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A Neurociência mudará a maneira como punimos os criminosos?

27/11/2019 às 18:15
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Alguns neurocientistas defendem a ideia de que a neurociência deve mudar radicalmente nossas práticas de punição. Segundo eles, os tribunais devem desistir completamente da noção de punição e concentrar-se na contenção de comportamentos antissociais.

A lei australiana pode estar a ponto de uma revolução baseada no cérebro que remodelará a maneira como lidamos com os criminosos.

Alguns pesquisadores, como o neurocientista David Eagleman, argumentaram que a neurociência deveria mudar radicalmente nossas práticas de punição.(1) Segundo Eagleman, os tribunais deveriam desistir completamente da noção de punição, e, em vez disso, concentrar-se na "gestão" dos criminosos e na contenção dos seus comportamentos, a fim de manter o resto de nós seguros.

Esta seria uma boa ideia? E será que é assim que os juízes australianos estão respondendo ao nosso crescente conhecimento das bases neurobiológicas do comportamento?


Duas abordagens

Existem duas abordagens amplas que justificam a punição para alguém que comete um crime. O primeiro é em termos de "culpabilidade moral" ou "just deserts"(2). Grosseiramente, se um indivíduo causou danos, em troca ele merece que um dano seja infligido sobre ele. Essa visão é conhecida como visão "retributivista"(3).

A segunda abordagem pensa em termos das consequências dessa punição. Se o castigo reabilita o infrator ou o impede de cometer outro crime, incapacitando-o; ou ainda, se puder servir para impedir outros infratores; então, e somente então, é justificado esse castigo (aqui é levado em consideração a utilidade da punição como impeditivo de novos crimes, e como possibilidade de reabilitação do infrator em questão).

Se o castigo/punição só prejudicar o indivíduo que cometeu o crime, mas não impedir crimes futuros e nem beneficiar outras pessoas, este (castigo/punição) não é justificado.

Na Austrália, os juízes geralmente levam em conta as considerações retributivistas e as consequenciais na determinação da punição.

Uma clara ilustração do retributivismo é a sentença do assassino em série, Ivan Milat, onde o juiz disse:

"Esses crimes verdadeiramente horríveis exigem sentenças que operam por retribuição [...] ou pela vingança pela lesão [...] a comunidade deve ser satisfeita. O criminoso recebe seu just deserts.".

Atualmente, os infratores australianos também têm a oportunidade de fazer uma alegação em mitigação após a sua condenação por um crime. O objetivo de tal argumento é reduzir a gravidade da punição.

Em alguns casos, a defesa pode envolver um psicólogo ou psiquiatra para fornecer provas especializadas sobre deficiências mentais ou neurológicas; para sugerir que um ofensor é menos moralmente culpado pelo crime, e portanto merece menos retribuição.


Inclinação neurocientífica

Mas, alguns acadêmicos, como os psicólogos norte-americanos Joshua Greene e Jonathan Cohen, argumentaram que as considerações consequenciais serão tudo o que restará após a neurociência revolucionar o direito penal. A punição como retribuição será consignada na história.(4)

De acordo com Greene e Cohen, o retributivismo depende da noção de que as pessoas têm livre arbítrio. Eles dizem que o avanço da neurociência irá nos "curar" dessa noção, abrindo a caixa-preta da mente e revelando os processos mecanicistas que causam todo o comportamento humano. Uma vez que essas causas forem reveladas, abandonaremos a ideia de que as pessoas são responsáveis ​​por suas ações ruins.

Começaremos então a pensar que a deficiência do lóbulo frontal de um criminoso o levou a cometer tal ato antissocial, e, com isso, nós nos concentraremos em como podemos evitar que isso aconteça novamente; em vez de pensarmos que o criminoso escolheu machucar sua vítima, e que, por isso, ele mereceria uma punição.

De acordo com Greene e Cohen, isso reduzirá a criminalidade a um único objetivo. Se eles estiverem certos, as práticas de punição se moverão na direção defendida por Eagleman.


Caso a caso

Greene e Cohen fizeram seu argumento sobre o desaparecimento do retributivismo há dez anos. À luz de suas reivindicações preditivas, é interessante examinar como o sistema jurídico está realmente respondendo ao crescente uso de evidências neurocientíficas.

Podemos ter uma ideia do que está acontecendo na Austrália a partir de casos no banco de dados australiano Neurolaw*(5), que foi lançado em Dezembro de 2015. O banco de dados é um projeto conjunto entre a Universidade Macquarie e a Universidade de Sydney, e inclui casos civis e criminais australianos que empregam evidências derivadas da Neurociência.

Curiosamente, os casos de sentença na base de dados não sugerem que a justiça retributiva esteja sendo abandonada quando o tribunal é confrontado com evidências de prejuízo para o cérebro de um infrator.

Quando usada na sentença, a evidência vinda da neurociência é frequentemente apresentada em relação à avaliação da culpa moral do delinquente. É assim usada para ajudar a determinar a dosagem de punição que um ofensor merece.

Isso é muito diferente de sugerir que a culpa moral deixa de ser uma consideração relevante na determinação da punição, ou que os tribunais não devem ter em conta as questões do just deserts. Isso pressupõe que questões sobre punições apropriadas sejam importantes o suficiente para serem respondidas corretamente.

Um exemplo da maneira como os tribunais australianos observam as evidências derivadas da neurociência está na sentença de Jordan Furlan em 2014. Ao condenar Furlan, de 49 anos, por um incidente violento envolvendo uma vítima de 76 anos, o Juiz Croucher considerou o impacto da evidência de uma lesão cerebral sofrida alguns anos antes do ato, sobre a culpa moral de Furlan.

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Justificando uma sentença de três anos e seis meses, o juiz disse que a "culpa moral do delinquente foi reduzida, mas apenas em um grau moderado porque seu julgamento foi prejudicado como resultado de sua lesão cerebral adquirida".

O juiz prosseguiu dizendo que o castigo era apenas um dos fatores importantes (entre outros) na elaboração da sentença.

Um caso mais marcante relaciona-se com a sentença do ex-membro do conselho legislativo da Tasmânia, Terry Martin, por delitos sexuais infantis. Evidências de especialistas indicaram que ele desenvolveu uma forma compulsiva de sexualidade, como resultado dos efeitos da medicação para a doença de Parkinson no sistema de dopamina de seu cérebro.

O juiz impôs uma sentença muito mais indulgente do que teria sido o caso por causa do elo claro entre a medicação e o ofensor. Este link foi feito para reduzir a culpa moral de Martin.


Revolução lenta

Não podemos ter certeza de como a Neurociência afetará a lei no futuro. De fato, pode haver uma reação contra esse tipo de evidência.

O que pode ser dito é que Furlan, Martin e outros casos mostram que os juízes australianos ainda consideram a culpa moral, mesmo diante de evidências neurocientíficas de mecanismos prejudicados. Eles não se lançam para considerações puramente consequencialistas.

Isso significa que o retributivismo ainda está vivo, e bem, e que o castigo ainda é importante para os tribunais australianos. Então, pelo menos por enquanto, o impacto da neurociência não é revolucionário.


Referências: 

(1) - http://blogs.nature.com/soapboxscience/2013/03/13/crime-and-punishment-from-the-neuroscience-of-freewill-to-legal-reform

(2) - Uma teoria retributiva da punição criminal que propõe uma punição proporcional ao crime cometido.

(3) - https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=7835

(4) - https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15590618

(5) -https://neurolaw.edu.au/

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Sobre a autora
Tamara Arianne

Formada em Psicologia. Pós Graduada em Saúde Mental. Mestranda em Ciências Criminológico- Forenses pela UDE de Uruguai. Estudo por conta própria a área criminal desde pequena. Pretendo trabalhar com criminosos e contribuir de alguma forma para a prevenção dos seus delitos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARIANNE, Tamara. A Neurociência mudará a maneira como punimos os criminosos?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5992, 27 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63720. Acesso em: 3 dez. 2024.

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