11. Contratos de Transporte Aéreo
Com raríssimas exceções (transporte aéreo de carga celebrado entre empresas, sub-empreitada, locação de espaço útil em aeronaves, leasing de aeronave), o contrato de transporte aéreo é um contrato de adesão nos termos do artigo 54 do CDC. Por contrato de adesão entendemos uma técnica criada com finalidade de agilizar as negociações, haja vista o contrato já está previamente pronto cabendo aquele que tenha um mínimo de intenção em adquirir algo do mercado de consumo aceitar aquele rol de cláusulas ou exclui-se do mercado.
Compactuando do entendimento do professor Frederico Carvalho (32) a autonomia da vontade e a liberdade para contratar são fictos. Questiona-se ainda que apesar do artigo 54 CDC definir ‘Contrato de Adesão" poderíamos ainda chamar este de ‘contrato’. O Professor Caio Mário da Silva Pereira conceitua contrato como:
"‘Contrato’ é ‘um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos’. E mais, como: ‘acordo de vontades com finalidade de produzir efeitos’" (33).
O único momento em que se consegue ver a vontade do consumidor é no momento de pagar, que este vai escolher de acordo com as opções dada pelo fornecedor como irá efetivá-lo. (34)
Logo o contrato aéreo de pessoas e coisas é um contrato dito ‘bilateral’, ‘consensual’(mitigado) e oneroso. Este sendo um contrato de prestação de serviço, mediante remuneração onde pressupõe uma obrigação de resultado.
Este negócio jurídico é provado através do bilhete, o qual contém em algumas vezes informações da obrigação do transportador, local de partida e destino e os respectivos horários, além de pra variar algumas cláusulas abusivas.
Torna-se repetitivo, porém de grande relevância retomar-se à idéia de que, em se tratando de relação de consumo, sempre ter-se-á de um lado um consumidor vulnerável, o qual possui alguns direitos básicos necessários como a informação clara e adequada do serviço (art. 6, III e 46 CDC), Boa-fé objetiva entre as condutas entre as partes, equidade, probidade, finalidade social do direito e equivalência das prestações (35).
Quanto à Responsabilidade Civil do transportador, tanto para pessoas e coisas, sem maiores aprofundamentos no momento, esta será regulada pelos artigos 6º, VI e artigo 12 e o caput e parágrafo 2º do art. 20 do CDC.
Não nos esquecendo que além do período contratual em si, as transportadoras aéreas como qualquer fornecedor faz uso de técnicas e práticas que figuram na fase pré-contratual (culpa in contrahendo) como publicidades, ofertas, propostas dentre outras, bem como a fase pós-contratual (culpa post pactum finitum), como a cobrança de dívidas, cadastramentos em banco de dados, garantias, etc.
Alguns doutrinadores do Direito Aeronáutico ainda defendem a divisão da execução da obrigação contratual do transporte, ou seja, antes do embarque e após o embarque se utilizariam das normas que não o CBA ou a Convenção de Varsóvia, durante este período de execução específica do serviço, aí sim aplicar-se-ia o CBA ou a Convenção (36).
Em contrapartida, Consumerista de peso como o Professor Newton de Lucca defende que mesmo não sendo um consumidor final, mas que tal contratante seja vulnerável a prática como tal, seria louvável a aplicação do CDC para este. O Professor ainda lembra como exemplo de países europeus que:
"...as jurisprudências francesa e alemã, sensíveis a situação de fragilidade em que muitas vezes se encontravam os pequenos empresários e os profissionais liberais, propendeu para solução diversa, alargando a possibilidade de utilização da legislação consumerista" (37).
12. Práticas Abusivas (38)
Algumas práticas decorrentes do transporte aéreo, logicamente que a identificação e a reparação de danos provenientes destas práticas devem ser minuciosamente vistos, ou seja, se realmente ocorreu um dano decorrente de um fato e o nexo de causalidade ligando estes.
O CDC em seu artigo 39 prevê algumas situações que podem ser consideradas abusivas, porém este rol não é taxativo e sim exemplificativo. O que se entende sua aplicação nas seguintes práticas.
- ‘No-Show’- é a ausência de embarque de passageiro, com reserva confirmada..Pode ser voluntário ou acidental;
- ‘Overbooking’- ocorre quando as empresas aéreas vendem mais bilhetes do que os lugares disponíveis na aeronave;
Nos termos do CBA e da Convenção de Varsóvia só é considerado atraso quatro horas após a hora prevista para o embarque (39). Após as quatro horas, de acordo com estas normas, é que as empresas tomarão providências com intuito de atenuar um possível dano. Ou seja, colocar o passageiro em um vôo de serviço equivalente, restituição de imediato o valor do bilhete, dentre outras medidas.
No nosso entendimento se ocorreu um dano efetivo, estas medidas não excluirá a reparação destes. Devendo este ser apurado e medido posteriormente sob um caráter reparatório e não punitório.
13. Lei do Abate
Estranho no que tange o tema contratos, porém de relevância no meio jurídico aeronáutico foi a assinatura do recente Decreto nº 5.144 de 16 de julho de 2004, nominado como ‘Lei do Abate’.
O Decreto, que entrará em vigor 90 dias após sua publicação no Diário Oficial, tem como intuito principal o combate ao tráfico de drogas e armas. Podendo então ser abatidas as aeronaves ligadas ao tráfico.
Questionamentos de inúmeros lados surgem, entretanto o principal é quanto a certeza de que tal aeronave a ser abatida esteja sendo utilizada para o tráfico de drogas ou armas. Com intuito de diminuir a dúvida, além dos oito procedimentos antes do abate que já se encontrava em vigor, serão impostas mais cinco medidas no pré-abate.
Além da permissão ao abate de aeronaves do tráfego o decreto não exime a responsabilidade daqueles que realizarão o abate quando agirem com ‘excesso’ e ‘abuso de poder’. Com intuito de maior respaldo, e entendo um tipo de socialização do risco, o abate deverá ser autorizado pelo Presidente da República ou pelo Comandante da Aeronáutica.
Dentre os procedimentos do pré-abate destacam-se os seguintes através de matéria publicada 19 de julho de 2004 pela Folha de São Paulo pelo Repórter de Brasília, Eduardo Scolese:
"Antes de efetuar o chamado tiro de destruição, a Aeronáutica terá de cumprir oito procedimentos de averiguação, intervenção e persuasão da aeronave suspeita de tráfico. O abate será o nono deles.
A novidade do texto do decreto é que outras cinco medidas serão obrigatórias durante a execução dos procedimentos pré-abate.
Uma delas prevê que o tiro de destruição só poderá ser efetuado sobre área não "densamente povoada" e relacionada com rotas de tráfico. Outra deixa claro que o abate terá de ser autorizado pelo presidente da República ou por alguém por ele delegado, no caso o comandante da Aeronáutica.
As outras três medidas: a operação deverá estar sob o controle do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro; a aplicação dos procedimentos terá de ser gravada em áudio e vídeo; e a execução terá como responsáveis pilotos e controladores qualificados" (40).
Logicamente que houve resistências ao Decreto, sendo o principal deles por parte dos EUA que ameaçou inclusive corta verbas assistenciais que concede ao Brasil. Ocorre que os EUA queriam o poder de derrubar as aeronaves do tráfico de drogas e armas em espaço aéreo brasileiro, porém sem arcar com nenhuma responsabilidade.
Há resistências que alegam esta medida ser um tipo de pena de morte, o que não é autorizado pela Constituição Brasileira. Realmente apesar de sermos a favor do combate ao tráfico de drogas e armas para o Brasil é questionável tal atitude que reflete sem dúvida em um ato arbitrário daqueles que efetuaram e autorizarão o abate. Com respaldo dos que detém o poder aquele que sofrer o abate será acusado, julgado e condenado no ar. Ou seja, auto-tutela, direito à vida e os princípios constitucionais como apreciação pelo judiciário, ampla defesa e contraditório caiem por terra literalmente.
Sem dúvida também há de se relevar a soberania nacional e o combate a criminalidade. Vive-se um momento difícil onde há de se questionar como harmonizar, ou como prevalecer um princípio constitucional sobre os outros. Questiona-se também as declarações do Brigadeiro do ar Luiz Carlos da Silva Bueno, o qual afirmou que aviões que tivessem criança presente não seriam abatidos (41), declaração esta que interpretamos irracional e irresponsável que poderá resultar conseqüências piores que já existiam.
Utilizando-se mais uma vez do método da zetética em busca de soluções para a ciência jurídica, é questionado as competências, os responsáveis e cada grau de responsabilidade pelo ato do abate. Tarefa árdua que com certeza terá uma resposta com o manto da ‘defesa e soberania nacional’, contando quantos destes abates serão revelados e quantos já devem ter ocorrido.
14.Conclusão
Foi objetivado um trabalho de cunho científico sob o tema de ‘Contratos de Transporte Aéreo’. Não diferente de qualquer outro trabalho científico, em específico a ciência Jurídica, apresenta-se entendimentos e opiniões conflitantes.
A Economia e o Mercado sempre estarão questionando a Ciência Jurídica, o Direito e o Estado. Sempre será proclamado que o que o Sistema Jurídico é ineficaz e ineficiente em relação ao desenvolvimento econômico ditado pelo mercado. O Capitalismo que se toma agora numa forma de ‘Globalização’, apesar de raras exceções, esquece a o lado social e humanista em busca do lucro a qualquer preço.
A necessidade de certo intervencionismo do Estado se deve ao fato de que limites e liberdades estavam sendo ignorados. Como fora afirmado é o modelo econômico e o mercado quem dita as regras. Exemplo disto é ver as constituições passadas refletindo os momentos econômicos.
Como um sistema, a constituição feita por serem passíveis de erro, através do constituinte, refletia um cenário político, econômico e social diferente a cada época. Valores eram e são considerados. O caráter estático por algum lado e dinâmico por outro, continua e tentará acompanhar a evolução da sociedade pelas margens.
O interessante não é continuar com discursos críticos, sem nenhuma busca construtiva. A Ciência Jurídica deve continuar tentado buscar não uma perfeição teórica, mas instrumentos e métodos eficazes também no campo prático. A liberdade individual e a democracia sempre serão almejadas, entretanto sendo necessário mesmo que pequena uma intervenção do Estado, buscando quase que sempre como a doutrina Alemã tratar os desiguais desigualmente.
Diante das várias gerações da constituição brasileira, pede-se atenção a 3º geração que muda um pouco o modo como é visto o cidadão. A idéia do individual divide espaço com a população como um todo indistintamente, a coletividade de pessoas diante a dignidade da pessoa humana. Como sempre prega o Professor Celso Fiorillo, deve se ter em vista agora o meio em função do homem, uma visão antropocêntrica.
Como visto, passa-se por uma crise na teoria contratual e consequentemente o Estado deixa de ser um mero espectador e passa intervir nas relações privadas com intuito de diminuir as diferenças entre as partes nesta relação. Com destaque o consumidor como parte mais vulnerável.
De grande pertinência lembrar que o CDC é a lei à regular as relações de consumo, o que significa dizer que este apenas procurará diante de um desequilíbrio na relação harmonizar os interesses das partes. Institutos como a inversão do ônus da prova, facilidade na defesa dentre outros que venham favorecer ao consumidor serão possivelmente concedidos, caracterizada a vulnerabilidade e hipossuficiência desta parte mais fraca.
È muito comum se ouvir que o CDC é extremamente protecionista e que faz com que o consumidor saia ganhando em tudo, discursos como estes são totalmente desprovidos de escrúpulos. Reflete o não conhecimento da legislação consumerista.
Logicamente que faz parte do jogo do mercado querer desmerecer um exemplo para todo o mundo de legislação consumerista. Como pode se explicar uma legislação que procura a todo tempo preservar a relação contratual ao invés de transformar em perdas e danos um inadimplemento?
Seria muito mais louvável que aqueles que mal dizem a lei consumerista, estudassem-na e aprendessem a se defender utilizando esta, contribuindo assim para a ciência jurídica e em vossos proveitos. Ademais, utilizando-se de um método empírico neste momento, grandes empresas raríssimas vezes entram em litígio com seus consumidores. A filosofia dos grandes fornecedores tem como figura principal o consumidor, pois este é que lhe trará o lucro.
As empresas trabalham diante sua Responsabilidade Social, ou seja, estas ultrapassam seus limites e procura de alguma maneira contribuir com a sociedade. Este tipo de atitude sem dúvida também faz parte do marketing próprio, aliás, principalmente. O que se concluir neste momento que fornecedores sérios muita das vezes até com razão, não irão desgastar vossas imagens com lides contra seu principal protagonista, que é o consumidor.
Com relação ao transporte aéreo foi tentado de forma imparcial entender a não aplicação do CDC neste tipo de prestação de serviço. Entretanto, a tentativa foi infrutífera. Diante todos os argumentos explanados não houve algum que fosse pertinente e fundamentado para aplicar outra lei se não o CDC.
Argumentos foram aplicados pela aplicação de leis como a Convenção de Varsóvia para vôos internacionais e o CBA para vôos domésticos. Como analisado estas divergências se deve tão somente ao fator financeiro, ou seja, limitação e/ou tarifação de uma possível indenização. O capital quer ditar regras mais uma vez.
Como foi visto, foi tentado por alguns dar mais valor a um tratado internacional do que as leis nacionais, o que é totalmente inaceitável. Além de que o CBA não fora revogado, este continua em vigor, desde que não invada assuntos que não lhe dizem respeito que são as relações de consumo totalmente tipificadas.
Tendo-se de um lado um consumidor final que contrata mediante remuneração direta ou indireta o serviço de transporte aéreo a um fornecedor, não há de se questionar qual lei será aplicável senão o CDC. Logicamente, que como afirmado, não excetua a aplicação desta lei em suas equiparações.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor é um mandamento constitucional, nos dizeres de Antônio Herman Benjamin o CDC possui raízes na Constituição. Além de que a Lei 8.078/90 é uma norma de ordem pública de função social.
A legislação consumerista é Lei Especial diante uma relação de consumo. Inconcebível afirmar ser o CDC uma lei geral face ao CBA. Aquela é especial em relação ao sujeito tutelado, ou seja, o vulnerável consumidor.
Tangente ao transporte aéreo, por último ousa-se comentar a Lei do Abate. Tem-se ciência que foge do tema da relação de consumo, entretanto a preocupação vai além, pois fere princípios e garantias da Lei Maior. Logicamente que mediadas contra o tráfico de drogas e armas são sempre válidas, mas o método a ser utilizado para o abate, por mais precaução que se tenha reflete numa auto-tutela absoluta. Esta decretada assim à pena de morte através de um Decreto.
Indaga-se se será necessário após inúmeras mortes, provavelmente de inocentes, para ter a certeza que o método é ineficaz? Vive-se um momento de irracionalidade onde por um mínimo de dúvida causará algo que não terá volta ao bem maior que o cidadão possui.