Da ilegalidade da limitação das astreintes ao teto dos juizados especiais cíveis ou do proveito econômico da actio

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5- AS ASTREÍNTES EM SEDE DE JUIZADOS ESPECIAIS E OS CASOS PRÁTICOS  

Adentrando ao tema dos Juizados Especiais, há entendimento de que as astreíntes não se limitam ao valor-teto de 40 salários mínimos, que se refere somente à pretensão principal do autor[17]

Todavia, em que pese à existëncia enunciado do FONAJE de nº 144, muitos magistrados e turmas recursais não compartilham de tal entendimento, de forma que há decisões divergentes, conforme será abordado a seguir.  

No presente item verificam-se casos práticos no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, decisões contrárias ao enunciado do FONAJE, que persistem no condicionamento das astreíntes ao teto dos juizados ou mesmo do valor da ação proposta, limitação está sem amparo legal.

Um exemplo da presente situação encontra-se na decisão de fls. 122/123, nos autos do processo que tramitava no 8º Juizado Especial Cível do TJAM sob o nº 0203656-23.2015.8.04.0016, vejamos:

DECISÃO

Trata-se de pedido de execução de multa astreintes, no valor de R$9.000,00(nove mil reais), por descumprimento de obrigação de fazer imposto na r. Sentença.

Da análise dos autos verifico que a r. Sentença condenou o réu a suportar o pagamento da quantia de R$7.000,00(sete mil reais) a título de danos morais em favor da exequente e confirmou a tutela antecipada no sentido de determinar o desbloqueio do cartão de crédito da autora, e para o caso descumprimento, impôs a aplicação de multa astreintes no valor máximo de R$5.000,00(cinco mil reais).

Em face do não cumprimento do que fora deliberado por este Juízo, foram bloqueados e levantados pelo exequente 04(quatro) multas astreintes sucessivas nas quantias de R$5.000,00(cinco mil reais) (fls.32/33); R$6.000,00(seis mil reais) (fls.68/69); R$7.000,00(sete mil reais) (fls.96/97) e R$8.000,00(oito mil reais) (fls. 115/116), totalizando a quantia de R$26.000,00(vinte e seis mil reais).

Agora a exequente se insurge pugnando pela aplicação de nova multa com o consequente bloqueio judicial da quantia de R$9.000,00(nove mil reais), bem como pela aplicação de litigância de má-fé por parte do executado.

A astreintes é uma multa inibitória prevista no ordenamento cujo objetivo é impor ao jurisdicionado o cumprimento de uma obrigação. O valor deve ser proporcional à condenação principal mas não pode alcançar excesso, devendo cingir-se ao compatível em conformidade com o princípio da proporcionalidade.  Igualmente não podendo ter fim indenizatório.

Ora, se a condenação principal fora arbitrado na quantia de R$7.000,00(sete mil reais) e o autor já levantou a quantia R$26.000,00(vinte e seis mil reais) a título de multa, entendo que resta caracterizado o excesso.

Aliás, anote-se que não há como sustentar lógica e juridicamente a hipótese de liquidação de astreintes cuja somatória seja muito maior ou mais relevante e importante que o objeto perseguido na ação principal; é uma contradição em termos, ou seja, condenar o devedor com multas excessivas por não ter cumprido uma ordem judicial a pagar mais que o valor do pleito feito pelo credor na própria ação principal é tão estranho que mais justo seria julgar procedente a ação sem ouvir o réu.

[...]

DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE ORDEM. EXCESSO NAS ASTREINTES. Não há óbice à redução da multa diária arbitrada para o caso de descumprimento da liminar, inicialmente fixada em valor demasiadamente elevado, inclusive de ofício, podendo a matéria ser analisada em exceção de pré-executividade. Trata-se de quantia que deve atender ao princípio da proporcionalidade e não importar em enriquecimento indevido da parte beneficiária, devendo ser considerado, principalmente, o montante da obrigação principal.(...) AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, DE PLANO. (Agravo de Instrumento Nº 70067154880, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 05/11/2015).

Vejo ainda que o executado, ao manifestar-se (fl.78) demonstrou o cumprimento da tutela antecipada com o desbloqueio do cartão da exequente, inexistindo obrigação pendente de cumprimento, muito menos de nova multa astreintes a ser aplicada, o que certamente ensejaria em enriquecimento ilícito.

Ante o exposto, revogo a segunda parte do despacho de fl. 105 destes autos, e, por conseguinte, INDEFIRO o pleito de fls. 117/119, oportunidade em declaro a obrigação imposta na r. Sentença cumprida, inexistindo pendências a ser suportada pelo executado. Intime-se. Após, arquivem-se os autos. Cumpra-se

Longe de esgotar a matéria e visando aprofundamento do debate acadêmico a respeito das astreíntes, sustenta-se que a presente decisão merece ser analisada sobre outro prisma, senão vejamos: No quinto parágrafo da decisão interlocutória a juíza expressamente elenca o objetivo das multas, qual seja, impor ao jurisdicionado o cumprimento de uma obrigação. Em continuidade, dispõe que a multa deve ser proporcional ao valor principal, não podendo alcançar o excesso, devendo cingir-se ao compatível com o princípio da proporcionalidade e não podendo ter o caráter indenizatório.

Parece contraditório que no mesmo paragrafo que o órgão julgador elenca o objetivo da multa, qual seja o cumprimento da decisão exarada, haja uma preocupação com uma provável excessividade. Ora, uma multa de R$ 9.000 (nove) mil reais é realmente excessiva para uma Intuição Financeira, requerida no caso.

Será realmente que o princípio da Proporcionalidade se viu ferido diante do novo pedido de multa, dado o descaso do executado com o cumprimento da decisão jurisdicional e por consequinte o objetivo final da multa.

No parágrafo sexto o magistrado expressamente afirma que entende caracterizado o excesso. Caracterizado com base em que? Apenas no valor da causa? No faturamento da pessoa jurídica ora condenada? Verifica-se que a subjetividade ora utilizada é gritante, colocando em risco a própria previsibilidade do processo, visto que se a parte não cumpre, espera-se que o Juizo tome as medidas necessárias para esse cumprimento, entre elas, o estabelecimento de multas.

         No parágrafo seguinte informa que sustentar lógica e juridicamente a hipótese de liquidação de astreintes cuja somatória seja muito maior ou mais relevante e importante que o objeto perseguido na ação principal; é uma contradição. Ora, uma contradição a quê? O CPC no seu art. 536 informa que o Juízo, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção da tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias ä satisfação do exequente. Ao estipular astreíntes com o fim de coagir o executado a pagar, o Estado não esta se utilizado de meios necessários para a efetivação da tutela? Onde no ordenamento jurídico brasileiro, no CPC ou na Lei 9.099/95 existe previsão que limite o valor da multa ao objeto da ação principal?

Por fim, no parágrafo seguinte, é citada uma decisão monocrática em sede de agravo de instrumento, que informa que não há óbice para a redução da multa diária arbitrada para o caso de descumprimento da liminar, inicialmente fixada em valor demasiadamente elevado. Causa estranheza a utilização de tal decisão como parâmetro, pois, se cogitar no campo empírico das ideias, que o valor, ora citado, poderá causar algum prejuízo a uma intuição bancária, causa no mínimo, um ataque de gargalhada.

Ao contrário do juízo do 8º Juizado, a 1ª Turma Recursal do TJAM, decidiu pela aplicabilidade do enunciado 144 do FONAJE, vejamos:

EMENTA:

RECURSO INOMINADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER NÃO CUMPRIDA NO PRAZO ESTABELECIDO. MULTA DIÁRIA APLICADA. EXECUÇÃO DE ASTREINTES. CABIMENTO. PLEITO DE REDUÇÃO DA EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE.

EXCESSO DO VALOR DAS ASTREINTES VERIFICADO. REDUÇÃO DO VALOR ARBITRADO. CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. SEM CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 55 DA LEI Nº 9.099/95, INTERPRETADO A CONTRARIO SENSU

Ao que nos parece essa é a lógica, que deve ser aplicada pelos juízes dos Juizados Especiais Cíveis, ou seja, não condicionando o valor da ação principal, e considerando ainda o porte econômico do devedor e ainda os princípios da razoabilidade e proporcionalidade a cada caso.

Infelizmente essa lógica não foi empregada na decisão de fls. 152/156 dos autos sob o nº 0602331-79.2013.8.04.0092,  sob julgamento na 3ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM), vejamos:

EMENTA:

EMBARGOS À EXECUÇÃO. ASTREINTES COMINADAS EM DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NÃO COMPROVAÇÃO DO CUMPRIMENTO. EXECUÇÃO DE ASTREINTES EM DUAS OCASIÕES NO TRANSCURSO DE 3 ANOS E MEIO. MONTANTES ELEVADOS. DESVIRTUAMENTO DO INTERESSE PROCESSUAL E MANUTENÇÃO DE COERÇÃO INEFICAZ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA REDUZIR O VALOR DA EXECUÇÃO E, EX OFFICIO, DECRETAR O TERMO DA EFICÁCIA DA MULTA COMINADA.

Tal decisão acima, com a devida vênia, está completamente equivocada  e completamente contraditória com o Enunciado nº 144 do FONAJE, que estabelece a inexistencia de teto para aplicação de multa por descumprimento de obrigação, sendo que a multa não atingiu tal valor por inercia da parte que recorre, mas, sim, porque ao longo do processo de execução foram opostos 7 (sete) embargos /impugnações.

O caso em apreço, foi estarrecedor e  mais ainda, quando a multa inicialmente estipulada não passava de R$200,00 (duzentos reais ) ao dia, e sendo a parte executada uma concessionária de serviço público que deixou de cumprir a obrigação de religar  a energia da residência da exequente, deixando-a inclusive há três anos e meio sem sem um serviço que é considerado essencial, a energia elétrica.

Mais absurdo ainda, é saber que a própria relatora deste caso em recente decisão nos autos sob nº 0207600-70.2014.8.04.0015, entendeu o contrário:

“No caso em tela, a empresa recorrente após ser intimada da sentença prolatada em 14/04/2015 (fls. 105) com término do prazo em 30/04/2015, não cumpriu a determinação judicial no prazo estabelecido, vindo a fazêlo apenas em 17/10/2015 (fls.272) incorrendo na multa diária determinada naquela decisão, QUE SOMENTE SE TORNOU EXORBITANTE POR CULPA EXCLUSIVA DA RECALCITRÂNCIA DO RECORRENTE NO DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL, devendo, portanto, responder pelos danos causados ao recorrido.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem reforçando o papel das astreintes no sistema jurídico brasileiro. A jurisprudência do Tribunal tem dado relevo ao instituto, que serve para coibir o adiamento indefinido do cumprimento de obrigação imposta pelo Poder Judiciário (GRIFO NOSSO).

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Note –se ainda, que nesta mesma decisão, a juíza relatou, asseverou:

Duas decisões relatadas pela ministra Nancy Andrighi são exemplos importantes do novo enfoque dado às astreintes. Em uma delas, a Bunge Fertilizantes S/A foi condenada em mais de R$ 10 milhões por não cumprir decisão envolvendo contrato estimado em R$ 11,5 milhões. Em outra, o Unibanco teve de pagar cerca de R$ 150 mil por descumprimento de decisão – a condenação por danos morais no mesmo caso foi de R$ 7 mil. Nesse último caso, a relatora afirmou:

“Este recurso especial é rico em argumentos para demonstrar o exagero da multa, mas é pobre em justificativas quanto aos motivos da resistência do banco em cumprir a ordem judicial Em situações como essa, reduzir a astreinte sinalizaria às partes que as multas fixadas não são sérias, mas apenas figuras que não necessariamente se tornariam realidade. A procrastinação sempre poderia acontecer, afirma a ministra, “sob a crença de que, caso o valor da multa se torne elevado, o inadimplente a poderá reduzir, no futuro, contando com a complacência do Poder Judiciário.”

Em outro precedente, também da ministra Nancy Andrighi, foi mantida condenação em que o Banco Meridional do Brasil S/A afirmava alcançar à época do julgamento R$ 3,9 milhões, com base em multa diária fixada em R$ 10 mil. Nessa decisão, a ministra já sinalizava seu entendimento:" a astreinte tem caráter pedagógico, e, na hipótese, só alcançou tal valor por descaso do banco".

Segundo a relatora, não há base legal para o julgador reduzir ou cancelar retroativamente a astreinte. Apenas em caso de defeito na sua fixação inicial seria possível a revisão do valor. “A eventual revisão deve ser pensada de acordo com as condições enfrentadas no momento em que a multa incidia e com o grau de resistência do devedor”, anotou em seu voto definitivo no Resp 1.026.191.(GRIFO NOSSO)[18]

Portanto, no que tange à redução do valor da multa arbitrada, diante do dano sofrido pelo recorrido, não assiste razão ao apelante, motivo pelo qual mantenho o quantum fixado, entendendo ser valor suficiente e adequado para reparar o dano, atendendo o caráter pedagógico.

Diante do que foi explicitado acima, voto no sentido de negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença em sua integralidade. É como voto. Nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95, condeno a parte recorrente ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 15 % da condenação, bem como às custas processuais. Manaus, 25/08/2016

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Sobre os autores
Luiza Veneranda Pereira Batista

Delegada de Polícia do estado de Goiás. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Direito Processual Penal. Especialista em Criminologia. Formada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas.

Johnny de Oliveira Salles

Advogado. Especialista em Direito Processual Civil. Residente da Defensoria Pública do Amazonas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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