Os obstáculos para o acesso à justiça e os meios alternativos para a resolução dos conflitos

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A discussão sobre acesso à justiça levanta inúmeras preocupações ressaltando a necessidade de se haver meios que sanem essa questão, com isso é imprescindível eliminar empecilhos que dificultam ou impedem completamente a acessibilidade a justiça.

1 Introdução

A convivência em sociedade faz com que inúmeros conflitos venham a surgir no cotidiano, trazendo a necessidade de um efetivo resultado mediante a um processo legal eficiente. O acesso a justiça deve ser tratado como um direito fundamental, logo se faz imprescindível ser efetivamente protegido e garantido pelo Estado a todos os indivíduos de forma igualitária.  Assim, elucida Cappelletti e Garth:

 

De fato, o direito ao acesso a justiça tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p.10-11).

 

O direito não pode ser uma instituição de caráter fechado que apenas uma parcela da população seja beneficiada com o sistema jurídico vigente, pois tem instituído de maneira intrínseca nas suas bases o principio da isonomia. Os problemas recorrentes observados no agrupamento social revelam-se cada vez mais preocupantes, dentre eles analisaremos a hipossuficiência econômica, distância geográfica, medo de represálias, e a lentidão dos processos. Segundo Wilson Alves de Souza:

 

Nesse ponto, se e é indispensável uma porta de entrada, necessário igualmente é que exista a porta de saída. Por outras palavras, de nada adianta garantir o direito de postulação ao Estado- juiz sem o devido processo em direito, isto é, sem processo provido de garantias processuais, tais como contraditório, ampla defesa, produção de provas obtidas por meios lícitos, ciência dos atos processuais, julgamento em tempo razoável, fundamentação das decisões, julgamento justo eficácia das decisões, etc. (SOUZA, 2011, p. 26)

 

 

A acessibilidade ao judiciário é considerada como um direito humano e indispensável para a harmonia da coletividade, essa temática deve ser tratada com a mesma importância e visibilidade de outras questões como a saúde e a educação. Torna-se imperioso a adoção de medidas que estejam de acordo com o avanço da sociedade e com o mundo moderno, estas devem se apresentar de maneira dinâmica e acessível. Tais medidas estão cada vez mais sendo pensadas e estudadas, e dentre elas destacamos algumas que apresentam caráter renovador e exitoso. Conquanto, este artigo busca tratar dos relevantes empecilhos que inviabilizam o acesso efetivo a justiça e dos meios resolutivos capazes de saná-los. Nesse contexto, o autor Francisco Chagas Lima assevera que:

 

O movimento de acesso à justiça partiu do relativo sucesso obtido pelas reformas anteriores que pretendiam conceder proteção judicial a interesses não representados ou representados ineficazmente, cabendo-lhe ampliar o enfoque presente nas etapas anteriores, porquanto, mais do que a proteção dos direitos, seu objeto tem sido a mudança dos procedimentos judiciais em geral, para tornar esses direitos realmente exequíveis. Nesse quadro, tanto se tenta caminhar na reforma dos tribunais regulares, quanto se têm produzido alternativas mais rápidas e menos dispendiosas – como são as do juízo arbitral, da conciliação, dos “centros de justiça de vizinhança” e dos acordos por incentivos econômicos – para a prevenção ou tratamento de alguns tipos de litígios, ampliando-se com isso, as relações entre o Judiciário e o conjunto da população, bem como se expõe o tecido da sociabilidade à intervenção do direito, seus procedimentos e intervenções. (LIMA FILHO, 2003, apud BENTO,2012, p.14)

 

 

2  Hipossuficiência Econômica

O sistema capitalista do século XXI apresentou como consequência do seu desenvolvimento inúmeros reflexos que privilegiam uma parte da população em detrimento da outra, acarretando disparidades econômicas e desigualdades que estão na essência desse novo modelo. Isso, juntamente com a globalização e o avanço tecnológico trouxe uma onda de desemprego cada vez maior, e a população ficou a mercê de poucos recursos disponíveis. Essa situação foi uma das maiores responsáveis pelo distanciamento de grande parcela das pessoas em relação às instituições judiciárias e as resoluções de conflitos.

A problemática que é abordada como um dos fatores fundamentais ao não acesso a justiça tem como base o cunho econômico podendo vir a ter relação com outras questões como a social e a educacional. Um sistema que tem como “dever ser” a noção de disponibilidade da admissão a justiça não pode possuir como empecilho a situação financeira das pessoas que por razões diversas não tem condições de ingressar com uma ação judicial ou ao menos buscar informações básicas com os aplicadores do direito. Boaventura de Santos percebe que:

 

Quanto mais baixo é o estrato socioeconômico do cidadão menos provável é que conheça advogado ou que tenha amigos que conheçam advogados, menos provável é que saiba onde e como e quando pode contatar o advogado, e maior é a distância geográfica entre o lugar onde vive ou trabalha e a zona da cidade onde se encontram os escritórios de advocacia e os tribunais. (SANTOS, 1985, p.127)

 

 

Essa questão tem que ser tratada como uma das primeiras premissas para que possamos compreender o conjunto da problemática que gera grande prejuízo aos indivíduos. Tal situação de hipossuficiência é caracterizada por aqueles que vivem com o mínimo de condições necessárias para a sua subsistência. A precariedade que estes se encontram mediante a justiça é de alarmante relevância, e revela um caráter fechado que muitas vezes só os ricos têm acesso, deixando a massa sujeita a injustiças que permeia uma crença de descredibilidade, fazendo a mesma acreditar que a justiça é um privilégio apenas das classes mais favorecidas. José Afonso da Silva proclama o seguinte:

 

Formalmente, a igualdade perante a Justiça está assegurada pela Constituição, desde a garantia de acessibilidade a ela (art. 5º, XXXV). Mas realmente essa igualdade não existe, "pois está bem claro hoje, que tratar "como igual" a sujeitos que econômica e socialmente estão em desvantagem, não é outra coisa senão uma ulterior forma de desigualdade e de injustiça. A Constituição tomou, a esse propósito, providência que pode concorrer para a eficácia do dispositivo, segundo o qual o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art.5º, LXXIV). Referimo-nos à institucionalização das Defensorias Públicas, a quem incumbirá a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV (art. 134). (SILVA, 1998, p. 222/223)

 

3  Gratuidade da Justiça

A utopia de se ter um sistema jurídico no qual todos terão a seguridade de seus direitos de forma gratuita é algo que está presente na comunidade, que busca no ordenamento jurídico um meio capaz de solucionar seus conflitos de maneira efetiva. Imaginar um sistema com acessibilidade plena e que proporcione uma maior estabilidade e segurança para aqueles que o busca é uma questão que vem garantindo seu espaço no âmbito jurídico e social. Esse tema envolve um setor que não costuma ser facilmente solucionado que é o econômico, enraizado no modelo capitalista onde quem tem poder são os detentores de uma maior renda de capital.

A gratuidade ao sistema jurídico deve ser tratada assim como outros direitos previstos na Constituição Federal de 1988 como uma norma fundamental e não apenas como um assunto discutido que divide opiniões contras e a favor e que percorre um caminho incerto sem uma solução. Apresentando assim como seu objetivo principal a segurança de forma definitiva ao livre e gratuito acesso à justiça, afinal, o ponto central de tal temática é de como a gratuidade pode proporcionar a sociedade sua proximidade com os seus direitos.

O avanço considerado de tal matéria pode ser visto no Código de Processo Civil que revela em seu conteúdo a relação da realidade com a norma de forma que os códigos imutáveis passam a ser influenciados e adaptados de acordo com o modelo social vigente. O professor Ernesto Lippmann expõe que:

 

A assistência judiciária não se confunde com justiça gratuita. A primeira é fornecida pelo Estado, que possibilita ao necessitado o acesso aos serviços profissionais do advogado e dos demais auxiliares da justiça, inclusive os peritos, seja mediante a defensoria pública ou da designação de um profissional liberal pelo Juiz. Quanto à justiça gratuita, consiste na isenção de todas as despesas inerentes à demanda, e é instituto de direito processual”. Para ao depois concluir: Ambas são essenciais para que os menos favorecidos tenham acesso à Justiça, pois ainda que o advogado que se abstenha de cobrar honorários ao trabalhar para os mais pobres, faltam a estes condições para arcar com outros gastos inerentes à demanda, como custas, perícias, etc. Assim, freqüentemente, os acórdãos, ao tratar da justiça gratuita, ressaltam seu caráter de Direito Constitucional” (Os Direitos Fundamentais da Constituição de 1988, p. 379).

 

 

Um processo legal, a necessidade de contratar um bom advogado, as taxas dos serviços do judiciário acarretam um custo desproporcional a renda de inúmeras pessoas, o que por muitas vezes acaba levando-os a certo receio de ingressar com uma ação para resolver um determinado conflito e não poder arcar com as suas despesas. Com isso, é indispensável o desenvolvimento de um serviço gratuito e idôneo, onde os problemas que estão intrínsecos nessa instituição sejam solucionados prementemente.

A instituição judicial tem que ser vista como um instrumento que está de portas abertas para todos, independentemente de classe, e de demais pré-requisitos concebidas por uma sociedade tradicional que está ultrapassada e precisa ter suas características evoluídas juntamente com o desenvolvimento do agrupamento social.

Para amenizar esse problema foi criado o ministério publico e a defensoria pública, porém eles ainda precisam ser expandidos e divulgados para aquelas pessoas que tem acesso reduzido a informação. Desse modo, é preciso ficar claro que sua finalidade é servir à todos e não apenas aqueles que estão no topo da pirâmide hierárquica social. Paulo Galliez defende que:

 

A Defensoria Pública é, sem dúvida alguma, o grande baluarte do Estado de Direito, pois sua função precípua é a de neutralizar o abuso e a arbitrariedade emergentes da luta de classes. Para tanto torna-se imprescindível combater tamanha intolerância, verdadeiro simulacro de poder político, incompatível com o regime democrático contemporâneo, considerando que, do ponto de vista histórico, é comum a esse mesmo poder procurar desestabilizar a ordem pública e fazer surgir os regimes de força. No sentido de manter o equilíbrio, pelo menos em relação ao aspecto jurídico, entre os ‘donos do poder’ e os oprimidos, é que a Defensoria Pública se impõe como instituição essencial do Estado de Direito, a fim de enfrentar o desenvolvimento desigual entre as classes sociais, valendo a advertência de Octavo Ianni de que o desenvolvimento desigual e combinado não é uma teoria do acaso, mas um modo particular de funcionamento das leis do capitalismo nas sociedades atrasadas e dependentes. (GALLIEZ, 2001, p.9/10).

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4  Distância Geográfica

A distância geográfica é acrescentada à problemática exposta anteriormente, e essa representa um abismo palpável entre o judiciário e o corpo social. É possível identificar localidades que são totalmente excluídas em relação a esse acesso, muitas destas não tem sequer um órgão competente para tratar de tais questões. Seus indivíduos se mostram invariavelmente ignorantes para identificar situações em que seus direitos são lesionados. Boaventura de Santos reitera que:

 

A distância dos cidadãos em relação à administração da justiça é tanto maior quanto mais baixo é o estado social a que pertencem e que essa distância tem como causas próximas não apenas fatores econômicos, mas também fatores sociais e culturais, ainda que uns e outros possam estar mais ou menos remotamente relacionados com as desigualdades econômicas. Em primeiro lugar, os cidadãos de menores recursos tendem a conhecer pior os seus direitos e, portanto, têm mais dificuldades em reconhecer um problema que os afeta como sendo problema jurídico. Podem ignorar os direitos em jogo ou as possibilidades de reparação jurídica. (SANTOS, 1994, p. 74).

 

 

O deslocamento para áreas onde se encontra a assistência necessária e responsável por resoluções que das muitas vezes mostram-se impossíveis por inúmeros fatores que podem ser listados facilmente, sendo eles a condição precária do transporte, poucos recursos financeiros para arcar com os custos de tal locomoção e estadia, disponibilidade de tempo para estar presente e ciente de todo o processo jurídico, dentre outros.

O juiz se encontra frequentemente isolado em uma posição de “divindade” dificultando o acesso das comunidades que precisam recorrentemente do seu atendimento. Outro aplicador do direito que vem a ter responsabilidades mediante a sociedade é o advogado dativo dispondo do papel de ser um elo entre a parte litigante e o judiciário, mais que apresenta problemas em desempenhá-lo, pois assiduamente carece de recursos e em diversas circunstâncias não tem sua atividade fiscalizada pelo estado. Ambos têm o dever de serem alcançáveis a todos indistintamente, de maneira que sua linguagem seja de fácil compreensão, para que os indivíduos fiquem cientes do processo legal e das diversas formas que eles podem agir para alcançar os seus direitos.

Contudo, é primordial a criação de artimanhas capazes de extinguir esse impedimento que vem sendo responsável por diversos transtornos em localidades que não tem a devida assistência. Fazendo-se indispensável a criação de ministérios, defensorias e juizados especiais nesses locais. Boaventura de Santos reforça a ideia exemplificando que nos Estados Unidos, foram criado os Escritórios de Vizinhança “localizados nos bairros mais pobres das cidades e seguindo uma estratégia advocatícia orientada para os problemas jurídicos dos pobres enquanto problemas de classe.” (SANTOS, 2003, p. 172).

5  Medo de Represália

O medo de represálias mostra-se outro problema a ser enfrentado constantemente pelas pessoas que deixam de lutar pelo ressarcimento dos seus bens jurídicos lesados, com receio de ter alguma retaliação por parte do individuo causador da lesão. Isso acontece também pelo descrédito da justiça, que teoricamente deveria transmitir e garantir segurança as partes envolvidas.

A represália se revela um mecanismo de inversão de papéis, pois a lentidão do trâmite legal deixa o infrator livre e impune por tempo suficiente para agir contra o litigante, que por sua denúncia acaba sendo penalizado através de perseguições e ameaças que põe em risco a sua vida e a de seus familiares, tendo a normalidade da sua vida ceifada com restrições a atos que anteriormente faziam parte do seu cotidiano.

6  Lentidão dos Processos

Os locais que devem auxiliar, solucionar, e sentenciar os procedimentos legítimos de uma forma concisa e objetiva encontram-se atualmente em um estado de obstrução no seu setor processual, demonstrando uma das inúmeras causas que produzem a ineficiência de órgãos responsáveis pela harmonia da sociedade. Enio Silva sustenta que:

 

Não basta ainda que o poder público dê garantias de amplo acesso à Justiça, conforme obriga a CF/88 (inciso XXXV do art. 5o). Seu dever é de ministrar uma Justiça célere, dentro do que se considera um prazo razoável de duração do processo. E se o Judiciário não pode ainda oferecer essa necessária celeridade processual, o Estado não pode ficar inerte, sob pena de estar violando um mandamento constitucional. Deverá, assim, a esfera de poder público competente providenciar os meios que garantam a celeridade da tramitação processual. (SILVA, 2008, p.25).

 

 

Com a variedade de ações que são ingressadas diariamente no judiciário é produzido uma aglomeração de processos pendentes. Essa situação chega a um nível em que ocorre a prescrição do crime antes mesmos da conclusão do processo. Tamanha burocracia basilar de um julgamento faz-se necessário que outros meios tenham uma maior capacidade de resolver conflitos, sendo hábeis na sua função para que posteriormente possa a vir a auxiliar assim o judiciário. Para isso é fundamental a criação de mais juizados especiais com o intuído de não haver o congestionamento de apenas um órgão, impossibilitando a fluidez dos trâmites legais. Humberto Pinho ratifica:

 

Além disso, a duração processual também acaba por encarecê-lo já que a quantidade de processos iniciados diariamente não é proporcional ou adequada ao número de juízes existentes, assim cada juiz acaba abarrotado de ações, o que acaba por resultar em processos demorados e julgamentos sem a devida qualidade à que o indivíduo faz jus. (PINHO, 2017).

 

 

7  Obstáculos Socioeducacionais

O problema do sistema educacional afeta diretamente nesse contexto, fazendo com que a população não saiba quando os seus direitos foram lesionados e não compreenda qual o momento certo de procurar assistência, várias dessas pessoas sequer conhecem um advogado e não possuem o conhecimento da existência de defensorias públicas. Para Horácio Wanderley Rodrigues:

 

São três os pontos principais de estrangulamento, neste aspecto, ao acesso presentes no Brasil. Em primeiro lugar a falência da educação nacional, o descompromissso dos “meios de comunicação” com a informação, e por fim, a quase inexistência de instituições oficiais encarregadas de prestar assistência jurídica prévia ou extraprocessual, que atuariam informando e educando a população sempre que surgissem dúvidas jurídicas sobre situações concretas. (RODRIGUES, 1994, apud, TORRES, 2002).

 

 

A ausência de informações necessárias para um entendimento completo do direito proporciona a “ignorância” de um número espantoso de pessoas. Apenas uma minoritária parcela é detentora do conhecimento das leis e dos códigos, enquanto essa sapiência deveria ser objeto de entendimento geral.

O objeto comunicativo que é empregado pela ciência jurídica no seu processo burocrático rotineiro pode vim a conceber uma maior incomunicabilidade, sendo isso suficiente para proporcionar um bloqueio relativamente considerável entre os lados do pleito.

A vantagem que um requerente conhecedor das várias formas de agir na esfera do ordenamento jurídico exerce sobre outro com pouca habilidade é notória, sendo que o primeiro se sobressai por dominar diversas estratégias em consequência de ser um litigante assíduo e sentir-se a vontade nesse âmbito. Mauro Cappelletti robora:

 

Ainda, outro ponto importante diz respeito à disparidade que surge quando um litigante habitual defronta-se com um litigante eventual. Esta distinção se verifica entre indivíduos que frequentemente estão em juízo com aquele que nunca, ou poucas vezes, sentou-se perante um juiz. Segundo o professor Galanter, as vantagens dos habituais são inúmeras: “1) a maior experiência com o direito possibilita-lhes melhor planejamento do litígio; 2) o litigante habitual tem economia de escala, porque tem mais causas; 3) o litigante habitual tem oportunidades de desenvolver relações informais com os membros da administração da justiça; 4) ele pode diluir os riscos da demanda por maior número de casos; e 5) pode testar estratégias com determinados casos, de modo a garantir expectativa mais favorável em relação a casos futuros. (CAPPELLETTI, 1988, p. 25).

 

 

Há a imposição da expansão de órgãos que forneçam informações e esclareçam dúvidas e estejam sempre disponíveis para as demais eventualidades. Com o intuito do indivíduo se sentir mais a vontade e confiante para lutar por seus direitos e identificar os escopos das ações possíveis em determinados casos.

8  Tentativa de Solução pelo Sistema Judicare

Este sistema se apresenta como uma tentativa de solução para sanar o problema socioeconômico em relação ao acesso à justiça, tendo como alvo as classes menos favorecidas. Aqui, o direito tem sua atuação otimizada por meio de mecanismos, sendo que o principal consiste na intervenção do Estado que age diretamente se responsabilizando pelo pagamento dos honorários advocatícios no lugar do litigante. Segundo Cappelletti e Garth, o Sistema Judicare:

 

Tratava-se de um sistema através do qual a assistência judiciária é estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadrem nos termos da lei. Os advogados particulares, então, são pagos pelo Estado. A finalidade do sistema judicare é proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representação que teriam se pudessem pagar um advogado. (CAPPELLETTI e GARTH, 1988, p. 35).

 

As primeiras manifestações do Judicare ocorreram em 1949 na Inglaterra, outros países seguindo esse exemplo adotaram o mesmo molde, como foi o caso da Áustria, Holanda, França e Alemanha. Que se expressa em uma modalidade de assistência jurídica por meio do qual o Estado disponibiliza uma lista de advogados inscritos nessa categoria, para defender os interesses das partes envolvidas, onde estas podem escolher os seus representantes.

A noção de justiça que o Judicare proporciona revela-se como uma forma mais igualitária de distribuição dos direitos, eliminando as consequências da desproporcionalidade das classes sociais, e proporcionando o alcance da justiça a todos.

Uma das premissas que se faz presente nessa temática é a escassez de recursos que o Estado provém, fazendo com que o mesmo não consiga arcar com o fornecimento de advogados altamente preparados, optando por aqueles que ingressaram recentemente no mercado de trabalho e que não são dotados de grande aptidão para resolverem de maneira rápida os conflitos. Cappelletti e Garth confirmam essa tese com a seguinte afirmação:

 

Antes de mais nada, [...], é necessário que haja um grande número de advogados, um número que pode até exceder a oferta, especialmente em países em desenvolvimento. Em segundo lugar, mesmo presumindo que haja advogados em número suficiente, [...], é preciso que eles se tornem disponíveis para auxiliar aqueles que não podem pagar por seus serviços. Isso faz necessárias grandes dotações orçamentárias [...]. Em economias de mercado, [...], a realidade diz que, sem remuneração adequada, os serviços jurídicos para os pobres tem a ser pobres também. Poucos advogados se interessam em assumi-los, e aqueles que o fazem tendem a desempenhá-los em níveis menos rigorosos. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 47-48).

 

O Judicare vem para pôr fim a certas barreiras encontradas no percurso da busca pela justiça que reiteradamente são consideradas intransponíveis, estas podem ser capazes de provocar na parte lesada o sentimento de incapacidade de encontrar o ressarcimento buscado.

O problema desse sistema consiste em não se preocupar em eliminar outros fatores como o socioeducacional e o cultural, conquanto, o resultado esperado acaba não correspondendo as expectativas incumbidas a esse modelo ocasionando efeitos negativos e possíveis arbitrariedades.

Em síntese, Mauro Cappelletti expõe:

 

O judicare desfaz a barreira de custo, mas faz pouco para atacar as barreiras causadas por outros problemas encontrados pelos pobres. Isso porque ele confia aos pobres a tarefa de reconhecer as causas e procurar auxílio; não encoraja, nem permite que o profissional individual auxilie os pobres a compreender seus direitos. (CAPPELLETTI 2002, p.38).

 

Vale acrescentar que a gratuidade deve abranger não apenas os honorários advocatícios e sim todas as taxas da instituição de maneira integral, fomentando uma igualdade simultânea a um equilíbrio da oferta de serviço.

9  O Sistema Brasileiro de Justiça

A idealização de um sistema que não condiz com a realidade no qual está inserida, reflete a situação que o Brasil vivencia, demonstrando-se incapaz de reparar os impasses que estão inseridos no meio social de maneira abrangente, pois apresenta um modelo sistemático que produz resultados que não conseguem acompanhar os desdobramentos societários. Alexandre César retrata:

 

Sendo o Brasil um dos primeiros países no ranking mundial de pior distribuição de renda (assustadores índices atestam que os 10% mais ricos “abocanham” quase 50% da renda nacional), não existe nenhuma dificuldade em visualizar o quão limitador ao efetivo acesso à justiça é a desigualdade econômica. (CESAR, 2002, p.92).

 

Destaca-se ainda um pequeno avanço no que se refere ao Judiciário, tendo a seguridade garantida na Constituição Federal de 1988 que proporcionou uma maior visibilidade perante os outros poderes que antes tinham uma maior proeminência em face do primeiro. “Pode-se dizer, pois, sem exagerar, que a nova Constituição representa o que de mais moderno existe na tendência universal rumo à diminuição da distância entre o povo e a justiça é o que afirma Ada Pellegrini Grinover (Teoria Geral do Processo, p. 82). José Murilo aduz que:

 

Do ponto de vista da garantia dos direitos civis, os cidadãos brasileiros podem ser divididos em classes. Há os de primeira classe ou “doutores”, que estão acima da lei, que sempre conseguem defender seus interesses pelo poder do dinheiro e do prestígio social. Os doutores são invariavelmente brancos, ricos, bem vestidos com formação universitária. São empresários, banqueiros, grandes proprietários rurais e urbanos, políticos, profissionais liberais, altos funcionários. Frequentemente, mantém vínculos importantes nos negócios, no governo, no próprio Judiciário. Esses vínculos permitem que a lei só funcione em seu benéfico. [...] Ao lado dessa elite privilegiada, existe uma grande massa de “cidadãos simples”, de segunda classe, que estão sujeitos aos rigores e benefícios da lei [...]. Essas pessoas nem sempre tem noção exata de seus direitos, e quando a tem carecem dos meios necessários para os fazer valer, como o acesso aos órgãos e autoridades competentes e os recursos para custear demandas judiciais [...]. Para eles, existem os códigos civis e penais, mas aplicados de maneira parcial e incerta. Finalmente, há os “elementos” do jargão policial, cidadãos de terceira classe. É a grande população marginal das grandes cidades, trabalhadores urbanos e rurais sem carteira assinada, posseiros, empregadas domésticas, biscateiros, camelôs, menores abandonados, mendigos [...]. Na prática, ignoram seus direitos civis ou os têm sistematicamente desrespeitado por outros cidadãos, pelo governo, pela policia. Não se sentem protegidos pela sociedade e pelas leis [...]. Para eles vale apenas o Código Penal. (CARVALHO, 2005, p. 215-217).

 

O Brasil teve grande influência no seu âmbito jurídico por parte dos países colonizadores que o submeteram a imposições que beneficiavam apenas interesses próprios, isso foi responsável por efeitos positivos, mas em sua grande maioria negativos. Acarretando em uma enorme carga ritualística, e transformando a prática do direito em rituais, as resoluções de conflitos eram tidas como espetáculos, sendo considerado no seu primórdio um “circo de horrores”. O problema da desigualdade no quesito da justiça teve sua origem nesse período, onde o soberano e os nobres eram beneficiados enquanto a plebe excluída desconhecia completamente os seus direitos. João Adeodato sustenta que:

 

Esse crescimento de seu papel não significa que o judiciário se venha se mostrando à altura da sobrecarga, muito pelo contrário. Mesmo em países com menos problemas estruturais do que o Brasil, juristas e filósofos como Ingeborg Maus vêm clamando sobre o perigo de uma “moral do judiciário” e advertindo sobre a inviolabilidade de este poder exerce o papel de “superego da sociedade órfã”. [...] O crescimento mais recente de mediação, arbitragem e outros procedimentos extrajudiciais de controle de conflitos também aponta para as disfunções que atormentam os que precisam da atuação do judiciário. [...] Assim, a ineficácia judicial conduz a uma crise de legitimação do judiciário, decorrente tanto de fatores internos – como o anacronismo de sua estrutura organizacional e o despreparo de seus agentes – como de fatores externos – como a insegurança da sociedade em relação a impunidade, corrupção, discriminação e aplicação seletiva das normas jurídicas (ADEODATO, 2009, p. 165).

10  Meios extrajudiciais para resolução de litígios

É de fundamental importância para resolver os problemas acima mencionados a adoção de mecanismos que se mostrem capazes de desobstruir o judiciário e tragam soluções satisfatórias. As medidas extrajudiciais apresentam-se como formas bem-sucedidas que ocasionam um baixo custo, uma maneira rápida e eficaz de resolver as questões tratadas, sendo que as partes podem optar por um acordo que melhor lhes convém, proporcionando o apaziguamento dos dissídios. Listamos alternativas como a mediação e conciliação que vem sendo recorrentemente utilizadas. Boaventura preleciona:

 

(...) o mediador não possui o poder de ditar decisões que vinculem as partes. Todas as decisões na mediação são estabelecidas através de acordos entre as partes. O mediador intervém de maneira a influenciar na tomada das decisões, sempre com o intuito de colaborar para que as partes possam construir uma decisão satisfatória para ambas. (SANTOS, 2004, p.28).

 

A mediação tem como figura principal o mediador, que possui a função de guiar e orientar de modo equânime os requerentes, com o intuito de obter um acordo consensual e a reconstrução de um relacionamento. Tem como ferramenta preponderante o diálogo utilizado com a pretensão de oferecer um esclarecimento e um entendimento para que ambas as partes possam entrar em consentimento. Conforme José Morais:

 

Em contrapartida aos processos judiciais que, lentos, mostram-se custosos, os litígios levados à discussão através do Instituto da Mediação tendem a ser resolvidos em tempo muito inferior ao que levariam se fossem debatidos em Corte tradicional, o que acaba por acarretar uma diminuição do custo indireto, eis que, quanto mais de alongar a pendência, maiores serão os gastos com a sua resolução. (MORAIS, 1999, p. 147).

 

Vale ressaltar que a mediação só é possível quando há uma relação continuada, como questões familiares onde os indivíduos precisam acordar um termo visando à harmonia na relação futura. É indispensável que a vontade de entrar em consonância seja um anseio de ambos. Segundo Lilia Sales:

 

A mediação apresenta-se, pois, com o objetivo de oferecer aos cidadãos participação ativa na resolução de conflitos, resultando no crescimento do sentimento de responsabilidade civil, cidadania e de controle sobre os problemas vivenciados. Dessa maneira, apresenta forte impacto direto na melhoria das condições de vida da população – na perspectiva do acesso à justiça, na conscientização de direitos, enfim, no exercício da cidadania. (SALES, 2004, p.26).

 

A ideia de conciliação estava implícita na constituição imperial de 1924, tendo com o passar dos anos se expandido notoriamente. Nela são expostas as melhores formas de acordos para que os envolvidos consigam amenizar as divergências de interesses, evitando assim desgastes desnecessários e grandes custos. Alisson Farinelli e Eduardo Cambi enunciam:

 

A eficácia da conciliação exige discussão aberta, direta e franca entre as partes. Pode acontecer antes ou depois da instauração do processo. É importante alternativa de aproximação e participação dos envolvidos na solução do conflito. Mas também proporciona efetivo acesso à justiça, já que sua eficácia depende do tratamento igualitário entre os contendores que decidem, em conjunto e da melhor forma, a situação conflituosa, buscando a maior harmonia e a mútua satisfação (FARINELLI; CAMBI, 2011, p. 288).

 

 

O conciliador transmite propostas e sugestões de modo aberto, dirigindo a sessão com o objetivo de viabilizar o melhor desfecho e provocar a unanimidade das vontades, findando com o conflito. Ressalva-se que pode ser empregada em todo contexto social.

12  Conclusão

Com a problemática acima exposta ficam evidentes os impedimentos que precisam ser solvidos, fazendo-se urgente a necessidade de disponibilizar e expandir os efetivos mecanismos que possam acarretar um sistema judicial aberto para todos de maneira equilibrada e imparcial. Possibilitando assim a solução de conflitos em menor tempo e com uma maior qualidade.

Os meios extrajudiciais revelam-se como uma das melhores alternativas capazes de diminuir consideravelmente o congestionamento do judiciário. Sendo, oferecida para as partes a oportunidade de entrar em um acordo satisfatório que ocorre de maneira consensual, assim, é possível deslindar uma discrepância de interesses que se fosse para o judiciário, que já se encontra abarrotado de processos, o desfecho esperado poderia demorar anos e acarretar custos exorbitantes.

 

 

Autores: Gracy Lima Gonçalves

Luana Quental Leondas da Cruz

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Sobre as autoras
Luana Quental Leondas da Cruz

Acadêmica do curso de direito da Faculdade Paraíso do Juazeiro do Norte- Ceará

Informações sobre o texto

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