Aplicabilidade das medidas socioeducativas impostas ao adolescente infrator e o combate à criminalidade

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17/01/2018 às 02:12
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3 CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI

Ao longo do desenvolvimento da sociedade, a delinquência juvenil vem ocupando lugar de destaque no cenário brasileiro em meio aos problemas sociais enfrentados pelo país. É bem verdade que a criminalidade juvenil sempre foi ponto de discussão e preocupação estatal.

3.1 A FIGURA DO ADOLESCENTE INFRATOR

Conforme dispõe o ECA, crianças e adolescentes são sujeitos inimputáveis, não sendo possível, portanto, imputar-lhes cometimento de crimes, por isso toda e qualquer conduta enquadrada como ilícito penal sendo praticada por menor de 18 anos é nos termos do ECA denominada ato infracional análogo ao crime praticado.

Nos termos legais, ato infracional trata-se de uma conduta descrita como crime ou contravenção penal. Assim, entende-se que a criança ou adolescente são sujeitos que podem cometer crimes e contravenções, contudo, sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento impede o preenchimento dos requisitos necessários para o cumprimento de pena, conforme o Código Penal Brasileiro. Maciel (2014, p. 971) diz que: “Ato infracional é, portanto, a ação violadora das normas que definem os crimes ou as contravenções. É o comportamento típico, previamente descrito na lei penal, quando praticado por crianças e adolescentes.”

Assim sendo, o adolescente infrator nos termos do ECA recebe a devida “punição” dentro dos seus limites, por meio do cumprimento de medidas socioeducativas, estudadas mais adiante. Tal sanção não possui caráter de penalidade e sim educativo.

Observação importante é que as medidas socioeducativas não se aplicam a crianças, ou seja, aos indivíduos menores 12 anos, e tão somente aos adolescentes. Assim, quando uma criança comete ato infracional ela estará sujeita a medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA.

É também considerado como infrator o jovem de até 21 anos de idade, nos casos em que haja necessidade do cumprimento de medida socioeducativa até esta idade por atos cometidos durante sua menoridade. Vale lembrar que o ato infracional não constitui maus antecedentes após atingida a maioridade penal.

3.2 PROBLEMAS NO SEIO FAMILIAR

Segundo o ECA é dever da família zelar pela proteção integral da criança e do adolescente, cabendo a ela ser responsável pelo sustento, educação básica e bem-estar dos seus de maneira a garantir-lhes seus direitos fundamentais.

A desestruturação familiar é mais uma causa de destaque quanto ao surgimento de adolescentes totalmente desnorteados sem estímulos para prosseguir com os estudos ou com uma vida profissional, sem ter que passar por dificuldades financeiras acentuadas e problemas com a esfera criminal.

É o que nos diz Albergaria (1991, p. 110):

Daí nota-se a importância que tem a família na participação na vida do jovem em acompanhar seu crescimento e desenvolvimento, pois esta entidade é considerada um dos fatores sociais de prevenção do abandono e da delinquência. São inúmeras as opiniões acerca da importância da família, dentre elas destacamos a de Middendorff ao afirmar que o meio ambiente mais importante do menor e da pessoa humana é a sua família, a primeira responsável pela sua evolução: boa ou má. Na hierarquia do art. 227 da CF/88 a família é a primeira na coresponsabilidade pelo atendimento dos direitos da criança e do adolescente. A mesma por se tratar de um poder paternal que na definição de Albergaria consiste no conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bemestar moral e material dos filhos, tomando de conta destes, mantendo as relações pessoais e assegurando sua educação, sustento, representação legal e administração de seus bens.

3.3 EDUCAÇÃO

É indiscutível que dentre outros direitos fundamentais, a educação é um direito da criança e do adolescente de extrema importância e valia para o desenvolvimento intelectual dos mesmos.

Assim, cabe ao Estado dar primazia aos gastos públicos voltados aos investimentos na educação, no que se refere à infraestrutura das escolas como um todo e do fornecimento de alimentação e materiais escolares de qualidade aos alunos das escolas públicas de ensino infantil, fundamental e médio, afirmando assim o princípio da prioridade absoluta como já comentado anteriormente.

Ocorre que como já sabido, a educação do país ainda há que melhorar bastante, a corrupção como um todo e o desvio de verbas acaba por prejudicar de maneira intensa a educação dos jovens, em razão da precariedade escolar, bem como do seu difícil acesso em muitos casos.

Fatores como esse acentuam os índices de jovens no mundo do crime, a falta de escolaridade gera o desemprego, este por fim gera a falta de condições financeiras que por fim induz o ser humano a praticar delito como forma de suprir suas necessidades.

As soluções na verdade estão na atuação do estado em prol do individuo, dos investimentos na educação eficazes e não somente em punir jovens infratores. Segundo Maciel et all (2014, p. 96):

O processo educacional visa a integral formação da criança e do adolescente, buscando seu desenvolvimento, seu preparo para o pleno exercício da cidadania e para ingresso no mercado de trabalho. É direito fundamental que permite a instrumentalização dos demais, pois sem conhecimento não implemento universal e de fato dos demais direitos. A ignorância leva a uma passividade generalizada que impede questionamentos, assegura a manutenção de velhos sistemas violadores das normas que valorizam o ser humano e impede o crescimento do homem e o conseqüente amadurecimento da nação.

3.4 DROGAS

Um dos fatores primordiais que giram em torno do estudo voltado ao entendimento das causas da criminalidade juvenil brasileira é o uso de drogas. É bem verdade que um dos problemas sociais mais presentes no país atualmente e de difícil combate é o tráfico de drogas.

Diante deste contexto social, o número de usuários e dependentes químicos é imenso, o vício toma conta de maneira gritante da sociedade juvenil, acarretando inúmeras consequências e malefícios aos usuários, que dificilmente conseguem tratar sua dependência, na maioria dos casos por falta de condições financeiras, levando o jovem a seguir caminhos destruidores, um deles sendo a prática criminal.

Há de se destacar também que o domínio do tráfico nas mais diversas regiões do país engloba como infratores muitos menores, já que o crime é praticado de maneira silenciosa por parte dos traficantes que induzem jovens a transportarem os entorpecentes como forma de barrar o trabalho investigatório da polícia em torno no crime organizado.

Em razão disto é incontável a quantidade de jovens infratores cumprindo medidas socioeducativas por envolvimento com crimes correlatos ao tráfico de drogas. Quando o jovem não é apreendido portando drogas para uso pessoal ou para o próprio transporte e venda, ele está praticando roubos e crimes semelhantes para o sustento do próprio vício.

O Estado ainda não dispõe de estrutura econômica nem mesmo de programas políticos capazes de garantir a recuperação de dependentes químicos, ao passo que também não possui métodos mais ativos de investigação sobre o trabalho do tráfico de entorpecentes no país.

3.5  APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL

Conforme preceitua o ECA, o adolescente que pratica o ato infracional está sujeito ao cumprimento das medidas socioeducativas, mas antes desta sanção ser imposta, ocorrem fases procedimentais para apuração do ato infracional até a decisão que determine o cumprimento da medida.

A fase policial se inicia após a apreensão em flagrante do adolescente infrator diante de um ato infracional, sendo aquele imediatamente encaminhado a Autoridade Policial para adoção das medidas cabíveis a lavratura do procedimento, ou, quando há registro de ocorrência em sede policial após notícia levada por qualquer pessoa que tenha conhecimento de ato infracional praticado. Durante toda a investigação policial em torno da prática infracional bem como a coleta de dados do infrator, a apreensão do adolescente deve ser comunicada à autoridade judiciária bem como aos seus responsáveis, para sua devida apresentação ao Ministério Público ou sua liberação conforme dispõe o ECA.

A atuação do Ministério Público realiza-se a partir da apresentação do auto de apreensão do adolescente infrator pela Autoridade Policial, diante de tal, cabe ao Promotor de Justiça proceder com a oitiva informal do adolescente bem como dos seus responsáveis para esclarecimentos gerais acerca da vida pessoal do infrator bem como sobre o ato praticado. Diante de uma visão mais ampla do caso concreto pode o MP impugnar pela remissão do adolescente, nos termos do ECA, situação em que o processo será extinto ou suspenso, ou apresentar a representação contra o adolescente requerendo aplicação da medida socioeducativa que considerar necessária. Verificando o promotor de justiça a ausência de elementos suficientes de autoria ou materialidade, dentre outras hipóteses elencadas na lei pode requerer o arquivamento dos autos de forma fundamentada, cabendo ao judiciário concordar ou não com tal manifestação, podendo os autos serem remetidos ao Procurador Geral de Justiça, podendo o adolescente ser submetido a qualquer medida de proteção disposta no art. 101, do ECA.

Por fim, na Fase Judicial, quando houver pedido de remissão ou arquivamento cabe ao Juiz competente decidir pela homologação, caso contrário, remeterá os autos ao Procurador Geral de Justiça. Após oferecimento da representação, a autoridade judiciária competente designará audiência de apresentação do adolescente, acompanhado de seus responsáveis, onde será decidida a medida a ser aplicada. Na ausência dos responsáveis, o juiz nomeará curador especial, caso o adolescente se encontre em lugar incerto e não sabido será expedido mandato de busca e apreensão para realização de audiência. A autoridade judiciária possui também prerrogativa para aplicar a remissão ao adolescente. O juiz tem o poder de requerer para análise do caso todo um atendimento psicológico e técnico ao adolescente e ao caso concreto para melhor decisão a ser tomada.

Em casos em que o adolescente esteja internado provisoriamente o procedimento deverá ser concluído no prazo máximo de 45 dias, sendo este improrrogável.  Na ausência de estabelecimentos de internação na cidade, deve o infrator ficar detido na Delegacia local, contudo, separado dos demais indivíduos em razão de sua condição pelo prazo máximo de 5 dias. O adolescente tem direito de defesa, cabendo a esta apresentar testemunhas, querendo, no prazo de 3 dias.

Termina aqui o procedimento de apuração do ato infracional, onde restou somente a aplicação de medida adequada ao adolescente infrator, ou mesmo a extinção do processo, ficando o jovem livre ou submetido à medida de proteção prevista no Estatuto. 

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4  MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

A proposta central disposta no ECA é dispor sobre tratamento específico aos jovens em razão de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, adotando métodos capazes de cumprir com a reeducação destes quando encontrarem-se em conflito com a lei.

Na mesma linha de pensamento, Maciel et all (2014, p. 1010):

Além do caráter pedagógico, que visa a reintegração do jovem em conflito com a lei na vida social, as medidas socioeducativas possuem outro, o sancionatório, em resposta à sociedade pela lesão decorrente da conduta típica praticada.

O Estatuto ao estabelecer a inimputabilidade penal dos adolescentes, cria as medidas socioeducativas, estas previstas no artigo 112 da norma, tendo como fundamento a recuperação do jovem sem punições severas dentro dos critérios da razoabilidade, tomando como base as circunstâncias do fato, a natureza do ato infracional, bem como a conduta do próprio agente.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente as medidas socioeducativas a serem aplicadas aos adolescentes infratores, são:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

- advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade;

IV - liberdade assistida;

- inserção em regime de semi-liberdade;

VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

É de extrema importância o acompanhamento dos pais do adolescente para que estes possam se comprometer a cumprir com seus deveres de responsáveis pelo incapaz, sendo necessária também a oitiva deste último para se assegurar a ciência do mesmo quanto as suas obrigações impostas pelo poder judiciário diante de um ato infracional praticado.

É importante observar que tais medidas podem ser aplicadas de forma cumulada se necessário para a efetiva reeducação do infrator, bem como podem ser aplicadas aos jovens adultos até o limite de seus 21 anos de idade. Neste último caso, leva-se em consideração a data do fato, devendo este ter ocorrido durante a menoridade do agente, bem como o tempo de andamento do processo investigativo para se ter o pedido de representação do Ministério Público.

A legislação vigente prevê todos os órgãos e instituições estatais responsáveis pela execução das medidas de forma estruturada e por meio de funcionários públicos adequados e com atribuições específicas.

4.1 ADVERTÊNCIA

Considerada a mais leve dentre todas as medidas, esta consiste em uma admoestação verbal feita pelo Juiz da vara de infância e juventude do local onde ocorreu a prática infracional, devendo aquela ser reduzida a termo e assinada pelo adolescente infrator, bem como pelos pais ou responsáveis do mesmo.

O que na realidade ocorre é a leitura do ato praticado seguida do comprometimento do adolescente de que o fato não ocorrerá novamente. Possui o objetivo de chamar atenção do adolescente e alertá-lo dos riscos que corre ao cometer ilícitos, na medida em que é informado das possíveis consequências de suas práticas e das medidas mais graves que poderão lhe ser aplicadas. Vale mencionar pensamento do autor Para Ishida (1998, p. 76): “Assim, atos infracionais como de adolescentes que cometa, pela primeira vez, lesões leves em outro ou vias de fato, podem levar aplicação desta medida”.

 A medida se restringe aos atos infracionais de natureza leve, estes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, em situações de primariedade do adolescente, devendo ser comprovados por indícios simples de autoria e materialidade.

4.2 OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO

Tal medida quase não possui aplicabilidade prática em razão de precárias condições financeiras dos adolescentes que cometem condutas infracionais na maioria dos casos.

Diante desta realidade, o Estatuto prevê a possibilidade da substituição desta medida por outra mais adequada ao agente. Nos casos de danos patrimoniais a autoridade fará que o adolescente restitua o bem, promova o ressarcimento pecuniário, ou de qualquer outra forma tente compensar o prejuízo sofrido pela vítima.

O caráter essencial da medida é conscientizar o infrator da sua responsabilidade em face de prejuízo alheio. Nesta linha de pensamento a autora Lavoratti (2007, p. 261) afirma que a obrigação de reparar o dano consiste em:

(...) determinada quando o ato infracional é atribuído ao patrimônio, então, deve ser restituído o bem e ressarcida e/ou compensada a vítima. Esta medida deve ser medida considerada que o adolescente reconhece o seu erro e assim, o repara. Desta maneira, julga-se educativa, pois não deve ser transferida para outra pessoa. Quando se manifesta a impossibilidade da aplicação, pode ser substituída por outra medida que a autoridade competente julgue mais adequada.

Em linhas gerias, pode ser afirmado que a medida em questão só será adequada quando for verificado e comprovado o prejuízo patrimonial da vítima.

4.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE

Considerada medida de grande efetividade no cenário social, sua aplicação consiste em utilidade pública, ao passo que o jovem infrator utilizará como aprendizado o serviço a ele imposto em prol da comunidade local e da coletividade. Ao tempo que evita o desnecessário cumprimento de medida mais gravosa, também possui baixíssimo índice de reincidência juvenil após sua prestação.

A prestação de serviços não poderá exceder o prazo de 6 meses e consiste em jornada máxima de 8 horas semanais, não podendo prejudicar o horário escolar ou profissional do jovem.

Obviamente, o legislador dispõe que a medida deve ser aplicada de forma adequada visando às limitações do adolescente, devendo o mesmo possuir condições físicas e mentais para a prestação do serviço, não podendo este ser exploratório ou de qualquer forma prejudicial ao jovem. Shecaira (2008, p. 198-199) leciona que:

A medida jamais poderá consistir em tarefas humilhantes ou discriminatórias. Sua finalidade é induzir no infrator a idéia de responsabilidade, de apego as normas comunitárias, de respeito pelo trabalho, bem como produz na comunidade uma sensação de obediência às regras. Além disso, o órgão ou entidade beneficiada com a prestação do serviço do adolescente deve enviar relatório periódico ao juiz da infância e juventude que fiscaliza a execução da medida, narrar eventuais incidentes que possam ocorrer e controlar sua frequência. A duração máxima da medida é pelo período de seis meses.

4.4 LIBERDADE ASSISTIDA

Medida aplicada a partir do acompanhamento, auxílio e orientação ao adolescente infrator por meio de pessoa capacitada e designada pelo juízo competente no seio de entidade ou programa de atendimento por um período mínimo de 6 meses, podendo este ser prorrogado se necessário.

É importante ressaltar que o orientador admitido em juízo deve cumprir com seus deveres todos dispostos na norma legal prevista no ECA, bem como a medida pode ser ela revogada ou mesmo substituída por medida diversa após análise de caso. O doutrinador Schecaira (2008, p. 200) vem explicar melhor a origem e ainda no que consiste a referida medida:

A liberdade assistida já era prevista no Código de Menores de 1927 denominada de liberdade vigiada, também presente no Código de 79 recebeu a nomenclatura utilizada atualmente. Esta medida é ideal para infrações de média gravidade por não ter os inconvenientes das medidas institucionais. Sua imposição se dará através do juiz que designará uma pessoa capacitada para acompanhar o adolescente. O encargo será pessoal, ainda que exista entidade governamental ou privada que estruture a fiscalização do acompanhamento. A pessoa responsável pelo acompanhamento é chamada de orientador.

Pode-se afirmar que esta sanção é a que mais se aproxima do preceito central do eca, já que apresenta a possibilidade de acompanhamento especial do adolescente em torno da sua vida social, voltado a supervisão escolar do mesmo, tendo como fim a sua inclusão no mercado de trabalho.

Por isso mesmo, atualmente os tribunais defendem a maior aplicabilidade da medida na busca pela efetiva ressocialização do jovem infrator. Como assevera Freitas (2002, p. 90):

O que interessa é o atingimento da finalidade da medida, ao ponto que evolua e supere as dificuldades da fase da vida, aprendendo a exercitar seus direitos de cidadão e mover-se no processo de escolhas e decisões múltiplas que a vida apresenta. [...] Razoável supor a indispensabilidade da criação do vinculo entre o técnico, o adolescente e familiares, para criar condições de desenvolvimento de uma relação honesta e produtiva. Deve o plano de trabalho ser proposto e debatido.

4.5 INSERÇÃO EM REGIME DE SEMILIBERDADE

A semiliberdade é uma espécie de restrição da liberdade, aplicada como sanção a partir da prática infracional ou utilizada como forma de transição para o meio aberto através de atividades externas, não necessitando de autorização judicial para tal.

Devem ser obedecidos como requisitos da semiliberdade a escolarização e profissionalização do infrator, o seu tempo de cumprimento é indeterminado, devendo portanto, ser alvo de avaliação do juízo competente com acompanhamento do Ministério Público e da defesa seja esta pública ou privada, devendo ocorrer a cada 6 meses no máximo.

Nas hipóteses de incapacidade do adolescente para cumprimento de semiliberdade deve a autoridade possibilitar a obediência de outra medida adequada à situação de fato cumprindo assim a regressão da medida de semiliberdade.

Se diferencia da medida mais grave por possibilitar ao jovem saídas externas desde que seja ele acompanhado pelo orientador escolhido para o exercício.Desta forma, a doutrinadora Lavoratti (2007, p. 262-263) conceitua a referida medida:

Artigo 120 (ECA), trata-se de medida restritiva de liberdade, porém, não é tão extrema quanto à medida de privação de liberdade, pois o adolescente não fica totalmente privado de seu direito de ir e vir. O Juiz pode aplicar esta medida, desde o início, ou como forma de regressão da medida de internação para a medida em meio aberto.

4.6 INTERNAÇÃO EM ESTABELECIMENTO EDUCACIONAL

Apresentada aqui a medida socioeducativa mais severa que o estatuto prevê em seu texto, devendo contudo, ser breve já que se trata de uma privação de liberdade do indivíduo, se diferenciando do sistema prisional do Estado em termos legais, já que o adolescente possui necessidades básicas prioritárias com relação aos adultos que cumprem pena em regime fechado.

Importante frisar que a liberdade é um dos direitos fundamentais mais importantes para o desenvolvimento dos jovens, não podendo tal preceito ser violado. Diante disto o legislador limitou a medida pelo período máximo de 3 anos, sendo escolhida quando se verifica que nenhuma das demais medidas será eficaz na reeducação do infrator.

A internação teve origem e aplicabilidade desde a vigência do Código Penal, antes do advento do ECA. Contudo, seu preceito foi sofrendo alterações, ao longo da evolução normativa, o que antes tratava-se de uma medida mais severa com um caráter punitivo, hoje é revestida de  um caráter mais educacional.

Além disso, a aplicação da medida de internação tem que cumprir o que dispõe o artigo 122 do ECA, que prevê três situações onde caberá a imposição da medida, nesse sentido Rodrigues (1995, p. 33):

(...) a medida extrema de internação ficou restrita a três situações, insculpidas no art. 122, podendo ser imposta quando:

“I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta.”.

Contudo, o Estado deve zelar pela proteção integral dos adolescentes que cumprem medida de internação, devendo proteger a integridade física e mental dos mesmos durante a sua restrição de liberdade. Segundo o ECA:

Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. § 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário. § 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. § 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos. § 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida. § 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade. § 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público. 

É a medida pautada em uma maior preocupação de assegurar a condição peculiar do adolescente de pessoa em desenvolvimento, diante desta ideia assevera Moraes; Ramos (2010, p. 848), a respeito da medida de internação:

A internação precisa ser breve. Quer isso dizer que deve alcançar o menor período possível da vida do adolescente, o qual está em processo de formação e tem no seu direito fundamental à liberdade um dos mais relevantes fatores para a construção do seu caráter. A vida em sociedade, os direitos de expressão, de se divertir e de participação na vida polícia são exemplos da importância do gozo da sua liberdade, em um momento singular da sua existência. A adolescência é a menor fase da vida, um verdadeiro rito de passagem. Compreende a idade entre doze e os dezoito, durante apenas seis de todos os anos da existência da pessoa. Por isso a preocupação do legislador com a internação, limitando a sua duração a três anos, o que já se constitui em metade deste período de amadurecimento. A internação precisa ser excepcional.

O Estatuto divide a medida em três espécies, quais sejam: provisória, definitiva e internação-sanção. Esta classificação pressupõe uma maior organização quanto à natureza funcional desta medida, já que devem ser considerados vários fatores sobre cada caso concreto e a partir de uma análise complexa se escolhe a espécie de internação a ser aplicada.

A internação provisória não pode ultrapassar o prazo de 45 dias, devendo ser destinada aos casos em que se verifiquem indícios suficientes de autoria e materialidade da prática infracional, além da necessária garantia da segurança pessoal do adolescente diante de um ato mais grave que tenha repercussão social, uma vez que sua reeducação será efetivada durante este prazo estabelecido. Os requisitos ora expostos não são cumulativos, bastando a identificação de um deles para configuração da necessidade da medida.

A escolha da medida de internação provisória independe de reiteração de prática de ato infracional ou de caracterização de violência ou grave ameaça a pessoa do ato cometido, conforme deduz o ECA. Cabe ao Ministério Público e ao Poder Judiciário decidir pela escolha da medida a partir dos preceitos legais e do histórico e personalidade do agente.

Há que se destacar que o excesso do prazo de 45 dias pode acarretar na impetração de habeas corpus em razão da violação do direito de ir e vir do internado, bem como pela desobediência ao disposto no ECA, pois considera-se constrangimento ilegal ao adolescente pela privação de liberdade por longo prazo.

Todavia já existem julgados em torno do assunto, ao passo que há casos em que a própria defesa do adolescente em razão de seus atrasos, causa um leve excesso de prazo, não constituindo desta forma, o constrangimento ao internado.

A internação-sanção de acordo com Alves (2005, p. 112) “é instrumental porque tem a finalidade de exigir que o adolescente cumpra a medida original e não a de substituir esta medida”.

Será necessária quando da verificação do descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente aplicada, não podendo ultrapassar o prazo de 3 meses. Os pressupostos necessários a aplicabilidade da medida serão confirmados a partir de uma reavaliação da medida socioeducativa realizada a cada 6 meses como dispõe o Estatuto.

Por fim, a internação definitiva é a medida mais severa dentre as demais, caracteriza-se pela indeterminação de prazo para cumprimento, sendo vedado, contudo, o excesso de prazo que ultrapasse 3 anos de internação, em virtude disto, necessária se faz uma avaliação a cada seis meses.

Dependendo do caso em análise, é possível a não liberação total do adolescente após cumprimento de 3 anos de internação, visto que se necessário para sua efetiva reeducação, o adolescente pode ainda ser adequado ao regime de semiliberdade ou liberdade assistida. Havendo descumprimento de quaisquer das medidas aplicadas após cumprimento de internação, pode autoridade competente decidir sobre aplicação de nova internação definitiva do mesmo infrator, como garantia da segurança social.

Para a sua imposição é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: ter o ato sido praticado mediante violência ou grave ameaça a pessoa ou a reiteração do adolescente em outras infrações de natureza grave. Não há necessidade de cumulação dos dois requisitos dispostos no ECA para aplicação de tal medida, restando indispensável somente um deles.

Na maioria dos casos, em que há cometimento de atos infracionais análogos a crimes tais como roubo, estupro, latrocínio, homicídio, sequestro, cárcere privado, lesão corporal grave, atentado violento ao pudor, em razão de sua gravidade, geram a escolha desta medida como apropriada. Contudo, não se deve analisar tão somente a gravidade do delito, mas também todas as circunstâncias de fato.

Em casos mais excepcionais, pode o adolescente cometer qualquer um dos crimes, contudo, não ter qualquer histórico criminal, possuir família estruturada, educação regular ou mesmo estar arrependido do ato se comprometendo a não cometê-lo novamente. Em hipóteses como estas, a internação não seria a medida mais adequada ao sujeito, devendo a autoridade competente realizar estudo de caso e lhe aplicar a medida mais favorável, fazendo o infrator jus a medida mais leve em razão de sua conduta social comum.

No entanto, na maioria dos casos da realidade atual, os jovens que normalmente praticam condutas mais gravosas a sociedade, já possuem um vasto histórico infracional, vindo já ter cometido diversas outras infrações semelhantes, dotados de índole ameaçadora, não possuindo assim, condições adequadas para cumprimento de medida mais branda que a internação, sendo necessária esta para a garantia da função social que lhe cabe.

Vale mencionar que tal medida não precisa ser aplicada em torno do cometimento de crimes iguais e reiterados, basta somente, que se configure a gravidade dos atos praticados pelo adolescente. Conforme preceitua Maçura (2002, p. 158):

Considerando que o legislador valeu-se de conceitos de crime e contravenção penal para definir o ato infracional, devemos buscar na lei penal o balizamento necessário para a conceituação de ato infracional grave. Nela, os crimes considerados graves são apenados com reclusão; os crimes leves e as contravenções penais, com detenção, prisão simples e/ou multa. Por conseguinte, entende-se por grave o ato infracional a que a lei penal comina pena de reclusão.

É importante frisar que a reiteração não se configura a partir de atos infracionais praticados, em que posteriormente o adolescente é beneficiado com a remissão socioeducativa ou nos casos em que se arquive o inquérito. Nestes casos fica clara a reincidência infracional do adolescente, não possuindo, contudo requisito essencial para medida de internação, sengundo vem entendendo o STJ, já que reincidência é a simples repetição de atos infracionais sem cumprimento de medida socioeducativa. Em contrapartida, a reiteração é considerada em casos de novo cometimento de ato infracional após cumprimento da medida.

Saraiva (2002, p. 109) afirma que:

A respeito de reiteração, faz-se oportuno destacar que este conceito não se confunde com o de reincidência, que supõe a realização de novo ato infracional após o transito em julgado de decisão anterior. Por este entendimento se extrai que reiteração se revela um conceito jurídico de maior abrangência que o de reincidência, alcançando aqueles casos que a doutrina penal define em relação ao imputável como tecnicamente primário.

Quanto ao tempo de cumprimento da medida definitiva, ressalta-se que esta não possui prazo de cumprimento determinado, ou seja, o legislador prevê que a medida não ultrapasse 3 anos de cumprimento. A contagem de prazo será unificada, contudo, como não se fala em prazo determinado, nos casos mais graves em que o adolescente, por exemplo, pratique atos dentro do próprio centro de internação ou mesmo consiga se evadir do local precisando ser apreendido, pode o Juiz decidir pela nova contagem de prazo de cumprimento até os 3 anos.

No que tange a unificação do tempo de cumprimento assevera Digiácomo (2016, p. 75-77):

O mais adequado é que o processo de execução englobe todos os feitos anteriormente instaurados em relação ao mesmo adolescente (...) de modo a evitar que o adolescente, ao longo da execução da medida, ou mesmo após o término desta, seja alvo de novas decisões que tenha por objetivo fazer com que fique a ela vinculado por um prazo superior ao previsto em lei ou que seja estritamente necessário. (...) a previsão legal da unificação de medidas visa evitar, entre outras, que o adolescente acumule procedimentos sem solução e receba a destempo, e de forma cumulativa, medidas que, a rigor, já perderam seu objetivo pedagógico. Apenas fatos posteriores ao inicio do cumprimento da medida original/unificada poderão resultar na aplicação de novas medidas, retomando a partir dai a contagem do prazo máximo de sua duração.

Assim, conclui-se que a internação terá prazo de duração referente a todos os atos praticados pelo adolescente em data anterior a aplicação da medida, assim, após internação o infrator não terá mais sanção referente aos atos praticados que chegarem ao conhecimento da Autoridade Policial e do Ministério Público. Contudo, se o adolescente vier a cometer noto ato infracional durante o cumprimento da medida, dentro do estabelecimento de internação ou mesmo fora dele após sua liberação, estará sujeito a nova aplicação de internação definitiva.

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Interesse sobre o assunto abordado por conta de experiência adquirida em estágio acadêmico realizado na Promotoria de Justiça da Vara da Infância e Juventude.

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