Paradoxo histórico-epistemológico na autonomia das instituições como formação das políticas públicas

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21/12/2017 às 12:49
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As instituições, tanto públicas como privadas, estão a sofrer uma crise de identidade sem precedentes na história. Isto se deve exatamente em razão de um modelo concebido em momentos históricos não mais condizentes com a realidade social.

 

RESUMO: As instituições, tanto públicas como privadas, estão a sofrer uma crise de identidade sem precedentes na história. Isto se deve exatamente em razão de um modelo concebido em momentos históricos não mais condizentes com a realidade social. E é em razão da busca do estudo de teorias e práticas conflitantes com paradigmas estruturais da relação sociedade-história que se busca identificar elementos congregados que estabilizem a formação de políticas públicas racionais ao desenvolvimento social e ao fortalecimento destas instituições. A verificação e identificação de variáveis intimamente ligadas à autonomia institucional e à razão social da instituição deverá delimitar a formação das novas políticas públicas a serem buscadas pelo Estado. É através desta crítica sistematizada que se desenvolve o presente ensaio e, através de uma análise jurídica, educacional e epistemológica busca-se a multidisciplinariedade da formação dos conceitos.

 

Palavras-chave: autonomia das instituições, política pública, história.


1. INTRODUÇÃO

Novos modelos de grupos, organizações e sociedades têm demonstrado que o mundo está passando por uma fase de movimentos sociais instáveis e progressivos.

Antes da análise desta nova realidade, faz-se necessário advertir que dois momentos políticos distintos sempre foram observados na convivência entre a sociedade e o poder.

Num primeiro momento político, observam-se revoluções e novos movimentos, que fazem a classe política aproximar-se do cidadão, passando este a lançar suas esperanças na futura atuação dos governantes. Esta é uma fase amistosa, em que o cidadão confia no seu governante.

E, num segundo momento, mais grave e com caminhos incisivos e transversos, ocorre uma descrença da população no poder, onde os destinos políticos e do cidadão caminham em sentido contrário. Esta é uma fase contrária à primeira, eis que, naquela, a relação cidadão-governante é amistosa, enquanto nesta a relação entre ambos beira à anarquia ou à revolução.

É nesta segunda fase que os diálogos praticamente somem, tornando-se imprescindível compor as diferenças sob pena de uma falência social. Esta tentativa de composição leva nos dias atuais o nome de ‘agenda de governo’.

Pois bem. O contexto mundial está, na atualidade, situado neste segundo momento, onde se encontra presente um terrível mal-estar entre a sociedade e o poder político, em que focos sociais menores criam-se como espécies de organizações embrionárias num paradoxo da situação atual, algumas vezes até inconscientemente.

Estas sociedades minoritárias ou paralelas ao poder estatal geram inúmeras consequências, dentre elas a ‘desconstitucionalização’ e a ‘hiper-legislação’, também conhecida como ‘fúria legislativa’.

A fúria legislativa, como se verá adiante, traz a desestabilização do direito e, por consequência, a insegurança jurídica, que deve ser adaptada ao sistema atual de planejamento, não somente ao sistema estatal, mas principalmente ao regramento internacional, tendo em vista a origem e as consequências deste novo fenômeno.

Estas alterações, a priori danosas, que envolvem o segundo momento mundial, segundo Marco Aurélio Nogueira (A Sociedade contra a política, 2008), devem-se a três tendências atuais: a Globalização, a ausência de Estados e a presença de novas sociedades, tendências estas que se subdividem em fatores, os quais são vistos a seguir.


2. GLOBALIZAÇÃO

A expansão das atividades civis e empresariais ocorre, a cada dia, de forma monstruosa. Grandes parques industriais levantam-se principalmente nos países de terceiro mundo, a ponto de já haver um destaque mundial desta expansão principalmente em quatro países: Brasil, Rússia, Índia e China, sendo este quarteto conhecido como BRIC, baseando-se tal nome nas letras iniciais destes quatro países de terceiro mundo.

O investimento fabril em países subdesenvolvidos deve-se a várias causas, dentre as quais cabe citar a mão-de-obra e a matéria-prima baratas, as isenções e abatimentos tributários, a ausência ou insuficiência de efetivas regras de meio-ambiente e a ausência de punição eficaz em caso de transgressões, além da facilidade de comercialização e exportação dos produtos e serviços produzidos nestes países emergentes.

A alegação de que tal inchaço fabril geraria um desenvolvimento tecnológico destes países é imediatamente afastada pelas experiências vividas, eis que se observa na prática exatamente o inverso, ou seja, grandes populações instalam-se próximas aos eixos industriais, sem qualquer infraestrutura. Tais pessoas convivem com baixíssima renda, insuficiente para uma sobrevivência digna, não possuindo tempo e nem condições psicológicas para uma educação eficaz. Além disso, as péssimas condições ambientais, verdadeiramente subumanas destes grandes centros populacionais, causam doenças irreversíveis, com uma expectativa de vida inferior à desejada.

Além das atividades civis e empresariais, outra causa presente neste fenômeno denominado globalização é a saturação dos mercados.

A demanda contemporânea de emprego é pequena, ficando restrita por causa da tecnologia, a qual atua em dois polos prejudiciais: por um lado a evolução dos equipamentos de produção retira diuturnamente operários do mercado de trabalho, com robôs e equipamentos sofisticados substituindo a velha mão-de-obra antes quase artesanal e, de outro lado a qualificação técnica exigida nos meios de produção não atinge as classes intelectualmente inferiores que são, justamente, os menos favorecidos pela sociedade.

Uma terceira causa integrante da globalização, ao lado das atividades civis e empresariais e da saturação dos mercados, é o barateamento dos meios de transporte, com transferência de informações gratuitamente, através da internet, e grandes cargas sendo transportadas por vias alternativas ou mais baratas, rompendo-se comercialmente as barreiras continentais.

Estas causas levaram o mundo a uma recente e já profunda transformação, sendo fato que todas as pessoas vivem hoje numa sociedade mundial, onde sua vestimenta, sua comida, transporte, comunicação e até sua diversão, são efetuados por produtos e serviços produzidos em diversas partes do mundo.

Intitulou-se chamar ‘aldeia global’ a este fenômeno que surgiu no decorrer do século XX e que está aumentando de forma assustadora e descontrolada.

Estas causas transformaram o mundo, e geraram fatores característicos, sendo os principais fatores da globalização: velocidade, mudança ininterrupta, inovação tecnológica, sociedade da informação e nova dimensão de tempo e espaço.

2.1. Velocidade

Uma crescente necessidade do ser humano em adquirir produtos e serviços do modo mais célere possível, não se importando, no mais das vezes, com as consequências funestas de tais atos, caracteriza a velocidade das relações humanas atuais.

Como menciona o sociólogo político Marco Aurélio Nogueira (A Sociedade contra a política, 2008), “vivemos no mundo do fast”, onde as pessoas e os entes não admitem esperar.

Exemplos são os ‘fast food’ (ou comidas rápidas, preparadas por grandes redes de alimentação), as compras e entregas de produtos adquiridos pela rede de computadores internet sem sair de casa e em qualquer dia, dentre inúmeros outros.

Esta nova tendência do fast chegou a ponto de atingir o que se pode denominar de ‘fast process’, ou seja, a cobrança aos Estados de uma atuação rápida e eficaz no trato dos casos administrativos e judiciais postos sob sua tutela.

O Brasil, tendo que se adaptar a esta necessidade de crescente ‘onda’ de velocidade, editou a Emenda Constitucional nº 45, de 30/12/2004, na qual incluiu no artigo 5º, inciso LXXVIII de sua Constituição Federal o direito “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (2008).

Porém, esta velocidade deve ser vista com reservas, de modo a não comprometer o objeto maior, que é o bem-estar social.

É fácil verificar as complicações havidas nos produtos adquiridos pelo fast food, os quais conduzem a uma vida nada sadia, além de fazer com que as pessoas percam suas características regionais em nome de produtos universais, que dispensem todo o ritual típico de preparação com as peculiaridades locais, impossibilitando também a correta comunicação daquela comunidade, que antes se reunia em local comum para se alimentar e consequentemente rememoravam suas tradições, e que agora cedem seus momentos de alimentação e descontração por pratos e produtos previamente preparados.

Da mesma forma, a facilidade e as vantagens na aquisição de produtos adquiridos pela rede mundial de computadores da internet trouxe consequências funestas às pessoas que antes atuavam na venda física de tais bens de consumo, além de instituir o famigerado consumo de massa, no qual produtos diferenciados e artesanalmente confeccionados são, no mais das vezes, desprezados em nome da tecnologia de massa.

Em relação aos meios jurídicos, a atuação governamental já começa a sinalizar para um modo de vida padronizado, em prejuízo às peculiaridades dos problemas jurídicos apresentados.

Inúmeras inovações estão surgindo, a começar pelo ‘processo eletrônico’, realidade em alguns tribunais mundiais, estando na dianteira o Brasil, o qual está utilizando tais técnicas através de recentes criações encabeçadas pelo novo órgão do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Se, a priori, estas técnicas demonstram agilidade no procedimento judicial, atuando em tais processos virtuais com documentos digitalizados, a celeridade imposta pode causar certa ‘preguiça jurídica’ aos operadores do direito de sair de suas salas para debater o assunto nas audiências públicas, o que pode gerar uma ‘justiça virtual’, mas não real.

E até as salas de audiência também tendem a se transformar em salas virtuais, já sendo experiência na justiça federal brasileira os ‘debates orais virtuais’, através de videoconferências, permitindo aos advogados a apresentação de suas razões através de um sistema remoto de filmadora, com um aparelho receptor de TV no tribunal destinatário. Tais videoconferências podem ser agendadas na internet[1], facilitando a vida do profissional do direito. A consequência, porém, é a falta de pessoalidade em referidos atos, o que lhes retira a característica da realidade sobre o fato, podendo, por vezes, interferir no raciocínio e entendimento dos julgadores e, portanto, na justiça das decisões.

 

2.2. Mudança ininterrupta

 

A mudança ininterrupta é outro fator que se impõe no mundo moderno, tendo como consequência a subversão do que já está instituído e sedimentado.

Ondas de transformação retiram do ser humano a tranquilidade, retirando-lhe também a capacidade de adaptação.

Esta mudança ininterrupta é abordada na obra de Marshall Berman, “Tudo que é sólido desmancha no ar”, obra na qual o autor demonstra o paradoxo de experiências de vida do mundo contemporâneo nos seguintes termos:

Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegrias, crescimento, auto transformação e transformação das coisas em redor - mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num permanente turbilhão de desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, "tudo o que era sólido desmancha no ar. (1986, p. 15)

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Esta convicção de mudança ininterrupta, imposta pelo capitalismo e pela democracia moderna, leva a um descrédito e, naturalmente, a uma perda, das tradições e costumes predefinidos pelos povos. Ou seja, esta mudança toma aspectos irreversíveis e desastrosos às antigas relações humanas e às formas de comunidades antes constituídas.

2.3. Inovação tecnológica

Os ciclos da tecnologia estão cada vez mais curtos.

Se é certo que na revolução industrial a tecnologia já assombrou as pessoas devido ao seu dinamismo e às novas técnicas, na globalização as inovações estão atingindo patamares nunca dantes imaginados.

A tecnologia está tão avançada que se torna impossível acompanhar todas as evoluções, a ponto de Marshall Berman encarar com otimismo estas inovações, as quais, no seu ponto de vista, são uma verdadeira ‘autodestruição inovadora’, com destruição e recriação econômica, cultural e política:

Para que as pessoas sobrevivam na sociedade moderna, qualquer que seja sua classe, suas personalidades necessitam assumir a fluidez e a forma aberta dessa sociedade. Homens e mulheres modernos precisam aprender a aspirar à mudança: não apenas estar aptos à mudança em sua vida pessoal e social, mas ir efetivamente em busca das mudanças, procurá-las de maneira ativa, levando-as adiante. Precisam aprender [...] a se deliciar na mobilidade, a se empenhar na renovação, a olhar sempre na direção de futuros desenvolvimentos em suas condições de vida e em suas relações com outros seres humanos. (Tudo que é sólido desmancha no ar, 1986, p. 94)

O desafio reside exatamente na enorme dificuldade em conseguir visualizar, na tecnologia galopante, os futuros desenvolvimentos, eis que as relações com os demais seres humanos é necessidade de sobrevivência, de estabilidade. Em outras palavras, é necessário conviver com confluência jurídica sem abrir mão também das inovações tecnológicas.

2.4. Sociedade da informação

O excesso de informação é imposição da globalização, exigindo que a sociedade contemporânea informe-se, sob pena de desatualização, algo fatal ao homem atual.

A dificuldade surge na impossibilidade de assimilar toda esta informação, tendo, como grande dificuldade, descobrir o que é relevante e o que é supérfluo.

Os meios de comunicação aumentam, devidos à crescente tecnologia, não se podendo sair de casa sem estar devidamente informado; aliás, até no trânsito das pessoas a informação faz-se presente, com comunicados on line através de aparelhos celulares de alta tecnologia, canais de TV’s com transmissão digital, dentre tantas outras inovações que invadem a vida social.

O acesso à informação atingiu inclusive os meios jurídicos, a ponto de se possuir, nos dias atuais, uma quantia superior de profissionais atuantes do direito, como demonstram dados apresentados em pesquisa realizada pelo site jurídico Migalhas.com (Migalhas - Tour jurídico, 2007), as quais, para rápida visualização, foram alçadas a um plano gráfico no presente trabalho da seguinte forma:

Média de habitantes por advogado:

- Paraguai – 508 habitantes por advogado

- Brasil – 323 habitantes por advogado

- Argentina – 311  habitantes por advogado

- Uruguai – 239 habitantes por advogado

 

A informação jurídica, portanto, também acresce o conhecimento populacional, a ponto de ampliar os estudiosos e pensadores da área do direito, que agora não são apenas uma pequena elite, mas sim uma grande camada social na luta pelos seus direitos.

Assim, não há como se negar o surgimento desta nova sociedade de informação, que a cada dia quer e precisa saber mais, exigindo deste modo uma igualdade real, mais ampla do que aquela igualdade formal, outrora existente e que contentava as pessoas exatamente pela ignorância, ou seja, a sociedade atual não se permite esconder os acontecimentos e nem ser manipulada, armando-se com o conhecimento para este fim.

2.5. Nova dimensão de tempo e espaço

O novo ‘mundo virtual’, encabeçado pela mídia e pela internet, ampliou a relação de tempo e de espaço.

A consequência é uma ruptura à situação tradicional, já definida, deste tempo e deste espaço, onde se tornam inaceitáveis espaços bucólicos e uma vida pacata nos novos ambientes sociais.

Perry Anderson critica esta procura pelo novo, afirmando que o velho não deve ser desprezado, numa crítica velada à globalização e às mudanças dela decorrentes:

Uma genuína cultura socialista seria aquela que não procuraria insaciavelmente pelo novo, definido simplesmente como aquilo que vem depois, para logo a seguir ser atirado entre os detritos do velho, mas, isto sim, uma cultura que multiplicaria o diferente, numa variedade de estilos e práticas correntes muito maior do que tudo o que existiu antes: uma diversidade fundada numa pluralidade e complexidade muito maiores de modos de vida possíveis que qualquer comunidades de iguais, não mais dividida em classes, raças ou gênero, iria criar. Noutras palavras, sob esse aspecto, os eixos da vida estética correriam horizontalmente e não na vertical. O calendário deixaria de tiranizar ou organizar a consciência da arte. Nesse sentido, a vocação de uma revolução socialista não seria nem a de prolongar nem a de realizar a modernidade, mas sim a de aboli-Ia. (Modernidade e revolução, 1986, p. 15)

De fato, a globalização tiraniza e organiza esta consciência da arte, mecanizando as pessoas numa vida padronizada, mas não preparada para as diversidades e para as tradições.

Esta contradição, existente na globalização, traz ao homem comum atual um insegurança e um comportamento problemático, em que não interessam mais os seus conhecimentos, sua sabedoria e inteligência, se não estiverem concatenados com as novas tendências, mutáveis diariamente.

Marshall Berman critica esta modernidade em contraposição, ensinando que a globalização somente teria validade se respeitasse os valores humanos e trouxesse vantagens a eles:

Seria mais proveitoso se [...] indagássemos se a modernidade ainda pode gerar fontes e espaços de significação, liberdade, dignidade, beleza, prazer e solidariedade. Aí, então, deveríamos nos confrontar com a realidade caótica em que vivem homens, mulheres e crianças modernos. (Os sinais da rua: uma resposta a Perry Anderson, 1987, p. 137)

Correto o ensinamento do renomado doutrinador, eis que a modernidade somente terá vantagens se trouxer ao ser humano vantagens e uma vida melhor.

Ora, não há como se justificar tantas inovações sem um aumento significativo na vida das pessoas. Ou seja, é necessário e irreversível o processo de globalização, mas, para tanto deve estar assegurada a estabilidade das relações sociais e a evolução humana, tarefa das instituições políticas e jurídicas.

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Sobre o autor
Everson Manjinski

Professor do Departamento de Direito das Relações Sociais, Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Estadual de Ponta Grossa, PR.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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