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Legitimidade do cidadão para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) no direito brasileiro

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19/02/2005 às 00:00
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Conclusões

          1.O Brasil adota o mecanismo de controle judicial da constitucionalidade de leis e atos normativos. Incumbe, portanto, ao Poder Judiciário efetuar a fiscalização da conformação de tais preceitos aos comandos da Constituição.

          2.No ordenamento jurídico pátrio, encontram-se dois mecanismos de controle de constitucionalidade: o controle difuso e o controle concentrado.

          3.Por meio do controle difuso, há legitimidade ampla para que qualquer sujeito interessado possa, por meio do meio processual cabível, defender-se da aplicação de alguma prescrição tida por inconstitucional. Deferindo o pedido, o juiz (ou o tribunal) afasta a incidência normativa no caso concreto, fazendo com a mesma permaneça vigente no interior do mundo legislativo.

          4.Por meio do controle concentrado, empreende-se ataque frontal a alguma lei ou ato normativo tido por incongruente com alguma prescrição constitucional. Neste caso, deferindo o pedido, o tribunal retira do mundo legislativo, em definitivo, a norma atacada, decisão que tem efeitos, em regra, ex tunc, e que consubstancia coisa julgada material.

          5.O cidadão brasileiro não foi incluído como legitimado para perpetração de Ação Direta de Inconstitucionalidade, consoante expõe o art. 103 da CF/88.

          6.A legitimidade pode ser entendida como instituto integrante da categoria das chamadas condições da ação. Representa condicionamento, de observância necessária, ao exame do mérito de algum caso levantado, e a ilegitimidade ad causam, em qualquer caso, conduz à extinção do processo sem julgamento da pretensão por ele deduzida.

          7.A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estipulou distinção entre os legitimados universais e os legitimados especiais para a propositura de ADIN. O critério distintivo se baseia na necessidade de comprovação do interesse na atuação. A legitimação passiva reside nos órgãos e entidades que perpetraram o ato lesivo questionado.

          8.O processo de ADIN é objetivo, ou seja, compreende a defesa da Constituição, e não a dedução de algum interesse de cunho particular.

          9.O Procurador Geral da República possui ou papel de fiscalização procedimental, nos processos por ele não desencadeados, ou de deflagração da própria ADIN. Inexiste obrigatoriedade, no desempenho de sua função, na submissão de alguma representação pela inconstitucionalidade ao STF.

          10.O Advogado Geral da União, malgrado o art. 103, §3º, CF/88, possui direito de manifestação nos processos de controle de constitucionalidade, e não obrigatoriedade de defesa do texto.

          11.O objeto da ADIN é a análise da relação lógica de compatibilidade entre emendas constitucionais, atos formalmente legislativos, atos normativos dotados de relativa autonomia e tratados internacionais incorporados ao ordenamento jurídico nacional com o sentido preconizado nos dispositivos da Constituição Federal.

          12.Os efeitos da decisão que julga procedente a ADIN são, em regra, ex tunc, embora o STF possa, de acordo com as deliberações dos seus integrantes, e obedecido o quorum de 2/3, estabelecer regramento diverso. Há coisa julgada material da decisão tomada.

          13. Variadas técnicas de decisão podem ser empregadas pelo STF ao apreciar os impactos da decisão que julga procedente a retirada do dispositivo questionado da ordem jurídica.

          14.É desnecessária, em sede de controle de constitucionalidade concentrado, qualquer comunicação ao Senado Federal para que suspenda o dispositivo impugnado (art. 52, inciso X, CF/88).

          15.A doutrina sugere a inclusão do cidadão no rol do art. 103 da CF/88. Para alguns, a legitimação do cidadão deveria existir apenas para certas matérias, sendo incabível para outras.

          16.O cidadão possui o direito fundamental de defender a Constituição de seu país.

          17.A participação popular representa um dos pilares nos quais se apóia a democracia.

          18.Não é admissível que haja limitação prévia da atuação do cidadão na defesa da Constituição. Da mesma forma como não se interpreta a constituição em tiras, resulta inadmissível a sua participação em tiras.

          19.Conferir ao cidadão a prerrogativa de participar da deflagração do processo de inconstitucionalidade representa consagração do método interpretativo preconizado por Peter Häberle, na medida em que atribui ao nacional no gozo dos direitos políticos uma atuação efetiva no interior da sociedade aberta de intérpretes do texto constitucional.

          20.O cidadão deveria ter a possibilidade de controlar a legalidade constitucional.

          21.Alguns dispositivos da Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inciso LXXIII) e da Lei de Ação Popular (art. 13 da Lei n.º 4717/65) poderiam ser empregados como mecanismos para conferir efetividade ao tratamento processual da Ação Direta de Inconstitucionalidade deflagrada por iniciativa do cidadão. Ambas as ações constitucionais devem permanecer no ordenamento jurídico nacional, tendo em vista a diversidade de suas finalidades.

          22.Atribuir ao cidadão a possibilidade de deflagração do controle concentrado de constitucionalidade significa prestigiar uma cidadania ativa e bem intencionada. A ele deve ser, portanto, conferido um efetivo papel participativo neste processo.

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Notas

          1

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 29. Segundo o autor, "Aquela posição por mim designada vontade de Constituição (Wille zur Verfassung) afigura-se decisiva para a práxis constitucional. Ela é fundamental, considerada global ou singularmente."

          2

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 49.

          3

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 587.

          4

BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis. 2 ed. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 35.

          5

MORAES, Alexandre de.Ob. cit, p. 606.

          6

CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. Conferir Capítulo 04 – A fiscalização abstrata da constitucionalidade: outras dimensões.

          7

Embora se possa asseverar que tem havido predominância paulatina da fiscalização abstrata (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Ob. cit. p. 111).

          8

BRITO, Edvaldo. Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade na Lei Tributária. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. v. 3. 2003, p. 217.

          9

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 306.

          10

Embora parte da doutrina conceba mais correta a expressão possibilidade jurídica da demanda, por contemplar, de forma ampla, todos os elementos da demanda (partes, causa de pedir e pedido), e não apenas um deles (cf. DINAMARCO, Cândido Rangel.Ob. cit., p. 302).

          11

Para um exame detido da sistemática legislativa que envolve o processamento da ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade), cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: uma análise das leis 9869/99 e 9882/99. Revista Diálogo Jurídico. Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n.º 11, fevereiro, 2002. Disponível na Internet:http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 20 de junho de 2003.

          12

CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. Cf. Capítulo 03: A fiscalização abstrata da constitucionalidade: A ação direta de inconstitucionalidade.

          13

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 250.

          14

MENDES, Gilmar Ferreira.Ob. cit.p. 250.

          15

MENDES, Gilmar Ferreira.Ob. cit p. 245.

          16

MENDES, Gilmar Ferreira.Ob. cit p. 261.

          17

CLÈVE, Clèmerson Merlin. Ob. cit. p. 137.

          18

BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. Ob. cit. p. 54-55.

          19

MORAES, Alexandre de.Ob. cit. p. 626.

          20

SILVA, José Afonso da. Ob. cit. p. 55.

          21

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 2 ed. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000, p. 168.

          22

PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro: Forense, 1999 (cf. Anexo I, que trata de sugestões de mudança no Capítulo III do Título IV da CF/88).

          23

SILVA, José Afonso da. Ob. cit. p. 48.

          24

ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. Controle de constitucionalidade das leis municipais. São Paulo: Atlas, 2001, p. 59.

          25

SILVA, José Afonso da. Ob. cit. p. 131.

          26

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 181. Segundo o autor, "(...) assim como jamais se aplica uma norma jurídica, mas sim o Direito, não se interpretam normas constitucionais isoladamente, mas sim a Constituição, no seu todo (...) Não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços."

          27

HABERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997, p. 37

          28

BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 2 volume: arts. 5 a 17. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 394. Para o autor, ao tratar das características da ação popular no ordenamento brasileiro: "Dá-se, na verdade, a consagração de um direito político, de matiz nitidamente democrático, com a ajuda do qual o cidadão ascende à condição de controlador da legalidade administrativa. (grifo nosso)"

          29

Cf. exposição acerca da jurisprudência do STF sobre o assunto (p. 9).

          30

BARROSO, Luís Roberto. O Direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 210-211. Cf. decisões jurisprudenciais mencionadas.

          31

BARROSO, Luís Roberto. Ob. cit. p. 215. No texto, o autor se refere ao emprego da ação popular, mas também resulta útil o emprego da expressão no tocante ao âmbito da ADIN.

          32

Segundo Niklas Luhmann, dissertando acerca da teoria dos papéis, desenvolvida por George Herbert Mead: "Esta é, provavelmente, a teoria secreta do processo jurídico: que, através do envolvimento no desempenho dum papel, se pode captar a personalidade, reestruturá-la e motivá-la para a tomada de decisões" (LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 75). O cidadão brasileiro deve ser, portanto, investido em um papel participativo no controle de constitucionalidade em tese.

Bibliografia

          BARROSO, Luís Roberto. O Direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

          BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 2 volume: arts. 5 a 17. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

          ______. Hermenêutica e interpretação constitucional. 2 ed. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000.

          BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis. 2 ed. Brasília: Ministério da Justiça, 1997.

          BRITO, Edvaldo. Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade na Lei Tributária. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. v. 3. 2003.

          CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

          DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

          GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.

          HABERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997.

          HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991.

          LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980.

          MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990.

          ______. Controle de constitucionalidade: uma análise das leis 9869/99 e 9882/99. Revista Diálogo Jurídico. Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n.º 11, fevereiro, 2002.

          MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

          PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

          ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. Controle de constitucionalidade das leis municipais. São Paulo: Atlas, 2001.

          SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.


Notas de atualização (do Editor)

          O presente trabalho não se encontra atualizado conforme a Emenda Constitucional nº 45/2004, a qual efetuou alterações no rol de legitimados à propositura da ações diretas de inconstitucionalidade e de constitucionalidade (art. 103) e nos seus efeitos (art. 102, § 2º) – sem adotar, porém, a proposta formulada ao final do presente artigo, nem alterar substancialmente o seu conteúdo.

          Nota 1: A legitimidade para propositura de ação declaratória de constitucionalidade passou a acompanhar o mesmo rol da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, caput). Por este motivo, o § 4º do art. 103 foi revogado, devendo a referência no texto ao § 4º ser considerada como sendo ao caput.

          Nota 2: Relevante destacar a nova redação dos incisos IV e V do art. 103, incluindo expressamente no rol de legitimados autoridades do Distrito Federal:

          "Art. 103. ................

          IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

          V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;"

          Nota 3: O §2º do art. 102 (incluído pela Emenda Constitucional nº 3/1993), que tratava apenas da ação declaratória de constitucionalidade, teve sua redação alterada para também se referir expressamente à ação direta de inconstitucionalidade, embora já fosse esse o entendimento jurisprudencial e doutrinário:

          "Art. 102. ................

          § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal."

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Sobre o autor
Gabriel Dias Marques da Cruz

Bacharelando em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Gabriel Dias Marques. Legitimidade do cidadão para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 591, 19 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6296. Acesso em: 23 dez. 2024.

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