Resumo: O presente artigo analisa a construção do conhecimento científico jurídico e sua correlação com as políticas públicas. Isto ocorre por se tratarem de campos de pesquisa complementares, pois o Administrador Público, ao concretizar as políticas públicas, submete-se ao campo do Direito. Isto qualifica o Direito como uma das formas de estudo e análise das políticas públicas. Ao final, apresenta-se a Jurisprudência como uma das possíveis fontes que o jurista possui para estudar as falhas da construção de políticas públicas e a busca de sua concretização no judiciário, pela população alvo.
Palavras-chave: Direito; Pesquisa Científica; Metodologia Jurídica; Políticas Públicas; Jurisprudência.
Sumário: Introdução; 1. Conhecimento e pesquisa científica; 2. Prefácio à tese científica; 3. Metodologia jurídica; 4. Metodologia nas políticas públicas; 5. Reflexão sobre a necessidade de uma metodologia jurídica de análise de políticas públicas; 5.1. Abordagem conciliatória entre direito e políticas públicas; 6. Premissas para uma metodologia de análise de políticas públicas; 7. Análise de políticas públicas na jurisprudência; Considerações finais.
INTRODUÇÃO
O conhecimento jurídico trata-se daquele que é construído com bases nas premissas fundadoras do estudo da ciência do Direito. Trata-se do fundamento não só da pesquisa do Direito, mas também de todas as áreas do conhecimento que envolvem a interdisciplinariedade cognitiva. O estudo de políticas públicas é aquele notoriamente interdisciplinar, pois nasceu na ciência política e na administração pública, mas torna-se inócuo caso desconsidere tanto o Direito (por vivermos em um Estado de Direito, diretamente vinculado ao princípio da legalidade) como a Economia.
A pesquisa jurídica muitas vezes é elaborada com limitações e atecnias – seja pelo desconhecimento, seja pelo desleixo do pesquisador – que devem ser superados para a construção do conhecimento científico jurídico. Uma das fontes de pesquisa jurídica de relevância com ampla gama de métodos de análise e vasto valor de construção de conhecimento é a pesquisa jurisprudencial.
O presente artigo visa estudar como a metodologia jurídica pode interagir com a análise de políticas públicas e melhorá-la. Para isso, apresentará um giro teórico sobre os conceitos de metodologia, metodologia jurídica e metodologia jurídica de políticas públicas, para verificar como analisar juridicamente políticas públicas.
Após, apresentará a pesquisa jurisprudencial como uma das aplicações práticas de análise jurídica, dividindo-a em pesquisa jurisprudencial quantitativa, qualitativa e estudos de casos jurisprudencial, objetivando traçar uma conexão entre eles a fim de proporcionar meios eficazes para a metodologia da pesquisa jurídica de análise de políticas públicas.
O objetivo deste artigo é de sugerir ao pesquisador uma forma metodologicamente alinhada com o Direito para analisar juridicamente políticas públicas, reforçando esta análise através do estudo, um de seus aparatos documentais de fundamento. Justifica-se esta análise, pois é construída com o intuito de auxiliar na elaboração e no aprimoramento da pesquisa jurídica, que, muitas vezes, carece de embasamento metodológico, fazendo ciência sem se preocupar com premissas importantes para a lógica e a coerência dos argumentos apresentados.
1. CONHECIMENTO E PESQUISA CIENTÍFICA
O objetivo da ciência é construir teorias para explicar por que fenômenos ocorrem de determinada forma. O conhecimento científico deve ser verificável empiricamente, livre de valoração, não normativo, transmissível, cumulativo, geral, explicativo e parcimonioso (JOHNSON, 2001, p. 27-35). Já a ciência pode ser entendida como a sistematização do conhecimento científico, do conjunto de proposições logicamente correlacionadas sobre certos fenômenos que se deseja estudar, possuindo objetivos, funções e objetos próprios (LAKATOS, 2001, p. 81).
São características do conhecimento científico: ser real (lida com ocorrências ou fatos); ser contingente (suas proposições ou hipóteses têm sua veracidade ou falsidade conhecida através da experiência e não apenas pela razão); ser sistemático (trata-se de um saber ordenado logicamente, formando um sistema de ideias e não conhecimentos dispersos e desconexos); ser verificável (hipóteses que não podem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência); ser falível (não é definitivo, absoluto nem final); ser aproximadamente exato (novas proposições e técnicas podem reformular o acervo da teoria existente) (LAKATOS, 2003, p. 80-81). .
Pesquisar trata-se de um conjunto de processos sistemáticos, críticos e empíricos aplicados no estudo de um fenômeno (SAMPIERI, 2013, p. 30). Em virtude das características do conhecimento científico a pesquisa científica possui uma lógica de funcionamento e etapas para sua concretização que auxilia o pesquisador. O ponto inicial de uma pesquisa científica é o desenvolvimento de uma ideia para investigar ou um problema para resolver, através da observação de dados empíricos e da reflexão do cientista.
Essa primeira análise gera a formulação do problema e das hipóteses, que serão objeto de testes e de verificações ao longo da pesquisa (JOHNSON, 2001, p. 40). Hipóteses podem ser definidas como enunciados gerais de relação entre variáveis, formulados como solução provisória para um determinado problema, apresentando caráter ou explicativo ou preditivo, compatível com o conhecimento científico e revelando consistência lógica, sendo passível de verificação empírica em suas consequências (LAKATOS, 2003, p. 126).
Formuladas as hipóteses inicia-se a pesquisa. Uma revisão bibliográfica prévia auxilia o pesquisador no intuito de ampliar ou melhorar o campo de pesquisa, evitando-se uma pesquisa inócua ou repetitiva. A coleta de dados também será necessária, para a análise do problema de pesquisa e das hipóteses. Após, inicia-se a verificação e validação das hipóteses através dos dados obtidos e analisados, e apresentam-se os resultados da pesquisa (JOHNSON, 2001, p. 40-41).
O problema de pesquisa pode ser considerado como o objeto de análise da pesquisa científica. Como a pesquisa científica serve para explicar fenômenos, o objeto de pesquisa será aquilo que se busca de alguma forma explicar. Do problema surgem as hipóteses de pesquisa, que podem ser consideradas suas possíveis soluções. São afirmações feitas para resolver o problema, representando a possibilidade de como uma variável independente afeta, influencia ou altera uma variável dependente.
São características de uma hipótese sua clareza, especificidade, generalizabilidade, plausibilidade, ser empiricamente testável, ser parcimoniosa e relacionada com as técnicas de pesquisa disponíveis e escolhidas pelo pesquisador que permitam seu teste (JOHNSON, 2001, p. 65-71).
2. PREFÁCIO À TESE CIENTÍFICA
ECO (2008, p. 5, 10) traz comparações entre teses de compilação e teses de pesquisa, sendo a escolha conforme a maturidade e capacidade de trabalho, considerando-se limitações temporais e financeiras. Por outro lado, temos a tese panorâmica e a monográfica. Nesse sentido, uma coisa é contextualizar um determinado autor, outra é tecer um painel bibliográfico amplo. Entre as duas tipologias, Umberto Eco prefere a tese monográfica, na medida em que reduzir o espectro de pesquisa confere segurança ao trabalho realizado.
O autor (ECO, 2008, p. 5) explica que escrever uma tese implica na persecução de etapas, a ver:
Com efeito, elaborar uma tese significa: (I) identificar um tema preciso; (2) recolher documentação sobre ele; (3) pôr em ordem estes documentos; (4) reexaminar em primeira mão o tema à luz da documentação recolhida; (5) dar forma orgânica a todas as reflexões precedentes; (6) empenhar-se para que o leitor compreenda o que se quis dizer e possa, se for o caso, recorrer à mesma documentação a fim de retomar o tema por conta própria. (…). Fazer uma tese significa, pois, aprender a pôr ordem nas próprias ideias e ordenar os dados: é uma experiência de trabalho metódico; quer dizer, construir um "objeto" que, como princípio, possa também servir aos outros.
A outro giro, o renomado escritor debruça-se sobre a diferença entre tese histórica e tese teórica, sendo esta a que estuda um problema abstrato. Também diferencia a tese científica da política, fazendo a concessão de que se podem encetar investigações político-sociais diante de regras de cientificidade. Assim, não se revela paradoxal a existência de teses políticas científicas, infensa ao caráter “livresco”.
Nesse compasso, Umberto Eco compreende que a tese de compilação se reveste de utilidade científica, caso inédito, na medida em que alinhava as opiniões em um todo orgânico e único. Todavia, é salutar a indicação dos elementos de informação utilizados, com o fito de viabilizar contestações sobre a validade científica (verificabilidade das fontes), bem como a continuidade pública da obra.
Sucede que todo pesquisador corre o risco de superficialidade, sem se impor um fetichismo científico. Inclusive, o autor constata que se pode realizar uma pesquisa em seis meses, seguindo-se os seguintes requisitos: (a) delimitação do tema; (b) possibilidade e atualidade do tema; (c) disponibilidade dos documentos.
Em assim sendo, temas marginais com poucos escritos a respeito tendem a facilitar a elaboração da tese. Lado outro, qualquer pesquisa deverá delinear o campo cronológico e geográfico ao que se circunscreve. Depois disso, sem descurar dos critérios de pesquisa, impende justificar os significados e conceitos utilizados.
3. METODOLOGIA JURÍDICA
A autoridade dos atos oficiais tais como a legislação e a jurisprudência são o ponto de partida de um trabalho jurídico, nada obstante, desvela-se em sugestibilidade a apropriação do discurso oficial como verdade inquestionável inoculada pela autoridade. Nesse rumo, a metodologia jurídica constitui arsenal de construção de um novo sentido pensado autonomamente pelo pesquisador.
Assim, esvaziar a naturalidade do discurso oficial, em uma postura crítica, potencializa a investigação independente de temas jurídicos, assim como a própria evolução do ordenamento jurídico e da jurisprudência. Outra ideia é a existência de intérpretes oficiais do aparato legal, uma vez que a conjuntura democrática propugna o diálogo aberto a todos os cidadãos dispostos a dele participar.
Por isso, crucial romper as amarras panfletárias das expectativas do poder e pensar pelos próprios padrões (LAMY, 2011, p. 22). Não que a pesquisa deva ser autorreferenciada exclusivamente, contudo, os parâmetros externos não podem impor a condução da pesquisa. Então, toda pesquisa jurídica que se baseia, a princípio, em elementos estatais ou oficiais traz ínsita uma heteronomia da pesquisa, motivo pelo qual cabe ao pesquisador esforçar-se para livrar-se dessas manipulações de discurso para vislumbrar o sistema sob uma ótica nova e contribuir para sua evolução.
No ponto, Marcelo LAMY (2011, p. 29-30) sustenta que:
Nos cursos de graduação e pós-graduação, seara cotidiana de muitos pesquisadores, de uma forma geral, imagina-se que o trabalho de pesquisa demonstre:
a. Amplitude e profundidade de conhecimentos na área da pesquisa (razão pela qual se exige a revisão da literatura de referência da mesma).
b. Domínio sobre o tema do trabalho (razão pela qual se exige a revisão exaustiva da literatura básica sobre o mesmo).
c. Capacidade crítica de análise das informações coletadas e das conclusões de suas fontes de pesquisa (fator que diferencia radicalmente uma compilação, um mero estudo exploratório de um trabalho de pesquisa).
d. Rigor metodológico (elemento que efetivamente demonstra a incorporação de um método de pensar e agir próprio da pesquisa).
e. Capacidade lógica de sistematização (refletida pela estrutura geral do trabalho final e interna de cada tópico do mesmo).
f. Perfeição na forma, na redação e na apresentação, nos termos das normas técnicas de r edação de trabalho científico e acadêmico definidas pela ABNT.
Em tal desiderato, aguça-se o espírito científico com disciplina e planejamento (sistematização), bem como pela reunião de informações concatenadas (empiria) e reflexão sobre o material acumulado (crítica). Nessa senda, estabelecer um marco teórico/referencial orientará a revisão de literatura. De início, tem-se um repertório básico de leitura e de fontes primárias, podendo-se expandir tal espectro pela utilização das referências neles contida. Após essa sondagem, a elaboração de um projeto de pesquisa guiará os rumos do trabalho acadêmico por etapas, abordando o componente “metodologia”.
A par disso, inarredável a escolha de um método de abordagem (LAMY, 2011, p. 38-44) que pode ser (a) dialético; (b) estruturalista; (c) empirista; (d) positivista; (e) sistêmico; (f) hermenêutico; (g) fenomenológico. Na esteira, o método dialético, de caráter processual, visualiza a dinamicidade da história. Por outro lado, a cosmovisão do método estruturalista reside na estabilidade dos fenômenos, focando nos aspectos repetitivos, objetivos e invariáveis.
Nesse seguimento, o método empirista retrata a superioridade da descrição indutiva e experimental própria das ciências naturais, refutando ideologias e especulações sem possiblidade de mensuração real. A outro turno, o método positivista preza pela neutralidade e rigor lógico. Já o método sistêmico enxerga a tessitura orgânica para explicar os componentes articulados. Outrossim, o método hermenêutico parte do contexto para fornecer explicações. Por último, o método fenomenológico rejeita inferências da base de dados, na medida em que não se coaduna com pressuposições.
Em 180º graus, há os métodos de procedimento (a) histórico; (b) estatístico; (c) comparativo; (d) observativo; (e) monográfico; (f) econométrico; (g) experimental. A evidência decorre do próprio nome dos procedimentos, entretanto, vale destacar que, na metodologia jurídica, predomina o uso de pesquisas bibliográficas, de sorte que convém explanar como e por quê se fez a seleção das obras de determinada forma.
Ancorado nessa ideia, o pesquisador jurídico passará pelas seguintes fases: (a) planejamento; (b) análise do material coletado; e, por fim, (c) redação e correção do texto a ser publicado. Claro que o processo de escrita poderá ser circular, levantando-se bibliografia complementar de novas fontes em seu curso, é viável a redação parcelada da análise textual quanto ao tema escolhido, guardada a coerência global.
Corre-se o risco, em toda metodologia jurídica, de amealhar um cabedal de ideias em mera justaposição, o que não se confunde com a tese de compilação enunciada por Umberto Eco, na medida em que o objetivo inicial é que separa uma da outra. Isso porque o ideal é esquadrinhar uma análise crítica sobre o material, distanciando-se da mera reprodução de dados legais ou jurídicos.
Na esteira, convém ressaltar a centralidade do exposto na metodologia jurídica, já se examinou acima que o método jurídico aumenta a ameaça da mera descrição, em amontado nada coeso, caso o pesquisador não se desvencilhe da autoridade do discurso oficial e não elocubre desígnios independentes. Por isso, a metodologia na ciência do Direito exige que se colha os materiais jurídico-legais como ponto de partida, não sendo o ponto de chegada esperado necessariamente.
Nessa matiz, não se pode confundir pesquisa metódica jurídica com reprodução de dogmática impensada, a título de argumento de autoridade. Tampouco o pesquisador pode ser mero acumulador de citações da literatura jurídica, ou seja, de nada adianta colecionar conhecimentos se não passá-los pelo crivo da crítica e reflexão, dando-lhes o atributo de cientificidade. Ventilado isso, não há ciência no mimetismo jurisprudencial e da “doutrina”.
Assim, no campo jurídico, a certeza se restringe ao dogma, porém não há última palavra na metodologia jurídica, sendo de rigor o teste até mesmo dos pilares jurídicos. Essa problemática revela-se preocupante aos pesquisadores da área jurídica, uma vez que tendem a partir de dogmas, tido como absolutas verdades, construindo toda uma pesquisa sob bases fracas e movediças, portanto.
Visto isso, de se observar que a tese jurídica deve ostentar coerência, consistência, originalidade, intersubjetividade, historicidade e objetivação. Interessante entender a diferença entre objetividade e objetivação, no ponto, ensina LAMY (2011, p. 64):
Não propriamente a objetividade, a completa independência de nossas ideologias ou pré-concepções de mundo, pois isto é impossível. Mas objetivação: o esforço continuado de desvelar nossas pressuposições, de controlar nossas ideologias, não as encobrindo, reduzindo-as ao máximo. Alguns cuidados ajudam na objetivação: adotar espírito crítico e especialmente autocrítico; incorporar uma dose de rigor no tratamento de qualquer tema, especialmente naquilo que temos por evidente (que muitas vezes é evidente apenas para a nossa concepção de mundo); procurar distanciar-se do que analisamos (muitas vezes nos envolvemos tanto em um tema que enxergamos apenas aquilo que gostaríamos que fosse, em detrimento daquilo que realmente é); abrir-se às opiniões diversas, ao teste alheio de nossas ideias (é preciso que estudemos mais os pensamentos/pensadores que não nos agradam, que parecem contrários a nossa pré-concepção, muito mais do que aqueles com que simpatizamos).
Assim, sem subserviência ao referencial teórico, o aporte de autores de escola há de se potencializar a discussão jurídica dos temas. Na metodologia jurídica, os portais eletrônicos que consolidam a jurisprudência de determinado Tribunal permitem o uso de dados estatísticos anuais com certa confiabilidade, o que facilita a pesquisa jurídica.
A despeito disso, é consabido que o Direito integra o ramo das ciências sociais, razão pela qual a abordagem metodológica provém mais propriamente de um marco interpretativo à luz da pesquisa qualitativa. Eis que, sem prejuízo do uso de dados quantitativos, prevalece a força argumentativa de certa tese do que a verdade probatória da mesma. Tanto que a credibilidade da pesquisa empenha a apresentação de dados anteriormente à análise deles pelo jurista-pesquisador.
Feito isso, mister a menção sintética dos resultados obtidos, ressaindo sua força da possibilidade de generalização e da clareza e da validade da análise realizada. Muito embora o trabalho de pesquisa jurídica seja arraigado em métodos científicos, imperioso reconhecer as limitações técnicas do desenvolvimento do trabalho, produzindo uma tese honesta.
De outro norte, é recomendado que a metodologia jurídica abarque o estudo interdisciplinar com o fito de desvelar fatores ideológicos, culturais e históricos ínsitos à ciência jurídica. Sendo assim, a provisoriedade do objeto de estudo padecerá de crítica suficientemente embasada. Importa esclarecer que isso não implica na perda da neutralidade, e sim no reconhecimento das particularidades do objeto de estudo: o Direito.
Sob a luz de tais diretrizes, equivocado conceber que o objeto de estudo da metodologia jurídica prende-se à Legislação. Nesse vértice, desde a superação do positivismo jurídico, abriram-se as portas para a pesquisa radicada também no Direito extraestatal e em elementos extrajurídicos. Tomando como parâmetro tal quadrante, a Lei e a Jurisprudência eram as sementes, ou melhor, os precursores da pesquisa jurídica nos idos do século passado, porém, o objeto da ciência resta imbricado com a interdisciplinariedade.
A essa altura, a coexistência da razão teórica com a razão prática, sem proeminência apriorística, colima para o equacionamento da pesquisa jurídica. Explica-se: o discurso de neutralidade do Direito mascara os elementos extrajurídicos em que imerso, retirando a cientificidade do texto em apreço e albergando em si uma ideologia própria. Muito por isso, erige-se uma nova metodologia jurídica que não cega os olhos diante dos canais de comunicação com elementos sociológicos, econômicos e antropológicos condizentes com o estudo do Direito.
Feito esses contornos, outro fator espinhoso que não pode ser negligenciado na metodologia jurídica é a admissão da praticidade do conhecimento jurídico, voltado a finalidades sociopolíticas. Precisamente por conta disso, vê-se que o estudo abstrato da ciência jurídica sem considerar os aspectos consequencialistas da tese perde utilidade científica, haja vista desfocar do significado funcional do fenômeno jurídico.
Destarte, já cunhada as etapas metodológicas da pesquisa jurídica linhas acima, consigna-se que o pesquisador deve se afastar da recepção passiva do conhecimento jurídico, refletindo sobre o mesmo. Contudo, esse processo reflexivo deverá levar em conta que o sujeito cognoscente não está dissociado completamente do objeto de conhecimento, máxime quando se comenta o ordenamento jurídico em que se está inserido.
Assim, a ciência jurídica transfigura-se relacional por natureza, só podendo ser compreendida desmascarando a realidade em que inserta, sob degeneração da qualidade da pesquisa jurídica. Vital que a metodologia jurídica fomente o pensamento em suspensão, ao revés do pensamento linear, na medida em que o fenômeno jurídico germina de multifacetados contextos, rejeitando conclusões definitivas (LAMY, 2011, p. 73).
Por isso que Lópes QUINTÁS (apud LAMY, 2011, p. 77) classifica a ciência jurídica como uma “experiência reversível”, o que Marcelo Lamy chama de realidade ambital. Isto é: o direito é condicionado e condicionante do mundo real subjacente, de sorte que emana de seu caráter bidirecional uma matriz metodológica peculiar.
Nesse sentido, nota-se que a ciência jurídica vivencia um extravasamento para as demais ciências sociais e econômicas, o que não refreia sua cientificidade, apenas alerta-se ao pesquisador a necessidade de identificar eventuais entraves impostos pelas demais áreas para uma pesquisa unidisciplinar. Vital, assim, abrir o diálogo com a sociologia, antropologia, filosofia, economia, entre outras ciências na busca dos valores incidentes no objeto de estudo.
Merece menção a crítica de Marcelo Lamy a respeito das palavras talismãs que protegem a tese da discussão pública, leia-se
Há certos termos que parecem albergar, de tempos em tempos, o segredo da autenticidade humana e por isso tornam-se inquestionáveis, talismãs. No século XVII isto aconteceu com a palavra “ordem”, no século XV I I I , com a “razão”, no século XI X, com a “revolução”, no século XX, até hoje, com a “liberdade”. Todos são a favor da liberdade, embora poucos saibam realmente o que significa. Apesar disso, colocar-se ao seu lado traz automaticamente prestígio, mesmo que seja ao lado dos vocábulos dela derivados (democracia, autonomia, independência – palavras “talismãs” por aderência). P or sua vez, questioná-la desprestigia automaticamente, mesmo que a oposição não seja verdadeira (pensemos no defensor da autocensura).
Assim, um grande coringa que tem sido alvo de discursos neutralizadores é a dignidade da pessoa humana. Portanto, deve-se evitar que o pesquisador lance mão de termos abstratos e sem sentido determinado para negar quaisquer discussões de sua tese, como se ir contra sua tese fosse ir contra a dignidade da pessoa humana em si mesma, por exemplo. Desta forma inviabiliza-se a verificabilidade da pesquisa científica, sendo importante a densificação de conceitos utilizados e sua incidência específica a fim de viabilizar um controle técnico mínimo.
Nessa linha de intelecção, cabe ao pesquisador, no uso da metodologia jurídica, despir-se das pré-compreensões a respeito de valores que toma por absolutos e corretos. Embebido com preconceitos nenhuma pesquisa válida surgirá. Em vista disso, a linguagem própria das petições judiciais que apaixonadamente defendem um ponto de vista (autor ou réu), o pesquisador deve desvencilhar-se do discurso sentimental e parcial na escrita.
De seu turno, o pesquisador que assim age enreda-se por um caminho perigoso, na medida em que a própria triagem de materiais iniciais poderá ser parcial, o que maculará toda a pesquisa, perdendo o caráter científico. Essa premissa não impede o apronfundamento e avanço no tema escolhido, entrementes, as contra hipóteses devem ser enfrentadas, revisitando as bases jurídicas solidificadas, caso necessário.
Outro problema específico a ser tratado pela metodologia jurídica é a formalidade do discurso. O pesquisador não pode partir do pressuposto de que sua dissertação será direcionada apenas à banca ou ao auditório-jurista. Assim, o “juridiquês” hermético deve ser desmitificado, preferindo-se uma linguagem simples e direta, sempre explicando os conceitos utilizados e contextualizando os autores escolhidos para que a obra se torne acessível ao público em geral [1].
Isso porque a pesquisa jurídica traz balizas diversas da mera persuasão do público-alvo, na medida em que objetiva trazer algo novo e solucionar lacunas ou falhas no conhecimento jurídico. A argumentação não deve servir propósitos de manipulação, porém precisa demonstrar suas bases teóricas e o procedimento do raciocínio para ser testada racionalmente.
Sobretudo, a lucidez do discurso científico não se coaduna com a retórica da práxis jurídica quotidiana, dado que exige um distanciamento do autor em relação às opiniões sustentadas, inclusive, questionando-as. A mais, reputa-se essencial separar as ideias próprias das ideias alheias, uma vez que é interessante que o pesquisador traga seu ponto de vista sobre o problema de pesquisa, de forma objetivada, logo no início da dissertação.
Em contraponto, como já retroexposto, o embate de ideias deverá atentar para desbaratar eventuais hierarquizações de valores e premissas implicitamente, que são vocacionadas para convencer sem cientificidade. Entrementes, por mais que assim se deva proceder, a vocalização da falácia do discurso oficial sacralizado não pode redundar em relativização ampla de toda a ciência jurídica, sob pena de tolher de pilastras de conhecimento científico.
Com efeito, um texto erudito pode não ser tão científico quanto se pode crer. A fortiori, seguidos os elos acima encadeados, emerge um arquétipo de metodologia jurídica básica para direcionar as dissertações nesse ramo. Em contrapartida, a feição científica deve dosar também o estudo das políticas públicas, observada sua especificidade, o que se propõe a seguir.