O uso do monitoramento eletrônico como instrumento de controle penal estatal: breve discussão sobre sua (in)constitucionalidade

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31/01/2018 às 17:07
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3.     Resolução do aparente conflito entre o controle via tornozeleira eletrônica e os princípios constitucionais

As Constituições modernas, a exemplo da brasileira, não só preveem expressamente o princípio da Dignidade Da Pessoa Humana, mas também direitos que lhe são decorrentes como acontece com o direito à intimidade, conforme se verifica pela leitura do art. 5.º, X da CRFB/88, que diz: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (GRECCO, 2010).

Segundo o autor, conceituar direito à intimidade não é tarefa das mais fáceis. É extremamente difícil, na verdade, não somente conceituar o que venha a ser direito à intimidade, como também traçar os seus exatos contornos, fazendo uma distinção entre o público e o privado.

Grecco (2010) explica que a primeira teoria que trata do direito a intimidade é a denominada de teoria objetiva, a qual adota a chamada teoria das esferas (do direito alemão), onde pode-se visualizar, figurativamente, vários círculos concêntricos, sendo que no centro se encontra aquilo que existe de mais íntimo e reservado; ao redor, a intimidade familiar; e por último, na sua face mais externa, a área destinada à esfera pública. Nesse sentido, observa: “é claro que essa definição não é absoluta, mas sim uma mera representação teórica” (GRECCO, 2010).

A segunda teoria, conhecida como subjetiva, como a própria denominação está a sugerir, entende que somente a pessoa e mais ninguém pode determinar o que é ou não íntimo, ou seja, cabe somente a ela determinar os limites entre o particular e o público.

Nesse sentindo, conclui Grecco (2010) que assim, embora seja complexa a sua definição, podemos entender como direito à intimidade aquela porção, inerente ao nosso direito de personalidade, que compete única e exclusivamente a nós, e que deve, de acordo com nossa vontade, ser subtraída do conhecimento público, ou, conforme as lições de Edson Ferreira da Silva, “o direito à intimidade deve compreender o poder jurídico de subtrair do conhecimento alheio e de impedir qualquer forma de divulgação de aspectos da nossa vida privada, que segundo um senso comum, detectável em cada época e lugar, interessa manter sob reserva”.

O direito à intimidade, cuja violação se atribui à possibilidade de monitoramento eletrônico, encontra-se no rol dos direitos da personalidade. A personalidade a seu turno, pode ser apontada como decorrência direta do princípio da dignidade da pessoa humana, significando, resumidamente, a capacidade que tem todo ser humano de possuir direitos e de contrair obrigações. Nessa esfera o autor afirma que a intimidade, portanto, é um direito fundamental assegurado constitucionalmente, devendo o Estado protegê-lo de todo e qualquer ataque.

O princípio da Dignidade da Pessoa humana constitui-se um dos mais importantes princípios sob os quais se fundamenta o Estado brasileiro conforme preceitua a Constituição Federal (1998):

Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana.

A dignidade, como um valor espiritual e moral inerente à pessoa, manifesta-se especificamente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, portando em si a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas e constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar. Envolve necessariamente o respeito e a proteção da integridade física e corporal do indivíduo, uma qualidade inerente à pessoa humana. É algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável na medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano e dele não pode ser retirado. Trata-se de valor próprio, da natureza do ser humano, que independe das circunstâncias concretas e que é intrínseca a toda e qualquer pessoa humana, independentemente de sua condição (MORAES, 2003).

Naiara Antunes Dela Bianca (2008) ensina que a palavra dignidade, vem de origem latina, qual seja a expressão (dignitas), entendendo por este termo, respeitabilidade, prestigio, consideração, estima, nobreza, excelência, indicando “qualidade daquilo que é digno e que merece respeito ou reverência”.

Na lição de Sarlet (2004, p.110) o princípio da dignidade da pessoa impõe limite à atuação estatal, objetivando impedir que o poder público venha a violar a dignidade pessoal, mas também implica (numa perspectiva que se poderia designar de programática ou impositiva, mas nem por isso destituída de plena eficácia) que o Estado deverá ter como meta permanente a proteção, promoção e realização concreta de uma vida com dignidade para todos.

Nesse contexto, não restam dúvidas de que todos os órgãos, funções e atividades estatais encontram-se vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-lhes um dever de respeito e proteção, que se exprime tanto na obrigação por parte do Estado de abster-se de ingerências na esfera individual que sejam contrarias à dignidade pessoal, quanto no dever de protegê-la (a dignidade pessoal de todos os indivíduos) contra agressões oriundas de terceiros, seja qual fora a procedência, vale dizer, inclusive contra agressões oriundas de outros particulares, especialmente – mas não exclusivamente – dos assim denominados poderes sociais, ou poderes privados (SARLET, 2004, p.110).

Assim resta como claro que o princípio da dignidade da pessoa humana se trata da proteção dada ao indivíduo contra o ato afrontador de seus direitos fundamentais. Medidas tais que podem ser de caráter positivo ou negativo, ou seja, obrigando ou impedindo que determinada atitude seja tomada. Protege as relações do Estado no particular como também entre os próprios particulares. Deve ser utilizado concomitante aos outros princípios constitucionais que podem divergir, como também por vezes, se contrapor (REZENDE, 2011).

Segundo posição doutrinária amplamente majoritária, a dignidade da pessoa humana não possui caráter absoluto. Com isso afirma-se que em determinadas situações, deve-se, obrigatoriamente, trabalhar com outros princípios que servirão como ferramentas de interpretação, levando-se a efeito a chamada ponderação de bens ou interesses, que resultará na prevalência de um sobre o outro (MARIATH, 2009).

De acordo com Grecco (2010), embora todo raciocínio que tente preservar a dignidade do ser humano seja louvável, não podemos nos esquecer que não existe direito absoluto, a não ser, como se afirma majoritariamente, o direito em não ser torturado ou de ser escravizado. Não podemos, ainda, agir com ingenuidade na defesa de certos princípios fundamentais, sob pena de inviabilizarmos qualquer projeto, mesmo os benéficos à pessoa humana.

Diante do exposto, passa-se a uma análise do paradigma de confronto para aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, pois, este preceito que é fundamento da República Federativa do Brasil segundo o art. 1.º, inciso III da Carta da República deverá servir como pilar tanto da proteção da pessoa do acautelado provisoriamente nas unidades prisionais quanto da sociedade pela preservação da segurança pública e da manutenção do devido processo legal (SOUSA, S., 2010).

Conforme ensina Gomes (2007), diversamente das regras que normatizam determinada situação fática e vale a lógica do tudo ou nada, os princípios não conflitam, “colidem” e quando se colidem, não se excluem. Como expressam critérios e razões para uma determinada decisão, os princípios podem ter incidência em casos concretos (por vezes, concomitantemente). Assim, há que se promover investigação minuciosa e ponderar, à luz da razoabilidade, em que momento deverá um prevalecer em face do outro.

Nessa esteira, Grecco (2009, p.12) assevera que, dependendo do caso em concreto, a ponderação de bens ou interesses imporá que um princípio se sobressaia em detrimento do outro, mesmo nos casos em que um dos princípios em conflito seja o da dignidade da pessoa humana.

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Especificamente em relação ao sistema penitenciário o autor é categórico ao afirmar que embora o princípio da dignidade da pessoa humana esteja expresso na Carta Magna, o mesmo é afrontado diuturnamente pelo próprio Estado. Os indivíduos presos estabelecimentos penais "são afetados diariamente em sua dignidade, enfrentando problemas como os da superlotação carcerária, espancamentos, ausência de programas de reabilitação etc.". Ou seja, aquele que deveria zelar pela sua observância acaba se tornando seu grande infrator.

Em relação ao conflito de princípios, Conte (2010, p, 410) afirma que é necessário ponderar os interesses individuais dos interesses públicos, onde de um lado está o interesse do condenado em não ter sua intimidade violada, e de outro, o interesse da coletividade em ver aquela pessoa sendo punida. Os poderes têm o dever de preservar a dignidade como direito fundamental sob o crivo da proporcionalidade, cumprindo saber que se em um dado momento os princípios se colidem, um jamais anulará o outro, mas sob um juízo de proporcionalidade se buscará o máximo cumprimento de todos (SILVA Jr., 2013).

Assim, o Estado, para impor a utilização de tornozeleiras eletrônicas, deverá avaliar, em nome da segurança coletiva, a margem de invasão sobre a esfera privada do condenado de maneira razoável e levando em conta os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da ponderação (DIAS, 2014).

Conforme ensinamento do Ilustríssimo Ministro Gilmar Ferreira Mendes (2013, p.184), o juízo de ponderação a ser exercido liga-se ao princípio da proporcionalidade, que exige que o sacrifício de um direito seja útil para a solução do problema, que não haja outro meio menos danoso para atingir o resultado desejado e que seja proporcional em sentido estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o benefício que se pretende obter com a solução estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o benefício que se pretende obter com a solução.

Nesse passo, entendemos que o uso da tornozeleira é medida salutar, mesmo tendo sua aplicação mitigada pela lei, pois o que deve ser levado em conta é o benefício gerado, tanto ao preso quanto à sociedade (SOUSA S., 2010).

Quanto à sociedade, ela se beneficia, pois, os crimes não deixam de ser punidos e a paz social se torna mais tangível, pois o uso do monitoramento eletrônico impõe uma certa limitação aos ânimos daqueles (apenados) que pensam em uma recaída. Quanto ao preso, se por um lado pode ser discriminado, por outro se beneficia por não ter que conviver com criminosos de alta periculosidade, colocando sua vida em risco ou aprendendo como ser bandido. Infelizmente, o período que tiver que passar com o equipamento até a extinção da punibilidade é preço justo a se pagar pelo desvio da conduta social (SOUSA S., 2010).

Com estas considerações, pode-se concluir que o uso da monitoração eletrônica do preso é antes e acima de qualquer coisa, medida que deve resultar na redução da população carcerária e possibilita a adoção de formas mais efetivas de ressocialização dos internos, uma vez que traz o detento para o convívio com sua família e com a sociedade, obtendo-se, de forma induvidosa, uma recuperação mais célere e econômica para o Estado. Neste contexto, pode se afastar qualquer discussão a respeito de uma possível estigmatização do preso pelo uso das pulseiras e tornozeleiras eletrônicas, uma vez que as prisões são muito mais danosas e, em comparação com o usa deste novo meio de monitoramento e vigilância do preso, são, com muito mais intensidade, um instrumento que deixam marcas definitivas no indivíduo condenado (SOUZA J., 2014).

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