3. A CONSTRUÇÃO NORMATIVA INTERNACIONAL DA PROTEÇÃO JURÍDICA AO MEIO AMBIENTE
A Assembleia Geral das Nações Unidas, diante das preocupações e dos problemas ambientais decorrentes do crescimento econômico, realizou a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo, Suécia, em 16 de junho de 1972. Participaram da conferência 113 países, 250 ONGs e diversos organismos da ONU, com o objetivo de “criar bases técnicas para a avaliação da questão ambiental no mundo e gerar a conscientização dos governos e da opinião pública”35.
A Conferência de Estocolmo, de 1972, foi a responsável pela determinação dos princípios comuns de orientação dos povos do mundo para a preservação e melhoria do meio ambiente. Pela primeira vez, expressou-se a indissociabilidade do ser humano em relação ao meio e a sua responsabilidade pelas transformações provocadas. Como resultados, foram elaborados a Declaração de Princípios de Estocolmo, Plano de Ação para o meio ambiente e o Programa da ONU sobre Meio Ambiente36.
Asseverou-se que o direito à vida, bem como o gozo de outros direitos fundamentais, só é possível e pleno quando garantido o direito a um meio ambiente, natural ou transformado pelo homem, saudável e equilibrado. Uma importante constatação da Conferência de Estocolmo foi a de que, em países desenvolvidos, a causa dos danos ambientais está diretamente ligada à industrialização e que, em países em desenvolvimento, a causa é o próprio subdesenvolvimento37. Ressaltando-se, assim, que o papel transformador do homem é importante, inclusive, para a proteção ambiental. O desenvolvimento é necessário, mas é preciso que ele aconteça de forma consciente38.
A Convenção de Estocolmo de 1972 foi a responsável por introduzir conceitos essenciais do meio ambiente, dentre eles a questão intergeracional, afirmando a necessidade de preservação ambiental para as gerações futuras. Muitos dos conceitos e dos princípios introduzidos por esta Convenção integraram até hoje o ordenamento de diversos países, em especial pela pressão internacional para que todos os países presentes fizessem refletir seus resultados em codificações nacionais39.
Essa integração, no entanto, não foi imediata. Ao contrário, mostrou-se lenta em alguns países. Desta forma, fez-se necessária a realização de outra conferência, com propósito de que fossem criadas regras e propostas concentras para o enfrentamento à questão ambiental.
Passados vinte anos da criação da Convenção de Estocolmo, realizou-se a Conferência das Nações Unidades sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro, em 1992. A Rio/92, como se tornou conhecida, contou com a participação de aproximadamente 178 países, mais de 100 chefes de Estado e mais de 20 mil pessoas, demonstrando o interesse da sociedade civil quanto ao tema40.
Os principais documentos produzidos pela Rio/92 foram: Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; Agenda 21 e Declaração de Princípios sobre as Floretas. Foram firmadas a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e a Convenção sobre a Diversidade Biológica, demonstrando ter sido esta uma Conferência com grande papel diplomático.
A Declaração de Princípios da Rio/92 contém 27 princípios, que influenciaram “a construção da normatividade ambiental global”41, cujo delineamento inicial deve-se à Conferência de Estocolmo. A função das Convenções de 1972 e 1992 é a de traçar orientações para a criação legislativa nacional. Os princípios da Declaração do Rio consagraram-se como princípios gerais do Direito Internacional do Meio Ambiente, dentre eles estão: 42
Princípio 1 - Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.
Princípio 25 - A paz, o desenvolvimento e a proteção ambiental são interdependentes e indivisíveis.
Apresentou-se o conceito de desenvolvimento sustentável, tema presente em todos os debates, e uma das principais metas da Rio/92, como expressam os seguintes princípios43:
Princípio 3 - O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras.
Princípio 4 - Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste.
Segundo Guilherme Feliciano, a noção de desenvolvimento sustentável determina que é preciso equilibrar as necessidades por desenvolvimento e por um meio ambiente saudável para as gerações presentes e futuras. Há imposição de um limite ético ao modo de produção capitalista: a qualidade de vida das gerações44.
São lançados ainda os Princípios da Precaução, da Prevenção, do Poluidor-Pagador, da Reparação Integral, da Participação e da Informação, todos considerados atualmente integrantes do ordenamento jurídico brasileiro, como se detalhará mais adiante.
A Agenda 21 representa um programa de política de desenvolvimento a ser observado pelos Estados, segundo o qual, busca-se a criação de um novo modelo de desenvolvimento, pautado na sustentabilidade e que alie, indissociavelmente, a esfera econômica à social45.
Importante papel da Agenda 21 foi a introdução da ideia de que para que se alcance um desenvolvimento sustentável é preciso observar as Convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT. A preocupação com o trabalhador torna-se requisito para a sustentabilidade46.
É preciso que se diga que não foram destacadas nesta pesquisa a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o Protocolo de Quioto ou a 15ª Conferência das Partes da ONU, em Copenhague, pois, apesar da imensa importância da questão climática e da emissão de gases do efeito estufa, o objetivo desta parte do trabalho é apresentar o desenvolvimento dos Princípios e conceitos basilares do Direito Ambiental.
Em setembro de 2002, em Johanesburgo, na África do Sul, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável foi realizada, com objetivo de reafirmar os compromissos assumidos na Rio/92. A Declaração de Johanesburgo constatou que o meio ambiente continua a ser afetado, com significativa perda para a biodiversidade, escassez acentuada de recursos, desertificação de diversas áreas do planeta, aumento do número e da intensidade de desastres naturais, persistência da poluição generalizada e aumento das desigualdades entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento47.
Percebeu-se, ainda, que o atual quadro de globalização torna ainda maiores os desafios para a realização do desenvolvimento sustentável. A Declaração de Johanesburgo reafirma o compromisso com a concretização do desenvolvimento sustentável, bem como com a criação de uma sociedade global humanitária48.
Nos dias 20, 21 e 22 de junho de 2012, realizou-se, no Rio de Janeiro, uma nova Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, considerada uma das maiores até então. Dela resultou um documento final com 53 páginas em que 188 países se comprometem com o desenvolvimento sustentável, como aquele que integra o prosperidade, bem-estar social e proteção ao meio ambiente. Definiu-se o que faz e o que não faz parte do desenvolvimento de uma economia verde, dentro do contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza49.
Procurou-se formar uma arquitetura de apoio às ações internacionais de desenvolvimento sustentável, concluindo-se pela necessidade de que a sustentabilidade seja tratada globalmente50.
A preocupação com o meio ambiente acentua-se a cada dia e a necessidade de que seja revertido o quadro de consumo dos recursos naturais e de degradação ambiental mantém-se premente. Desta forma, os instrumentos internacionais de proteção ao meio ambiente continuam a ser elaborados.
4. A CONSTRUÇÃO NORMATIVA CONSTITUCIONAL DA PROTEÇÃO JURÍDICA AO MEIO AMBIENTE
Anteriormente à Constituição Federal de 1988, não houve produção legislativa na seara ambiental coesa o suficiente para dar origem ao microssistema do Direito Ambiental, havia apenas legislações esparsas, que regulavam determinados setores, como florestas, águas, fauna e solo. Segundo Norma Sueli Padilha, não havia uma concepção holística de meio ambiente51.
Durante vários anos, predominou a desproteção total, não havendo normas que proibissem o desmatamento e a ameaça ao equilíbrio ecológico. Segundo José Afonso da Silva, tal realidade foi possível porque a concepção de propriedade privada representava verdadeira barreira à intervenção do Estado, ainda que com intuito de preservação ambiental52.
A exceção à essa realidade foi a Lei nº 6.938/81, que trata da formulação da Política Nacional do Meio Ambiente, bastante influenciada pela Conferência de Estocolmo, de 1972, que introduziu os conceitos de meio ambiente, poluição, poluidor. Trata-se da mais importante legislação infraconstitucional, e seu caráter holístico de tratamento da questão ambiental advém do mesmo movimento que influenciou a Constituição de 198853.
A Conferência de Estocolmo impulsionou o importante processo de constitucionalização da tutela jurídica ao meio ambiente, solidificando as bases normativas de um novo paradigma jurídico ambiental. Do “espírito de Estocolmo”, a Constituição Federal de 1988 incorporou o conceito de desenvolvimento sustentável, bem como os princípios da precaução, da prevenção, do poluidor-pagador, da função socioambiental da propriedade, da participação, da informação, entre outros54.
Consignou-se no Texto Constitucional uma concepção abrangente do meio ambiente, que não o resumiu aos elementos físicos e naturais, apartados dos direitos humanos fundamentais, mas o concebeu como “conjunto de todos os sistemas dentre os quais se integram todos os seres vivos, o homem e a natureza que o cerca, determinando a proteção constitucional ambiental ao meio ambiente natural e ao meio ambiente artificial (urbano, do trabalho e cultural).55”
Pela construção de um Direito Ambiental holístico, é que se faz imprescindível a compreensão do meio ambiente no contexto da Constituição Federal de 1988. Ao ser constitucionalizado, o direito ao meio ambiente equilibrado ganha novos contornos, em que intenta à conscientização coletiva de que os recursos naturais são finitos e dos graves riscos que acarreta a sua exploração irracional.56
José Affonso Leme Machado revela que a primeira Constituição a trazer a expressão “meio ambiente” é a Constituição da República de 1988, o que o faz em diversos títulos e capítulos57. Dentre eles, destaca-se o art. 225, do Título VIII, Capítulo VI, que afirma:
Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Importantes são as reflexões que se pode extrair deste excerto, tais como: a titularidade dos direitos humanos não se resume a uma pessoa ou a determinada classe, trata-se de um direito de todos. Conclui Paulo Affonso Leme Machado que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado apresenta uma dimensão individual e uma coletiva simultaneamente. Ao se afirmar que todos têm esse direito, o que se depreende é que cada pessoa o tem, ao mesmo tempo, em que a coletividade o tem também58.
Retirar-se ainda do trecho que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um bem de uso comum do povo, destacando que o Estado não é proprietário do meio ambiente, mas responsável por ele59.
Neste mesmo artigo, é possível perceber a preocupação com os impactos que o desequilíbrio pode causar, ao se afirmar que o meio ambiente equilibrado é essencial para a qualidade de vida. Ou seja, a degradação ambiental interfere diretamente na qualidade de vida, incluída a vida humana.
Como aponta José Affonso Leme Machado, o direito à vida sempre teve status de direito fundamental, mas somente com a Constituição Federal de 1988 é que se passa a resguardar a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88)60. Há, assim, a preocupação com a qualidade de vida, não bastando garantir à vida, mas que ela seja desfrutada de forma saudável.
Por fim, impõe-se o dever de cuidado tanto ao Poder Público quanto à coletividade. A Declaração da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente, de 1972, faz referência a uma “meta fundamental” da humanidade de proteger e melhorar o meio ambiente61. Há, portanto, mais que um direito constitucionalizado ao meio ambiente equilibrado62, mas um dever fundamental de resguardo desse direito para as gerações presentes e futuras.
Como já afirmado, o meio ambiente que deve ser resguardado de forma equilibrada não se restringe aos elementos físicos, mas alcança também a esfera social, humana, do meio ambiente. Julio Cesar de Sá da Rocha adverte que a Constituição de 1988, no art. 225, menciona todos os aspectos do meio ambiente, como o natural, o artificial, cultural e o do trabalho. Desta forma, todos eles estão protegidos pelo Texto Constitucional.63
O meio ambiente natural, compreendido como aquele formado pelo solo, água, ar atmosférico, fauna e flora, está abarcado pelos arts. 225, caput, §§ 1º, IV e VI; 3º; 23, VI, e 24, VII. De forma imediata, pelos arts. 225, §§ 1º, I e VII, 2º, 4º; 23, VII e 24, VI.64
O meio ambiente artificial é caracterizado como “espaço físico transformado pela ação continuada e persistente do homem com o objetivo de estabelecer relações sociais, viver em sociedade. É composto pelo meio ambiente urbano, periférico e rural”65.
Todos esses componentes do meio ambiente artificial remetem à ideia de ocupação e transformação do meio ambiente natural, de forma a ocupar o campo ou construir cidades, e expandi-las, formando as periferias.
Esse elemento do meio ambiente encontra-se constitucionalmente tutelado, de forma mediata, pelos arts. 225, caput, §§ 1º, IV e VI, e 3º; 23, VI e 24, VIII. De forma imediata, pelos arts. 182; 21, XX e 23, IX e X, do texto constitucional66.
O meio ambiente cultural é formado por bens, valores e tradições que são considerados especialmente relevantes para as comunidades, “porque atuam diretamente na sua identidade e formação”67. Sua tutela constitucional mediata pode ser encontrada nos arts. 225, caput, §§ 1º, IV e VI e 3º; 23,VI e 24, VIII, IX. De forma imediata, pelos arts. 215; 216; 23, III, IV, V e 24, VII, IX68.
O meio ambiente do trabalho é aquele que envolve o local, entendido em um aspecto dinâmico, em que se “desenvolvem as atividades do trabalho humano” 69. Sua tutela constitucional pode ser encontrada, dentre outros exemplos, no art. 200, VIII, que afirma:
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Dessa forma, conclui-se que existe um Direito Fundamental ao Meio Ambiente Equilibrado, e que este direito alcança todos os aspectos do Meio Ambiente, incluído o Meio Ambiente do Trabalho.