os requisitos do instituto da fiança criminal para que o réu possa aguardar o trânsito em julgado da condenação em liberdade.
Se o réu for pobre, será ele liberado do pagamento da caução real arbitrada pelo juiz, segundo o art. 350 do CPP. Uma vez paga a fiança poderá o réu apelar em liberdade.
A crítica que se faz é: por que motivo “o instituto da fiança criminal obsta a execução da pena e o princípio constitucional da presunção de inocência não?”.
No art. 669 do CPP o código chega ao ponto de, mesmo com a prolação da sentença absolutória, determinar restrições à soltura do réu.65O Código de Processo Penal ainda dispõe expressamente no seu art. 637que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo.
Para Maria Lúcia Karan, esses dispositivos legais levam à suposição errônea de que a decisão penal condenatória teria como consequência natural a prisão do réu para ensejar o início da execução. Alerta a autora sobre a inconstitucionalidade dos referidos artigos, vez que manifesta a incompatibilidade com a garantia do estado de inocência.
É necessário ter presente que o CPP data de 1941, editado no período da ditadura de Getúlio Vargas, ou seja, muito antes da promulgação da Constituição Federal em 1988. Desde então, não tivemos reformas substanciais no código. Por isso, continua vigendo uma série de dispositivos incompatíveis com a nova ordem constitucional. Em razão de ter sido editado na época da ditadura, período de muita restrição à liberdade individual, observa-se a facilidade com que o diploma legal restringe a liberdade do cidadão mesmo no curso do processo.
Evidente, também, são os traços do sistema inquisitivo do Código de Processo Penal. Somente a título de exemplo, ressaltam-se os artigos 156, 209 e538, caput e § 4º, todos do CPP, que possibilitam ao juiz, ex. oficio, determinar a realização de provas necessárias ao processo, visando a buscar a “verdade real”.
Parece claro que tal procedimento invade a competência do Ministério Público como órgão acusador, pois a função do magistrado não é provar, mas sim julgar. Wunderlich alerta para a necessidade de uma (re)interpretação do direito processual penal, no que ele chama de constitucionalização necessária, tendo em vista que o atual sistema serviu ao sistema inquisitivo.71Sendo assim, é preciso fazer uma releitura do Código de Processo Penal em face do ordenamento jurídico constitucional, porquanto como já referido no capítulo I - desse trabalho, prevalece o supremacia das normas constitucionais.
Entretanto, os artigos 674 e 675, ambos do CPP, têm redação diferente, exigindo a necessidade de trânsito em julgado para o início da execução penal.
Em caso de antinomia, deve-se buscar a solução nos princípios constitucionais, voltados à sistematização das questões fundamentais do Estado.
De um lado temos a presunção da inocência como garantia constitucional do cidadão, de outro, norma infraconstitucional que manifestamente determina os efeitos da pena antes mesmo do decreto condenatório definitivo, parece claro que, para solução da controvérsia, prevalece o princípio esculpido na Carta Magna, sob pena de violar a própria natureza da supremacia da Constituição Federal.
A incompatibilidade das normas inferiores não pode perdurar porquanto contrária à coerência e harmonia do próprio ordenamento jurídico. A supremacia da Carta Magda exige que todas as situações jurídicas se adaptem aos princípios constitucionais.
4.4 Execução provisória da pena e a incompatibilidade com os dispositivos da Lei de Execução Penal.
O Art. 105 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984)estabelece de forma imperativa que: “Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução”.
Do acima exposto se deduz que é necessário o trânsito em julgado da condenação, isto é, o título executivo judicial, para dar início à execução da penal privativa de liberdade.
A Lei nº 8.038/1990 ao determinar que os recursos excepcionais tenham efeito meramente devolutivo, contraria esse preceito. Não obstante, trata-se de norma inconstitucional e, por isso, não produz efeitos.
Ademais, os preceitos estabelecidos pela LEP se sobrepõem, material e temporalmente, ao disposto no artigo 637 do CPP, eis que adequados à ordem constitucional.
Todavia, o artigo 2º, parágrafo único da Lei de Execuções Penais77, ao se referir ao “preso provisório”, parece admitir a possibilidade da execução provisória.
No entanto, para esse dispositivo se compatibilizar com a ordem constitucional e, portanto, ser válido, deve se referir apenas às prisões processuais investidas de cautelaridade, objetivando evitar discriminações e injustiças entre os presos.
Se o réu é provisoriamente detido, tem assegurada a sua integridade física e moral, além dos mesmos direitos dos presos definitivos, tais como progressão de regime e livramento condicional. No caso de advir uma condenação definitiva, aplicar-se-á a detração prevista no artigo 42 do Código Penal, que consiste no desconto da pena privativa de liberdade ou na medida de segurança do tempo em que o condenado ficou na prisão provisória.
Destarte, permanece o artigo 105 da Lei nº 7.210/84 que claramente exige o trânsito em julgado da sentença condenatória para a expedição do manado de prisão, exceto se, por fundamentação expressa, a segregação for justificável dentro dos requisitos da prisão cautelar, nesse caso, lhe será concedido os direitos legais dos presos definitivos, bem como a detração do tempo em que esteve preso provisoriamente.
4.5 Prisão automática versus necessidade de fundamentação das decisões judiciais e o acesso à justiça.
A prisão no curso do processo há de ser admitida somente como medida excepcional. A regra é que a persecução penal se desenvolva estando o investiga doem liberdade até a decisão final. Daí decorre ser imprescindível a fundamentação da decisão que restrinja o direito de ir e vir daquele que ainda não se encontra definitivamente condenado.
O enunciado do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federa determina que todas as decisões do poder judiciário deverão ser fundamentadas, sob pena de nulidade.
A fundamentação das decisões é uma das imposições do Estado Democrático de Direito em face da necessidade de se explicar perante seus cidadãos, se diferenciado, desse modo, do Estado Totalitário. É uma atividade de lógica do juiz para justificar os motivos que o levaram a tal decisão, procurando evitar, contudo, ambiguidade, contradições e obscuridades.
A respeito da função da motivação das decisões judiciais, Aury Lopes Júnior assim se manifesta: “sua principal função é a de permitir o controle da racionalidade pois só a fundamentação permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder”.
Outrossim, a falta de argumentação da decisão judicial - não sendo suficiente a mera indicação dos artigos de lei - não permite sequer a sua crítica, porquanto impede de se reconhecer as razões que levaram o magistrado a tal entendimento, tornando-a, por isso, incompreensível e prejudicando a interposição de recursos às instâncias superiores.
Ademais, o artigo 315, do Código de Processo Penal exige a motivação do juiz para a decretação da prisão preventiva, o porquê da medida restritiva, devendo demonstrar a existência dos pressupostos cautelares. Sendo carente de motivação,a decisão é nula, devendo a prisão ser imediatamente relaxada. Trata-se de uma nulidade absoluta, porquanto contrária à ordem constitucional.
Ocorre que a expedição do mandado de prisão baseada apenas no efeito devolutivo dos recursos especial e extraordinário não configura uma fundamentação idônea, apta a restringir a liberdade do indivíduo, ou melhor, existe aí uma ausência de fundamentação.
Inaceitável que em casos de condenação ou manutenção da sentença condenatória pelo Tribunal, seja expedido mandado de prisão de maneira automática, com base numa condenação sequer passada em julgado e despida de embasamento cautelar.
A liberdade de locomoção é condição da própria natureza humana, consagrada no artigo 5º, inciso XV da Lei Maior, outrossim, só pode ser condicionada por um sistema de legalidade expressamente pronunciado em lei, é um direito fundamental de toda a pessoa física que não se restringe por suposições ou arbítrio.
Tendo em conta, insista-se, que o próprio texto constitucional prevê a necessidade de motivação de toda e qualquer decisão judicial, não se mostrar a razoável a privação da tão valorada liberdade individual seja usurpada por decisão não idoneamente fundamentada. Qualquer prisão provisória decretada no de correr do processo sem a fundamentação suficiente para a custódia provisória deverá ser relaxada, eis que ilegal.
Maria Lúcia Karan aduz que as prisões provisórias ou processuais obrigatórias decorrentes de dispositivos legais, que vedam a liberdade provisória deforma genérica e absoluta transformam a excepcional privação de liberdade empena antecipadamente imposta e executada. Ademais, essas prisões obrigatórias subtraem do poder Judiciário o dever de decidir no caso concreto, conflitando, assim, com a garantia do acesso à Justiça.86De fato, o artigo 5º, inciso XXXV87, da CF, determina que sempre que houver violação de direito mediante lesão ou ameaça de lesão, o Poder Judiciário deverá intervir a fim de, no exercício da jurisdição, aplicar o direito ao caso concreto. E o princípio da indeclinabilidade da prestação judicial.
A obrigatoriedade do réu se recolher à prisão em razão da ausência de efeito suspensivo dos recursos excepcionais retira do órgão jurisdicional a análise das circunstâncias que dão particularidade ao caso sub judice, frustrando, assim, a individualização de cada imputado no exame de sua situação jurídica.
E mais, Acaba por inverter a ordem lógica do direito processual penal no Estado Democrático de Direito, ou seja, a regra se torna a prisão em detrimento da liberdade, se sobrepondo uma presunção desfavorável ao indivíduo, ao invés da presunção da inocência.
Por todo o exposto, necessário concluir que o simples silogismo – aplicação da lei ao caso - não é uma fundamentação conveniente para restringir a liberdade do indivíduo antes que haja o efetivo reconhecimento da prática da infração criminosa, pois a decisão ainda é passível de reforma. Além de violar o princípio da presunção da inocência, aparece como uma mácula a outros dois dispositivos constitucionais: a necessidade de fundamentação das decisões judiciais e o acesso à justiça, posto que a prisão emerge como um imperativo, furtando, dessa maneira, à análise do Judiciário, as peculiaridades do caso concreto.
4.6 Comparação entre a execução provisória da pena privativa de liberdade e a execução provisória no processo civil
Como já referido, a Lei nº 8.038/90 abrange tanto o processo penal como o civil. Disciplina os recursos ordinários e extraordinários nos dois ramos do direito, sem, contudo, levar em consideração as peculiaridades e diferenças entre o direito penal e o civil.
Em face dos recursos excepcionais serem recebidos somente com efeito suspensivo, o artigo 27, § 2º da referida lei, determina que necessariamente haverá a execução provisória do julgado.
No âmbito do processo civil, isso não é um problema e se harmoniza com os dispositivos processuais quanto à matéria. Consoante lição de Araken de Assis, a Execução Provisória é aquela originada em sentença impugnada por recurso sem efeito suspensivo, a teor do artigo 475, § 1º, do CPC. O autor faz uma ressalva acerca da nomenclatura, pois, conforme ele, a palavra “provisória” não representa adequadamente a espécie, pois o que é provisório é o título, a execução em si é definitiva e se processa da mesma forma que essa.
Vislumbra-se que o Código de Processo Civil empreende forças para proteger o direito do vencido caso haja reforma na decisão. Inclusive, o credor é objetivamente responsável pelo dano criado na esfera jurídica do executado, porquanto “aexecução provisória corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exequente, obrigado a reparar os danos provocados pela reforma do julgado”.
É exigida ao credor a prestação de caução suficiente caso a provisoriedade executiva importe em atos que causem danos ao executado, segundo a dicção do artigo 475-O, III, do CPC. Outro dado importante é que, havendo êxito do recurso, não importa em que estágio esteja a execução provisória, incide o artigo 475-O, II, do CPC, cabendo a restituição das partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos.
Logo se vê a preocupação do legislador em resguardar o patrimônio do executado, caso a situação se inverta. Contudo, os mesmos cuidados não ocorrem quando se trata de um bem maior: a liberdade do homem.
Na hipótese da precipitada perda do patrimônio, que ao final se mostra injusta, poderá o executado ser compensado com o levantamento da caução oferecida e, poderá, ainda, cobrar os prejuízos patrimoniais do exequente.
Diverso é no caso de prisão. Não existe maneira de compensar, de restituir, de devolver o tempo que a pessoa, indevidamente, passou atrás das grades. Se sobrevier uma decisão absolutória, significa que a prisão foi injusta, que o réu nunca deveria ter sido privado de sua liberdade.
É atentatório à dignidade da pessoa humana admitir que o patrimônio particular enseja maior proteção do que a liberdade. Considerando, ainda, possuir um dano irreversível, a prisão decorrente de acórdãos penais condenatórios recorríveis foge aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
4.7Execução provisória da pena privativa de liberdade e execução provisória da pena pecuniária
Privilégio do patrimônio em detrimento da liberdade Em pesquisa à jurisprudência dos Tribunais Superiores, constata-se que, enquanto a execução provisória da pena de prisão ainda é uma questão
controvertida, sendo que a posição majoritária continua voltada para a necessidade da prisão antes do trânsito em julgado, o mesmo não ocorre no caso de substituição da pena por restritiva de direitos. Em que pese algumas decisões contrárias, o posicionamento dominante é no sentido que as penas restritivas de direito somente poderão ser executadas depois do decreto condenatório irrecorrível.
4.8A justificativa do STF e do STJ
Exigência do trânsito em julgado afim dedar início à execução da pena restritiva de direito é que a Lei de Execução Penal, bem como os dispositivos do CPP e do CP, assim o exigem.
De fato, não há dúvidas quanto a isso. O artigo 147 da LEP indica que somente com o trânsito em julgado da sentença condenatória pode se dar início da execução da pena substituída. E não é só. Os artigos 50 e 51, do Código Penal, também expressamente ordenam que a sentença transite em julgado para o início do pagamento da pena pecuniária. Da mesma forma, os artigos 669 e 686, abuso do CPP, determinam que a exequibilidade da pena de multa se sujeita ao trânsito
em julgado da sentença.
Porém, o que se observa é que o mesmo tratamento não vem sendo da do às penas de prisão, o que causa certa estranheza, uma vez que em caso de modificação do acórdão, a execução provisória da pena restritiva de direito pode ser facilmente quantificada, enquanto a execução provisória restritiva de liberdade é irreversível.
4.9 Considerações dos Tribunais
Os Tribunais consideraram que os dispositivos de lei obstam a execução da pena restritiva de direito, porém parecem esquecer que o artigo 105 da LEP também exige o trânsito em julgado a sentença para a aplicação da pena privativa De liberdade. Também vigem os artigos 674 e 675, ambos do CPP, que igualmente exigem a necessidade de trânsito em julgado para o início da satisfação da pretensão executiva. Acima de tudo e de todos os preceitos infraconstitucionais, está a Constituição Federal que impede seja o réu considerado culpado antes do decreto condenatório definitivo.
Diante disso, se vislumbra, novamente, o privilégio do patrimônio em detrimento da liberdade, bem como a vulneração do princípio da razoabilidade, pois implica em tratamento desigual a situações iguais.
4.10Execução Provisória da pena como forma de dar efetividade ao processo penal.
Muitos autores que defendem a execução provisória da pena utilizam como argumento a lentidão do judiciário, eis que o processo penal é excessivamente moroso e, por isso, ineficaz á posicionamento no sentindo de que recorrer em liberdade contra uma condenação em segundo grau configura uma exacerbação da presunção da inocência, colocando em risco, inclusive, a própria punibilidade dos delitos, posto que é grande a probabilidade da prescrição.
É incontroversa a excessiva demora na prestação jurisdicional. Ainda mais tendo em conta que o tempo do julgamento de um recurso especial ou extraordinário pode levar anos. Conforme apontam Wunderlich e Carvalho, não são raras as vezes em que a pena antecipada acaba por ser definitiva, porquanto o recorrente cumpre toda a sanção sem haver o julgamento dos recursos pelos
Tribunais Superiores, o que torna, conseguinte, inócua a interposição desses recursos. De acordo com o artigo 112, inciso I, do CP, a prescrição executória começa contar da data do trânsito em julgado da sentença para a acusação e é interrompida com o começo do cumprimento da pena. Não iniciada a execução penal dentro de certo período, o Estado perde esse direito pelo advento da prescrição da pretensão punitiva.
4.11 Conclusão, que a execução provisória da pena interrompe a prescrição mesmo não transitada em julgado a sentença
De qualquer sorte, ocorre que se o Poder Punitivo não agiu em tempo hábil para punir o infrator, não é burlando princípios constitucionais, passando por cima das garantias individuais, que se irá imprimir maior eficácia ao processo penal. Ao contrário, pior do que um processo ineficiente pela sua demora, o que acaba se tornando ineficaz, é um processo ineficiente por desrespeito às garantias constitucionais, ocorrendo maior risco de condenar um inocente, ou impor uma pena indevida ao réu.
É cediço que o processo penal reclama por efetividade, que o cumprimento antecipado da pena evita a prescrição de vários delitos. No entanto, transgredir as garantias individuais do cidadão, passando por cima da presunção da inocência para remediar a morosidade do judiciário, não é a solução para o problema. A efetividade não pode ser lograda a esse preço.
Conforme Damásio de Jesus, a prescrição é um castigo à negligência da autoridade, consiste na perda do poder-dever de punir do Estado que não agiu durante certo tempo. Ora, se a prescrição é justamente esse castigo ao Estado, não pode o réu cumprir antecipadamente a pena para suprir a inércia do poder público em executar a sentença.
4.12Análise do posicionamento jurisprudencial.
Embora tenha havido uma sensível mudança na interpretação das Cortes Superiores quanto à extensão do princípio da presunção da inocência, voltado para a índole constitucional, a prisão decorrente de acórdão condenatório recorrível ainda é considerada como praxe. Esse é, a propósito, o entendimento da súmula 267 do STJ: “A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”.
Porém, possível notar que surgem decisões das instâncias superiores dando um rumo constitucional e garantia à questão.
O acórdão da Primeira Turma do Pretório Excelso, publicado em 05 de maio de 2006, tendo como relator o Ministro Marco Aurélio, entendeu que a execução antecipada da pena afronta o princípio da não- culpabilidade e, sendo esse de garantia constitucional, se sobrepõe à ausência de efeitos suspensivos aos recursos.
A decisão encontra-se assim ementada:
EMENTA: PRINCÍPIO DA NÃO-CULPABILIDADE - RAZÃO DE SER -ALCANCE. O princípio da não -culpabilidade - inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal - decorre da ordem natural das coisas, sobrepondo-se, em termos de valores, ao pragmatismo, a presunções, tendo em conta pronunciamento judicial passível de modificação na via recursal. PENA -CUMPRIMENTO - DECRETO CONDENATÓRIO - AUSÊNCIA DEIMUTABILIDADE - RECURSO - EFEITO. A relação entre o princípio da não culpabilidade e o recurso sem efeito suspensivo, presente a execução da pena, é de dependência, superpondo-se a garantia de natureza constitucional à disciplina processual comum relativa aos efeitos do recurso. PENA - EXECUÇÃO - PREMISSA. Condição inafastável à execução da pena, sempre de contorno definitivo, é a preclusão, na via da recorribilidade ,do decreto condenatório. Vale dizer, sem título judicial condenatório coberto pela coisa julgada formal e material, descabe dar início à execução da pena, pouco importando tenha o recurso apenas o efeito devolutivo.
Não diferente é o entendimento da Sexta Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC nº 44356, da Relatoria do Ministro Nilson Neves, como se observa da emenda abaixo: Prisão (recolhimento). Réu (em liberdade).
Apelação (expedição demandado). Prisão (caráter provisório). Sentença (trânsito em julgado).
1. Antes de a sentença penal condenatória transitar em julgado,prisão dela decorrente tem a natureza de medida cautelar, a saber, de prisão provisória – classe de que são espécies a prisão em flagrante, a temporária, a preventiva, etc.
2. O ato que determina a expedição de mandado de prisão – oriundo de juiz ou proveniente de tribunal (do relator de apelação, por exemplo) – há de ser sempre fundamentado.
3. Presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para ter inscrito no ordenamento jurídico.
4. É da jurisprudência do Superior Tribunal que o réu, já em liberdade, em liberdade permanecerá até que se esgotem os recursos de índole ordinária e extraordinária.
5. Ordem concedida em parte a fim de se garantir liberdade ao paciente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Cumpre mencionar que a votação da constitucionalidade de execução antecipada da pena, quando ainda pendentes recursos extraordinário e especial, está afeta ao Tribunal Pleno do STF no julgamento – ainda em curso - do HC nº84078.
O Ministro Eros Grau, no voto do RHC n° 89550, de sua relatoria, antecipou o voto elaborado para o julgamento do HC nº 84.078, em acórdão assim ementado:
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. SENTENÇA ANULADA, NO PONTO,PELO STJ. FALTA DE INTERESSE.
Anulada a sentença pelo Superior Tribunal de Justiça, no ponto relativo à individualização pena, falta ao paciente interesse para alegar ausência de fundamentação na fixação da pena-base.
AMPLA DEFESA E DEVIDO PROCESSO LEGAL.
EVOLVIMENTO DE PROVAS. NÃO-CABIMENTO. Ofensa ao devido processo legal e à ampla defesa afirmada desde o argumento de que a sentença condenatória fundou-se exclusivamente em provas colhidas no inquérito policial. Necessidade do reexame de fatos e provas, incabível no rito do habeas corpus.
INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA
"EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃODO BRASIL. O art. 637 do CPP estabelece que "[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença". A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória.
A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Daí a conclusão de que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigentes sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP.
Disso resulta que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. A ampla defesa, não se apode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível como texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal.
A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários, e subsequentes agravos e embargos, além do que "ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado como incitação à "jurisprudência defensiva", que, No extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço.
Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade. É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual.
Recurso ordinário em habeas corpus conhecido e provido, em parte, para assegurar ao recorrente a permanência em liberdade até o trânsito em julgado de sua condenação.
Talvez, sem precipitações ou otimismo exagerado, seja sinal de uma nova interpretação jurisprudencial acerca da matéria, indo de encontro a um entendimentos anulado e, até então, pacificado.
Por outro lado, vindo de encontro aos recentes avanços na jurisprudência, a Resolução 19 do Conselho Nacional de Justiça, de 29 de agosto de 2006, busca disciplinar a execução provisória da pena. Consta no seu artigo primeiro105 a expedição de guia de recolhimento provisório quando prolatada a sentença ou acórdão condenatórios sujeitos a recursos sem efeito suspensivo. Diante da análise do presente trabalho, dispensável tecer comentários acerca do contra- senso de tal resolução. Inadmissível falar em execução penal provisória em um Estado Democrático de Direito que adota como garantia individual o princípio da presunção da inocência, determinando, expressamente, que ninguém será considerado culpado e, dessa forma, sofrer os efeitos da condenação até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Espera-se, para muito breve, um posicionamento jurisprudencial definitivo no assunto, da Corte Suprema, voltado para a máxima efetividade dos preceitos constitucionais. Por todo o até aqui exposto, conclui-se que a prisão antes do decreto condenatório definitivo, por ter natureza meramente cautelar, só poderia ter lugar em situações de real necessidade, dentro dos ditames do artigo 312 do CPP.
O panorama geral das legislações penais pretéritas reflete o quanto evoluímos, tanto em relação ás codificações, quanto às penas aplicadas; caindo por terra os infundados conceitos defasados em relação aos delitos, movimento esse impulsionado pela laicização dos Estados e a anuência à concepção do homem com ser humano e por si só, digno de respeito a sua dignidade humana.
Retrocedendo cronologicamente, assinalamos as contribuições de cada Estado para o que hoje temos como Direito Penal, sendo este, uma compilação do melhor de cada principio adotado pelos códigos anteriores, buscando assim, dar legitimidade e eficácia a este instituto que é um dos mais importantes ramos do Direito, visto que este tutela os bens mais importantes para o individuo como, a vida e o patrimônio.