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Prerrogativa de função

19/01/2020 às 16:10
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O texto discute a interpretação dada ao art. 84 do CPP, à luz do que dispõe o art. 102, I, b, da CF, no que se refere ao alcance do chamado foro privilegiado.

A competência pela prerrogativa de função estabelecida pelo art. 84 do CPP, conhecida como foro privilegiado, vem merecendo críticas pela sociedade porque emperra a atuação do STF,  transformando-o em um tribunal criminal quando, na realidade, é um tribunal para dirimir questões de natureza constitucional, embora sem status de Corte Constitucional.

Sustenta-se que o foro privilegiado é uma proteção exigida pelo cargo público e não uma proteção à pessoa, pelo que é compatível com a Constituição.

Aparentemente a letra b, do inciso I, do art. 102, da CF quis conferir competência do STF por prerrogativa de função nas infrações comuns, ao Presidente da República, ao Vice-Presidente da República, aos membros do Congresso Nacional, e a seus próprios Ministros e ao Procurador-Geral da República.

É preciso que a Corte Suprema dê exata interpretação ao texto constitucional mencionado para espancar de vez a dúvida: crime comum praticado no exercício do cargo ou crime praticado durante o exercício do cargo, que são coisas diferentes. Sabemos que há julgados determinando a cessação do foro privilegiado quando a autoridade acusada deixa de exercer o cargo, seguindo-se a remessa do processo ao juízo de primeira instância. Investido de novo cargo público, os autos retornam ao STF, provocando a dança do processo até a extinção da punibilidade pelo advento da prescrição.

Isso evidentemente viola o princípio da isonomia e vai contra a natureza republicana do regime político adotado, além de contrariar o princípio da razoabilidade.

Pessoalmente entendo que a prerrogativa por função deve ser reservada apenas aos acusados de crimes comuns praticados durante e em função do exercício do cargo. Do contrário deixa de ser uma proteção ao cargo.  Se uma autoridade pública, fora do exercício do cargo, atropela uma pessoa, com dolo ou com culpa, não há que se invocar a prerrogativa de função. Agora, se um parlamentar, durante um debate apaixonado em torno de uma questão discutida no Congresso Nacional, dispara um tiro e mata seu adversário político, pode-se dizer que o crime foi cometido no exercício do mandato. Houve um exemplo no passado em que o Senador Arnon de Mello, ao pretender atingir o Senador Silvestre Péricles, seu inimigo que estava na tribuna do Senado Federal,  acabou acertando o Senador José Kairaba que estava próximo do Senador visado. O episódio ficou conhecido como uma hipótese de aberratio ictus, isto é, erro na execução do crime. Como na época não existia o chamado foro privilegiado, o Senador agressor foi julgado pelo Tribunal de Juri e rapidamente absolvido.

Assim,  cabe ao STF dar a correta interpretação ao art. 84 do CPP à luz do que dispõe o art. 102, I, b, da CF, explicitando o alcance e o conteúdo do chamado foro privilegiado. Para tanto, não há necessidade de uma PEC, como pretendido por alguns, pois o STF é o intérprete máximo da Constituição.

A interpretação restritiva, além de se ajustar ao regime republicano, em que todos são iguais, desafogará a Corte Suprema, que vem fazendo o papel de um juiz de primeira instância sem estar habituada a realizar instrução criminal. Essa interpretação restritiva seria aplicada para as autoridades dos três Poderes, pelo que descabe falar em casuísmo como aventado por algumas autoridades do Legislativo.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Prerrogativa de função. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6045, 19 jan. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63215. Acesso em: 23 nov. 2024.

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