Da ilegalidade da limitação das astreintes ao teto dos juizados especiais cíveis ou do proveito econômico da actio

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O valor das astreintes estaria limitado pelo da obrigação principal? Defende-se neste artigo que uma vez imposta as astreintes, o destinatário (exequente) já faz jus ao seu direito, em consonância com o Enunciado n.º 144 do FONAJE.

Resumo: As astreintes são aplicadas pelo Estado-Juiz servindo verdadeiramente para coagir os executados a cumprir sua respectiva obrigação, pressionando-os psicologicamente para que cumpra com sua prestação, e diante da relevância do tema, é necessário destaque, inclusive na ótica dos Juizados Especiais Cíveis. Geralmente encarada como meio de coerção, sendo aplicada a medida de multa periódica pelo atraso das obrigações fazer ou não fazer em processo executivo, seja por título extrajudicial e judicial. Em que pese a inexistência de previsão legal do quantum debetur deve ser o valor da multa coercitiva (astreintes). Também muito se discute se o valor das astreintes estaria limitado pelo da obrigação principal. Considerando estas discussões, compartilhamos do entendimento de que as astreintes uma vez imposta, e não sendo a obrigação cumprida, o destinatário (exequente) já faz jus ao seu direito líquido e certo de recebê-las. Levando ao crivo do Juizados especiais, notamos divergências de entendimento e respeito ao Enunciado nº 144 do FONAJE, no qual menciona que a multa cominatória não fica limitada ao valor de 40 salários mínimos, embora deva ser razoavelmente fixada pelo Juiz, obedecendo ao valor da obrigação principal, mais perdas e danos, atendidas as condições econômicas do devedor (XXVIII Encontro – Salvador/BA). Mesmo diante da existência do entendimento contrário, partilhamos do entendimento do FONAJE, respeitando sempre os princípios da razoabilidade e proporcionalidade e ainda o porte econômico do executado.

Palavras-chave: Ilegalidade. Limitação. Astreintes. Teto. Juizados Especiais Cíveis.


1. INTRODUÇÃO

A convivência social do ser humano sempre foi regada por conflitos, dos primeiros habitantes até o século XXI, o homo, ser social, imbuído de interesses e pretensões, todos os dias, para defesa dos seus bens e pelas mais diversas motivações, choca-se com as pretensões alheias, ocasionando o surgimento de conflitos.

Em um primeiro momento da civilização, imperava a lei do mais forte, utilizava-se a força e a astúcia, e os conflitos de interesse eram solucionados pelos próprios envolvidos.

Com o avançar dos séculos e o crescimento dos Estados, tornou-se necessária à regulação das relações sociais, o que ocasionou a atuação de um ente superior que impunha a sua vontade perante todos, por meio de normas gerais e abstratas, a fim de garantir a pacificação e previsibilidade da convivência humana.

Assim, o Estado, ente soberano, responsável pela regência do seu povo, em um dado território, avocou para si a Jurisdição, que segundo GONCALVEIS (pg. 102) “é a função do Estado, pela qual ele, no intuito de solucionar os conflitos de interesse em caráter coativo, aplica a lei geral e abstrata aos casos concretos que lhe são submetidos”.

Séculos se passaram até que o Estado-Juiz se tornasse o que é hoje, e com tal evolução da Jurisdição, muito se modificou na regulação das regras e princípios que norteiam a solução de conflitos.

Atualmente, a legislação brasileira depara-se com um novo Processo Civil (Lei n. 13.105/2005), fruto da evolução legislativa que adotou em suas normas posições jurisprudenciais e doutrinárias pacificadas ao longo do código anterior. Busca-se com o novo códex mais do que o acesso ao Poder Judiciário (Inafastabilidade do Poder Jurisdicional) e o reconhecimento de um direito material, pretende-se garantir a efetividade da tutela requerida, ou seja, a entrega definitiva do direito pretendido, do contrário, o Poder Judiciário seria mera peça teatral sem correspondência prática.

O presente artigo busca fomentar a importância de se assegurar a tutela jurisdicional, através da utilização pelo Estado-julgador de um instrumento que tem ganhado grande destaque no meio processual, as multas, também conhecidas como astreintes.


2. DA NATUREZA JURÍDICA DAS ASTREINTES

Com o advento do novo CPC, mas do que o mero reconhecimento do direito material, o legislador expressamente previu a garantia da tutela satisfativa.

E por meio do sincretismo processual, a execução do direto material reconhecido através do trânsito em julgado, tornou-se mera fase do processo.

Contudo, em que pese o avanço buscado pelo legislador para tornar mais célere a satisfação do direito ora reconhecido, o devedor, não raras vezes, mostra-se um péssimo pagador, ocasionando uma demora excessiva na fase satisfativa do processo e o desprestígio do Estado Juiz.

Assim, visando a efetivação do direito material reconhecido através das suas decisões, o Poder Judiciário tem-se utilizado de um importante mecanismo de coerção psicológica para cumprimento da obrigação pelo devedor, qual seja, as multas, também denominadas astreintes.

No ensinamento do Mestre Alexandre Freitas Câmara, denomina-se astreintes a multa periódica pelo atraso no cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, incidente em processo executivo (ou na fase executiva de um processo misto), fundado em título judicial ou extrajudicial, e que cumpre a função de pressionar psicologicamente o executado, para que cumpra sua prestação[3]

No entendimento do Juiz Federal - Rodolfo Kronemberg Hartmann[4], relata que as astreintes , representam meio de coerção mais largamente empregado. Assim, tendo em vista a importância deste instrumento, faz-se necessário um estudo mais aprofundado diante do parco tratamento dado pelo legislador, que por consequência, ocasiona dúvidas na utilização do mecanismo.

Consoante Marcos Vinicius Rios Gonçalves[5], as astreintes é como mecanismo de coerção para pressionar a vontade do devedor renitente que, temeroso dos prejuízos que possam advir ao seu patrimônio, acabará por cumprir aquilo a que vinha resistindo. Dentre os vários meios de coerção, a multa, que se assemelha às astreintes do direito francês, é dos mais eficientes.

A prática advocatícia ensina que a fase executiva é a mais tormentosa, posto que não basta a demora excessiva no dizer o direito, pelos diversos motivos que não cabem ser apresentados neste trabalho, mas ainda assim, há excessivo retardamento na satisfação/ cumprimento das decisões ora exaradas.

Verificando a renitência do devedor em cumprir as decisões jurisdicionais, ao longo das legislações, foi-se incorporando um mecanismo de pressão visando obrigar indiretamente o devedor no cumprimento da decisão, mexendo na parte que mais dói em qualquer ser humano, o bolso.

Assim, para a doutrina majoritária em direito processual civil, as multas, instrumentos de coerção do Estado Jurisdicional, são utilizadas com o fim único de pressionar o requerido/devedor/executado ao cumprimento da obrigação.


3. AS ASTREINTES ESTIPULADAS NAS OBRIGAÇÕES DE FAZER OU NÃO FAZER

O instituto das astreintes é largamente utilizado na tutela de obrigações de fazer ou não fazer e tem como escopo compelir o devedor ao cumprimento do preceito estabelecido na decisão judicial.

Segundo o ilustre doutrinador Daniel Assumpção[6], apesar de não existir uma gradação entre as medidas executivas à disposição do Juízo para efetivar a Tutela das obrigações de fazer e não fazer, a multa serve como forma de pressionar o executado a cumprir sua obrigação, e ao longo dos anos tem-se mostrado medida de extrema frequência na praxe forense.

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

Continua a esclarecer Assumpção que a valorização da multa pode ser percebida pela expressão menção à ela feita pelo diploma processual em seu artigo, 537, do Novo Diploma Processual Civil.

Ademais, sustenta que a retirada do texto do Novo Diploma Processual Civil (NCPC), dos termos “diária” ou “por tempo de atraso” como qualificativos da multa ora analisada é um avanço e der ser elogiada.

Ressalta, Daniel Assumpção, que a respectiva multa, nem periódica precisa ser, em especial quando aplicada para pressionar psicologicamente o devedor a cumprir uma obrigação instantânea que não pode ser repetida. Seja como for, a interpretação é de que cabe multa, e que sua qualificação – única, periódica, por ato ilícito praticado – é tarefa do juiz no caso concreto, e não do legislador.

Outro aspecto a relatar, é que apesar de sua periodicidade diária, sendo a mais utilizada na aplicação de multa coercitiva, os magistrados poderão determinar outra periodicidade, minuto, hora, semana, quinze, mês e etc., assim como determinar que a multa seja fixa, única forma logicamente aceitável de multa nas violações de natureza instantânea.

No artigo 537, caput, do NCPC, acima transcrito, aduz que o juiz poderá, inclusive de ofício impor multa ao réu, podendo tal multa ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória, na sentença ou na fase de execução. Além de uma repetição, já que o dispositivo poderia ter se limitado a prever o cabimento da multa a qualquer tempo no processo, há uma omissão justificável. E que segundo, Assumpção, seria em relação ao processo autônomo de execução, que não obstante a intrigante omissão legal, tratando-se de medida executiva, qualquer que seja a forma de execução, será cabível a aplicação da multa.

Quanto ao aspecto do prazo razoável para o cumprimento do preceito, o doutrinador Assumpção acredita que esse prazo não seja a de duração da aplicação da multa, mas sim o prazo para cumprimento voluntário (não espontâneo) que poderá impedir a incidência das astreintes.

O doutrinador Assumpção, é bem crítico a isso, pois segundo o mesmo, não se pode concordar que o juiz deve indicar um prazo para o cumprimento, porque neste caso o executado pode fazer previamente cálculos e decidir que vale a pena descumprir a obrigação, mesmo que lhe venha a ser aplicada a multa.

Compartilhamos do entendimento do doutrinador Assumpção, que ressalta “a multa deve durar enquanto se mostra útil a seu fim, qual seja, o cumprimento da obrigação, cabendo ao juiz fazer a análise temporal de sua eficácia durante sua aplicação e, não fixando um termo final antes mesmo se sua aplicação”.

Ora, a fixação temporal das astreintes constitui um cerceamento dos mecanismos de efetividade da tutela jurisdicional e por consequência, descaso do Estado Juiz que sendo acionado, não foi forte o suficiente para pacificar as relações sociais.

Imaginemos, um conflito entre um grande banco e um correntista que fora negativado sem justo motivo, e por consequência teve todas as suas transações e operações suspensas. Após a regular instrução processual, o Estado Juiz profere a sua decisão final condenado o requerido em danos morais e a imediata liberação de toda e qualquer transação/ operação requerida pelo autor. Contudo, passado o prazo para o cumprimento espontâneo o devedor silencia a despeito da decisão e não cumpre as determinações ora estipuladas.

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Por obvio, é justo, e necessário, que o Estado, através do mecanismo de coerção ora analisado, pressione o devedor (Banco), ao pagamento de multa, enquanto durar o descumprimento da decisão. No presente caso, o requerido, possui capacidade econômica para suportar toda e qualquer consequência pecuniária advinda de sua renitência, e uma limitação sem previsão legal só ocasionaria o desprestigio do Poder Judiciário e o descontentamento do autor prejudicado, que em que pese ter ganhado (mérito), não levou (liberação das transações).

Por fim, sendo a respectiva obrigação cumprida a destento, a multa continua a ser exigível pelo período de atraso no cumprimento da obrigação, de forma que somente o cumprimento dentro do prazo exime a parte do pagamento[7]


4. DO VALOR DA MULTA (ASTREINTES) E SEU BENEFICIÁRIO.

Não há previsão legal referente ao valor da multa coercitiva, somente o artigo 537, caput do NCPC, menciona que desde que seja suficiente e compatível com a obrigação[8].

Neste ponto, concordamos, uma vez que a medida de multa á nada mais que uma pressão psicológica, sendo mecanismo de coerção para pressionar a vontade do devedor reniente, que temeroso do prejuízo que pode advir ao seu patrimônio, acabará por cumprir aquilo a que vinha resistindo[9].

Uma estipulação fixa para as astreintes apenas inviabilizaria a utilização do instrumento, visto que este poderia ser excessiva para alguns e irrisória para outros. Logo, o CPC continuou acertando ao deixar tal fixação a critério da autoridade julgadora que analisando as condições econômicas do executado, poderá estipular um valor adequado para a pressão intentada.

Muito se discutiu se o valor da multa (astreintes) estaria limitado pelo da obrigação principal. Alguns doutrinadores sustentam que as cláusulas penais não podem ultrapassar o valor da obrigação, em atenção ao que dispõe o direito Civil. Contudo, há de se esclarecer que verdadeiramente a multa (astreintes) não e cláusula penal, e a lei não a impõe limites[10].

Todavia, em que pese a distinção dos institutos, temos que enfrentar este tema com prudência. Em que pese estas discussões, compartilhamos do entendimento de que as astreintes uma vez imposta, e não sendo a obrigação cumprida, o destinatário (exequente) já faz jus ao seu direito líquido e certo de recebê-las.

De certo, que os julgadores devem se atentar para os principios da razoabilidade e proporcionalidade para admitir que as multas ultrapassem ou não o proveito econônico, considerando sobretudo, o porte econômico do executado, usando critérios que não enriqueça indevidamente o credor e não empobreça o devedor.

Já a possibilidade ilimitada de redução das astreintes ora fixadas pelo julgador, é muito temerosa a segurança jurídica e, sem dúvida, uma tarefa extremamente difícil, pois o mesmo então deve determinar um valor que seja apto a efetivamente exercer tal influência no devedor para que este se convença que a melhor alternativa, de fato é cumprir a obrigação lhe imposta.

Obviamente, nesta análise o magistrado tem que ser criterioso a ponto de auferir o valor da multa não irrisória, porque assim, sendo não haverá pressão sendo efetivamente gerada, assim como não pode ser exorbitante. Considerando-se que um valor muito elevado também desestimula o cumprimento da referida obrigação.

Em sua obra, Assumpção, valendo-se de uma expressão poética revolucionária, tem –se que endurecer sem perder a ternura. Um exemplo disso:

Daniel tem contrato de exclusividade com um curso jurídico, mas passa a ministrar aulas também no concorrente. O curso com o qual Daniel tem contrato de exclusividade ingressa com ação judicial para proibi-lo de continuar ministrando aulas em outros lugares, obtendo a concessão de liminar com a imposição de multa de R$10,00 por aula. Apesar de Daniel ficar em dúvida se vale a pena continuar dando aula nos cursos de graduação, fatalmente concluirá que o valor é irrisório, não servindo como forma de pressioná-lo a cumprir a decisão. Por outro lado, se o juiz fixar a multa no valor de R$100.000,00 por aula, provavelmente Daniel pensará que a ameaça do juiz foi exagerada que não terá estimulo para o cumprimento da decisão.

Por isso, essa responsável liberdade concedida ao juiz na determinação do valor da multa faz com que não exista nenhuma vinculação entre o seu valor e o valor da obrigação descumprida[11], podendo, portanto, superá-lo[12]. Caso tivesse natureza sancionatória ou compensatória, como ocorre com a cláusula penal, seria o valor limitado ao da obrigação principal por expressa previsão do artigo 412 do Diploma Civil.

Por outro lado, tendo as astreintes natureza coercitiva, sempre beneficiará a parte que pretende o cumprimento da obrigação. Assim, é que na hipótese de a multa funcionar em sua tarefa de pressionar o obrigado, a parte contrária será beneficiada por sua aplicação, porque conseguirá a satisfação de seu direito em razão do convencimento gerado no devedor em razão da aplicação da multa[13].

No entanto, nem sempre a multa surte os efeitos pretendidos, e sempre que isso ocorre será criado um direito de crédito no valor da multa fixada.

Segundo preleciona, Assumpção, “não parece corretor falar em quem será o beneficiado pela multa para aferir quem é o credor desse valor; melhor será falar em beneficiado pela frustação da multa e a consequente criação de um crédito;

Ora, a multa somente existiu por que houve um descumprimento por parte do executado, cabe aos operadores do direito modificar a velha preocupação com a expropriação do patrimônio do condenado, afinal, se ele foi condenado, houve um motivo.

Todavia, parcela da doutrina permanece criticando a visão acima esposada[14], o legislador nacional entende que o credor do valor gerado pela frustração da multa será a parte para a qual não foi determinado o cumprimento da obrigação, conforme previsão do § 2.º do artigo 537, do NCPC, compartilhando assim do entendimento do Superior Tribunal de Justiça[15]. Costuma-se afirmar que o beneficiado, nesse caso, é o demandante, mas não se pode descartar a possibilidade de o demandado ser credor, o que ocorre sempre que o demandante descumprir uma determinação para o cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer com aplicação de multa[16].


5. AS ASTREINTES EM SEDE DE JUIZADOS ESPECIAIS E OS CASOS PRÁTICOS

Adentrando ao tema dos Juizados Especiais, há entendimento de que as astreintes não se limitam ao valor-teto de 40 salários mínimos, que se refere somente à pretensão principal do autor[17]

Todavia, em que pese à existëncia enunciado do FONAJE de nº 144, muitos magistrados e turmas recursais não compartilham de tal entendimento, de forma que há decisões divergentes, conforme será abordado a seguir.

No presente item verificam-se casos práticos no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, decisões contrárias ao enunciado do FONAJE, que persistem no condicionamento das astreintes ao teto dos juizados ou mesmo do valor da ação proposta, limitação está sem amparo legal.

Um exemplo da presente situação encontra-se na decisão de fls. 122/123, nos autos do processo que tramitava no 8º Juizado Especial Cível do TJAM sob o nº 0203656-23.2015.8.04.0016, vejamos:

DECISÃO

Trata-se de pedido de execução de multa astreintes, no valor de R$9.000,00(nove mil reais), por descumprimento de obrigação de fazer imposto na r. Sentença.

Da análise dos autos verifico que a r. Sentença condenou o réu a suportar o pagamento da quantia de R$7.000,00(sete mil reais) a título de danos morais em favor da exequente e confirmou a tutela antecipada no sentido de determinar o desbloqueio do cartão de crédito da autora, e para o caso descumprimento, impôs a aplicação de multa astreintes no valor máximo de R$5.000,00(cinco mil reais).

Em face do não cumprimento do que fora deliberado por este Juízo, foram bloqueados e levantados pelo exequente 04(quatro) multas astreintes sucessivas nas quantias de R$5.000,00(cinco mil reais) (fls.32/33); R$6.000,00(seis mil reais) (fls.68/69); R$7.000,00(sete mil reais) (fls.96/97) e R$8.000,00(oito mil reais) (fls. 115/116), totalizando a quantia de R$26.000,00(vinte e seis mil reais).

Agora a exequente se insurge pugnando pela aplicação de nova multa com o consequente bloqueio judicial da quantia de R$9.000,00(nove mil reais), bem como pela aplicação de litigância de má-fé por parte do executado.

A astreintes é uma multa inibitória prevista no ordenamento cujo objetivo é impor ao jurisdicionado o cumprimento de uma obrigação. O valor deve ser proporcional à condenação principal mas não pode alcançar excesso, devendo cingir-se ao compatível em conformidade com o princípio da proporcionalidade. Igualmente não podendo ter fim indenizatório.

Ora, se a condenação principal fora arbitrado na quantia de R$7.000,00(sete mil reais) e o autor já levantou a quantia R$26.000,00(vinte e seis mil reais) a título de multa, entendo que resta caracterizado o excesso.

Aliás, anote-se que não há como sustentar lógica e juridicamente a hipótese de liquidação de astreintes cuja somatória seja muito maior ou mais relevante e importante que o objeto perseguido na ação principal; é uma contradição em termos, ou seja, condenar o devedor com multas excessivas por não ter cumprido uma ordem judicial a pagar mais que o valor do pleito feito pelo credor na própria ação principal é tão estranho que mais justo seria julgar procedente a ação sem ouvir o réu.

[...]

DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE ORDEM. EXCESSO NAS ASTREINTES. Não há óbice à redução da multa diária arbitrada para o caso de descumprimento da liminar, inicialmente fixada em valor demasiadamente elevado, inclusive de ofício, podendo a matéria ser analisada em exceção de pré-executividade. Trata-se de quantia que deve atender ao princípio da proporcionalidade e não importar em enriquecimento indevido da parte beneficiária, devendo ser considerado, principalmente, o montante da obrigação principal. (...) AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, DE PLANO. (Agravo de Instrumento Nº 70067154880, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 05/11/2015).

Vejo ainda que o executado, ao manifestar-se (fl.78) demonstrou o cumprimento da tutela antecipada com o desbloqueio do cartão da exequente, inexistindo obrigação pendente de cumprimento, muito menos de nova multa astreintes a ser aplicada, o que certamente ensejaria em enriquecimento ilícito.

Ante o exposto, revogo a segunda parte do despacho de fl. 105 destes autos, e, por conseguinte, INDEFIRO o pleito de fls. 117/119, oportunidade em declaro a obrigação imposta na r. Sentença cumprida, inexistindo pendências a ser suportada pelo executado. Intime-se. Após, arquivem-se os autos. Cumpra-se

Longe de esgotar a matéria e visando aprofundamento do debate acadêmico a respeito das astreintes, sustenta-se que a presente decisão merece ser analisada sobre outro prisma.

No quinto parágrafo da decisão interlocutória a juíza expressamente elenca o objetivo das multas, qual seja, impor ao jurisdicionado o cumprimento de uma obrigação. Em continuidade, dispõe que a multa deve ser proporcional ao valor principal, não podendo alcançar o excesso, devendo cingir-se ao compatível com o princípio da proporcionalidade e não podendo ter o caráter indenizatório.

Parece contraditório que no mesmo parágrafo que o órgão julgador elenca o objetivo da multa, qual seja o cumprimento da decisão exarada, haja uma preocupação com uma provável excessividade. Ora, uma multa de R$ 9.000 (nove) mil reais é realmente excessiva para uma Intuição Financeira, requerida no caso.

Será realmente que o princípio da Proporcionalidade se viu ferido diante do novo pedido de multa, dado o descaso do executado com o cumprimento da decisão jurisdicional e por consequinte o objetivo final da multa.

No parágrafo sexto, o magistrado expressamente afirma que entende caracterizado o excesso. Caracterizado com base em que? Apenas no valor da causa? No faturamento da pessoa jurídica ora condenada? Verifica-se que a subjetividade ora utilizada é gritante, colocando em risco a própria previsibilidade do processo, visto que se a parte não cumpre, espera-se que o Juizo tome as medidas necessárias para esse cumprimento, entre elas, o estabelecimento de multas.

No parágrafo seguinte, informa que sustentar lógica e juridicamente a hipótese de liquidação de astreintes cuja somatória seja muito maior ou mais relevante e importante que o objeto perseguido na ação principal; é uma contradição. Ora, uma contradição a quê? O CPC no seu art. 536 informa que o Juízo, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção da tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias ä satisfação do exequente. Ao estipular astreintes com o fim de coagir o executado a pagar, o Estado não esta se utilizado de meios necessários para a efetivação da tutela? Onde no ordenamento jurídico brasileiro, no CPC ou na Lei 9.099/95 existe previsão que limite o valor da multa ao objeto da ação principal?

Por fim, no parágrafo seguinte, é citada uma decisão monocrática em sede de agravo de instrumento, que informa que não há óbice para a redução da multa diária arbitrada para o caso de descumprimento da liminar, inicialmente fixada em valor demasiadamente elevado. Causa estranheza a utilização de tal decisão como parâmetro, pois, se cogitar no campo empírico das ideias, que o valor, ora citado, poderá causar algum prejuízo a uma intuição bancária, causa no mínimo, um ataque de gargalhada.

Ao contrário do juízo do 8º Juizado, a 1ª Turma Recursal do TJAM, decidiu pela aplicabilidade do enunciado 144 do FONAJE, vejamos:

RECURSO INOMINADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER NÃO CUMPRIDA NO PRAZO ESTABELECIDO. MULTA DIÁRIA APLICADA. EXECUÇÃO DE ASTREINTES. CABIMENTO. PLEITO DE REDUÇÃO DA EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE.

EXCESSO DO VALOR DAS ASTREINTES VERIFICADO. REDUÇÃO DO VALOR ARBITRADO. CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. SEM CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 55 DA LEI Nº 9.099/95, INTERPRETADO A CONTRARIO SENSU

Ao que nos parece essa é a lógica, que deve ser aplicada pelos juízes dos Juizados Especiais Cíveis, ou seja, não condicionando o valor da ação principal, e considerando ainda o porte econômico do devedor e ainda os princípios da razoabilidade e proporcionalidade a cada caso.

Infelizmente essa lógica não foi empregada na decisão de fls. 152/156 dos autos sob o nº 0602331-79.2013.8.04.0092, sob julgamento na 3ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM), vejamos:

EMBARGOS À EXECUÇÃO. ASTREINTES COMINADAS EM DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NÃO COMPROVAÇÃO DO CUMPRIMENTO. EXECUÇÃO DE ASTREINTES EM DUAS OCASIÕES NO TRANSCURSO DE 3 ANOS E MEIO. MONTANTES ELEVADOS. DESVIRTUAMENTO DO INTERESSE PROCESSUAL E MANUTENÇÃO DE COERÇÃO INEFICAZ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA REDUZIR O VALOR DA EXECUÇÃO E, EX OFFICIO, DECRETAR O TERMO DA EFICÁCIA DA MULTA COMINADA.

Tal decisão acima, com a devida vênia, está completamente equivocada e completamente contraditória com o Enunciado nº 144 do FONAJE, que estabelece a inexistência de teto para aplicação de multa por descumprimento de obrigação, sendo que a multa não atingiu tal valor por inércia da parte que recorre, mas, sim, porque ao longo do processo de execução foram opostos 7 (sete) embargos /impugnações.

O caso em apreço, foi estarrecedor e mais ainda, quando a multa inicialmente estipulada não passava de R$200,00 (duzentos reais ) ao dia, e sendo a parte executada uma concessionária de serviço público que deixou de cumprir a obrigação de religar a energia da residência da exequente, deixando-a inclusive há três anos e meio sem sem um serviço que é considerado essencial, a energia elétrica.

Mais absurdo ainda, é saber que a própria relatora deste caso em recente decisão nos autos sob nº 0207600-70.2014.8.04.0015, entendeu o contrário:

“No caso em tela, a empresa recorrente após ser intimada da sentença prolatada em 14/04/2015 (fls. 105) com término do prazo em 30/04/2015, não cumpriu a determinação judicial no prazo estabelecido, vindo a fazêlo apenas em 17/10/2015 (fls.272) incorrendo na multa diária determinada naquela decisão, QUE SOMENTE SE TORNOU EXORBITANTE POR CULPA EXCLUSIVA DA RECALCITRÂNCIA DO RECORRENTE NO DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL, devendo, portanto, responder pelos danos causados ao recorrido.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem reforçando o papel das astreintes no sistema jurídico brasileiro. A jurisprudência do Tribunal tem dado relevo ao instituto, que serve para coibir o adiamento indefinido do cumprimento de obrigação imposta pelo Poder Judiciário (GRIFO NOSSO).

Note –se ainda, que nesta mesma decisão, a juíza relatora asseverou:

Duas decisões relatadas pela ministra Nancy Andrighi são exemplos importantes do novo enfoque dado às astreintes. Em uma delas, a Bunge Fertilizantes S/A foi condenada em mais de R$ 10 milhões por não cumprir decisão envolvendo contrato estimado em R$ 11,5 milhões. Em outra, o Unibanco teve de pagar cerca de R$ 150 mil por descumprimento de decisão – a condenação por danos morais no mesmo caso foi de R$ 7 mil. Nesse último caso, a relatora afirmou:

“Este recurso especial é rico em argumentos para demonstrar o exagero da multa, mas é pobre em justificativas quanto aos motivos da resistência do banco em cumprir a ordem judicial Em situações como essa, reduzir a astreinte sinalizaria às partes que as multas fixadas não são sérias, mas apenas figuras que não necessariamente se tornariam realidade. A procrastinação sempre poderia acontecer, afirma a ministra, “sob a crença de que, caso o valor da multa se torne elevado, o inadimplente a poderá reduzir, no futuro, contando com a complacência do Poder Judiciário.”

Em outro precedente, também da ministra Nancy Andrighi, foi mantida condenação em que o Banco Meridional do Brasil S/A afirmava alcançar à época do julgamento R$ 3,9 milhões, com base em multa diária fixada em R$ 10 mil. Nessa decisão, a ministra já sinalizava seu entendimento:" a astreinte tem caráter pedagógico, e, na hipótese, só alcançou tal valor por descaso do banco".

Segundo a relatora, não há base legal para o julgador reduzir ou cancelar retroativamente a astreinte. Apenas em caso de defeito na sua fixação inicial seria possível a revisão do valor. “A eventual revisão deve ser pensada de acordo com as condições enfrentadas no momento em que a multa incidia e com o grau de resistência do devedor”, anotou em seu voto definitivo no Resp 1.026.191.(GRIFO NOSSO)[18]

Portanto, no que tange à redução do valor da multa arbitrada, diante do dano sofrido pelo recorrido, não assiste razão ao apelante, motivo pelo qual mantenho o quantum fixado, entendendo ser valor suficiente e adequado para reparar o dano, atendendo o caráter pedagógico.

Diante do que foi explicitado acima, voto no sentido de negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença em sua integralidade. É como voto. Nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95, condeno a parte recorrente ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 15 % da condenação, bem como às custas processuais. Manaus, 25/08/2016

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Sobre os autores
Luiza Veneranda Pereira Batista

Delegada de Polícia do estado de Goiás. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Direito Processual Penal. Especialista em Criminologia. Formada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas.

Johnny de Oliveira Salles

Advogado. Especialista em Direito Processual Civil. Residente da Defensoria Pública do Amazonas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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