Conclusão
A compreensão de todo e qualquer instituto jurídico deve atentar para o momento histórico vivenciado, buscando uma visão coerente de todo o conhecimento construído. No Estado Democrático de Direito, o ponto de conformação dos institutos jurídicos, principalmente o processo, deve atentar para a Constituição. Aliás, no processo penal, a adequação do processo à Constituição se torna ainda mais necessária diante da evidente incompatibilidade entre o Código de Processo Penal, de matriz veementemente autoritária, e a Constituição Democrática de 1988.
No Brasil, com o advento da Constituição de 1988, pode-se dizer que processo é direito e garantia constitucional, a ser compreendido à luz dos diversos princípios constitucionais, tais como o devido processo legal, contraditório, ampla defesa, acesso à justiça e efetividade do provimento jurisdicional.
Nessa esteira, o enfoque à participação caminha concomitantemente com o processo justamente por englobar a noção ideal de democracia, bem como por possibilitar a legitimidade do provimento jurisdicional a ser prolatado, a partir do debate policêntrico. Percebe-se, entretanto, no decorrer histórico e teórico, que a participação e a discursividade foram associadas por diversas vezes à legitimidade das decisões tomadas, ainda que a decisão prolatada não se aproxime do ideal de justo ou da realidade fática.
Por isso, conclui-se que não basta a mera abertura à participação (ainda que efetiva) no processo para que ele se torne legítimo. Como direito e garantia constitucional, o respeito ao processo é medida que se impõe à própria efetividade dos direitos e garantias fundamentais. Sua legitimidade advém, portanto, da existência concomitante da participação e da possibilidade de efetividade dos direitos e garantias fundamentais.
Dessa feita, no Estado Democrático de Direito, nada mais ideal do que compreender autor e réu como sujeitos de direito, cabendo-lhes o efetivo debate e participação no processo, com o objetivo de garantir a validade e legitimidade[9] do provimento jurisdicional. Acrescenta-se: com o fito de garantir a força normativa da constituição, bem como a efetividade dos direitos e garantias fundamentais, afastando a égide de uma legislação meramente simbólica e sem efetividade.
Referências
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Notas
[1] Sobre o tema, Jürgen Habermas ressalta que: “Na linha desse modelo liberal de sociedade, a constituição deveria fazer uma separação entre a esfera de uma sociedade econômica, livre do Estado, na qual os indivíduos buscam sua felicidade e seus próprios interesses de forma autônoma e privada, e a esfera estatal da persecução do bem comum – ‘em todo caso não era função da constituição combinar a esfera do bem individual e do bem comum sob uma ideia de conteúdo mais abrangente’”. (HABERMAS, 2003, p.304)
[2] Kildare Gonçalves Carvalho explica que se “aceitarmos a tese de que o poder do Estado é uno, não podemos falar em separação de Poderes. Devemos aceitar o fenômeno, isto sim, da separação ou distribuição de funções desse Poder uno”. (CARVALHO, 2004, p. 110)
[3] Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho, “no período anterior o regime vigorante era o das monarquias absolutas, em que todos os poderes do Estado desaguavam nas mãos do monarca, tornando frágeis as relações entre o Estado e os súditos. O brocardo da época era o célebre “L’État c’est moi”, para indicar a concentração dos poderes exclusivamente sob o manto real. Com a teoria da separação de poderes concebida por MONTESQUIEU, o Estado, distribuindo seu próprio poder político, permitiu que em sua figura se reunisse, ao mesmo tempo, o sujeito ativo e passivo do controle público. Nesse ambiente, foi possível criar normas próprias para a execução desse controle”. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 8)
[4] Nesse sentido, a teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale, para quem “’Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum numa estrutura tridimensional bilateral atributiva’, ou de uma forma analítica: ‘Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos e valores’” (REALE, 1976, p. 67).
[5] Pedro Lenza explica que se supera “a idéia de Estado Legislativo de Direito, passando a Constituição a ser o centro do sistema, marcada por uma intensa carga valorativa. A lei e, de modo geral, os Poderes Públicos, então, devem não só observar a forma prescrita na Constituição, mas, acima de tudo, estar em consonância com o seu espírito, o seu caráter axiológico e os seus valores destacados. A Constituição, assim, adquire, de vez, o caráter de norma jurídica, dotada de imperatividade, superioridade (dentro do sistema) e centralidade, vale dizer, tudo deve ser interpretado a partir da Constituição. (LENZA, 2009, p. 24). Marcelo Novelino também ressalta que: “O deslocamento da prevalência da lei para a centralidade da constituição foi sintetizada por Paulo Bonavides na célebre frase: “Ontem os códigos; hoje as constituições”. O papel central desempenhado pela constituição ao irradiar seus efeitos sobre todo o ordenamento jurídico impõe a necessidade de uma reestruturação da teoria das fontes de normatividade que a torne capaz de refletir adequadamente essa nova configuração”. (NOVELINO, 2011, p.42)
[6] Ressalte-se que o Magistrado, mesmo num modelo cooperativo de processo, atento ao modelo acusatório, deve aguardar a iniciativa das partes, evitando o seu agir de ofício.
[7] A conceituação de processo e procedimento vai além de uma discussão teórica, acarretando conseqüências práticas, especialmente quando se verifica, no texto constitucional brasileiro, que compete privativamente à União legislar sobre processo, ao passo que compete concorrentemente aos entes federativos legislar sobre procedimento.
[8] Sobre a terminologia “civis”, adotada por Jürgen Habermas, Rosemiro Pereira Leal acrescenta que: “O povo, quando adotado pelos civis, torna-se o coletivo de cidadãos, livres de sua vida errante, vadia, despossuída. Não são pessoas inatamente portadoras de liberdade, são cidadãos livres no sentido de libertados da errância e desorganização. Por isso, exercer a potestas correspondia a ter o povo, cidadanizado ou não, sob comando, porque o libertado ainda não seria livre a tal ponto de ser o libertador de outrem ou de si mesmo. (...) Infere-se que Habermas concebe a sociedade civil como agrupamento de atores sociais transformativos dos rumos do poder oficial, o que não coincide com as raízes históricas do civil que, em sua origem, é fonte ou usuário do poder estatal. Essa inversão proposta por Habermas oculta a massa de excluídos sociais que não têm acesso sequer às presenças episódica, organizada ou abstrata, para pensar a condição de potus a que estão secularmente condenados. (LEAL, 2005b)
[9] É semelhante a conclusão de Jürgen Habermas, para quem “a compreensão discursiva do sistema dos direitos conduz o olhar para dois lados: De um lado, a carga da legitimação da normatização jurídica das qualificações dos cidadãos desloca-se para os procedimentos da formação discursiva da opinião e da vontade, institucionalizados juridicamente. De outro lado, a juridificação da liberdade comunicativa significa também que o direito é levado a explorar fontes de legitimação da quais ele não pode dispor. (HABERMAS, 2003, p. 168)