Da Portaria nº 6947/15 e o conflito de normas

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21/12/2017 às 08:41
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4. Da manifestação nos atos procedimentais

Consta da Lei nº 13.800/01, que:

Art. 44 – Encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de dez dias, salvo se outro prazo for legalmente fixado.

Art. 45 – Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.

Desta forma como exposto, a Lei contempla a participação dos Interessados, sendo extensivo a todos os sujeitos procedimentais, dada a possibilidade de prejuízo a qualquer destes por envolver dever, ônus, sanção ou restrição a direitos.

No caso do PAD para apuração de transgressão disciplinar, entendemos que tanto o Sindicado, quanto o Denunciante (direito de representação), na condição de interessado, tem direito a essa manifestação nos autos, dada a ampla defesa e contraditório da Parte que ingressa no direito de representação.

Prazo esse arbitrado em 10 dias, o qual confronta com a Portaria, que em seu art. 43, concede 05 dias uteis para a apresentação de defesa, que neste conflito, permanece o prazo estabelecido na Lei de 10 dias:

Art. 43. A Defesa terá o prazo de 05 (cinco) dias úteis para apresentação das razões de defesa.


5. Quanto a motivação no procedimento meritório

O art. 54 da Portaria, determina:

Art. 54. A sindicância de natureza meritória deverá ser solucionada pela autoridade delegante, conforme prescreve o artigo 48 da presente norma, sem, contudo, emitir juízo de valor, e encaminhá-la à Comissão de Promoção de Oficiais (CPO), Comissão de Promoção de Praças (CPP) ou para a Comissão Permanente de Medalhas (CPM), para a devida apreciação.

O citado artigo é completamente ilegal e tendencioso. Ilegal por acumpliciar a ausência ao dever da Administração Pública motivar seus atos com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, que deve ser explícita, clara e congruente, bem como os motivos que firmaram o convencimento pessoal da autoridade julgadora, conforme a adotada Teoria dos Motivos Determinantes, conforme ensina Hely Lopes Meirelles:

"A motivação, portanto, deve apontar a causa e os elementos determinantes da prática do ato administrativo, bem como o dispositivo legal em que se funda. Esses motivos afetam de tal maneira a eficácia do ato que sobre eles se edificou a denominada teoria dos motivos determinantes, delineada pelas decisões do Conselho de Estado da França e sistematizada por Jèze (v. cap. IV, item V).

Em conclusão, com a Constituição de 1988 consagrando o princípio da moralidade e ampliando o do acesso ao Judiciário, a regra geral é a obrigatoriedade da motivação, para que a atuação ética do administrador fique demonstrada pela exposição dos motivos do ato e para garantir o próprio acesso ao Judiciário." (in "Direito Administrativo Brasileiro", 27ª edição, Malheiros Editores, São Paulo-2002, págs. 97/98).

Ainda decisão do Processo nº 0417079.25.2012.8.09.0051:

Tem-se, então, que a discricionariedade administrativa encontra-se limitada pela lei. Acerca da limitação do poder discricionário, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO explica que "um dos fatores exigidos para a legalidade do exercício desse poder consiste na adequação da conduta escolhida pelo agente à finalidade que a lei expressa. Se a conduta eleita destoa da finalidade da norma, é ela ilegítima e deve merecer o devido controle judicial. Outro fator é o da verificação dos motivos inspiradores da conduta. Se o agente não permite o exame dos fundamentos de fato ou de direito que mobilizaram sua decisão em certas situações em que seja necessária a sua averiguação, haverá, no mínimo, a fundada suspeita de má utilização do poder discricionário e de desvio de finalidade. Tais fatores constituem meios de evitar o indevido uso da discricionariedade administrativa e ainda possibilitam a revisão da conduta no âmbito da própria Administração ou na via judicial." (in "Manual de Direito Administrativo", 23ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, ano 2010, p. 55, g.). (TJGO, 1ª Vara da Fazenda Pública, Processo: 0417079.25.2012.8.09.0051, Juíza de Direito Zilmene Gomide da Silva Manzolli).

Quanto a ser tendencioso, demonstra a oportunidade ou objetivo de prejudicar o sujeito passivo; em que há segundas intenções; que tende a ser parcial e preconceituoso, vez que a sindicância de natureza meritória visa conceder Medalhas (Decreto nº 9.012/17) ou promover por ato de Bravura (Lei nº 15.704/06), com requisitos objetivos previstos em Lei o que retira qualquer discricionariedade do Administrador. Situação que tratar da carreira do militar, deve demonstrar os motivos que firmaram o convencimento pessoal da autoridade julgadora, demonstrando a flagrante ilegalidade na expressão sem emitir juízo de valor,  onde caberia somente a Comissão de Promoção de Oficiais (CPO), Comissão de Promoção de Praças (CPP) ou para a Comissão Permanente de Medalhas (CPM), realizar esse juízo de valor (motivação), o que fatalmente impediria ou dificultaria em muito a revisão via recurso ou judicial desse ato, o qual passaria a ser discricionário, por conveniente aqueles que não prestam satisfação de seus atos, certamente criaria situações de benefício ou detrimento, que já ocorrem, mesmo com a fundamentação, conforme a Lei nº 13.800/01:

Art. 48 – A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.

Assim, o Oficial Sindicante elabora seu Parecer, que deverá ser devidamente fundamentado, se houve a pratica de transgressão disciplinar ou ação meritória, conforme o caso, competindo a Autoridade Delegante proferir a solução do feito, também devidamente motivada, respectivamente:

Art. 46. O sindicante deverá elaborar parecer, o qual conterá o relatório das diligências realizadas durante a instrução, e o dispositivo em que indicará, de forma fundamentada, se o sindicado incorreu em transgressão disciplinar e/ou crime militar ou comum.

...

Art. 48. A autoridade delegante proferirá sua decisão de forma clara e concisa, a qual conterá:

I - o relatório, que descreverá toda a instrução, os argumentos da defesa e o parecer do sindicante;

II - os fundamentos, em que a autoridade delegante analisará as questões de fato e de direito; e

III - o dispositivo, em que a autoridade delegante preferirá sua conclusão, indicando as medidas disciplinares e administrativas.

Assim, a Autoridade Delegante da sindicância meritória e o encarregado desta deveriam, tão somente, apurar o fato supostamente meritório e elaborar um relatório, sendo-lhes defeso emitir opinião sobre o mérito da promoção, atribuindo ao monopólio da comissão de promoção, após análise do relator do caso. Decisões essas na maioria dos casos questionável, sem qualquer motivação valida, conforme Processo nº 0417079.25.2012.8.09.0051:

Entretanto, apesar do resultado favorável da Sindicância, sem indicar os motivos de fato ou de direito, a Comissão de Promoção de Praças negou o direito dos requerentes às promoções pleiteadas.

...

Ressalte-se, entretanto, que o limite da discricionariedade não é a legalidade estrita, alcança a competência do agente, a validade de sua manifestação, a finalidade legal, a forma e os motivos.

Os motivos devem vir expressos em lei ou ser indicados pelo administrador. Quando há indicação dos motivos que levaram à sua prática, o somente terá validade se forem verdadeiros os motivos indicados, tanto que a autoridade administrativa fica vinculada aos motivos que indicar. (TJGO, 1ª Vara da Fazenda Pública, Processo: 0417079.25.2012.8.09.0051, Juíza de Direito Zilmene Gomide da Silva Manzolli)

Como demonstrado a Administração Pública Militar através de seus Gestores promovem decisões sem qualquer arrimo legal e ausente de motivação, se a norma inferior contemplar essa discricionariedade, pode se ter uma noção desse efeito nos atos administrativos, que serão o reflexo explicito da vontade desses Administradores, tanto em beneficiar quanto em prejudicar os servidores, determinados servidores.

Desta forma o art. 54 da Portaria nº 6947/15, é ilegal, vez que determina que a sindicância de natureza meritória deverá ser solucionada pela autoridade delegante, conforme prescreve o artigo 48 da presente norma, sem, contudo, emitir juízo de valor, o que viola o princípio da motivação pela Teoria dos Motivos Determinantes, inclusive conflita com o citado art. 48, que determina decisão de forma clara e concisa, com fundamentos de fato e de direito, como seria esse juízo de valor, que se confunde com a motivação, onde esta norma demonstra claramente, ilegal, onde tal fato constitui meio de permitir o uso discricionário de forma excessiva, impedindo a revisão da conduta administrativa, onde as Comissões possam fazer como bem entender (já o fazem), em flagrante favorecimento ou detrimento sob o pretexto de agir discricionariamente, onde a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéfica ou detrimentosa.

Importante ainda destacar o princípio da impessoalidade e isonomia conforme ensina o Professor Celso Antônio Bandeira de Melo:

“Nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado explicitamente no art. 37, “caput”, da Constituição.   Além disso, assim como “todos   são iguais perante a lei” (art.  5º   caput), ‘a fortiori’ teriam de sê-lo perante a Administração. (...) (Curso   de   Direito   Administrativo, Malheiros Editores, 17 ª Edição).” TJGO, Apelação Cível em Mandado de Segurança nº 114894-7/189-200703301890, Relator Desembargador João de Almeida Branco.

Essa proteção é necessária devido a edição de atos administrativos divorciados dos requisitos de validade tanto Constitucionais como Legais, onde o Administrador Público deve agir conforme as normas vigentes e não como bem entende, impondo a sua vontade divorciada dos princípios gerais de direito, princípios constitucionais e da norma expressa, quando deveria agir conjugado dessas diretrizes e não como “dono” da coisa pública, devendo se adequar a sua condição de mero Gestor de interesse da coletividade, recorrendo ao ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello:

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 “[...] dos atos administrativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo menos anterior a ela, há de ser tida como uma regra geral, pois os agentes administrativos não são “donos” da coisa pública, mas simples gestores de interesses de toda a coletividade, esta, sim, senhora de tais interesse, visto que, nos termos da Constituição, “todo o poder emana do povo(...)”. Logo, parece óbvio que, praticado o ato em um Estado onde tal preceito é assumido e que, ademais, qualifica-se como “Estado Democrático de Direito”, proclamando ainda ter como um de seus fundamentos a “cidadania”, os cidadãos e em particular o interessado no ato têm o direito de saber por que foi praticado, isto é, que fundamentos o justificam.” (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 382.).

O Princípio da Motivação, surge com a necessidade da obrigação da Administração Pública indicar os fundamentos fáticos e de direito de suas decisões, de modo a permitir o controle de seus atos administrativos, que na sua ausência será fatalmente nulo, sendo consectário lógico da garantia do devido processo legal e ampla defesa, de modo que é dever da administração apresentar os motivos do seu convencimento ao apreciar a pretensão das partes, que deve surgir de forma explicita, clara e congruente, que quando ausente será fatalmente nula, conforme decisão deste Sodalício:

Agravo Regimental em Apelação Cível. Ação ordinária de anulação de ato administrativo. (...). II - Não concessão de promoção por ato de bravura aos Policiais Militares requerentes/apelantes. Ausência de motivação no ato administrativo impugnado. Nulidade.  Princípio da motivação. Previsão constitucional. Deve ser desconstituído o ato administrativo que não vislumbra ato de bravura desempenhado pelos recorrentes, face a ausência de motivação, por afrontar o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. O princípio da motivação das decisões é consectário lógico da garantia do devido processo legal e ampla defesa. (...). (TJGO, Apelação Cível 46156-47.2012.8.09.0051, Rel. Des. Carlos Alberto Franca, 2ª Câmara Cível, julgado em 17/03/2015, DJe 1755 de 26/03/2015).

Por exposto, ausência de motivação, afrontar o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, diferente do Comandante Geral da PMGO em seu Despacho nº 2228/2017SEI-GAB, onde afirma que o dever de motivar os atos administrativos nunca foram expressamente assegurados em nenhuma constituição brasileira:

O dever de motivar os atos administrativos nunca foi expressamente assegurado em nenhuma constituição brasileira, porém, entende a doutrina majoritária que todos os atos administrativos devem ser motivados e que essa obrigação está implícita na Constituição Federal de 1988.

Motivação pode ser entendida como a explanação, a fundamentação, a explicitação dos motivos que conduziram o agente público para a elaboração do ato administrativo.

Destaque-se que a Lei nº 13.800/01, em seu art. 2º, elenca os princípios do ato administrativo, entre os quais está o da MOTIVAÇÃO.

O § 1º do art. 38 da legislação supracitada assim prevê:

...

Calha destacar também que o art. 50 assim nos diz: (Despacho nº 2228/2017SEI-GAB, DOPM nº 208/2017)

Determina a Lei nº 13.800/01, art. 50, § 1º, que a motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo basear-se em pareceres anteriores, informações ou decisões, que, neste caso, serão parte integrante do ato, o que não elide a explicitação dos motivos que firmaram o convencimento pessoal da autoridade julgadora, bem como, indicar os fatos e os fundamentos jurídicos, estabelece a Portaria norma em contrário.

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Sobre o autor
Rogério Pires Goulart

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Uni-Anhanguera em Goiânia Goiás. Consultor Jurídico em Direito Administrativo Militar

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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