SUMÁRIO. Introdução. 1. Do conceito de responsabilidade civil e suas modalidades. 2. A responsabilidade civil e o risco profissional. 3. Responsabilidade civil no direito do trabalho: acidentes de trabalho, os danos imateriais e o meio ambiente do trabalho. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Esse trabalho visa a descrever a evolução histórica da responsabilidade civil no direito do trabalho, destacando a superação do paradigma exclusivamente subjetivo do direito civil com o reconhecimento de searas em que a responsabilização se dá de modo objetivo, mormente quando envolvido o meio ambiente do trabalho.
1. DO CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL E SUAS MODALIDADES
José Dallegrave Neto explica que, ao se pensar em responsabilidade civil, a referência que se faz é à reparação de um dano. Sem que haja um dano não surge o dever de indenizar. O dever de reparar já estava presente no Direito Romano, com a máxima neminem laedere ou alterum nonm laedere, consubstanciada na ideia de que todos são livres para tomar decisões, mas que algumas delas são lesivas aos outros e, uma vez praticadas, as consequências devem ser reparadas.1
A responsabilidade civil diz respeito, portanto, à reparação ou à compensação de um prejuízo da vítima. O dever de reparar surge do descumprimento de outro dever, que pode ter origem contratual ou extracontratual. A responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana decorre de violação de dever previsto em lei ou na ordem jurídica. A responsabilidade civil contratual decorre de inexecução de obrigação estipulada entre as partes, ofensor e vítima.2
Ao analisar os casos em que surge o dever de reparar, faz-se necessário entender os elementos que, se reunidos, criam este dever. Para tanto, existem dois tipos de responsabilidade civil, com diferentes elementos constituintes. A responsabilidade civil subjetiva é aquela que, para afirmar o dever de reparar, exige a presença do dano, do nexo de causalidade e da culpa do ofensor. Ou seja, para que seja caracterizado o dever de reparar é necessário que o ofensor tenha agido com dolo ou culpa, entendida como uma conduta negligente, imprudente ou imperita.
De início, a responsabilidade civil subjetiva era a única modalidade existente, não se falava em dever de reparar sem que houvesse dolo ou culpa por parte do ofensor. Posteriormente, percebeu-se que algumas situações não deveriam ser submetidas a esse tipo de discussão. Surge a responsabilidade civil objetiva, compreendida como as situações em que se afasta a discussão de culpa, perquirindo-se apenas sobre o dano e nexo de causalidade.3
O Código Civil de 2002 introduz importantes mudanças quanto à responsabilidade civil, em especial, pela apresentação da ideia de abuso de direito, ampliando o conceito de culpa; pela disposição de situações em que se presume a culpa do agente, operando uma inversão do ônus da prova e por trazer a ideia de responsabilidade civil objetiva, para situações previstas em lei ou em que o ofensor cria o risco.4
Não houve, portanto, a superação da teoria da responsabilidade civil subjetiva pela objetiva, pois as duas são autônomas, aplicando-se a situações distintas.
O Código Civil de 2002, em seu artigo 927, adotou a teoria do risco criado, segundo o qual:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal, ocorrido em Brasília, em setembro de 2002, a teoria do risco criado foi esclarecida no Enunciado nº 38, que prescreve:
A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano causar à pessoa determinada um ônus maior do que os demais membros da coletividade.
Desta forma, aquele que põe em funcionamento uma atividade que cause um ônus desproporcional deve responder independente de ter agido com dolo ou culpa.5 O risco, portanto, é inerente à atividade.
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL E O RISCO PROFISSIONAL
Para o Direito do Trabalho, somada à teoria do risco criado está a teoria do risco profissional, que enxerga na previsão do artigo 2º da CLT a adoção da teoria objetiva da responsabilidade civil, afirmando que o empregado não pode sofrer qualquer dano em razão da execução do contrato. Os riscos têm que ser suportados pelo empregador.6
Como explica Adelson Santos, o trabalhador tem direito a não suportar os riscos, inerentes ou não à atividade e, uma vez que seja violado esse direito, surge o dever de reparação para aquele que o violou.7
3. RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DO TRABALHO: ACIDENTES DE TRABALHO, OS DANOS IMATERIAIS E O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
Com relação aos acidentes de trabalho, vigora a responsabilidade civil subjetiva, como estabelecido no art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal de 1988, que afirma como direito dos trabalhadores “XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
A responsabilidade civil, no entanto, não se resume a dano patrimonial, atingindo também a esfera imaterial, conforme estabelecido nos incisos V e X, do artigo 5º, da Constituição Federal, que prescrevem:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Ao conceituar o dano moral, há quem use o critério residual, afirmando ser dano moral tudo aquilo que não é patrimonial. Há, por outro lado, quem sustente que o dano moral é a dor ou o sofrimento da vítima. Uma terceira corrente o compreende como a violação ao direito de personalidade. Nessa última linha se filiam autores como Paulo Lôbo e José Dallegrave Neto.8 Maria Celina Bodin, na mesma esteira, conceitua o dano moral como a lesão à dignidade da pessoa humana.9
O dano moral, apesar de dizer respeito a uma violação de um direito de personalidade, não se dá apenas de forma individual. Existe o dano moral coletivo, em que se reconhece a tutela da coletivização dos interesses. Segundo Dallegrave, “o dano moral coletivo é aquele que decorre de ofensa do patrimônio imaterial de uma coletividade, ou seja, exsurge da ocorrência de uma fato grave capaz de lesar o direito de personalidade de um grupo, classe ou comunidade de pessoas e, por conseguinte, toda a sociedade em potencial”.10
Independente de se tratar de um dano moral ou material, no Direito do Trabalho grande parte da questão passará pela discussão da existência de dolo ou culpa por parte do empregador. A aplicação das teorias do risco criado e do risco profissional, ensejadoras da responsabilidade civil objetiva, ainda encontra resistência.
José Dallegrave Neto defende a necessidade de se ampliar a responsabilidade civil do empregador independente de culpa, tendo em vista os princípios que norteiam a Constituição de 1988, dentre eles a função social da empresa (art. 170, III, da CF) e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Desse modo, para o autor, deve ser subjetiva a responsabilidade civil em hipótese de inexecução do contrato de trabalho, caso em que se inverte o ônus da prova. Seriam casos de responsabilidade objetiva aqueles em que, em execução normal do contrato, sobrevier dano ao empregado, dada a assunção do risco da atividade.11
O autor explica que é inconcebível considerar que em todo e qualquer acidente de trabalho haverá incidência da responsabilidade civil subjetiva, e cita como exemplo um acidente em que há emissão de gases poluentes. Nesse caso, a responsabilidade da empresa seria objetiva com relação à comunidade extrafábrica e subjetiva intrafábrica (para os trabalhadores). O que cria uma situação de disparidade entre a comunidade externa e a interna à fábrica. Por isso, há que se diferenciar quando há incidência da responsabilidade civil objetiva ou subjetiva.12
Dallegrave propõe a seguinte distinção: para os casos em que haja um acidente causado por empresa que não exerce atividade de risco, cujos efeitos sejam apenas individuais, a responsabilidade será subjetiva. Por outro lado, caso se trate de acidente que decorra de atividade normal de risco ou de lesão ambiental, aplica-se a responsabilidade civil objetiva.13 Nesse último caso, o de lesão ambiental, é preciso que fique claro que o dano não precisa ser decorrente de atividade de risco para ser incluído como de responsabilidade objetiva, basta que haja dano ao meio ambiente.
Paulo Lemgruber explica que, para lesões ao meio ambiente de trabalho, ainda que o dano não tenha relação alguma com a atividade desenvolvida pela empresa ou mais especificamente pelo trabalhador, ainda assim haverá responsabilização de forma objetiva, por força do dispositivo constitucional do art. 225, §3º, e da previsão do art. 14, §1º, da Lei 6.938/8114.
Neste sentido, fixou-se o Enunciado nº 38 da I Jornada de Direito do Trabalho promovida pela Anamatra e pelo TST, que prescreve: “nas doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho, a responsabilidade do empregador é objetiva. Interpretação sistêmica dos arts. 7º, XXVIII, 200, VIII, 225, §3º, da Constituição e do art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/81”.
Reforça-se, assim, a ideia de que o meio ambiente é uno, o meio ambiente do trabalho é parte dele, não podendo ser aplicado a este disposições menos protetivas do que as aplicada àquele.
Desta forma, ao prever a responsabilidade objetiva em caso de dano ao meio ambiente, entendeu o constituinte que, pela importância que tem e pela relação intrínseca e direta que tem com a vida, o meio ambiente deve receber tratamento diferenciado. Não se questionando sobre a culpa ou o dolo em caso de dano. Constatados o dano e o nexo de causalidade com o agente poluidor, surge o dever de reparar.
A mesma lógica deve ser aplicada ao meio ambiente do trabalho, sabendo-se a repercussão e a importância que tem para a saúde, integridade física e psíquica do trabalhador, a responsabilidade civil pelos danos que a ele afetem, degradando-o, desequilibrando-o, tem que ser objetiva. Ainda que o empregador não tenha agido com dolo ou culpa é o responsável pelo dano causado, pois a ele cabe zelar pelo equilíbrio e qualidade do meio ambiente de trabalho.
4. CONCLUSÃO
Consoante a análise acima referida, percebe-se que seria raso um exame da responsabilização do empregador calcado exclusivamente na responsabilização subjetiva, sob pena de criar-se um regime menos protetivo do que o que norteia outras relações jurídicas de igual natureza, como nos danos resultantes de risco criado ou de poluição ambiental. Urge, assim, que tal análise seja realizada tendo em conta as teorias do risco, em especial, o risco profissional como pilar fundante da distribuição de obrigações no mundo do trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 4ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 98.
SALIM, Adib Pereira Netto. A Teoria do Risco Criado e a Responsabilidade Objetiva do Empregador em Acidentes de Trabalho. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.41, n.71, p.97-110, jan./jun.2005. Disponível em <Disponível em http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_71/Adib_Salim.pdf>. Último acesso em 14 de janeiro de 2013.
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 188.
EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O meio ambiente do trabalho. Conceito, responsabilidade civil e tutela. Jus Navigandi. Teresina, ano 17 (/revista/edições/2012), n.3377 (/revista/edições/2012/9) 2012 (/revista/edições/2012). Disponível em: HTTP://jus.com.br/revista/texto/22694. Acesso em: 1 out. 2012.
Notas
1 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 4ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 98.
2 Idem, ibidem, p. 101.
3 Idem, ibidem, p. 109
4 Idem, ibidem, p.114.
5 SALIM, Adib Pereira Netto. A Teoria do Risco Criado e a Responsabilidade Objetiva do Empregador em Acidentes de Trabalho. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.41, n.71, p.97-110, jan./jun.2005. Disponível em <Disponível em http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_71/Adib_Salim.pdf>. Último acesso em 14 de janeiro de 2013.
6 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 4ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 125.
7 SANTOS, Adelson Silva dos. Fundamentos do direito ambiental do trabalho. São Paulo: LTr, 2010.
8 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 4ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 168.
9 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 188.
10 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 4ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 182.
11 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 4ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 585/586.
12 Idem, ibidem, p. 394.
13 Idem, ibidem, p.394.
14 EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O meio ambiente do trabalho. Conceito, responsabilidade civil e tutela. Jus Navigandi. Teresina, ano 17 (/revista/edições/2012), n.3377 (/revista/edições/2012/9) 2012 (/revista/edições/2012). Disponível em: HTTP://jus.com.br/revista/texto/22694. Acesso em: 1 out. 2012.