Introdução
O presente trabalho tem como tema o cabimento de embargos de declaração, com base em omissão, não pela ausência de análise de fatos trazidos pela parte, mas pelo não enfrentamento de algum dos fundamentos jurídicos.
Nesta perspectiva, foram construídas questões que nortearam este trabalho:
Em que situações são cabíveis os embargos de declaração, notadamente com base nas disposições do Novo Código de Processo Civil?
Quando analisadas todas as questões de fato pelo magistrado, e não obstante o livre convencimento motivado e a desnecessidade de fundamentação excessiva, ainda assim são cabíveis embargos de declaração pela ausência de debate acerca de algum fundamento jurídico trazido pela parte?
O debate se torna relevante quando entendemos que a decisão pouco fundamentada, ou que não enfrenta adequadamente os pontos, tanto fáticos quanto jurídicos, trazidos pelas partes, causa prejuízo irreparável, pois não dá a resposta a que todos têm direito, bem como dificulta sobremaneira o manejo de eventual recurso cabível.
Vários autores trazem os embargos de declaração e seus fundamentos, bem como as hipóteses de cabimento. Dentre elas, existe a discussão acerca do cabimento com base no não enfrentamento de algum dos fundamentos jurídicos trazidos pela parte.
Conforme Daniel Amorim Assumpção Neves,
Ao órgão jurisdicional é exigida a apreciação tanto dos pedidos como dos fundamentos de ambas as partes a respeito desses pedidos. Sempre que se mostre necessário, devem ser enfrentados os pedidos e os fundamentos jurídicos do pedido e da defesa, sendo que essa necessidade será verificada no caso concreto em especial, na hipótese de cumulação de pedidos, de causas de pedir e fundamentos de defesa (NEVES, 2014, p. 1019)
Neste contexto, o objetivo primordial deste estudo é investigar as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração e tentar adapta-las a essa situação específica, trazendo assim grande auxílio às partes que se sentem prejudicadas por eventual decisão e sentem que seu pedido não foi analisado corretamente.
Desenvolvimento
Tal como a previsão trazida pela Constituição Federal de 1988, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5°, inc. XXXV). E a razão de ser da referida norma é o princípio do amplo acesso à justiça, fundamental para o pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito. Contudo, existem outras implicações.
Além de todo o cidadão possuir o direito a se valer do Poder Judiciário para solucionar qualquer conflito que entenda existente – veja-se, aqui, que a procedência ou improcedência do pedido não influenciam na prerrogativa -, o Estado deve-lhe uma resposta efetiva, ainda que para não atender seus anseios (Câmara, 2014, p. 57). Portanto, pode-se dizer que não é só o direito de ação que é abarcado, mas também o dever do juízes de responder adequadamente às demandas.
Está prevista, e parece lógico que esta é a melhor alternativa, a liberdade dos juízes para decidir conforme as provas trazidas aos autos, pois são estes que, para todos os fins, tem o maior e mais completo contato com os fatos. No entanto, o livre convencimento não pode se tornar um escudo para a falta de motivação das decisões, que geraria, sem dúvida nenhuma, temores de arbitrariedade e ausência de análise mais aprofundada do caso específico.
Não por outra razão, a própria Carta Magna previu, em seu art. 93, inc. IX, que as decisões serão públicas, via de regra, e, muito importante, fundamentadas. E que fique claro que a lei não trata de razões genéricas e sem aplicabilidade, mas sim daquelas condizentes com o caso concreto e que indiquem, verdadeiramente, que o magistrado se ateve aos autos e tomou a sua decisão por sólidos elementos de convencimento.
Acerca do assunto, dispõe o Professor Alexandre Freitas Câmara:
Todo aquele que tenha algum tipo de vivência forense já viu decisões cujo teor aproximado é o seguinte: "ausentes os pressupostos, indefiro”; "presentes os requisitos, defiro”; "indefiro por falta de amparo legal”, e muitos outros exemplos que não são aqui enumerados para não cansar o leitor. Tais decisões não podem ser consideradas como adequadamente fundamentadas. O que se tem aí é mero arremedo de fundamentação. O juiz que se limita a repetir fórmulas e textos legais, achando que assim fundamenta suas decisões, é um mau juiz, que com toda certeza proferiu tal decisão com parcialidade, sendo tal decisão tão flagrantemente inconstitucional que se torna adequado repetir aqui a frase dita por Calmon de Passos: “Há certas decisões tão manifestamente prevaricadoras que autorizam a prisão em flagrante”.44 A decisão mal fundamentada é equiparável à não fundamentada no que se refere à sua legitimidade constitucional, sendo assim tão eivada de nulidade quanto esta. Isso porque, tanto quanto a decisão não fundamentada, a decisão mal fundamentada impede a adequada fundamentação do recurso que a parte eventualmente queira interpor, além de ser inadequada para permitir a verificação da legitimidade da atuação do juiz, tomando impossível o controle difuso da atividade jurisdicional. Assim sendo, tais decisões devem também ser consideradas nulas (Câmara, 2014, p. 66).
Vem de tempos o debate na doutrina e na jurisprudência acerca do significado de decisão fundamentada. Sempre se soube, inicialmente, que a exigência de que o juízo enfrentasse cada pequeno ponto argumentativo do pedido, ainda que irrelevante, de forma exaustiva, geraria uma lentidão ainda maior no funcionamento da máquina judiciária, que já não atende à demanda existente.
Além disso, não é de se crer que o resultado da ação judicial seria outro se o juiz, ao invés de decidir por seus próprios fundamentos, houvesse de rebater cada pequeno detalhe fático e técnico trazido por autor e réu. Portanto, era do senso comum que a sentença, se enfrentasse os pontos principais e, com suas próprias razões, combatesse os argumentos das partes, seria válida.
Com o advento do novo CPC, não existem mais dúvidas acerca do assunto. O art. 489, que trata dos elementos formadores da sentença, assim dispõe:
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Portanto, em primeiro lugar, a fundamentação genérica, sem aplicabilidade explicitada ao caso concreto, não é mais válida. Quando cita texto de lei, o magistrado deve trazer à tona as razões que o levam a crer que aquele dispositivo legal se aplica ao caso. O motivo é a quantidade de decisões proferidas “em lote”, prejudiciais aos jurisdicionados, que sequer tinham sua situação analisada com a atenção necessária e devida, nos termos acima.
Da mesma forma, conceitos jurídicos genéricos, sem conexão com o caso em análise, não servem ao propósito constitucional. As razões, claro, são as mesmas do tópico anterior. O jurisdicionado finda sua relação com o Poder Judiciário com a sensação de que sequer foi ouvido, pois teve a decisão baseada em situações anteriores que ele sequer compreende se possuem ou não relação de similaridade com a sua.
Em terceiro lugar, não é permitido ao magistrado se utilizar de motivos que serviriam a qualquer outro caso. Essa proibição impede, mais uma vez, a decisão de várias demandas que se entende semelhantes com base em uma decisão padrão, sem sequer avaliar a real situação de autor e réu. Mais ainda, aquele que busca se socorrer do Poder Judiciário merece entender, objetivamente, as razões pelas quais teve seu pedido julgado procedente ou improcedente.
Outra importantíssima causa de nulidade da decisão por ausência de fundamentação é o não enfrentamento de qualquer argumento capaz de, em tese, modificar o julgado. E é nesse ponto que vemos a inovação do novo códex processual, pois, como se verá, até mesmo os fundamentos jurídicos utilizados pelas partes devem ser rebatidos, sob pena de gerar prejuízo em eventual recurso da decisão, motivo pelo qual seriam cabíveis embargos de declaração, ainda que o magistrado analise o fato em si, quando deixa de analisar as razões jurídicas.
Na mesma linha dos anteriores, se o magistrado se limita a citar julgados ou súmulas de tribunais superiores, sem trazer à tona a discussão que os gerou e subsumir o caso concreto à sua incidência, será nula sua manifestação. Ressalte-se, nesse ponto, que ainda que o julgado tenha caráter obrigatório, como é o caso das súmulas vinculantes, não é plausível que seja aplicado sem que explique os motivos da incidência daquele precedente ao caso em análise.
Contudo, em sentido diametralmente oposto, o juízo não pode deixar de aplicar enunciado ou súmula vigente, especialmente se vinculante, sem que diga os motivos pelos quais o caso não se amolda ao entendimento unificado. Com isso, facilmente se vê a tendência do Direito Brasileiro a se amoldar à Common Law ou Case Law, advinda dos sistemas jurídicos americano e inglês.
Portanto, com a chegada do novo Código de Processo Civil, foi possível uma melhor delimitação da necessidade exata de fundamentação das decisões judiciais, o que facilitará o controle por parte dos demandantes e seus representantes, proporcionando uma melhor prestação jurisdicional.
Entretanto, ainda existem os casos em que a norma em referência não é cumprida. E, então, qual a resposta jurídica cabível? A primeira ideia sempre é de recurso, seja de apelação ou de agravo de instrumento. Mas, em alguns casos, nem sequer é possível a interposição de qualquer um deles, tendo em vista a necessidade de um mínimo fundamental da decisão, visando ao seu enfrentamento. Sem isso, poderia se falar até mesmo de “inépcia da decisão”, analogicamente.
Então, quando o posicionamento judicial não atende a essas especificações, torna-se passível de embargos de declaração. O art. 1.022 do Novo Código de Processo Civil traz a seguinte previsão:
Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:
I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;
II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
III - corrigir erro material.
Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1o.
É importantíssimo atentar para o fato de que a definição de omissão está expressamente prevista na norma, diferentemente do que ocorria no Código anterior, e existe uma razão. A previsão se tornou inócua a partir do momento em que não se conseguia delimitar até que ponto a decisão judicial poderia deixar de enfrentar exaustivamente algum ponto dos pedidos de ambas as partes.
Recorria-se, então, à jurisprudência para definir, caso a caso, se existia ou não omissão. Porém, as divergências geravam conflitos que não foram resolvidos com o tempo, motivo pelo qual foi necessário que a definição constasse da lei.
Apenas com critérios objetivos é que foi possível combater decisões de magistrados que se utilizavam de padrões de decisões e entendimentos para sequer analisar o quanto trazido pelas partes. O desejo é de que as metas do Poder Judiciário, que visam a um melhor aproveitamento do sistema e diminuição no prazo de atendimento das demandas, não sejam um pretexto para a ausência de enfrentamento adequado, tanto dos fatos quanto dos fundamentos.
Inicialmente, a ideia era de que apenas os fatos deveriam ser enfrentados, pois seriam os únicos influentes na decisão. Contudo, por vezes, os próprios fundamentos jurídicos da manifestação, que antes poderiam ser livremente levados em conta pelo juízo, podem ser relevantes para o deslinde da demanda e, assim, devem ser devidamente rebatidos.
Agora, mais do que nunca, entende-se que a previsão de embargos de declaração, ao tratar de omissão, incluiu essa situação dentre as passíveis de sua utilização, tendo em vista que seria inócua tentativa de alterar um pronunciamento judicial sem que ele tenha enfrentado corretamente os argumentos da parte, fáticos e jurídicos.
Por essas razões, entende-se que o novo Código de Processo Civil, ao alterar, ainda que discretamente, o instituto dos embargos de declaração, permitiu uma interpretação ainda mais ampla acerca de seu cabimento e, ao mesmo tempo, esclareceu dúvidas antes existentes pela simples previsão expressa do alcance do termo omissão.
Conclusão
Diante do exposto, concluiu-se que todos têm direito a uma tutela jurisdicional efetiva, o que indica uma resposta completa e adequadamente fundamentada, e não apenas um pronunciamento judicial qualquer.
Por isso, caso sinta que não houve resposta, não por desconcordância e sim por insuficiência, cabe à parte opor embargos de declaração, pois apenas assim, com a devida resposta jurisdicional, poderá fazer uso dos recursos cabíveis e, quem sabe, reverter a decisão.
É impossível, portanto, limitar demasiadamente o cabimento dos embargos de declaração, e tanto é assim que o legislador, no Novo Código de Processo Civil, ampliou as hipóteses e trará, com razão, ainda mais debate acerca do assunto.
O mais importante é que as modificações no instituto vieram para esclarecer antigas discussões doutrinárias e jurisprudenciais e, sendo assim, foram de grande valia. E não podemos nos esquecer que, mais do que um instrumento de “atraso processual”, tal como é a ideia de parte dos estudiosos, os embargos trazem as complementações necessárias ao pronunciamento judicial.
REFERÊNCIAS
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, Volume Único, 6. ed. rev., atual. Ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2014.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, Vol. 1. 24. ed. São Paulo: Atlas. 2014.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30. Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 5. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
BRASIL, República Federativa do. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2016. Código de Processo Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em 11 jan 2017.
BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em 11 jan 2017.