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A descaracterização do contrato de leasing e suas conseqüências jurídicas

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O leasing é uma modalidade de financiamento criada no intuito de facilitar ao arrendatário o uso e gozo de um bem, por determinado tempo e mediante pagamento mensal de valores, correspondente a locação (denominada contraprestação), concedendo-lhe a oportunidade de, no termo final do contrato, optar:

  1. pela renovação da utilização do bem por outro período de tempo;
  2. pela devolução do bem ao arrendante, finalizando o contrato, ou
  3. pela aquisição do bem, pagando por ele um valor residual.

Do instituto do leasing inferimos que a opção triádica do arrendatário faz da liberdade característica fundamental do contrato.

Em análise mais detida pode-se concluir que, se exercida a opção de compra, o valor do bem arrendado fica representado pela soma das prestações pagas ao longo do contrato até seu termo final, mais o valor residual garantido, assim chamado por representar resíduo de complementação ao valor do bem. Vale dizer que, no momento do exercício da opção de compra os alugueres (contraprestações) pagos ao longo do contrato convertem-se em pagamentos parciais do bem arrendado.


Pois bem. Mas o que costuma acontecer atualmente nos contratos de leasing não atende à natureza jurídica do arrendamento conforme o exposto acima. Constata-se na maioria dos contratos firmados pelas instituições financeiras que o valor residual - aquele que deveria ser pago somente se exercida a opção de compra ao final - é colocado ao arrendatário para pagamento desde a primeira parcela mensal, a que os Bancos convencionaram chamar de antecipação do valor residual garantido, de forma que, junto com as prestações mensais o arrendatário também paga parcelas do valor residual.

Sendo assim, de duas uma: ou as instituições financeiras estão impondo de antemão ao arrendatário a compra do bem, descaracterizando o leasing, ou estão propondo a assinatura de uma espécie contratual que não condiz com a verdadeira vontade do contratante, o que configura simulação. Isso porque, se se pretende adquirir um bem e por ele pagar-se parcelado, não há que se firmar contrato de arrendamento.

Ora, então pergunta-se: por que se firmar contrato de leasing ao invés de outra espécie contratual que melhor represente a intenção das partes? A resposta é simples. Através do contrato de leasing desnaturado, a pretexto de taxas menores e prazo maior de pagamento, as instituições financeiras atraem os consumidores para a assinatura de um contrato que oferece a elas maior poder coativo na cobrança do crédito ali representado e também maior ganho.

Isso porque, uma vez inadimplido o contrato, o Banco poderá ingressar com ação de reintegração de posse do bem, privando o arrendatário da sua utilização, sem que esteja obrigado à devolução das quantias já pagas - eis que aí, lembre-se, as contraprestações são consideradas apenas como alugueres - e antecipar as parcelas vincendas, as quais, poderão até ser executadas judicialmente. Em outras palavras, a instituição financeira terá para si as parcelas já pagas, o bem arrendado e ainda um crédito no valor das parcelas vincendas. Para o Banco, o contrato de leasing é extremamente vantajoso - aliás, o que não é extremamente vantajoso para Banco? - e, como não poderia deixar de ser, inversa e equivalentemente desvantajoso para o consumidor, que sofre reiterados prejuízos.

Ainda que exista previsão normativa (a Resolução no. 2.309 de 28/08/96) que avaliza esse malfadado procedimento bancário, admitindo em seu artigo 7º., VII, `a´ , a cobrança antecipada do valor residual garantido, a descaracterização flagrante continua, porque o preceito, que ocupa baixa posição na escala da hierarquia das leis, não tem o condão de, por mera proposição sintática, alterar a natureza jurídica do que de fato ocorre, conforme entendimento da doutrina e da jurisprudência mais ilibada.


Diante da descaracterização do contrato de leasing, face à imposição do pagamento antecipado do valor residual, pois, o Banco não tem o direito de agir como se o contrato fosse característico e, portanto, não poderá privar o arrendatário do uso do bem através de ação de reintegração de posse como vem tentando fazer, porque uma vez antecipado o valor residual parte do bem já está pago, o que descaracteriza, frise-se, o arrendamento mercantil, não lhe sendo legítimo reintegrar-se na posse como se proprietário exclusivo fosse, sem ao menos devolver as importâncias já pagas ao arrendatário. Falta-lhe requisito essencial para a ação. Isso sem considerar os preceitos do Código de Defesa do Consumidor, que dá matéria para um outro artigo.

A descaracterização do contrato de leasing é fato que, felizmente, vem sendo reconhecido pelos tribunais gaúcho e paranaense com bastante freqüência, como por exemplo: A cobrança antecipada do VGR, configura a opção de compra, descaracterizando o contrato, que passa a ser de compra e venda a prazo. (Apelação Cível n. 197144611 da 4ª. Câmara Cível do TARGS); mas o que se espera é que o Judiciário, nos mais recônditos foros do país, tenha a lucidez de enxergar mais esse engodo contratual, em que a supremacia do poder econômico sufoca a lei, a equidade e a justiça.

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Sobre a autora
Maria Elizabeth Carvalho Pádua Filippetto

advogada em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FILIPPETTO, Maria Elizabeth Carvalho Pádua. A descaracterização do contrato de leasing e suas conseqüências jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/628. Acesso em: 26 abr. 2024.

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