ESTRUTURA DA DEFENSORIA PÚBLICA E OUTROS ASPECTOS GERAIS
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA SUPLETIVA
Nos casos em que não houver núcleo da Defensoria Pública na comarca onde a demanda deverá ser proposta, o Juiz deve oficiar a Ordem dos Advogados do Brasil para que indique um advogado para o patrocínio da causa.13
ORGANIZAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA
Os órgãos da Defensoria Pública são divididos em três grupos, quais sejam, Órgãos de administração superior, que desenvolvem as atividades-meio da instituição, dentre eles: Defensoria Pública Geral, Subdefensoria Pública Geral, Conselho Superior da Defensoria Pública; Órgãos de atuação, que desenvolvem as atividades-fim da instituição, representados pelos Núcleos da Defensoria Pública e; Órgãos de execução, que são os próprios defensores públicos em si, agentes políticos que executam as funções institucionais. 14
3 A GRATUIDADE DE JUSTIÇA
O instituto da gratuidade de justiça, assim como a assistência judiciária, analisada no capítulo anterior, devem ser encarados como espécies do gênero assistência jurídica. A justiça gratuita no entanto, seria a isenção das custas e despesas judiciais e extrajudiciais relativas aos atos processuais. Assim, pode-se dizer que ela englobaria todas as custas processuais, bem como, as despesas provenientes do processo15.
Neste sentido, Rogério Nunes de Oliveira define a gratuidade de justiça a seguinte forma:
[...] justiça gratuita seria a isenção total, parcial ou diferida, do pagamento das despesas necessárias à realização de um direito subjetivo ou de uma faculdade jurídica, tanto no plano judicial quanto no extrajudicial, conferida a pessoa carente de recursos econômico-financeiros16.
Para Ana Carla Ferreira Bueno de Moraes, citando Augusto Tavares Rosa Marcacini, a justiça gratuita seria a “a gratuidade de todas as custas e despesas, judiciais ou não, relativas a atos necessários ao desenvolvimento do processo e à defesa dos direitos do beneficiário17”.
Vale destacar que, conforme se pode extrair da definição transcrita acima, a justiça gratuita é ampla, vez que a isenção de gastos referir-se-á não só aos atos judiciais provenientes de um processo em que o beneficiário tenha sido parte, mas também, a atos extrajudiciais que tenham relação a esta ação judicial18. Assim, como forma de exemplificar, pode-se citar uma ação de usucapião que reconhece o direito de propriedade a um cidadão que lhe teve concedida a gratuidade de justiça. Neste caso, o mandado de averbação que será encaminhado ao competente Cartório de Registro de Imóveis para que proceda o devido registro do novo proprietário, deverá expressamente constar que o mesmo possuía os benefícios da justiça gratuita, que fará com que esta averbação seja isenta de taxas.
Outrossim, a gratuidade de justiça é matéria de ordem processual. Desta forma, sua concessão dependerá da prova da deficiência econômica do peticionário.
Cumpre destacar que a gratuidade de justiça só poderá ser concedida com a comprovação de que requisitante realmente não possui condições financeiras para suportar os custos que o processo lhe trará. Sendo assim, por força do art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, tal comprovação deverá ser realizada perante o Juiz da causa19.
Entretanto, a grande a maioria da doutrina pátria, defende que o referido dispositivo constitucional precisa ser interpretado de acordo com o art. 4º da Lei 1.060 de 1950. Senão vejamos: “A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo...”
Neste cenário, basta que o interessado ofereça uma declaração sobre sua hipossuficiência que fará jus ao benefício.
Outro ponto interessante a ser analisado aqui é que a Lei nº 1.060 de 1950 usa o termo “benefício da justiça gratuita”, expressão essa que foi também utilizada pelo Código de Processo Civil de 1939, que foi revogado pelo diploma processual de 1973. No Código de 1939 havia o capítulo específico chamado “Do benefício da justiça gratuita”. Daí, do uso da expressão benefício é salutar a análise das palavras de Cleber Francisco Alves20:
Essa terminologia não é a que melhor se ajusta à realidade. Com efeito, parece inequívoco que é dever-função do Estado, inerente à sua própria existência, a garantia da paz social, evitando-se que impere na vida em sociedade a “lei do mais forte” que seria fonte de ignominiosa injustiça e resultaria em total decadência dos padrões civilizatórios que são aspiração comum da natureza humana. Esse dever-função costuma ser denominado de “função protetiva do Estado”. Por isso, tratando-se de dever estatal, seu adimplemento não se configura um mero “benefício”, mas um verdadeiro “direito subjetivo público” de que é titular o cidadão. (grifo nosso).
Desta forma, segundo as palavras do jurista, a gratuidade de justiça não seria de fato um benefício, mas sim um “direito subjetivo público” do qual faz jus todo e qualquer cidadão.
3.1 Gratuidade de justiça x assistência judiciária gratuita
Para melhor explicar a diferença entre esses dois institutos jurídicos, destaca-se as palavras de Pontes de Miranda:
Assistência judiciária e benefício da assistência gratuita não são a mesma coisa. O benefício da justiça gratuita é o direito à dispensa provisória de despesas, exercível em relação jurídica processual, perante o juiz que promete a prestação jurisdicional.
É instituto de direito pré-processual. A assistência judiciária é a organização estatal, ou paraestatal, que tem por fim, ao lado da dispensa provisória das despesas, a indicação de advogado. É um instituto de direito administrativo21.
Na mesma linha de raciocínio, José Cretella Junior, ratificando a natureza administrativa do instituto da assistência jurídica gratuita, preceitua:
Instituto de direito pré-processual, a assistência judiciária é a organização estatal, ou paraestatal, que tem por fim, ao lado da dispensa provisória das despesas, a indicação de advogado. O instituto é mais do direito administrativo do que do direito judiciário civil, ou penal22.
Percebe-se que ambos os juristas valem-se da terminologia “assistência judiciária”. Tal fato se dá em razão de que até a vigência da atual Carta Magna, apenas se falava em assistência judiciária, que tão-somente englobava a prestação de um procurador habilitado nas ações judiciais em que esse se fizesse necessário.
Nesta celeuma José Carlos Barbosa Moreira, ressalta a alteração efetivada pela Constituição da República de 1988:
A mudança do adjetivo qualificador da “assistência”, reforçada pelo acréscimo “integral”, importa notável aplicação do universo que se quer cobrir. Os necessitados fazem jus agora à dispensa de pagamentos e à prestação de serviços não apenas na esfera judicial, mas em todo o campo dos atos jurídicos. Incluem-se também na franquia: a instauração e movimentação de processos administrativos, perante quaisquer órgãos públicos, em todos os níveis; os atos notariais e quaisquer outros de natureza jurídica, praticados extrajudicialmente; a prestação de serviços de consultoria, ou seja, de informação e aconselhamento em assuntos jurídicos.
[...] O assunto decerto merece, primeiro a nossa atenção; em seguida, a nossa reflexão; depois – “last but not least” o nosso esforço para fazer transbordar do papel para a vida a bela promessa constitucional23.
Cumpre destacar também, no tocante à diferença entre os institutos, que os entes que possuem a competência para concedê-los também são diversos.
A gratuidade de justiça será deferida pelo juiz da causa, dependendo da demonstração pelo interessado da sua hipossuficiência. Já a assistência jurídica gratuita será concedida pela Defensoria Pública àquele que demonstrar sua carência econômica para a contratação de um procurador habilitado24.
Por fim, mister mencionar, que ainda que seja uma minoria na doutrina, há ainda autores que defendem ser a assistência jurídica e a gratuidade da justiça sinônimos.
Vejamos também o seguinte julgado emanado em nosso Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
Ementa: 1. Locação. Despejo por falta de pagamento. Beneficiário da justiça gratuita. Purgação da mora. Prazo em dobro. Lei 1.060/50, art. 5., parag. 5. 2. Isenção de custas. Cabimento. 1. A parte amparada pela assistência judiciária tem direito ao prazo em dobro para os atos processuais, inclusive para purga da mora. 2. Estando a parte ao abrigo da assistência judiciária, as despesas processuais e honorários advocatícios não se incluem no montante a ser atendido para purgação da mora, ressalvando-se a sua exigência em havendo futura modificação patrimonial. 3. Recurso conhecido e provido” (STJ, 5ª T., REsp 129465/SP, rel. Min. Edson Vidigal, j. 3.2.1998, DJ 25.2.1998, p. 100, v.u.)
Percebamos como o acórdão passa a impressão que ambos institutos são sinônimos. No entanto, não é esse o entendimento da maioria da doutrina.
Por fim, vale a menção que ainda há quem sustente, que a assistência jurídica é gênero de que são espécies a orientação jurídica, a assistência judiciária e a gratuidade de justiça25.
3.2 O momento processual adequado e como requerer
Cumpre destacar que em nosso Novo Diploma Processual, já vigente desde 2016, o art. 99, diante de alguma discussão a respeito do tema, se preocupou em colocar panos quentes nessa questão, vez que o dispositivo se cuidou em definir o momento em que o interessado deva requerer o benefício da justiça gratuita, senão vejamos: “Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso”.
Assim, fica evidente que o interessado pode realizar tanto no pedido na exordial como na defesa. Além disso, também há a possibilidade de se requerer na petição para ingresso de terceiro no processo e até mesmo só em fase recursal.
Mas atentamos para o §1º: “Se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso”.
Assim, não há preclusão temporal para o pedido seja feito pela parte interessada. No entanto, o processo seguirá normalmente se essa solicitação for já em seu curso.
Seguindo agora para o §2º do referido dispositivo.
§ 2o O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.
Desta forma, o novo diploma estabelece que o magistrado deverá deferir o pedido, só agindo de forma diferente se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para que o benefício seja concedido.
Nas palavras de Nehemias Domingos de Melo publicadas no artigo científico denominado, “Da gratuidade da justiça no Novo CPC e o papel do judiciário”.
Mesmo havendo elementos que possam indicar certa capacidade financeira do requerente, ainda assim, o magistrado não poderá pura e simplesmente indeferir o pedido. Deverá antes determinar que o requerente comprove nos autos o preenchimento dos requisitos exigidos, para só depois disso se manifestar. Quer dizer, o juiz não poderá negar o benefício ao seu livre arbítrio26.
No § 3º porsebe-se que a lei dará presunção juris tantum de veracidade às declarações de pobreza realizadas pessoas físicas ou naturais. Senão vejamos: “Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”.
Neste sentido, destaca-se, mais uma vez, as palavras de Nehemias Domingos de Melo:
[...] basta o indivíduo declarar que carece de recursos para enfrentar a demanda judicial que essa alegação será suficiente para a concessão do benefício, tendo em vista que sua declaração goza de presunção de veracidade (NCPC, art. 99, § 3° c/c art. 374, IV). Isso não impede que a parte contrária possa fazer a prova no sentido oposto, isto é, oferecendo impugnação instruída com os elementos hábeis ao convencimento do juiz da causa. Oferecida a impugnação, caberá ao juiz analisar e decidir27.
A contrário senso, há que se dizer que, no tocante às pessoas jurídicas e aos entes despersonalizados, a princípio, e sob pena de indeferimento, estes deverão fazer prova da incapacidade financeira para arcar com as custas do processo.
3.3 A contratação de patrono particular e o benefício da gratuidade de justiça
Não é motivo para a negativa da concessão do benefício a contratação de advogado particular. No entanto, mesmo diante dessa situação, é importante salientarmos a previsão que o Novo Código de Processo Civil trouxe em seu art. 99, §4º, in verbis:“A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça”.
Assim, mesmo que a parte esteja patrocinada por causídico contratado por ela, não haverá quando impedimento ou motivo para que o benefício seja indeferido.
Nesta celeuma opina Nehemias Domingos de Melo:
Só quem milita nos fóruns da vida para saber avaliar a importância dessa previsão. Acredito que muitos magistrados vão ficar frustrados com isso, tendo em vista que não mais poderão utilizar esse falso argumento para dizer que a parte tem condições de arcar com os custos do processo, pois se assim não fosse, estaria assistido pela Defensoria Pública28.
Como forma de exemplificar tal hipótese, trazemos à tona fragmento de voto proferido pelo Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Sr. Palma Bisson, quando de decisão de Agravo de Instrumento interposto contra decisão monocrática que negou a concessão a rogativa de gratuidade de justiça.
Em síntese: o agravante, que residia em COHAB em bairro de classe média baixa da cidade de Marília (SP), era menor, filho de um marceneiro que falecera em um atropelamento. O mesmo, representado pela genitora, ajuizou a demanda patrocinado por advogado particular, onde requeria pensão mensal e vitalícia de um salário mínimo e indenização por dano moral. O juiz monocrático negou o pedido de justiça gratuita sob o fundamento de que o peticionário não comprovou a hipossuficiência, além de ter contratado advogado.
Assim, por meio de fragmento extraído do voto do Ilustre Desembargador temos:
[...] faz jus aos benefícios da gratuidade de Justiça menino filho de marceneiro morto depois de atropelado na volta a pé do trabalho e que habitava castelo só de nome na periferia, sinais de evidente pobreza reforçado pelo fato de estar pedindo aquele pensão de comer, de apenas um salário mínimo, assim demonstrando, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, que o que nela tem de sobra é a fome não saciada dos pobres - a circunstância de estar a parte pobre contando com defensor particular, longe de constituir um sinal de riqueza capaz de abalar os de evidente pobreza, antes revela um gesto de pureza do causídico; ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro grosso dos preconceitos [...]29.
No tocante a esse cenário, há ainda que se dizer que, nas hipóteses em que o advogado particular da parte vencedora da demanda, que seja beneficiária da gratuidade de justiça, não estiver satisfeito com o valor arbitrado a título de honorários advocatícios pelo juiz da causa, poderá ele, interpor recurso somente com o intuito de ver majorado este valor. No entanto, neste caso, o patrono deverá solicitar a gratuidade de justiça em seu favor. Tal pedido deverá ser devidamente comprovado nos autos. Em caso de negado o pedido, o recorrente deverá arcar com o devido preparo.
Cumpre destacar que, nos casos em que o pedido for feito em recurso, não há necessidade de que o preparo seja recolhido de plano. O que poderá acontecer é que, em caso de indeferimento do pedido, o relator fixe prazo para que o preparo seja efetivado pela parte.
Outra nuance a ser considera no aspecto da gratuidade de justiça, é que este é um direito personalíssimo. Sendo assim, por via de consequência o benefício não será estendido a um sucessor ou mesmo um litisconsorte que esteja demandando conjuntamente ao beneficiário. Deverão os mesmos também fazer jus à justiça gratuita desde que requisitem e comprovem as condições legais.
3.4 Possibilidade de impugnação pela parte contrária
Todas as vezes que o benefício da gratuidade de justiça for concedido a uma das partes do processo, poderá a parte contrária, em respeito ao contraditório processual, impugnar a decisão.
Tal possibilidade deverá ser concretizada como preliminar na peça contestatória, mas também há a permissibilidade de ser levantada na réplica, como também em sede de contrarrazões de algum recurso.
Neste sentido ainda Nehemias Domingos de Melo ressalta a disciplina da segunda parte do caput do art. 100 do NCPC disciplina: “[...] nos casos de pedido for superveniente ou formulado por terceiro, deverá ser impugnado por meio de petição simples, a ser apresentada no prazo de 15 (quinze) dias, nos autos do próprio processo, sem suspensão de seu curso”30.
Vale ainda lembrar que pela análise do parágrafo único do art. 100, do novo Diploma Processual Civil, percebemos que na hipótese de o benefício ser revogado, a parte deverá arcar com as despesas processuais que tiver deixado de adiantar e pagará, se agiu de má-fé, até o décuplo de seu valor a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou federal e poderá ser inscrita em dívida ativa.
3.5 Recurso contra decisão que revoga ou indefere a gratuidade de justiça
Diz a inteligência do caput art. 101 do Novo Código de Processo Civil: “Contra a decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação caberá agravo de instrumento, exceto quando a questão for resolvida na sentença, contra a qual caberá apelação”.
O § 1º ainda salienta que na hipótese de interposição do eventual recurso, “o recorrente estará dispensado do recolhimento de custas até decisão do relator sobre a questão, preliminarmente ao julgamento do recurso”.
Continua o § 2º determinando que caso seja confirmada a denegação ou a revogação da gratuidade, deverá o relator ou o órgão colegiado determinar ao agravante o recolhimento das custas processuais, assinalando ainda, prazo de 5 (cinco) dias para que o faça, sob pena de não conhecimento do recurso.
Por derradeiro, no caput do art. 102, o legislador do nosso Novo Diploma Processual, ao finalizar o tópico concernente ao benefício da justiça gratuita, à gratuidade de justiça, fez registrar que com o trânsito em julgado da decisão que revoga ou denega o benefício, a parte deverá efetuar o recolhimento de todas as despesas de cujo adiantamento foi dispensado, inclusive as relativas ao recurso interposto, se houver, no prazo fixado pelo juiz, sem prejuízo de aplicação das sanções previstas em lei.
Por fim, o parágrafo único deste último dispositivo ressalta que se a parte não efetuar o recolhimento no prazo assinalado, o processo será extinto sem resolução de mérito, tratando-se do autor. Nos demais casos, não poderá ser deferida a realização de nenhum ato ou diligência requerida pela parte enquanto não efetuado o depósito.
3.6 Debate acerca da comprovação da hipossuficiência:
O fato de que a declaração pessoal de hipossuficiência já ser meio hábil para a concessão do benefício da justiça gratuita, por ato contínuo, fez com que alguns excessos fossem cometidos. Vejamos as palavras Paulo Maximilian Schonblum31.
[...] se por um lado, a Lei 1.060/50 havia realizado um verdadeiro avanço no plano social do Estado Democrático de Direito, tornando efetivo o acesso à Justiça para os mais necessitados, por outro, a concessão da gratuidade de forma imoderada também fez surgir uma verdadeira “caçada às indenizações” pois, sem custos e sem riscos, brasileiros de pouco caráter e ambição desmedida passaram a aventurar-se ajuizando Ações contra tudo e todos (sempre se valendo da propalada gratuidade) na busca de um punhado de dinheiro a troco de nada.
Nesta esteira, a impugnação à gratuidade que não era rotina, passou a ser corriqueira, e foi aí que entendimentos divergentes acerca da comprovabilidade da hipossuficiência surgiram. Alguns juízes aceitavam a simples declaração como meio apto, outros, enxergavam a hipótese de se instaurar uma averiguação para verificar se a parte requisitante teria direito a gratuidade de justiça.
Entretanto, após uma discussão em nossos tribunais, solidificou-se o juízo, de que a afirmação de que faz menção o artigo 4º da Lei 1.060/50 institui presunção iuris tantum, sendo assim, admite provas em contrário.
Neste cenário, o TJRJ editou o Enunciado 39, que causou grande discussão pelos operadores do Direito. Prenunciava o dispositivo:
É facultado ao Juiz exigir que a parte comprove a insuficiência de recursos, para obter concessão do benefício da gratuidade de justiça (art. 5º, inciso LXXIV, da CF), visto que a afirmação de pobreza goza apenas de presunção relativa de veracidade.
Daí, mesmo que que se tenha admitido a possibilidade de – após a declaração de hipossuficiência – se comprovar a desnecessidade de utilização da prerrogativa, nunca houve consenso quanto à melhor forma para se aferir a real situação do interessado no benefício.
Ficou comum, sobretudo no contexto dos juízos fluminenses, a determinação judicial para que o interessado comprovasse sua situação econômica através da última declaração do Imposto de Renda. Mas alguns juízes mais rigorosos determinavam ordenam a juntada aos autos de outras provas, como extratos de conta corrente, faturas de cartões de crédito etc.
No entender de Paulo Maximilian Schonblum tal medida é a mais prudente. Em seu artigo, “A gratuidade de justiça que transforma o Poder Judiciário em “Porta da Esperança”, ele discorre:
Entende-se que, para evitar controvérsias, a comprovação da necessidade deve ser a mais ampla possível, reduzindo-se, com isso, a utilização do benefício a aqueles que efetivamente necessitem, pois, como parece não ser observado por alguns, não se trata de possibilitar à parte alguma economia para manutenção de padrão de vida e sim de garantir o acesso à Justiça dos que realmente não possuem meios para tanto.32
Desta forma, o autor enxerga que há um grande descomedimento dos pedidos e concessões do benefício da justiça gratuita. Litigantes que visivelmente não fazem jus à gratuidade à requisitam e, somente pela declaração que acostam, a tem concedido. Casos que o próprio objeto da demanda já seria uma prova da situação financeira do requerente, como por exemplo, um morador de apartamento de grande valor venal, que discutem nulidades de cláusulas em seu contrato de financiamento imobiliário.
No entanto, dito essas nuanças, que embora sejam verídicas, é preciso dizer que o entendimento majoritário é o de que a simples declaração de hipossuficiência seja capaz de fazer com o benefício seja concedido à parte solicitante. No entanto, como já explicitado, tal circunstância pode ser combatida pela parte contrária, que deverá demonstrar a situação econômica favorável a quem foi dado o benefício da gratuidade de justiça.