Aplicabilidade das medidas socioeducativas impostas ao adolescente infrator e o combate à criminalidade

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17/01/2018 às 02:12
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O presente artigo tem como objetivo central a realização de um estudo voltado à análise das medidas socioeducativas, em especial a medida de internação, tomando como base o que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente e perfazendo análises críticas.

RESUMO: O presente trabalho teve como ponto inicial o interesse em realizar uma abordagem sobre um problema social bastante discutido na atualidade que gera diversas indagações. Partindo de tal premissa, este artigo tem como objetivo central a realização de um estudo voltado à análise das medidas socioeducativas, em especial a medida de internação, tomando como base o que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, realizando uma verificação da aplicabilidade das medidas bem como de suas contribuições sociais referentes à reincidência do adolescente infrator. Inicialmente, será apresentado um breve relato sobre a evolução normativa no tocante aos direitos infanto-juvenis até a legislação vigente de proteção integral à criança e ao adolescente, em seguida explicando os princípios norteadores do ECA. Após, destaca-se os problemas sociais que dão ensejo à criminalidade afetando de forma significativa a vida de jovens adolescentes e os induzindo às práticas infracionais. Ao longo da pesquisa foram definidos amplamente conceitos de adolescente infrator, explicando de forma clara todo o procedimento de apuração do ato infracional. Por fim, é realizado estudo sobre as medidas socioeducativas previstas no ECA bem como a sua aplicabilidade, partindo então para uma análise crítica em torno da medida de Internação, abordando temas em discussão quanto à precariedade dos centros de internação e suas consequências diretas sobre a reincidência do jovem infrator e a sua reintegração social.

Palavras-chave: Adolescente Infrator, Medida Socioeducativa, Reeducação.

ABSTRACT:The present work had as its starting point the interest in carrying out an approach on a social problem that is much discussed at present that generates several questions. Based on this premise, this article has the main objective of a study aimed at the analysis of socio-educational measures, especially the hospitalization measure, based on the provisions of the Statute of the Child and Adolescent. Conducting a verification of the applicability of the measures as well as their social contributions regarding the recidivism of the offending adolescent. Initially, a brief report will be presented on the normative evolution regarding the rights of children and adolescents up to the current legislation of integral protection of children and adolescents, and then explaining the guiding principles of the ECA. Afterwards, it highlights the social problems that give rise to crime, affecting in a significant way the life of young adolescents and inducing them the infractional practices. Throughout the research were widely defined concepts of adolescent offender, explaining clearly the whole procedure of investigation of the infraction. Finally, a study is carried out on the socio-educational measures foreseen in the ECA, as well as their applicability, starting with a critical analysis about the hospitalization measure, addressing topics in discussion about the precariousness of the hospitalization centers and their direct consequences on the recurrence of the young offender and their social reintegration. Key words: Adolescent offender, Socio-educational Measure, Re-education.

Key words: Adolescent offender, Socio-educational measure, Reeducation.


1 INTRODUÇÃO

O presente artigo científico foi elaborado com objetivo central de investigar sobre o adolescente infrator dentro de um contexto geral, partindo para uma análise sobre aplicabilidade das medidas socioeducativas impostas a ele e a necessária efetividade das garantias previstas no ECA, dentre elas a devida reeducação e ressocialização do jovem infrator.

O trabalho possui dois objetivos, quais sejam: o geral, equivalente ao estudo sobre a evolução histórica das legislações brasileiras de proteção à criança e ao adolescente, analisando o que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente bem como seus princípios norteadores, partindo da premissa de se identificar as principais causas da crescente criminalidade envolvendo os jovens e os qualificando como adolescentes infratores, em seguida, abordando de forma sucinta todo o procedimento legal realizado para se chegar ao cumprimento de medidas socioeducativas pelo infrator; além do objetivo específico, este consistindo na análise crítica sobre a aplicabilidade prática da medida de internação diante da precária infraestrutura Estatal sendo insuficiente a garantia dos preceitos legais, bem como da reeducação do adolescente infrator.

Para tanto, se inicia o primeiro capítulo expondo de forma cronológica as conquistas normativas alcançadas no país ao longo dos anos, bem como as principais normas de proteção dos interesses das crianças e dos adolescentes, dando enfoque ao estudo do Estatuto da Criança e do Adolescente em consonância com o princípio da proteção integral, estendendo-se à análise de seus princípios norteadores. No segundo capítulo, foram explorados problemas sociais atuais que dão ensejo à delinquência juvenil, além de um estudo sobre o adolescente infrator, partindo para descrição de todo procedimento de apuração do ato infracional  conforme dispõe a norma legal. O terceiro capítulo está voltado exclusivamente ao estudo de cada uma das medidas socioeducativas previstas em lei, quais sejam: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. O quarto e último capítulo abordará de forma mais específica a medida de internação, bem como as condições reais das unidades voltadas à aplicabilidade de tal medida e a precária infra-estrutura causadora de prejuízo à garantia dos direitos defendidos pelo ECA.

Quanto à metodologia utilizada para concretização do trabalho foi utilizado como método de abordagem o indutivo, tomando por base obras de autores renomados na área da infância e juventude bem como trabalhos disponíveis em sites jurídicos. O trabalho foi elaborado por meio da pesquisa bibliográfica utilizando-se a técnica de pesquisa indireta.


2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE NO BRASIL                         

A sociedade atual se perfaz sob um Estado Democrático de Direito, estruturado por políticas públicas que visam garantir o bem-estar social. Em prol da busca pela real garantia de direitos fundamentais, o país percorreu inúmeras jornadas repletas de conquistas históricas marcadas por dificuldades enfrentadas pelas populações ao longo dos séculos.

Em termos gerais a evolução jurídico-social do nosso país foi relevante no tocante ao tratamento dado a crianças e adolescentes. Influenciados pelos princípios religiosos, a sociedade passou a se preocupar cada vez mais com o crescimento e desenvolvimento saudável das crianças de maneira a respeitar suas limitações e suprir suas necessidades gerais. Maciel (2014, p.45) assevera:

O Cristianismo trouxe uma grande contribuição para o início do reconhecimento de direitos para as crianças: defendeu o direito à dignidade para todos, inclusive para os menores.                      

Em razão do estudo voltado à proteção dos interesses infanto-juvenis e a busca pela normatização adequada aos adolescentes em situação de risco, passaram a surgir leis e decretos regulamentadores, caracterizando, assim, marcos de evolução histórica.

Perfazendo uma análise histórica da legislação brasileira, evidencia-se uma grande evolução do contexto legal no que tange às crianças e aos adolescentes. Cumpre destacar de maneira analógica as legislações que entraram em vigor ao longo dos anos.

O período colonial teve como marco normativo as Ordenações Filipinas, ocasião em que se identificou com precisão um tratamento específico voltado aos menores infratores. O dispositivo disciplinava como inimputáveis as crianças menores de sete anos, não sendo aplicadas a estas penalidades por seus atos. Contudo, a imputabilidade penal era considerada a partir dos 7 anos de idade, com aplicação de penalidades menos severas do que as aplicadas aos sujeitos maiores de 21 anos. Além do mais, era prevista a proibição das penas de morte aos menores de 17 anos, com exceção ao crime de falsificação de moeda em que se aplicava a pena de morte aos maiores de 14 anos.

Após a independência do Brasil, houve grandes transformações liberais dando ensejo ao advento de novos dispositivos legais com textos adequados aos infantes. O Código Criminal de Império criado em 1830 introduziu a ideia de capacidade e discernimento do jovem nos atos por ele praticados. O dispositivo considerava inimputável o menor de 14 anos, não havendo aplicação de penalidades a este, no entanto, versava sobre a necessidade de se considerar a capacidade e o discernimento dos jovens com idades entre 7 e 14 anos, devendo em cada caso serem analisadas as circunstâncias para um possível encaminhamento destes jovens, as chamadas casas de correção, na época, espécies de internação que perdurariam no máximo até o jovem alcançar os 17 anos de idade.

Em meados de 1889, início do período republicano brasileiro, surge o Código Penal Republicano, também denominado Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. O dispositivo veio estabelecer ideais semelhantes aos já incorporados anteriormente, prevalecendo a relevância do discernimento dos jovens. Contudo, o dispositivo reduziu a maioridade penal e considerou imputável a criança a partir dos 9 anos de idade, sendo considerado o discernimento do jovem entre 9 e 14 anos de idade, e os demais menores até os 17 anos eram apenados com 2/3 da pena aplicada ao adulto. Esta norma penal se destacou por ter criado as distinções entre as fases da infância e da adolescência, como destaca Rebelo (2010, p. 25-26): “Infância: tinha seu término em 9 anos; impuberdade: durava dos 9 aos 14 anos; menoridade: dos 14 aos 21 anos incompletos; maioridade: a partir dos 21 anos completos”.

Em 1921 o Código Penal Republicado foi alvo de consideráveis alterações no tocante à responsabilidade criminal. A referida lei estendeu a imputabilidade penal aos jovens de 14 anos e apresentou incentivos estatais para a criação de programas específicos de apoio a infância, por meio de projetos englobando a construção de abrigos e estabelecimentos específicos de amparo as crianças necessitadas e aos menores envolvidos com práticas criminosas.

Em meados do século XX surgiu a Doutrina da Situação Irregular, que tinha como escopo discutir sobre os problemas sociais causadores da criminalidade infanto-juvenil e a necessária atuação Estatal em torno da situação que se encontram os menores na sociedade. Tal doutrina foi definida Saraiva (2010, p.23):

A declaração de situação irregular tanto poderia derivar de sua conduta pessoal (caso de infrações por ele praticadas ou de “desvio de conduta”), como da família (maus tratos) ou da própria sociedade (abandono). Haveria uma situação irregular, uma “moléstia social”, sem distinguir, com clareza, situações decorrentes da conduta do jovem ou daqueles que o cercam.

Sob influências internacionais, o legislador brasileiro teve como foco principal a adoção de medidas que disciplinassem a situação dos menores envolvidos com a criminalidade por meio de disposições mais eficazes e garantidoras da proteção a infância. No ano de 1923 criou-se no país o Juízo de Menores, tendo destaque o primeiro Juiz de menores da América Latina, José Cândido Albuquerque de Mello Mattos, figura jurídica responsável pela elaboração do primeiro código que dispôs sobre os direitos da criança e do adolescente. Em 1927, foi aprovado o Decreto n° 17.943, denominado Código de Menores do Brasil, também conhecido como Código de Mello de Mattos. A nova legislação continha em seu texto legal disposições que tratavam dos menores infratores, considerados até os 18 anos de idade.

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A norma legal também dava às autoridades públicas, neste caso aos Juízes de Menores o poder de conduzir de forma unilateral os processos que envolvessem crianças e adolescentes, dando o maior amparo possível aos jovens abandonados.  Foi este código que introduziu o termo “menor” adequando-o aos jovens com idade inferior a 18 anos, sendo eles submetidos a medidas educativas quando crianças ou punitivas quando adolescentes.

Dentro deste contexto normativo a Constituição da República de 1937 trazia em seu bojo normativo, ideais protetores no que tange aos menores, buscando a implementação de programas assistenciais de serviço social como forma de sanar eventuais problemas sofridos na infância e juventude dos indivíduos, garantindo-lhes os direitos humanos. Desta forma foram criados alguns órgãos e entidades responsáveis pelo acolhimento e atendimento a menores delinqüentes e desvalidos, sendo os órgãos substituídos por outros ao longo da evolução normativa, tais como: o Serviço de Assistência do Menor (SAM); a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem); e o Centro Brasileiro para Infância e Adolescência (CBIA).

As legislações vigentes à época tinham grande influência internacional, a busca pela proteção dos direitos infanto-juvenis ganhou força após a Declaração dos Direitos da Criança publicada pela ONU sob uma vertente baseada na Doutrina da Proteção Integral. O ponto central da doutrina é a qualificação das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, devendo estes ser garantidos com primazia pelo Estado.

Dentro do regime militar brasileiro, no ano de 1969 foi modificado o Código Penal Brasileiro de 1940 que passou a disciplinar acerca da maioridade penal e considerou imputável o jovem de 16 anos, devendo, ser comprovada a capacidade de discernimento do individuo sobre ilicitude com a consequente responsabilização do mesmo, tendo ele o direito a uma pena reduzida de um terço até a metade. Posteriormente, diante de diversas críticas houve alteração do dispositivo que passou a considerar a maioridade penal aos 18 anos de idade, o que perdurou até os dias atuais.

A partir da década 70 a preocupação com a situação irregular dos menores envolvidos com a criminalidade intensificou-se e foi publicado o novo Código de Menores em 1979, por meio da aprovação da Lei 6.697/79 aprimorando normativamente os métodos educacionais ao menor delinquente e a possível aplicação da internação provisória.

Após diversas evoluções legais e alterações do Código de Menores, bem como do Código Penal, adveio a Constituição Federal de 1988. A Carta constitucional trouxe inúmeros avanços através de seus princípios norteadores de proteção aos menores. Conforme preceitos constitucionais cabe ao Estado, à sociedade e à família assegurar condições efetivas do exercício de cidadania plena à criança e ao adolescente, os quais devem ser protegidos e ter seus direitos garantidos.

A sociedade brasileira lutava pela garantia ampla dos direitos das crianças e adolescentes, tomando por base vários movimentos internacionais, tendo apoio de órgãos internacionais como a Unicef.

No Brasil, uma das maiores mobilizações nacionais pela luta de uma maior atuação jurídica nas áreas da infância e juventude foi o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Ruas (MNMMR) que ocorreu em 1984 abordando a polêmica do abandono e rejeição de crianças e adolescentes.

Os movimentos nacionais realmente obtiveram êxito na esfera normativa, servindo de grande influência para as adequações do texto constitucional antes sua promulgação. Segundo Pereira (1998, p. 33) “a Comissão Nacional Criança e Constituinte conseguiu reunir 1.200.000 assinaturas para sua emenda e promoveu intenso lobby entre os parlamentares pela inclusão de direitos infantojuvenis na nova Carta”.

Em razão da grande relevância do tema no texto constitucional, notou-se a importância de dar um maior enfoque ao problema de crianças e adolescentes em situação de risco, surgindo assim a Lei 8.069/90, denominada ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) reforçando a ideia de ter a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, na busca por uma maior proteção.

O Estatuto em seu texto normativo trata de forma específica de crianças e adolescentes, traduzindo um conjunto de direitos fundamentais indispensáveis ao desenvolvimento integral destes indivíduos. Revestido inteiramente pela Doutrina da Proteção Integral, o texto legal possui caráter de política pública, os sujeitos de direitos abrangidos diretamente pela norma em questão não estão recebendo somente amparo e assistência legal, mas têm garantidos direitos inerentes a sua qualidade de menor de idade.

Afirma Almeida (2016) em seu comentário que: “O Estatuto tem por objetivo a proteção integral da criança e do adolescente, de tal forma que cada brasileiro que nasce possa ter assegurado seu pleno desenvolvimento, desde as exigências físicas até o aprimoramento moral e religioso”.

Através de mudanças internacionais, o ECA foi criado e aprimorado com o intuito de se tornar uma norma garantidora, incorporando em seu texto uma série de direitos materiais e processuais para a preservação dos interesses infanto-juvenis trazendo amparo legal aos indivíduos menores de 18 anos e em casos excepcionais até 21 anos de idade.

O ponto central do Estatuto é impor à família, ao estado e à sociedade o dever de zelar pelo bem estar das crianças e adolescentes de maneira isonômica, desta forma, a norma legal prevê toda a atuação pública necessária para o cumprimento das obrigações, envolvendo o trabalho e atuação de agentes públicos do Conselho Tutelar, do Poder Judiciário e especialmente do Ministério Público, este como fiscal da lei, possui competências e atribuições específicas na área da infância e juventude na busca pela efetivação dos direitos da juventude.

O ECA é norteado pela Doutrina da Proteção Integral sendo esta regida pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana totalizando um núcleo de apoio especial aos interesses infanto-juvenis e dando ensejo a utilização de diversos outros princípios que regem o estatuto em comento.

            Existem diversos princípios constitucionais e doutrinários em torno dos direitos infanto-juvenis, contudo, três devem ser destacados: o Princípio da Prioridade Absoluta tem como fundamento central a prioridade dos interesses gerais das crianças e adolescentes sobre os demais indivíduos de direito, independentemente da esfera jurídica; o Princípio do Melhor Interesse trata-se de norma orientadora para o legislador, defendendo a primazia das necessidades infanto-juvenis, como fundo de interpretação normativa, bem como critério para elaboração de normas futuras e serve também como base para a aplicabilidade no caso concreto principalmente em conflitos do direito de família; e por fim o Princípio da Municipalização é utilizado como forma de garantir resultados de maneira mais ágil por meio da imposição legal de competências à esfera municipal, além da criação de conselhos municipais de apoio e atendimento a criança e ao adolescente.

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