O uso do monitoramento eletrônico como instrumento de controle penal estatal: breve discussão sobre sua (in)constitucionalidade

Exibindo página 2 de 4
31/01/2018 às 17:07
Leia nesta página:

2. Fundamentos constitucionais e infraconstitucionais – argumentos desfavoráveis e favoráveis ao uso do monitoramento eletrônico

Embora seja considerado por muitos uma ótima alternativa, a utilização do Monitoramento Eletrônico recebe críticas muito pertinentes. Parte da doutrina questiona a constitucionalidade da medida, assim como apresenta argumentos desfavoráveis à utilização do monitoramento eletrônico como instrumento do direito penal.

Quanto aos fundamentos autorizadores do uso do monitoramento eletrônico Scheffer (2011) salienta que o artigo 5°, inciso XLVI da Constituição da República Federativa do Brasil prevê a possibilidade da criação de outras penas quando o legislador colocou o termo que está entre vírgulas “entre outras”. Para o autor, o rol de penas é portanto, aberto, permitindo com isso a possibilidade do uso da monitoração eletrônica como pena e continua sustentando que “se considerarmos então que a carta magna vislumbrou a possibilidade da criação da pena de monitoramento eletrônico como sanção, ou seja, como uma pena autônoma, é viável pensar então no uso do dispositivo eletrônico também como medida cautelar auxiliar, como na fiscalização da prestação de serviços à comunidade ou na prisão domiciliar, ou como substituto penal na prisão preventiva, por exemplo”.

A primeira possibilidade de uso, na forma de monitoramento sanção, foi autorizada pela Lei n.º 12.258 de 2010. A segunda, como monitoramento processo, foi previsto posteriormente com o advento da Lei n.º 12.403 de 2011.

A Lei n.º 12.258, sancionada pelo Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva e publicada no dia 16 de junho de 2010, foi elaborada para alterar dispositivos do Código Penal (Decreto-Lei n.º 2.848/1940) e da Lei n.º 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), trazendo a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta pelo condenado nos casos em que fosse beneficiado com as saídas temporárias ou com o cumprimento de pena em regime domiciliar (art. 146-B).

Com efeito, a lei em destaque não só alterou os diplomas acima mencionados como também introduziu um novo instituto jurídico no Direito Penal brasileiro, o monitoramento eletrônico (CARVALHO, 2010). Para isso foi adicionado à Lei de Execução Penal, no título V (que trata sobre a execução das penas em espécie), capítulo I (que versa sobre as penas privativas de liberdade), a seção VI, referindo-se exclusivamente da monitoração eletrônica.

É nesta seção, entre os artigos 146-A e 146-D que está disciplinado o monitoramento eletrônico no direito brasileiro, quem pode deferir tal medida, em quais circunstâncias ele será adotado, os cuidados e os deveres que o acusado deve ter com o equipamento eletrônico e as hipóteses em que o monitoramento poderá ou deverá ser revogado.

De acordo com o artigo 146-B, o Juiz poderá definir o monitoramento eletrônico somente em duas situações: (inciso I) quando for autorizada as saídas temporárias no regime semiaberto, ou (II) quando for estabelecido em seu favor o cumprimento da pena no regime domiciliar.

Conforme visto em capítulo anterior, a saída temporária é um benefício concedido ao condenado que esteja cumprindo a pena no regime semiaberto, que sem vigilância direta, será autorizado a sair por prazo não superior a sete dias, prazo este que pode ser renovado por mais quatro vezes durante o ano, desde que seja para o condenado visitar a sua família, estudar ou participar de alguma atividade que contribua para seu retorno ao convívio social (art.122 da LEP). Cabe ressaltar que o parágrafo único desse mesmo dispositivo disciplina que a ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, se assim determinar o juiz da execução.

Uma vez deferida a medida do monitoramento eletrônico, o acusado tem o dever de conservar o equipamento disponibilizado pelo Estado e será instruído acerca dos cuidados e deveres que deverá adotar, dentre eles o de receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações, abster-se de remover, violar, modificar, danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou permitir que outrem o faça (art. 146-C da LEP).

O parágrafo único do referido artigo disciplina que a violação comprovada dos deveres previstos poderá acarretar, a critério do juiz da execução e ouvidos o Ministério Público e a defesa a (I) regressão do regime, (II) revogação da autorização de saída temporária, (VI) revogação da prisão domiciliar ou (VII) uma advertência por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas anteriores.

De acordo com o exposto no artigo 146-D da LEP o Juiz da execução poderá revogar a monitoração eletrônica do acusado desde que verifique que a medida se tornou desnecessária ou inadequada para o fim a que foi submetida. Também será revogada quando o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante o período de vigência da medida ou cometer alguma falta grave.

Quanto à Lei n.º 12.403, sancionada pela Presidente da República em 04 de maio de 2011 e publicada no dia seguinte, esta introduziu alterações no Código de Processo Penal relativas à prisão processual, fiança, liberdade provisória e as medidas cautelares.

A lei modificou o artigo 319, inciso IX, do Código de Processo Penal, inserindo a monitoração eletrônica como uma medida cautelar manejável no curso do procedimento penal, o que de acordo com Neto e outros (2011), inovou ao autorizar a aplicação do monitoramento eletrônico aos indiciados ou acusados e não apenas, como até então, somente aos condenados.

Deste modo, o artigo 319 passou a fixar como medidas cautelares diversas da prisão:

  1. o comparecimento em juízo, no prazo e condições estabelecidas em Juízo;
  2. a proibição de frequentar determinados lugares com o fim de evitar o risco de novas infrações penais;
  3. a proibição de manter contato com pessoas com quem deva permanecer distante;
  4. a proibição de se ausentar da Comarca;
  5. o recolhimento domiciliar;
  6. a suspensão de função pública ou atividade de cunho econômico ou financeiro;
  7. a internação provisória;
  8. a fiança; e,
  9. a monitoração eletrônica.

De acordo com Prudente (2012, p.152) essas medidas visam justamente impedir o encarceramento do indiciado ou acusado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, podendo ser aplicado antes mesmo do decreto condenatório, ou seja, durante a fase do inquérito policial e também da ação penal, afirmando que assim “a lei em comento inova ao autorizar a aplicação do monitoramento eletrônico aos indiciados ou acusados e não apenas, como até então, somente aos condenados”.

Segundo o autor, um dos fundamentos que corroboram com a aplicação do monitoramento eletrônico é a própria dignidade da pessoa humana que na definição de Lenza (2008, p.593), “é o fundamento da República Federativa do Brasil e princípio matriz de todos os direitos fundamentais (art. 1.º, III, da CF/88). Daí a importância de ser respeitado, pois trata-se de um dos pilares do Estado Democrático de Direito”.

Nesse viés cabe salientar que embora parte da doutrina funde o monitoramento eletrônico com base no princípio da dignidade da pessoa humana, a parte contrária ao sistema sustenta que o monitoramento eletrônico fere este princípio.

No entendimento de Prudente (2012, p.156), “deve ressaltar acerca da necessidade de que o ME seja adequadamente aplicado, principalmente por que o emprego deste mecanismo de controle supõe uma atuação sobre o corpo do infrator, com capacidade de interferir em determinados direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana”.

O outro princípio que legitima o uso do monitoramento eletrônico é a Presunção da Inocência consagrado no art. 5°, inciso LVII da CRFB/88, que é um desdobramento do princípio do devido processo legal (art. 5° inciso LIV da CRFB/88).

Conforme explica Scheffer (2011), as medidas cautelares justificam-se na medida em que no inquérito ou na instrução processual ainda não há a convicção do cometimento do crime pelo suspeito e com isso podem-se cometer grandes injustiças. Nesse sentido o uso da monitoração como medida cautelar além assegurar o princípio da inocência também representaria um avanço no princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5°, LV, CRFB /88).

Para o autor citado, o uso do monitoramento eletrônico se justifica também pelo princípio da proporcionalidade, contrapondo-se à pena privativa de liberdade que pune, contamina (como fator criminógeno) e não ressocializa. “O controle eletrônico, se por um lado restringe a liberdade e possui alguns efeitos negativos, por outro é uma medida menos danosa como pelo fato de permitir o convívio social e familiar permitindo a reeducação e ressocialização” (SCHEFFER, 2011).

Na opinião de Lehner (2011, p. 7-21), o monitoramento eletrônico foi introduzido para o uso criminológico como meio de reabilitação e é bastante benigno em comparação com outras formas de sanções penais. Aparentemente ele tem um forte efeito simbólico sobre os delinquentes e, considerando seu preço, abre interessantes perspectivas econômicas para o Estado.

Sobre os argumentos desfavoráveis, segundo observa Jesus (J., 2011), em todo sistema novo são encontradas vantagens e desvantagens e com o monitoramento eletrônico não poderia ser diferente.

São várias as desvantagens apontadas pelos opositores do sistema, como o estigma e o constrangimento ao portador, a intromissão na esfera privada do infrator e de seus familiares, a violação de determinados direitos fundamentais tais como a privacidade, intimidade, e ainda, alguns doutrinadores afirmam que o monitoramento eletrônico não impede a prática de crimes e criticam as dificuldades na implantação do sistema e as eventuais falhas técnicas que possam vir a ocorrer.

Os doutrinadores afirmam que o uso do equipamento será mais uma fonte de estigmatização dos condenados com a identificação pública dos que estiverem sob monitoramento (SCHEFFER, 2011).

Prudente (2012, p.156) afirma que a visibilidade de tornozeleiras ou pulseiras eletrônicas pode gerar estigmatização, chegando mesmo a representar um risco de segregação de monitorados nas comunidades em que vivem, e por essa razão é fundamental que os aparelhos sejam discretos e passiveis de ser escondidos pelas vestimentas do monitorado.

Em consonância com essa ideia, Vianna (2012, p.189) critica que, em virtude do clima quente brasileiro o uso de bermudas é extremamente comum em nosso país e o condenado teria que optar pelo uso de calça comprida caso quisesse ocultar a tornozeleira. Não obstante, o próprio autor acrescenta que tais críticas não atacam uma característica essencial do sistema, mas tão somente sua forma, que pode ser perfeitamente alterada conforme as necessidades locais e sugere que, talvez fosse o caso de se desenvolver no Brasil pulseiras semelhantes a relógios de pulso que poderiam ser usadas até mesmo em praias e clubes.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Na concepção do referido autor, “a maioria das críticas que se tem feito ao rastreamento eletrônico dos condenados limita-se a atacar aspectos operacionais do sistema”. Nesse sentido destaca Prudente (2012, p.156) que com certeza algumas dificuldades na implantação do sistema se apresentam, tais como o desgaste do material utilizado e a necessidade da manutenção periódica que garantam o adequado funcionamento dos equipamentos.

Prudente (2012, p.157) considera também a possibilidade de eventuais interferências que podem ser causadas por fatores meteorológicos ou por um espaço ambiente desfavorável, tais como campos eletromagnéticos provenientes de eletrodomésticos, motores industriais, celulares, segurança da integridade do sistema de informática etc. Dessa forma conclui que nenhuma tecnologia é 100% segura ou totalmente à prova de erros, surgindo então a possibilidade de violações de dados registrados por condutas praticadas por hackers/crackers através de invasões nos terminais e Centros de Controle, bem como a ocorrência de defeitos técnicos, disfunções e panes nos aparelhos.

Outra crítica imposta pelos opositores é que devido ao baixo grau de escolaridade da maioria dos condenados brasileiros muitos teriam dificuldades em operar o equipamento, o que poderia acarretar alarmes falsos na central e consequentemente a prisão do usuário. Não pelo descumprimento doloso de suas obrigações, mas pelo mau uso do dispositivo. Contudo, tem-se que o uso do equipamento é bastante simples e o condenado deve evitar tão-somente que o dispositivo rastreador afaste-se da pulseira ou que a bateria seja descarregada completamente. Nesse sentido Vianna (2012, p.190) conclui que “é fundamental que as explicações sejam passadas oralmente e de forma didática ao condenado no momento da instalação do equipamento, pois muitos não sabem ler e o manual de instruções pouco ou nada lhe seria útil. É fundamental ainda que o dispositivo rastreador tenha um aviso visual e sonoro bastante claro indicando que a pulseira afastou-se demasiadamente dele ou que a bateria precisa ser carregada. A possibilidade de troca por uma bateria reserva também é importante, pois muitas vezes a autonomia da bateria é pequena e o condenado não dispõe de meios para recarregá-la em seu local de trabalho”.

Outro aspecto desfavorável aludido pelos opositores ao monitoramento eletrônico é a falta de estudos eficazes que demonstrem a eficácia do sistema.

Nesse sentido assinala Grecco (2010), ensinando que “dizem os opositores do monitoramento eletrônico, que não existem estudos suficientemente amplos e rigorosos que tenham por finalidade apontar se realmente existe uma eficácia preventivo-especial da sanção daqueles que foram submetidos ao monitoramento eletrônico, em comparação aos condenados que cumpriram suas penas inseridos no sistema prisional. Ou seja, para eles, não se pode dizer, com a necessária precisão, que permitir o cumprimento monitorado de pena extramuros não diminui o índice de reincidência. Com todo o respeito que merecem os opositores do monitoramento eletrônico, não se pode negar que os benefícios de um cumprimento de pena monitorado fora do cárcere são infinitamente superiores aos prejuízos causados no agente que se vê obrigado a cumprir sua pena intramuros”.

O autor entende que entre colocar o condenado num sistema falido que ao invés de ressocializá-lo fará com que retorne completamente traumatizado ao convívio em sociedade, com toda a certeza será preferível o seu controle pelo Estado em algum local extramuros, previamente determinado. Esse local poderá ser a sua própria residência ou outro qualquer, que viabilize a execução da pena com o seu perfeito controle.

Segundo Grecco (2010), a doutrina afirma que essa modalidade de cumprimento de pena é demasiado benigna aos condenados, não possuindo assim o necessário efeito intimidante característico da teoria retributiva e apontam que a sanção se centra somente no controle do condenado dedicando pouco ou mesmo nenhum esforço no seu tratamento ressocializante.

Nesse sentido, citando Luzón Peña, Grecco (2010) assevera que as acusações de que o monitoramento eletrônico é por demais benigno ao condenado, além de possuir pouca ou nenhuma eficácia intimidante, tem-se rebatido com o correto argumento de que a ele são reservadas somente as infrações penais de pouca gravidade, a exemplo do que ocorre com os delitos de trânsito, subtrações patrimoniais não violentas, consumo de drogas etc. e só excepcionalmente para algum delito que preveja alguma forma de violência, como pode ocorrer com as lesões corporais.

 Além disso, o prognóstico que se faz do condenado lhe é favorável, ou seja, tudo leva a crer que o cumprimento da pena monitorada extramuros exercerá sobre eles os necessários efeitos, evitando-se a prática de futuras infrações penais. Não podemos nos esquecer que, mesmo com certo grau de liberdade, temos limitada uma grande parcela desse nosso direito. Assim, por mais que, aparentemente, se mostre benigna ao condenado, ainda assim essa forma de cumprimento de pena poderá exercer sua função preventiva (geral e especial), pois que, para a sociedade, ficará demonstrado que o Estado, através do Direito Penal, cumpriu com sua missão protetiva de bens jurídicos, fazendo com que o autor da infração penal fosse por ela responsabilizado, com uma pena correspondente ao mal por ele praticado.

Ademais, sustentam que tal instituto violaria direitos fundamentais como intimidade, privacidade e locomoção (JESUS, J., 2011), o que seria incompatível com o nosso Estado Democrático de Direito (VIANNA, 2012, p.191).

Contudo, explica Vianna que toda pena por definição consiste na imposição de uma limitação a um direito fundamental, variando desde a limitação da própria vida (na pena de morte, da integridade corporal (nos açoites), da liberdade (na prisão), e do patrimônio (na pena de multa, etc.) e nesse sentido argumenta o autor que algumas destas limitações a direitos fundamentais com efeito de pena são expressamente limitados pela Constituição da República em ser art. 5.º, XLVII. Nenhuma vedação constitucional há, porém, em relação à limitação do direito constitucional à privacidade como pena, estando ela autorizada implicitamente pelo art. 5º, XLVI, da Constituição da Republica que prevê a possibilidade de pena de “suspensão e interdição de direitos”. Destarte, se é possível a restrição dos direitos fundamentas à liberdade a ao patrimônio como efeito da pena criminal, também é perfeitamente possível restrição semelhante ao direito à privacidade que em momento algum perderá seu status de direito fundamental por conta disso.

Nessa mesma ótica defende Jesus (J., 2011) afirmando que os que são contrários ao sistema de monitoramento eletrônico alegam que tal instituto violaria o direito a intimidade, privacidade e locomoção, mas esquecem que tais direitos já são mitigados pela pena privativa de liberdade e que ao contrário do que se pensa, através desse sistema o apenado além de ter direito ao convívio social, terá ampliado o seu direito à liberdade, tendo a possibilidade efetiva de ressocializar-se.

CORREA Jr (2012) sustenta que a conotação negativa referente ao “controle total da vida da pessoa” pode ser mitigada com a especificação do objeto da vigilância, ou seja, vigilância eletrônica de penas e alternativas penais e não de pessoas ou de delinquentes. Em outras palavras, a vigilância eletrônica deve fiscalizar as condições e restrições impostas ao infrator em razão da pena ou medida aplicada e não vigiar a vida privada da pessoa ou outros aspectos não atingidos pela decisão judicial.

Relacionado à crítica do uso do monitoramento eletrônico como forma de invadir a privacidade do condenado, Grecco (2010) acentua que sistema prisional, com toda certeza, não seria o melhor ambiente para o cumprimento da pena aplicada ao condenado que em muitos países da América Latina eliminariam a sua personalidade. E assim, “por mais que tenhamos que proteger o direito à intimidade daqueles que foram condenados pela Justiça Penal, entendemos que a submissão do autor da infração penal ao monitoramento eletrônico deve ser entendida em seu benefício, mesmo que venha a causar pequenos transtornos”.

Apesar das críticas citadas, é com base no princípio da dignidade humana, alicerce da Constituição Federal de 1988, que os doutrinadores contrários ao monitoramento eletrônico fundamentam suas opiniões. Para eles, o uso das tornozeleiras eletrônicas colocaria em risco a integridade física e moral do apenado posto que ao sair na rua utilizando o equipamento eletrônico, de longe seria caracterizado como criminoso, somente por utilizar o referido equipamento (CARVALHO, 2010). Nesse sentido, acrescente Leal (2011, p.422) que em certas circunstâncias, como avaliação médica, ingresso em agência bancária, relação sexual, partida de basquete ou futebol, tornar-se-ia um constrangimento insuperável.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um instrumento criado para a proteção da autonomia vital da pessoa, a sua autodeterminação relativamente ao Estado, proteção dos direitos da pessoa frente à ofensa a sua dignidade em suas mais variadas espécies, tutelando tanto a integridade física como a espiritual.

Nos dizeres de Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p.40), no caso da dignidade da pessoa, diversamente do que ocorre com as demais normas jus-fundamentais, não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da existência humana (integridade física, intimidade, vida, propriedade etc.), mas, sim, de uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano, de tal sorte que a dignidade – como já restou evidenciado – passou a ser habitualmente defendida como constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal.

Os opositores sustentam que a simples ideia de amarrar os pés do condenado à uma tornozeleira eletrônica, por meio da qual os seus movimentos serão minimamente controlados, não necessita de maiores argumentos racionais para que, a qualquer ser humano, se mostre forma abjeta, degradante e vil de sujeitar o indivíduo ao cumprimento da pena, sendo incompatível com o princípio da humanização das penas, com a própria natureza das penas restritivas de direito e com a dignidade da pessoa humana (SIMANTOB, 2004, p.14). Ademais, constitui um plus no controle e na severidade em penas e medidas que regularmente se aplicam sem necessidade desses dispositivos tecnológicos (WEYS, 2008, p.147).

As penas restritivas de direitos se sobrepõem aos princípios e às garantias constitucionais a pretexto de imprimir maior efetividade ao seu cumprimento, vez que não faria sentido aplicá-las na tentativa de eliminar as indignidades da pena de prisão, se as formas escolhidas para monitorá-las apenas fariam ressuscitar as mazelas e degradações próprias do encarceramento, como a violação da intimidade e da vida privada, além da odiosa estigmatização social dos sentenciados que teriam que esconder as suas tornozeleiras eletrônicas durante o período de cumprimento da pena (SIMANTOB, 2004, p.13-14).

Morais (2010) se posiciona no sentindo de que os que defendem que a preocupação de que a tornozeleira possa ferir a dignidade da pessoa humana, ao impor ao cidadão a utilização de uma “coleira”, na forma como ocorria no período da escravatura, não merece prosperar, haja vista se estiver absolutamente convencido de que o atual sistema carcerário brasileiro é o maior elemento de ataque à dignidade humana. Aqueles que conhecem o sistema prisional sabem que ali a última coisa que podemos encontrar é o tratamento digno e correto de um ser humano.

Nesse mesmo viés Borges D’Urso (2007) observa que as pessoas condenadas ou que aguardam julgamento ficam sujeitas às mazelas comuns do sistema carcerário que não garante a integridade física do preso, pela superlotação, sevícias sexuais, doenças como aids e tuberculose e rebeliões. Segundo o autor, o monitoramento eletrônico traria duas vantagens: evitaria o confinamento e os problemas dele decorrentes e manteria a responsabilidade do Estado diante de uma condenação de pequena monta ou prisão antes da condenação.

Diante dessa análise, afirma que o uso da tornozeleira eletrônica não veio aumentar o estigma social nem afetar a dignidade, pois os equipamentos são pequenos e discretos, podendo ser escondidos facilmente embaixo de roupas. Para o autor é incomparavelmente melhor transitar livremente pelas ruas, ainda que portando esse tipo de aparelho, do que passar o dia trancado em uma cela (D’URSO, 2012, p.31).

Conforme entende Souza (2014), pode-se concluir que o uso da monitoração eletrônica do preso é antes e acima de qualquer coisa medida que deve resultar na redução da população carcerária e que possibilita a adoção de formas mais efetivas de ressocialização dos internos, uma vez que traz o detento para o convívio com sua família e com a sociedade, obtendo-se de forma induvidosa, uma recuperação mais célere e econômica para o Estado.

Neste contexto, pode se afastar qualquer discussão a respeito de uma possível estigmatização do preso pelo uso das pulseiras e tornozeleiras eletrônicas, uma vez que as prisões são muito mais danosas e, em comparação com o uso deste novo meio de monitoramento e vigilância do preso, são, com muito mais intensidade, um instrumento que deixam marcas definitivas no indivíduo condenado (SOUZA, 2014).

Em contrapartida, os defensores do uso dos dispositivos eletrônicos têm como premissa o fato que a maioria das pessoas preferiria ter seus passos rastreados a ser aprisionado em uma penitenciária. Nesse sentido sustenta Vianna (2012, p.196) que “até um cão sabe que é melhor passear pelas ruas atado a uma coleira a viver preso em uma jaula”.

Outro aspecto levantado pela doutrina que merece destaque, é que o uso desse sistema traria vantagens com a economia de recursos e também melhoraria a inserção dos condenados na sociedade, evitando a ruptura dos laços familiares e da perda do emprego, além da redução da população carcerária e a diminuição na reincidência.

No entendimento de Prudente (2011, p.7-21) o monitoramento eletrônico onera o Estado em proporções muito inferiores que a pena privativa de liberdade e ainda confere ao condenado a oportunidade de trabalhar para arcar com os custos da própria pena.

Seguindo essa linha de raciocínio Vianna (2012, p.197) afirma que o uso da tecnologia de monitoramento eletrônico como alternativa ao cárcere, viabilizando as prisões domiciliares e as penas de proibição de frequentar determinados lugares pode representar o fim dos gastos com estabelecimentos penais de regime semiaberto e abertos, permitindo uma economia de recursos que compensaria o investimento realizado na aquisição e manutenção do sistema de rastreamento eletrônico.

O DEPEN também considera vantajosa a economia de custos ao poder público, na medida que enquanto um preso custa em média R$ 1.800 por mês (mil e oitocentos reais), a monitoração eletrônica de uma pessoa pode custar de R$ 200 a R$ 600 mensais, dependendo dos termos contratuais da empresa fornecedora dos equipamentos.

Outra questão ressaltada pelos favoráveis ao monitoramento eletrônico, é que a procura por formas alternativas de controlar condenados é uma tendência mundial visto o sucesso obtido nas experiências em outros países (SCHEFFER, 2011).

Segundo Prudente (PRUDENTE, 2012, p.155) sabe-se que a experiência com o monitoramento eletrônico em outros países tem sido positivas e esperançosas e assim observa que, nestes, é preciso pontuar que a sua aplicação teve como foco a substituição das prisões preventivas e progressivamente, a substituição da própria pena privativa de liberdade, como exemplo Argentina e Portugal. Isso significa que nesses países houve sensível diminuição nos gastos públicos na medida em que o monitoramento eletrônico foi implementado como sucedâneo da prisão e não como requisito adicional para a conquista da liberdade.

Para o autor, se utilizado como medida cautelar é eficaz pois, como é sabido, hoje nas prisões cautelares os presos provisórios devem ficar separados dos presos definitivamente condenados (em celas distintas), toda via, diante da nossa desestruturada realidade carcerária, poucas vezes se tem garantido essa separação, igualando o suspeito ao condenado e o sujeitando ambos a tratamentos desumanos.

Outra questão abordada pela doutrina é que, segundo explica Scheffer (2011), a essência do sistema é a valorização da autonomia e a capacidade de autodisciplina do condenado. O autor observa que diferente da prisão, não há um obstáculo físico à fuga, mas apenas psicológico, consistente na ameaça de prisão para o caso de violação das regras de rastreamento, e nesse sentido, será o temor da imposição de uma sanção mais gravosa que evitará o descumprimento das condições impostas.

Na visão de Lehder (2011, p.7-21), o monitoramento eletrônico combinado com supervisão social favorece uma abordagem individual, diminuindo os elementos do controle e da supervisão de acordo com o aumento da colaboração e da cooperação do delinquente.

Prudente (apud Vianna, 2012, p.155) salienta que considerando o monitoramento eletrônico como substituto das prisões processuais, pode significar o fim da restrição de liberdade àqueles que a Constituição Federal presume inocentes.

A doutrina que defende o monitoramento encontra nesse novo sistema a solução para os problemas de superlotação carcerária, reincidência dos presos e principalmente a possibilidade da ressocialização e reintegração do apenado, já que com a medida este não será retirado do convívio familiar e social, de modo a não romper os laços afetivos, reduzindo o grau de sofrimento que o encarceramento produz no preso e nos seus familiares e amigos (PRUDENTE, 2011, p.7-21).

Vianna (2012, p.193) afirma que a possibilidade do condenado cumprir sua pena inserido na sociedade aumenta em muito suas expectativas de reintegração.

Embora pouco explorado pela doutrina, alguns autores defendem o uso do monitoramento eletrônico como meio de acompanhar o cumprimento das penas restritivas de direitos e até das medidas cautelares diversas da prisão.

Nesse sentido sustenta Correa Jr. (2012) que o monitoramento eletrônico deveria ser estabelecido como instrumento de execução das penas restritivas de direitos que demandam fiscalização efetiva, a fim de consolidar um sistema alternativo de penas realmente capaz de promover a prevenção e substituir a pena privativa de liberdade para delitos de menor gravidade.

Oliveira (2012) traz como exemplo o condenado a pena de interdição temporária de direitos na modalidade de proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações. Através da monitoração eletrônica, o juiz terá plenas condições de saber se o indiciado ou acusado descumpriu a medida inicialmente aplicada, visto que o juízo receberá relatórios periódicos sobre o cumprimento das medidas estabelecidas. Ocorrendo o descumprimento, poderá substituir a pena aplicada.

Na medida cautelar de proibição de ausentar-se da comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução, o monitoramento eletrônico também demonstra ser uma forma de efetivo controle do cumprimento. De acordo com o autor, é bem verdade que a simples aplicação dessa proibição não impedirá que o indiciado ou acusado se ausente da comarca, se realmente quiser fazê-lo. Dessa forma, surge a oportunidade, conveniência e, por que não dizer, necessidade, em algumas situações, de se cumular essa cautelar com a monitoração eletrônica, a qual, de todas as possibilidades legais, se mostra mais adequada para efetivo controle dos deslocamentos do indiciado ou acusado. Se o indiciado ou acusado ausentar-se da comarca sem autorização judicial, prejudicando o bom desenvolvimento da investigação ou da instrução, descumprindo uma ordem judicial o Juiz ficará sabendo de forma inequívoca através dos relatórios emitidos pelas centrais de monitoramento.

No caso do condenado a recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos, ou mesmo a prisão domiciliar, essa aplicação conjunta permitirá efetivo controle sobre a conduta do indiciado ou acusado, ao mesmo tempo em que irá gerar maior credibilidade ao sistema judiciário. Isso serve de incentivo para que os próprios operadores do direito que atuam num determinado processo sintam a eficácia da medida em meio aberto (OLIVEIRA, 2012), visto que conforme já mencionado, o Brasil não possui estruturas físicas suficientes que possibilitem o cumprimento das penas do regime aberto e semiaberto segundo os ditames da lei.

Na opinião de Scheffer (2011), o monitoramento eletrônico é uma solução viável e equilibrada quando se refere à inexistência de estabelecimentos adequados ao cumprimento da pena de prisão em regime aberto e semiaberto. Assim, para promover a finalidade preventivo-especial preconizada pela lei penal, e fiscalizar o cumprimento da pena privativa de liberdade defende-se o uso de vigilância eletrônica indireta.

Nesse sentido, a expectativa que se tem em relação à monitoração eletrônica é de que sirva como reforço e motivação para que o indiciado ou acusado possa cumprir suas obrigações legais, ao mesmo tempo em que não volte a praticar outras infrações penais.

Diante da abordagem de todos os argumentos favoráveis e desfavoráveis do uso do monitoramento eletrônico, Grecco conclui que não há dúvida que os riscos (reais, iminentes e de toda sorte) que a pessoa corre ingressando em nossas cadeias prematuramente, são infinitamente maiores ao que correria estando solta sob vigilância eletrônica. Assim, qualquer solução que venha a rechaçar o encarceramento ou a propiciar a extração do sistema para reintegração a sociedade deverá ser acolhida, ainda que experimentalmente.

O autor finaliza sustentado que “não se pode negar que os benefícios de um cumprimento de pena monitorada fora do cárcere são infinitamente superiores aos prejuízos causados no agente que se vê obrigado a comprimir sua pena intramuros”.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos