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Proteção ambiental via sistema tributário

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17/02/2005 às 00:00
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5. ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS E O MEIO AMBIENTE

Neste capítulo procurará se demonstrar as espécies tributárias e a forma como estas podem ser aplicadas na proteção ao meio ambiente, assim como algumas questões de implementação desses tributos.

5.1. Estrutura Tributária Nacional

O sistema tributário nacional, embasado pelo constante na Constituição Federal em seu Título VI, capítulo I, discorre a respeito dos tributos. Estes tem finalidades fiscais, parafiscais e extrafiscais. A primeira finalidade seria referente à arrecadação financeira feita pelo Estado, a segunda destina-se "ao custeio de atividades paralelas à administração pública direta, como a seguridade social" (32). Já a finalidade extrafiscal, conforme já discutido acima, tem o condão de corrigir certas atividades, além de promover o estímulo ou o desestímulo destas.

Como espécies tributárias, tem-se a tricotomia tradicional que classifica os tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria. Todavia ser essa a classificação básica das espécies tributárias, não ficam excluídas desta o empréstimo compulsório e as contribuições especiais.

"Não que isto dizer que a Carta Magna não considere tributos outras figuras financeiras como o empréstimo compulsório e a contribuição parafiscal, pois o regramento constitucional reservado a elas é nitidamente tributário. Simplesmente a Constituição não quis reconhecer-lhes autonomia, na medida em que não dispõem de fatos geradores próprios, mas sim correspondentes aos do imposto ou da taxa, estes sim, categorias ontologicamente distinguidas pelo Direito Tributário em função dos respectivos fatos geradores, critério cientificamente hábil a diferenciar as espécies tributárias, como aliás, em boa hora, já fora reconhecido pelo Código Tributário Nacional (art. 4.º) ao dispor que: ‘A natureza jurídica especÍfica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação , sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II – a destinação legal do produto da sua arrecadação.’" (33)

Características básicas observadas, passa-se agora a discorrer as espécies tributárias na proteção ao meio ambiente.

5.1.1. Imposto

O Código Tributário Nacional em seu artigo 16 define a figura do imposto como: "Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte". Ou seja, para a sua exigência o Estado não necessita efetuar qualquer contraprestação ao contribuinte.

Os impostos classificam-se em impostos direitos e indiretos. Os impostos indiretos ou reais são aqueles que são decretados sob a consideração única de matéria tributável não levando em conta a condição subjetiva do contribuinte, de forma que aquele que paga tem o direito ou ressarcimento de seu ônus, transferindo-o a terceiro, o qual acaba sofrendo o peso fiscal. Como exemplo tem-se o ICMS. Já os impostos direitos ou pessoais, são aqueles cujo ônus econômico é diretamente sentido pelo contribuinte, uma vez que este tipo de imposto considera, em sua base de cálculo e fato gerador, as condições individuais do contribuinte. Como exemplo tem-se o imposto de renda (OLIVEIRA, 1999).

Constata-se que os impostos indiretos podem ser utilizados na tributação ambiental sob a forma de incentivos fiscais (sejam estes isenções, restituições etc.) sobre a produção e o consumo de certos produtos ambientalmente corretos.

Nos Estados Unidos percebe-se essa aplicação sobre vasilhames, quando da devolução dos recipientes. Já na França há um imposto que incide sobre edifícios urbanos (sobre o custo do empreendimento), de forma que a receita destina-se à criação de espaços verdes.

Atentando-se a história dos tributos no Brasil, percebe-se a existência de alguns incentivos tributários ambientais:

O Decreto federal n.º 755, de 19 de fevereiro de 1993, estabeleceu diferentes alíquotas do imposto sobre produtos industrializados – IPI, para veículos movidos à gasolina (25% ou 30% conforme especificações) e para veículos movidos a álcool (20% ou 25%). Essa ação tinha, em princípio, a finalidade extrafiscal de reduzir a dependência brasileira de petróleo, estimulando a produção de álcool e acabou contribuindo como um mecanismo de diminuição da poluição do ar das cidades.

A Lei 9393 de 19 de dezembro de 1996 - referente ao imposto sobre propriedade rural - ITR, essencialmente extrafiscal nos termos da Constituição Federal, desestimulando a manutenção de propriedades improdutivas - graduou progressivamente esse imposto em função inversa do grau de utilização das glebas rurais. (34) Regina Helena Costa confirma essa utilização: "os impostos incidentes sobre a propriedade imobiliária, por sua vez, propiciam excelente contexto para a tributação ambiental." (35)

A Lei n.º 5.106 de 02 de outubro de 1966, autorizou o abatimento dos montantes gastos em florestamentos e reflorestamentos, sendo que as pessoas jurídicas foram autorizadas a descontar até 50% do total do imposto, as importâncias aplicadas nessas atividades (OLIVEIRA, 1999).

Conforme já relatado em capítulo anterior e observando o disposto no artigo 167, IV, da Constituição Federal (36), percebe-se que a tributação extrafiscal é a via adequada na proteção ambiental, uma vez que se tem o caráter de estímulo a condutas em prol do interesse social. Desta forma, afasta-se a idéia de que a tributação possa ter caráter sancionatório, até porque conforme prevê o art. 3.º do CTN, o tributo não pode constituir sanção de ato ilícito.

Obedecendo ao interesse social, a propriedade, sobre a qual incide o princípio da função social, é um excelente contexto para a tributação ambiental. Exemplo disto seria o IPVA, o qual pode sofrer graduações em sua alíquota de acordo com o grau de poluição que o automóvel produz. O IPTU, da mesma forma, pode ter sua alíquota graduada de acordo com o ideal aproveitamento do solo, da área destinada ao verde etc. Afinal, o exercício da social propriedade atende ao interesse coletivo, sendo direito constitucionalmente assegurado no artigo 225, caput: "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado". Existindo qualquer ação contra esse preceito constitucional de natureza coletiva, depara-se com uma violação a sua função social.

Estados com Paraná, minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, adotam o chamado "ICMS ecológico", o qual se apresenta como uma nova forma de distribuição dos recursos arrecadados pelo ICMS, visando a melhora da qualidade de vida.

Destaca-se que não se trata de uma nova modalidade de tributo ou uma espécie de ICMS, uma vez que não há vinculação do seu fato gerador com as atividades ambientais. Da mesma forma, não há vinculação específica da receita do tributo pra financiar atividades de cunho ambiental.

O ICMS ecológico seria uma maior destinação de parcela do que foi arrecadado aos municípios que estejam melhor adequados aos níveis de preservação ambiental e de melhoria de qualidade de vida, observados os limites constitucionais de distribuição de receitas tributárias e os critérios técnicos definidos em lei.

Percebe-se então que em se utilizando os impostos na sua finalidade extrafiscal por meio de incentivos, aqueles que tem um compromisso ambiental serão beneficiados sem que seja necessária a vinculação do imposto. E não somente os que estejam diretamente ligados com a atividade produtora, mas toda a coletividade sairá ganhando. Já os que não estejam adaptados às especificações ambientais, terão direta ou indiretamente conseqüências negativas.

5.1.2. Taxa

Face ao disposto no artigo 77 do CTN, têm-se destacado os fatos geradores das taxas: Art. 77: "As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição".

Ou seja, por essa premissa e pelo disposto no artigo 145, inciso II da Constituição Federal (37), as taxas são divididas em duas espécies: ou em taxa de serviço, ou em taxas de polícia, sendo que o fato gerador das taxas destaca-se sobre a seguinte possibilidade: o serviço público prestado ou colocado à disposição do contribuinte pelo ente público no exercício do poder de polícia, e não sobre a atividade por esses exercida.

O poder de polícia consiste na faculdade do Estado editar regras, que abrangem licenciamentos e fiscalizações em geral, com o intuito de harmonizar e disciplinar o direito à liberdade, à propriedade, visando o respeito ao interesse social.

"Na verdade, o exercício atual do poder de polícia supõe a competência constitucional da pessoa pública que o exerce - competência esta que é inicialmente desempenhada mediante a edição de uma lei fixando, em nível genérico e abstrato (vale dizer: normativo) a limitação. Supõe, portanto, uma lei. Em segundo lugar, traduz-se numa série de atos jurídicos e materiais. Ou seja: explicita-se em atos de agentes públicos. Estes desempenham exames, vistorias, perícias, verificações, averiguações, cálculos, estimativas, confrontos e outros trabalhos, como condição, ou preparo do ato propriamente de polícia, consistente em autorizar, licenciar, homologar, permitir, ou negar, denegar, proibir, etc. (...) Pensamos ter deixado claro que o fundamento das taxas de polícia está nas atividades que o poder público deve desempenhar como condição ou preparo de seus atos de polícia. (...) Justificam a taxa, pois, estas diligências e não o ato em si (mero despacho que se pode reduzir a um carimbo e assinatura: defiro, indefiro, conceda-se, autorizo etc.)" (38)

Os serviços públicos são os serviços definidos e delimitados a uma determinada pessoa ou grupo de pessoas, prestados pelo Estado, ou por outrem com competência delegada pelo Estado. Estes serviços podem ser divisíveis e individualizados, como por exemplo, serviços de água e luz domiciliar. Podem também serem serviços divisíveis mas não individualizados, com os serviços de segurança pública e iluminação de ruas. Os serviços que são individualizáveis são divididos em compulsórios ou facultativos.

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Os serviços compulsórios, devido ao fato da saúde pública estar em evidência, não podem ser recusados. No caso das taxas que o remuneram não serem pagas, este serviço não pode ser suprimido, devendo sua cobrança, se for o caso, ser realizada por via judicial. Como exemplo se tem o serviço de esgoto.

Nos serviços facultativos, o beneficiário pode aceitá-los ou recusá-los, podendo então ser suprimidos em caso de não pagamento. Exemplo de serviço facultativo é o de telefonia.

Têm-se como requisitos necessários para a exigência da taxa: lei dentro do princípio da anterioridade, serviço publico divisível, serviço público específico e serviço público diretamente referido ao contribuinte.

Questão relevante ligada às taxas - as quais seriam tributos vinculados à atividade estatal – seria se necessariamente possuiriam estas caráter sinalagmático. Ou ainda, qual seria a possibilidade de se vincular as taxas ambientais com o intuito de se melhorar o combate à degradação ambiental.

Alguns autores divergem em suas linhas de pensamento, sendo que uns crêem na característica contraprestacional da taxa, enquanto outros afirmam que o sinalagma não constitua fator relevante na conceituação de taxa, pelo fato de a existência de um serviço público não se traduza necessariamente em benefício ao contribuinte não o trazendo a noção de vantagem, uma vez que este pode não o utilizar.

Essa discussão em torno da contraprestação das taxas vem gerando muita polêmica. Para isto basta atentar-se aos conflitos jurídicos decorrentes de alegadas inconstitucionalidades e ilegalidades da Lei n.º Lei n.º 10.165/2000 que veio em substituição à Lei n.º 9.960/2000, a qual criou a Taxa de Fiscalização Ambiental – TFA.

Essa polêmica surgiu em decorrência da concepção dada a essa Lei, qual seja, teria esta mero fim arrecadatório (em divergência ao exigido no art. 145, II da CF), uma vez que não havia a contraprestação de serviços pelo IBAMA, além de estar fixando um montante de arrecadação desproporcionalmente superior ao custo da atividade estatal, ao invés de ressarcir o poder público do gasto com uma atividade específica e divisível.

Esse entendimento é confirmado pelo julgado do Supremo Tribunal Federal: "Sendo a taxa uma contraprestação da atividade estatal (...), a taxa de licença não pode ter por base de cálculo o valor do patrimônio, a renda, o volume da produção, o número de empregados ou outros elementos que não digam respeito ao custo da atividade estatal, no exercício do poder de polícia". (39)

José Marcos Domingues de Oliveira, observando a necessidade de conciliação de princípios e coordenando-se pelo critério da proporcionalidade, entende que as taxas ambientais devem ser graduadas conforme o custo dos serviços públicos ambientais relacionados à carga poluidora gerada pelos contribuintes, gerando receitas para o custeio das tarefas administrativas correspondentes; além de induzir o poluidor a buscar alternativas de conduta menos poluidoras visando diminuir o gasto com taxas.

Desta forma estariam as taxas, possuindo ou não contraprestação como condição de sua existência, permitindo a possibilidade de seu uso para a proteção ambiental, vez que "a simples instituição das taxas ambientais produz um efeito psicológico, extrafiscal, imediato, induzindo o poluidor a buscar alternativas de comportamento não-poluidor para furtar-se a ser identificado como contribuinte, ou pelo menos diminuir o montante da taxa que lhe cabe pagar". (40)

5.1.3. Contribuição de Melhoria

Estabelece o artigo 81 do Código Tributário Nacional: "A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída pra fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado".

Entretanto essa espécie de tributo sobre a valorização de imóvel particular em decorrência de obras públicas, e prevista no artigo 145, III da Constituição Federal, não é de tanta utilidade e popularidade no meio jurídico.

Mais especificamente dentro do campo ambiental, muitas das obras públicas urbanas não valorizam o imóvel e acabam desvalorizando-o em face de poluição visual, sonora e ambiental criada por estas obras. Desta forma, a base de cobrança que é obtida em virtude da melhoria do imóvel e valorização deste, não há de ser cobrada uma vez que não tenha ocorrido valorização. Inclusive já se fala em "contribuição negativa", através da qual o Estado indeniza o particular em virtude de prejuízos e desvalorização do imóvel advindos de construções e obras públicas. (41) Além dessa indenização ao particular, tratando-se o meio ambiente equilibrado de direito difuso, o Estado poderia em contrapartida realizar uma obra no sentido oposto, agregando benefícios ao meio ambiente.

Percebe-se exemplo do Estado do Rio de Janeiro, onde se "impõe contribuição de melhoria incidente sobre proprietários de determinados imóveis valorizados por obras públicas tais como ‘arborização’ de ruas e praças, ‘construção ou ampliação de parques, proteção contra erosão, aterros e outras obras de embelezamento’, incluída a hipótese e execução de projeto de ‘tratamento paisagístico’" (42), em que o custo das obras publicas de conteúdo ambiental, é rateado entre os proprietários de imóveis que tenham conseqüentemente sido valorizados; como uma forma respeitável de aplicação das contribuições de melhoria.

Acredita-se, portanto, que a contribuição de melhoria pode ser utilizada na melhora da qualidade de vida atingida pela preservação do meio ambiente. Este tributo, além de possuir seu caráter arrecadatório, pode transforma-se em um elemento estimulador da consciência ambiental, atuando em sua finalidade extrafiscal, conforme exemplo do Estado do Rio de Janeiro.

Já demais gastos destinados à preservação ambiental podem ser suportados pela vinculação da receita das contribuições de melhoria obtidos em outras obras. Pois, entende-se que "a destinação do produto da arrecadação ao custeio da obra pública não seja elemento essencial à caracterização da contribuição de melhoria." (43) E tal vinculação também não é constitucionalmente vedada, sendo somente vedada a vinculação dos impostos.

5.1.4. Empréstimo Compulsório

Apesar de não estar contido no artigo 145 da Constituição Federal como espécie tributária, atentando-se à definição de tributo como sendo a "relação jurídica que se estabelece entre o Poder Público e o contribuinte, tendo por base a lei, em moeda, igualitária e decorrente de um fato lícito qualquer" (44), e abstraindo a necessidade da restituição do valor arrecadado, de forma que ela nada acrescenta à essência tributária, imperioso reconhecer o enquadramento do art. 148, da Constituição Federal, ao conceito de tributo acima destacado. Pois, além de estar localizado no capítulo I do Título VI da Constituição Federal, onde se trata do Sistema Tributário Nacional, está presente no Código Tributário Nacional.

Dispõe o artigo 148 da Constituição Federal: "A união, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observando o disposto no art. 150, III, b. Parágrafo único: A aplicação dos recursos provenientes do empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição".

Em relação ao inciso II do artigo 148 acima transcrito, por se tratar unicamente de espécie de antecipação de receita, além de estar envolto num caráter não-emergencial, estão adstritos ao cumprimento do princípio da anterioridade, diferentemente do inciso I do mesmo artigo.

Em se realizando um "empréstimo" compulsório, como a própria nomenclatura sugere, exige-se a sua restituição. Ou seja, o dinheiro emprestado deve ser devolvido com, no mínimo, correção monetária. Caso contrário, configura-se hipótese de confisco constitucionalmente previsto no artigo 150, IV.

Não se descarta a possibilidade de existindo interesse difuso – interesse ligado à nação como um todo e não a sujeitos específicos – a viabilidade de, observadas o pressuposto constitucional de realizar despesas extraordinárias decorrentes de calamidade, exigir-se empréstimo compulsório. De forma que, em caso de relevante dano ambiental de forma calamitosa e em casos extremos em que o Estado não tenha recursos, a União possa, atendendo as exigências do artigo 148 da Constituição Federal e vinculando tal exigência ao que a fundamentou, possa-se exigir tal espécie tributária.

Despesas extraordinárias, conforme preceitua Sacha Calmon Navarro Coêlho, são "aquelas absolutamente necessárias, após esgotados os fundos públicos inclusive o de contingência. Vale dizer, a inanição do Tesouro há de ser comprovada. E tais despesas não são quaisquer, senão as que decorrerem da premente necessidade de acudir as vítimas das calamidade públicas sérias, tais como terremotos, maremotos, incêndios e enchentes catastróficas, secas transanuais, tufões, ciclones etc. Nem basta decretar o estado de calamidade pública, cujos pressupostos são lenientes. De verdade, a hecatombe deve ser avassaladora, caso contrário se banalizaria a licença constitucional, ante "acts of God" que sempre ocorrem, sistematicamente, ao longo das estações do ano." (45)

Entretanto, vale mencionar, que a ocorrência de tal exigência certamente não seria somente em casos de calamidade ambiental, pois afinal, a superveniência de uma situação dessas que não de fato "avassaladoras", em princípio nos leva a crer que ocorreria em conseqüência de um total descaso de políticas e ações preventivas e sustentáveis e de calamidade em níveis muito superiores nos setores governamentais, que não somente ambiental. Seguindo a linha definida por Paulo de Barro Carvalho em que a calamidade pública abrange "outros eventos, de caráter sócio-econômico, que ponham em perigo o equilíbrio do organismo social, considerado na sua totalidade". (46)

Ou seja, não obstante a possibilidade da ocorrência de um fato de proporções estrondosas, existindo uma política bem estruturada e de atuação preocupada em manter e desenvolver o meio ambiente e a economia, tal exigência tributária preferivelmente que fique somente no campo das possibilidades.

5.1.5. Contribuições Especiais

As contribuições especiais ou sociais tomam especial atenção em virtude do que foi supra mencionado no sub-capítulo que tratou da reforma tributária, no qual se trouxe uma proposta do Ministério do Meio Ambiente (que sofreu algumas alterações para a inserção no substitutivo) para a tributação ambiental. Nesta proposta, tratou-se exclusivamente da tributação via contribuições especiais.

Portanto, verifica-se que embora não estejam elencadas no artigo 145 da Constituição Federal, as contribuições especiais por esse motivo e pelos mesmos dados aos empréstimos compulsórios, são consideradas tributos.

Assim estabelece o artigo 149 da Constituição Federal: "Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observando o disposto nos arts. 146, III e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, parágrafo 6.º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. Parágrafo único: os Estado, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social".

Conciliando a proposta apresentada pelo Ministério do Meio Ambiente e o que dispõe o artigo constitucional, comprova-se a possibilidade de aplicação das contribuições especiais, as quais estariam introduzindo, de fato, o princípio do poluidor pagador. Para isso, basta repetir o que se apresenta nesta proposta:

"§2.º - As contribuições de intervenção ambiental poderão ter fatos geradores, alíquotas e bases de cálculo diferenciados em razão do grau de utilização ou degradação dos recursos ambientais ou da capacidade de assimilação do meio ambiente".

Assim, sempre que a União pretender intervir no domínio econômico, implementando uma das suas finalidades, conforme artigo 149 da CF, poderá graduar essa intervenção de acordo com a utilização ou degradação dos recursos ambientais, conforme proposta de reforma tributária, de forma a estar atendendo o princípio do poluidor pagador.

Essa intervenção obviamente atenderá: ao caráter de competência relativo à União (47); às reais necessidades de desenvolvimento e incremento de atividades econômicas e comerciais; fatores geográficos, de maneira a diferenciar a aplicação de acordo com as regiões e suas atividades produtivas; aos diferentes grupos sociais etc.

5.2. Questões de Implementação

A seguir serão analisadas algumas questões relativas a aplicação de tributos ambiental, considerando também o que foi proposto pelo Ministério do Meio Ambiente para a Reforma Tributária, em destaque no ponto 4.2 deste trabalho. Essas questões são apresentadas diante uma visão crítica proposta em estudo realizado por Ronaldo Seroa da Motta, José Marcos Domingues de Oliveira e Sérgio Margulis. (48)

5.2.1. Questão Espacial e de Competência

Essa questão refere-se ao fato de que a contribuição social a ser aplicada a qual é competência exclusiva da União.

Por exemplo, supondo que três cidades de determinado estado brasileiro necessitem de uma ação na área de poluição automotiva devido à violação de normas mínimas de concentração de poluentes na atmosfera proveniente de automóveis. O instrumento da contribuição especial poderia ser utilizado incidindo sobre o uso de automóveis ou consumo de gasolina nessas cidades.

Apesar da União, com base no fato gerador da violação da norma ambiental, poder atuar especificamente nessas cidades, poderia ter problemas políticos. Uma vez que no caso de uma das três cidades ser contra tal medida, optando por atuar de outra forma, haveria uma certa dificuldade por parte da União em dar seguimento a sua iniciativa, dado o conflito de interesses.

Diante disso, surge-se um impasse, qual seja: no caso dessa competência ser municipal, o município pode agir sozinha e de forma mais rápida, sem ter de aguardar uma solução federal. Por outro lado, agindo nacionalmente, o governo federal teria meios e evitar uma guerra fiscal quando essa resistência à tributação fosse devida a razões imediatas de atração ou fuga de capital (MOTTA, 2000).

5.2.2. Questão Distributiva

Muito se diz que a distribuição da tributação ambiental pode desfavorecer grupos sociais com menor renda. Entretanto, tal fato pode ser evitado, uma vez que há a possibilidade da tributação ser distribuída de forma a criar isenções a grupos e atividades menos favorecidas.

No caso da identificação do grupo social consumidor de determinado produto sobre o qual incidirá a tributação ser muito difícil, sugere-se que sejam desenhadas medidas compensatórias relacionadas ao destino da tributação de acordo com a necessidade apresentada. Ou seja, restituir níveis de renda a certos grupos afetados. Sendo esse grupos de difícil identificação, as medidas terão de ser abrangentes, de modo a transferir essas receitas tributárias a fundos ou programas governamentais que beneficiem esses grupos.

5.2.3. Destino e Rateio das Receitas

Observada a tendência brasileira de se vincular receitas fiscais, tem-se que os critérios de rateio das receitas fiscais são de suma importância. "Quer dizer, para viabilizar politicamente um novo tributo, os critérios de rateio tendem a beneficiar direta ou indiretamente os grupos afetados pela sua incidência." (49) Porém, considerando-se que os destinos sociais para as receitas fiscais tem um apelo político poderoso, pode-se crer que essa tendência de vinculação pode ser revertida.

Como exemplo, pode citar-se a instituição de uma tributação ambiental com a finalidade de controlar a poluição numa região em que predominem indústrias poluidoras, de modo que a receita pode ser destinada a um fundo de financiamento de compra de equipamentos de controle ambiental, ou ainda, a fundos de assistência médica a doenças associadas à poluição.

5.2.4. Questão da Competitividade

Essa questão de competitividade está muito ligada a fatores econômicos do país conforme já discutido em sub-capítulo supra. Entretanto, complementa-se aquela exposição, atentando-se ao fato de ser necessária a devida mensuração do montante a incidir sobre determinadas atividades e produtos com o intuito de se evitar que estes não percam competitividade no mercado. Uma vez esses tributos sendo devidamente ponderados, a sua existência irá contribuir nas relações de comércio, haja vista que a existência de tributos ambientais podem diminuir os custos de controle ambiental, assim como agregariam uma imagem ambiental positiva a estes produtos e atividades.

5.2.5. Questão dos Subsídios

Comumente é citado que ao invés de serem cobrados tributos sobre usuários e poluidores, os quais acabam onerando as atividades econômicas, dever-se-iam oferecer subsídios com o intuito de promover o desenvolvimento. Entretanto, destacam-se dois aspectos com a questão dos subsídios, os quais, se analisados friamente, sob uma visão extremamente crítica e pessimista, e no caso de serem aplicados de forma desestruturada podem ser um problema, assim como se coloca:

O financiamento de subsídios é formado de saques da arrecadação tributária total, desta forma para que estes financiamentos ocorram, ou se eleva a carga tributária, ou se reduzem gastos em outros setores. Surge então a constatação que quem pagaria essa conta ambiental independente de terem contribuído para o problema ambiental, seriam os contribuintes de outros tributos.

O segundo aspecto, é que no longo prazo o subsídio pode vir a estimular as atividades que utilizam recursos naturais, uma vez que com o subsídio se reduz o custo de degradar, além de desestimular o avanço tecnológico.

Esses dois aspectos "negativos" no oferecimento de subsídios podem ter esse tipo de resultado no caso de, como comentado acima, forem muito mal conduzidos. Para isso basta atentar-se que, referente ao primeiro aspecto, o pagamento da conta ambiental por parte de contribuintes diversos daqueles diretamente ligados com a atividade poluidora, não é de todo mal, haja vista a necessidade por parte de todos de um meio ambiente limpo. Destaca-se ainda, que para esses subsídios serem fornecidos sem uma reforma tributária que vise esse tipo de gasto, é uma utopia diante do atual sistema fiscal e orçamentário nacional. Então não basta simplesmente deixar de gastar ou arrecadar mais.

Já no segundo aspecto colocado, a questão da má aplicação dos subsídios fica ainda mais evidente. Afinal, esse incentivo deve ser monitorado para que os excedentes de receita das empresas provenientes dos subsídios sejam direcionados de forma a incrementar o avanço de tecnologias e demais métodos de preservação ambiental.

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Sobre o autor
Leonardo Martim Lenz

Advogado e administrador, consultor tributário da PricewaterhouseCoopers

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LENZ, Leonardo Martim. Proteção ambiental via sistema tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 589, 17 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6343. Acesso em: 23 abr. 2024.

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