Capa da publicação Nova Lei nº 13.546/17: direção sob influência do álcool e as qualificadoras preterdolosas
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Breves considerações sobre a nova Lei nº 13.546/17.

A questão das qualificadoras preterdolosas

29/12/2017 às 14:55
Leia nesta página:

A nova Lei 13.546/17 criou qualificadoras para os crimes de trânsito previstos nos artigos 302 e 303 da Lei 9503/97 (CTB), quando o condutor estiver sob a influência de álcool ou de substância psicoativa que alterem sua capacidade psicomotora, estabelecendo as penas de reclusão de 5 a 8 anos no caso de morte, e de reclusão de 2 a 5 no caso de lesão corporal grave ou gravíssima.

A nova Lei 13.546/17 criou qualificadoras para os crimes de trânsito previstos nos artigos 302 e 303 da Lei 9503/97 (CTB), quando o condutor estiver sob a influência de álcool ou de substância psicoativa que alterem sua capacidade psicomotora, estabelecendo as penas de reclusão de 5 a 8 anos no caso de morte, e de reclusão de 2 a 5 no caso de lesão corporal grave ou gravíssima.

Ou seja, crime qualificado pelo resultado.

Ocorre que essa talvez não tenha sido a melhor solução para o binômio dirigir embriagado e causar lesão ou morte no trânsito. Se não, vejamos.

Os tipos penais dos artigos 302 e 303 do CTB são crimes de dano e culposos.

Já a embriaguez ao volante, prevista como crime autônomo no artigo 306 do mesmo diploma legal, é crime doloso e de perigo abstrato.

Assim, ao colocar a embriaguez ao volante como qualificadora dos crimes dos artigos 302 e 303 já citados, o legislador acabou criando uma fórmula híbrida realmente interessante em nosso ordenamento jurídico.

Digo isso porque, nesse caso, as lesões ou mortes culposas derivam, na verdade, de conduta inicial dolosa e de perigo abstrato (embriaguez), tanto assim que se o condutor for encontrado dirigindo embriagado e sem ter lesionado ou matado alguém no trânsito deverá responder de forma autônoma pelo artigo 306 do referido CTB, em tese.

Outro aspecto que certamente será questionado é a novel qualificadora do artigo 303 do CTB.

Trata-se de outra fórmula híbrida assaz interessante do nosso legislador, haja vista a previsão de lesão grave ou gravíssima dolosa decorrente de conduta inicial culposa, e de forma simultânea.

Como é cediço, nas condutas culposas não há o que se perquirir da gravidade das lesões, como, aliás, ocorre com o artigo 129, § 6º, do CP, sendo que tal gravidade é imputada ao agente como eventual circunstância judicial, a teor do artigo 59 do CP.

Além disso, ao tratar da gravidade das lesões no artigo 303 do CTB acredito que o legislador tenha pensado naquelas previstas no artigo 129, §§ 1º e 2º do CP, uma vez que a nova Lei 13.546/17 nada menciona sobre a possibilidade desses tipos de lesões de forma culposa.

É claro que é possível a figura do crime qualificado pelo resultado nos casos de culpa no antecedente e dolo no resultado, mas, nesse caso, como, por exemplo, o crime de lesão corporal culposa seguida de omissão de socorro, trata-se de duas condutas distintas. Uma inicial culposa seguida de outra dolosa.

Não me parece possível existir, num mesmo contexto, condutas culposa e dolosa concomitantes.

Por tudo isso, entendo que andou bem melhor o legislador no crime previsto no artigo 308 do CTB, vulgarmente conhecido como “racha”.

Trata-se, como se sabe, também de crime de perigo, porém de perigo concreto, e se de tal conduta perigosa resultar lesão corporal grave ou gravíssima ou mesmo morte da vítima o condutor responderá pelas qualificadoras dos parágrafos 1º e 2º daquele artigo, com penas previstas, respectivamente, de reclusão de 3 a 6 anos e de 5 a 10 anos.

Trata-se também de crime qualificado pelo resultado, em que existe dolo na conduta antecedente de perigo e culpa no resultado subsequente. Figura preterdolosa, portanto.

Essa talvez fosse a melhor solução para a embriaguez seguida de lesão ou morte, em que teríamos crime doloso de perigo abstrato na conduta antecedente e culpa no resultado lesão corporal grave ou morte, o que resultaria também em crime preterdoloso.

Com isso as lesões corporais ou mortes culposas no trânsito poderiam ser tipificadas de forma mais coerente com o ordenamento jurídico penal brasileiro.

De fato, tais resultados mais graves decorrentes de embriaguez ou “racha” teriam uma reprimenda proporcional à conduta praticada, deixando-se os crimes dos artigos 302 e 303, em suas formas simples já existentes para aquelas outras condutas culposas não decorrentes daquelas provenientes de embriaguez ou de “racha”.

Na hipótese do condutor estar embriagado e também praticando “racha”, e de tais condutas perigosas resultar lesão corporal ou morte, infere-se que a melhor solução seria responder pelas qualificadoras preterdolosas do artigo 308 em concurso material com o artigo 306, caput, do CTB, haja vista que as qualificadoras do artigo 308 são mais severamente punidas do que as qualificadoras que ora se propõem para o artigo 306, e que foram inseridas nos artigos 302 e 303 da nova Lei 13.546/17.

Outra solução seria talvez responder apenas pelas qualificadoras do artigo 308 e a embriaguez seria imputada ao agente como circunstância judicial desfavorável na primeira fase da dosimetria da pena, a teor do artigo 59, caput, do CP.

Frise-se que já tramitou pelo Congresso Nacional Projeto de Lei do Senado nº 48, de 2011, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, alterando o artigo 306 do CTB e criando figuras qualificadas quando da embriaguez resultasse lesão corporal ou morte, cujo projeto, todavia, acabou sendo arquivado.

De qualquer forma, digna de elogios o esforço do Congresso em criar reprimendas mais severas para as lesões ou mortes no trânsito decorrentes de embriaguez.

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Aguardemos, portanto, as interpretações doutrinárias e jurisprudenciais que serão ofertadas oportunamente.

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Sobre o autor
José Luiz Joveli

delegado de polícia em Americana (SP),Mestre em Direito e também Professor de Direito Penal pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOVELI, José Luiz. Breves considerações sobre a nova Lei nº 13.546/17. : A questão das qualificadoras preterdolosas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5294, 29 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63136. Acesso em: 21 nov. 2024.

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