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Da pluralidade política à liberdade sindical do art. 8º da Constituição

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03/03/2005 às 00:00
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2. A liberdade de associação

É no Título II da Constituição Federal, Dos direitos e garantias fundamentais, em seu primeiro capítulo, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, que o constituinte de 88 determinou expressamente a plena liberdade de associação, independente de autorizações dos entes públicos, em total acordo com o princípio fundamental do Estado democrático de direito inscrito no inciso V do artigo 1° da Lei Maior, atestando a referida liberdade da sociedade pluralista.

O associativismo é previsto no inciso XVII do 5° artigo constitucional de uma forma plena quando o mesmo tiver lícito objetivo e não guardar caráter paramilitar, expressamente vedado.

É assim que a regra constitucional assegura à sociedade pluralista proteção contra possíveis ilícitas arbitrariedades de alguns e contra a violência e as discriminações, porquanto tais comportamentos tendem a ser lesivos aos interesses e direitos de outras pessoas. Isso ocorre porque, apesar de sua autonomia, a associação não atua num mundo isolado, à parte do resto da sociedade. As previsões constitucionais pretendem amparar a vida em comunidade de situações, provocadas pela ilicitude, que designem a desatenção às diferenças, a contar das opiniões, que existem entre os membros da sociedade que preza o ambiente democrático.

Fundamentada nesta compreensão, cumpre ajuntar a afirmação de que a apreciação da ilicitude dos fins e atividades de uma associação é feita, e arrazoada, a partir do senso comum de uma sociedade a respeito da concepção de ato ilícito. O conhecimento condizente com a percepção da ilicitude está inserido nas prescrições do próprio Direito de uma nação. E, o Direito, é a projeção formalizada do consenso, do entendimento de um povo sobre o ideal e o mais apropriado em um dado momento histórico de sua evolução.

Em relação a este mínimo ideal aceito e legitimado por todos os cidadãos, convém assentar a noção de que o mesmo constitui a própria consciência coletiva do correto e do melhor, dos comportamentos considerados errados e inadequados e das atitudes louváveis e apreciáveis, cujas bases encontram-se na cultura, nas tradições, nos costumes e na moral de um povo. Se, por acaso, for necessário, em um caso específico, a situação será encaminhada à análise do Poder Judiciário, a solução mais acertada em quaisquer casos e situações quando se está diante de um efetivo ambiente democrático de vida, próprio do Estado democrático de direito. O referido órgão, que mantém o compromisso da imparcialidade, oferecerá a palavra final em concordância com o Direito que rege a sociedade e que foi legitimado por ela mesma, vinculando o amparo à amplitude do conteúdo da liberdade associativa aos fins lícitos e contrários à violência, quer dizer, no tocante a esta última, opostos às discriminações em todas as suas formas.

Expostas estas informações, há de se colocar que, configurando um grande estímulo à organização autônoma da sociedade pluralista em forças sociais bem definidas e diferenciadas, através de associações que são operacionalizadas pelas particulares vontades coletivas, o inciso XVIII do artigo 5° explicita a independência que as mesmas reservam dos poderes públicos. Enfatiza, a Lei Maior, com a previsão contida naquele inciso, que toda associação representativa de interesses coletivos é uma entidade particular que tem e merece abrigo de qualquer tipo de interferência das autoridades públicas desde que, é claro, resguardadas aquelas duas condições assinaladas no inciso XVII - os fins lícitos e a inexistência de caráter paramilitar -: a criação de associações [...] independem de qualquer autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento.

A criação de associações independente de qualquer autorização e a proibição de interferência no funcionamento da entidade instituída corresponde aos pontos cardeais da Constituição que compõem a declaração de que a vontade coletiva dos diferentes vários segmentos da sociedade têm o poder de mobilização autônomo, não submisso à normatização de origem estatal ou pública, fornecendo, por fim, dito inciso, segurança constitucional à autonomia coletiva das associações.

Daí que, desse modo, independente de especificações legais, a liberdade de associação, por conseguinte, foi tornada informal, ou seja, foi deixada livre do cumprimento de formalidades, do que resta, obviamente, o pleno poder de autogoverno, gestão e administração da entidade criada, assuntos que são resolvidos por seus estatutos segundo a vontade coletiva do grupo de pessoas que a integra. Assim, toda existência e manifestação da associação estão adstrita apenas à vontade coletiva de seus filiados, mantendo a entidade afastada de intromissões governamentais, pois com as autoridades públicas não conserva qualquer tipo de vínculo: toda organização e exercício de atividades são demarcadas unicamente pela vontade do grupo, o qual ordena autonomamente seus interesses.

Ocorre, com isso, que o poder de elaboração normativa das associações, admitida a diversidade de centros de poder no Estado democrático de direito, permite a revelação de um direito multiforme de origens estatal e nao-estatal.

No entanto, convém reparar que o poder normativo dos vários grupos de interesses diferentes não deve de maneira alguma lesar ou obstruir liberdades e direitos de outrem.

O inciso XIX do artigo 5° , o qual se passa a analisar, reserva ao Poder Judiciário o controle de legalidade, o direito de intervir nas associações. A intervenção coligida na Constituição Federal é prevista em duas modalidades: a suspensão, que consiste a temporária paralisação das atividades associativas e depende de ato judicial fundamentado, e a dissolução compulsória, depois do trânsito em julgado da decisão, que pode ocorrer quando realizado um processo regular motivado pelo cumprimento da lei (desde que se verifique o contraditório, a ampla defesa em tal processo).

A propósito destas duas alternativas de interposição da autoridade estatal nas diligências dos particulares, cabe asseverar que ambas definem garantias de segurança que podem ser atendidas em todas as oportunidades nas quais o exercício das atividades associativas obstaculizarem a execução e a prática de direitos e liberdades, de outras pessoas individuais ou coletivas, pela execução de algum ato ilícito ou contrário aos desígnios democráticos da Constituição. Depreende-se, da constatação oferecida, a deferência aos direitos dos demais cidadãos que não conservam ligações associativas com a entidade, e, por isso, a tais pessoas não compete o atendimento aos estatutos da mesma e tão pouco aos seus particulares interesses, uma cautela que está correlacionada com a concretização da democracia. Ademais, o dispositivo em causa aplica-se também às entidades sindicais.

E, a proteção aos direitos individuais de livre escolha e filiação da pessoa humana, foi feita no inciso XX do artigo 5° . Esta norma fornece as garantias, à pessoa e ao associado, de cuidado a sua liberdade individual prevendo que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado, norma válida para o associativismo sindical inclusive, haja vista sua generalidade.

Por sua vez, finalizando, cumpre ainda abordar o inciso XXI do 5° artigo, do qual é alcançada compreensão exata quando se realiza sua leitura combinada com a da redação dos incisos XVII e XVIII do mesmo dispositivo.

Comanda o referido inciso a ser analisado as entidades associativas quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente. Pois bem, unindo a estas palavras os pronunciamentos dos incisos XVII e XVIII, sabe-se que é vedada a interferência estatal em todo o tipo de associação, de modo que nenhum órgão público detém autoridade, segundo a Lei Maior de 1988, para conferir ou não legitimidade à existência de uma associação e sua conseqüente representatividade, porquanto tal legitimidade é adquirida pelo simples fato de a mesma responder àquelas determinações encontradas no inciso XVII, o qual proíbe a entidade organizada com fins ilícitos e de caráter paramilitar.

Fora as exceções associativas do inciso XVII, eivadas de ilegalidade, declaradas pela autoridade estatal através do poder judiciário como ilícitas, as quais realmente não detém legitimidade representativa por conta de seu vício, carece sublinhar que, todas as demais associações que forem criadas ou que existirem, independem de reconhecimento de um órgão público, pois são legítimas expressões da vontade de grupos que objetivam fins lícitos e, por isso mesmo, mantém total capacidade representativa judicial e extrajudicial.

Há de se ponderar, ainda, que é importante o registro dos estatutos da associação em cartório apropriado, o que não corresponde, absolutamente, a pedido de autorização, mas que constitui ato peculiar à demarcação e delimitação de sua existência diante da sociedade, de seus fins e, por conseguinte, de suas atividades.


3. A liberdade sindical segundo o artigo 8° da Constituição da República

No Título relativo aos Direitos sociais, uma espécie particular da liberdade de associação recebeu disposições constitucionais que a excepcionam, conferindo à mesma tratamento específico e diferenciado daquele que foi concedido à liberdade de associação lato senso.

Observando-se especialmente a Constituição da República em vigor, inicia-se o estudo relativo à organização sindical brasileira, cujas principais características, constantes no próprio texto da Lei Maior, são atinentes à unicidade, ao enquadramento sindical por categorias, à base territorial não inferior à área de um município, ao registro, à contribuição compulsória e à manutenção do sistema confederativo.

No que tange ao conteúdo da liberdade sindical no Brasil, começa-se esta abordagem a partir do caput do artigo 8° da Constituição Federal, que surpreende, quebrando positivamente a tradição nacional quando o mesmo dispõe que é livre a associação profissional ou sindical, resolvendo de forma simples e objetiva a liberdade sindical.

A ordem expressa no caput do artigo 8° define a liberdade sindical consoante os critérios da orientação do Direito Internacional do Trabalho, apresentando-a desobrigada de qualquer tipo de qualificação e caracterização, como todo modelo abstencionista ou autonomista faria. Neste modelo não há imposições legislativas de tipo algum pelo Estado no tocante à organização sindical, que é o simples resultado da livre deliberação dos interessados, porquanto é deixada à autonomia privada coletiva dos mesmos o poder de resolver sobre a estrutura e conformação dos sindicatos para adequá-los aos seus próprios desígnios, decidindo sua preferência por um sistema uno ou plúrimo. Mas, isso, só até ali, até passar a anunciar, o artigo 8°, os pontos fundamentais da organização sindical brasileira em seus incisos.

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Convém notar, no entanto, que, a redação do caput se mostrou falha e imprecisa, porque, ao indicar associação profissional ou sindical, não definiu expressamente quais são as pessoas titulares do exercício da liberdade sindical ali consagrada. Melhor dizendo, porque não fez referência expressa aos dois partícipes da relação laboral - trabalhadores e empregadores -, já que, indicando apenas associações profissionais, de trabalhadores, portanto, ou sindicatos sem avisar quem é que tem o direito de formá-los, favoreceu o entendimento de que, talvez, a Lei Fundamental não admitiria a igualdade legislativa da bilateralidade na organização sindical brasileira.

E, além disso, indicando outra imprecisão, segundo a letra do mencionado artigo, a Constituição impediria a formação de uma simples associação de trabalhadores sem quaisquer fins sindicais, visto que, conforme a conexão dos vocábulos empregados no texto, estaria a mesma obrigada a cumprir os comandos desenvolvidos nos incisos do artigo em pauta, obstando, por conseqüência, a criação de uma associação segundo a liberdade ampla e sem restrições prevista no artigo 5°, inciso XVII (hoje, depois da Instrução Normativa nº 3, de agosto de 1994, a associação profissional só assume os compromissos de um sindicato se feito o registro no Arquivo do Ministério do Trabalho).

Tais incertezas apontadas, entretanto, somente são resolvidas com a leitura dos incisos I e II, os quais tratam do registro em órgão oficial e da categoria profissional ou econômica, tornando possível perceber, numa interpretação um pouco forçada, pois o caput não citou os empresários abertamente, que a igualdade normativa da bilateralidade na organização sindical brasileira ganhou persistência.

Quanto ao inciso I, do artigo 8°, basta salientar que o mesmo resguardou de forma clara a autonomia dos sindicatos frente aos poderes públicos, exatamente como impõe o verdadeiro conceito de liberdade sindical desenvolvido na Convenção n° 87 da OIT, ao prescrever que a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical. Não fosse a ressalva, esta determinação coincidiria com o exposto no inciso XVIII do artigo 5° já estudado.

Este primeiro inciso representa a mais completa garantia à plenitude da autonomia coletiva dos sindicatos. A autonomia sindical é dado de relevada importância, integrante da própria definição de sindicato, que cuida de evitar que a defesa dos interesses dos filiados a um sindicato se torne submissa à interferência de outros poderes sociais, titulares de distintos interesses, como, por exemplo, as autoridades públicas e as associações empresariais.

A autonomia sindical, em síntese, exige uma atuação dos sindicatos independente, livre de ingerências que dominem ou controlem administrativa ou sustentem economicamente as associações sindicais, partam tais ações interventoras do empregador (tratando-se de um sindicato de trabalhadores), associação patronal, Administrações públicas, ou qualquer outra pessoa, individual ou coletiva, entidade pública ou privada.

Cabe lembrar que o amparo à autonomia, só que geral, a todo o tipo de associação que mantenha fins lícitos, fizeram também os incisos XVII e XVIII do artigo 5° da Constituição, como já foi observado. Alusivo ao direito associativo, o referido artigo confere apenas ao poder judiciário o controle de legalidade, previsto no inciso XIX do mesmo dispositivo, o qual é válido inclusive no que concerne aos sindicatos.

Todavia, fica ressalvado o registro no órgão competente, uma ordem que ganha importância capital e compreensão com o inciso II do artigo 8° , porquanto a inscrição no órgão público é o instrumento que assegura a permanência sindicalismo oficial delimitado na Constituição.

Com relação ao segundo inciso do artigo 8° , o qual preceitua que é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau [...] [3], depreende-se que, definindo a unicidade, este preceito acabou tolhendo a voluntariedade da escolha pela formação de algum regime organizativo pelos mais legítimos interessados, trabalhadores e empregadores.

Pois bem, o inciso II, contrariando e violando a ordem impressa no caput do artigo 8°, impõe o monopólio da representação sindical, impedindo a organização espontânea dos sindicatos, o que a faria autêntica expressão da vontade dos trabalhadores e dos empregadores, ao proibir a criação de mais de uma organização sindical em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município. A Constituição, no inciso II, do artigo 8°, reproduz a manutenção da unicidade sindical, obstando a mais completa e livre deliberação dos interessados.

Mas, agora, a Lei constitucional admite a fundação de sindicatos representativos de categorias de trabalhadores (categoria profissional) e de empregadores (categoria econômica) demarcadas pelas próprias resoluções independentes de seus integrantes. Contudo, a livre formação de categorias é acompanhada da previsão de que, o sindicato de alguma, deve ser o único representante daqueles interessados num determinado território e que o mesmo não pode ter âmbito de atuação geograficamente inferior à área de um município. Esta resolução exclui, integralmente, a possibilidade da existência de sindicatos concorrentes e representativamente simultâneos, bem como organizados por empresa, por exemplo, num âmbito territorial inferior ao município.

Não perdendo a oportunidade, para não afastar por demais o assunto da alusão que se fez ao inciso II, o registro, hoje regulado pela Instrução Normativa nº 3, de agosto de 1994, é obrigatório e está apto a conceder personalidade jurídica de natureza sindical à entidade que o requerer. Quer dizer, é a inscrição do sindicato no órgão apropriado que lhe confere a capacidade representativa de uma dada categoria. Isto é, o registro dá, à organização que o solicitar, a legitimidade para desempenhar as atividades sindicais e aptidão para receber do Estado os direitos e privilégios previstos na Consolidação das Leis do Trabalho.

A legítima capacidade representativa consiste uma condição que pode ser adquirida pelos sindicatos que realizarem o depósito de seus estatutos no órgão competente. Desprovido de práticas procedimentais que causem intervenção ou interferência do poder público nos assuntos sindicais, configurando competência do Ministério do Trabalho sua realização, ente cuja atuação se encontra limitada à verificação da reverência à unicidade, o registro tem caráter constitutivo e fornece ao sindicato a referida legitimidade para falar em nome da categoria.

Daí que, pode-se concluir, o fundamental propósito do registro é fornecer às associações sindicais um sistema de controle capaz de certificar a eficácia ao condicionamento constitucional de unidade e permanência à organização confederativa dos sindicatos.

O registro é a ressalva constitucional que certifica a continuidade da unicidade, prevista no inciso II do artigo 8° , e da organização confederativa dos sindicatos, em total oposição à orientação do Direito Internacional do Trabalho. Na verdade, não há autorização para criar sindicatos livremente. E, o registro, consiste o instrumento capaz de atestar a existência do sindicato único, para uma certa categoria, em determinada base territorial não inferior à área do município, ou seja, o registro é que pode indicar que estes pressupostos de constituição do sindicato foram cumpridos e que, por conseguinte, a ordem da Lei Fundamental, inscrita no inciso II do artigo 8° , foi observada.

O cumprimento dos pressupostos de constituição do sindicato confere à entidade legitimidade para o exercício de toda e qualquer atividade representativa da categoria para a qual funciona desde a sua fundação. E, assim, legalmente reconhecido, o sindicato é a pessoa jurídica de direito privado legitimamente hábil para recolher contribuições e desempenhar, portanto, as prerrogativas e os deveres de uma associação sindical.

Inscritas no artigo 513 da Consolidação das Leis do Trabalho, dentre as prerrogativas, destacam-se: - a representação, perante as autoridades administrativas e judiciais, dos interesses gerais da categoria ou os interesses individuais dos integrantes da mesma; - a celebração de contratos coletivos de trabalho, isto é, o amplo poder de negociar coletivamente em nome da categoria; - a designação dos representantes da categoria; - a colaboração com o Estado no estudo e encontro de soluções para os problemas da categoria que é representada; - a imposição de contribuições aos associados, prevista no inciso IV do artigo 8° . E, no que tange aos deveres relacionados nos artigos 514 e 592 da citada lei, os quais cuidam da aplicação dos recursos advindos da cobrança do imposto sindical, pode-se lembrar do dever de colaboração e dos encargos de ordem assistencial.

Ademais, ao sindicato legalmente habilitado através do registro no arquivo do Ministério do Trabalho, são feitos os créditos relativos ao recolhimento do imposto sindical, previsto no artigo 578 da Consolidação.

Já, o inciso III do artigo 8° , expressa, em caráter constitucional, uma das prerrogativas dos sindicatos inscritas no artigo 513 da Consolidação das Leis do Trabalho, especificamente a letra ‘a’ do citado artigo. A referida letra, daquele artigo consolidado, cuida do poder de representação dos interesses gerais, e também dos individuais, da categoria para a qual foi constituída a associação sindical; os interesses são relacionados com as atividades laborais próprias da categoria e seus particulares problemas, quando assevera que ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas. É claro que, para ser o legítimo representante da categoria e exercitar o aludido poder perante as autoridades, é preciso que o sindicato responda perfeitamente àqueles pressupostos constitucionais que validam o registro e, por conseguinte, o tornam plenamente habilitado à representação.

O inciso IV do artigo 8°, por sua vez, também infringindo as disposições do inciso I, estabeleceu, ao associativismo dos trabalhadores e dos empregadores, o sistema confederativo de organização sindical. Recepcionando as normas da CLT condizentes e dando continuidade aos seus três graus, o sindical, o federal e o confederal, o citado inciso, praticamente fornecendo o fecho à organização sindical delimitada na Constituição, exclui, as centrais, visto que não as reconhece, e prevê os recursos para o custeio da mesma. Dispõe o inciso sobre o imposto sindical fixado em lei, e cobrado de todos os trabalhadores sindicalizados ou não, e a contribuição assistencial deliberada em assembléia geral: a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei.

A contribuição sindical compulsória mantém-se regulada pelos artigos da Consolidação que lhe são pertinentes e que também foram recepcionados pelos termos dos mandamentos constitucionais.

Mas, cabem aqui algumas ponderações. Há de se enfatizar, a autonomia sindical, ainda que livre de intervenções e de interferências dos poderes públicos, exige uma atuação independente e desobrigada da prestação de contas a outras entidades públicas ou privadas, porquanto o sindicato as deve apenas a seus membros, e requer, por causa desta razão, o aproveitamento de fontes e de recursos próprios. Contribuições sindicais atreladas ao poder público, que as arrecada com segurança na lei e distribui os seus benefícios financeiros posteriormente, não combinam com o verdadeiro significado de liberdade sindical. A necessidade de emancipar os sindicatos passa pelo entendimento pleno de autonomia sindical que admite o exercício de atividades economicamente lucrativas, as quais são permitidas desde outubro de 1988, pelo teor do inciso I do artigo 8° da Constituição Federal, que revogou tacitamente o artigo 564 da Consolidação das Leis do Trabalho.

O inciso V do 8° artigo repete, cuidando da liberdade de associação excepcionada, a sindical, a proteção aos direitos individuais de livre escolha e filiação da pessoa humana, inscrita no inciso XX do artigo5° . Fornecendo as garantias, à pessoa humana e ao associado, de consideração à liberdade sindical individual, prevê, o mencionado inciso, que ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato.

E, por último, interessa também, para encerrar esta primeira etapa do estudo relativo à organização sindical brasileira, informar que a função negocial, de acordo com o inciso VI, do artigo 8° , da Constituição Federal, é competência atribuída exclusivamente ao sindicato único da categoria em dado âmbito territorial não inferior à área de um município: é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho.

Como já foi reparado, o exercício do poder de representação que a Carta política e a Consolidação das Leis do Trabalho atribuem aos sindicatos será verificado somente quando respeitados todos os pressupostos de constituição da associação sindical: o cumprimento da unicidade para uma dada categoria em um âmbito territorial não inferior à área de um município.

Assim, vê-se confirmada, portanto, a indispensabilidade da reverência àqueles pressupostos constitucionais que tornam o sindicato legitimamente apto ao exercício do poder de representação e ao direito de registro no arquivo nacional. Daí que, tal registro, consiste o instrumento legal que dá publicidade ao reconhecimento da legitimidade representativa de um sindicato, tornando-se, por isso mesmo, um pré-requisito para representar, atestando, àquele que realizou a inscrição no arquivo nacional, dita capacidade para negociar em nome da categoria.

Contudo, há de se notar que a concessão do poder negocial exclusivamente admitido apenas ao sindicato da categoria, pelo inciso VI do artigo 8° , afasta dessa valiosa e importante atividade quaisquer outras possíveis representações, como, por exemplo, as seções sindicais e os delegados, ambos lembrados e permitidos no artigo 517, parágrafo segundo, da Consolidação das Leis do Trabalho, as comissões mistas admitidas no artigo 621 da mesma e qualquer outro tipo de representação extrasindical de trabalhadores que se puder imaginar (o representante único de empresa inclusive) no âmbito da empresa.

Assim, apenas completando, desconsideradas, surpreendentemente, foram as Convenções n° s 98 (deste tratado-lei, em especial o artigo 4° , que trata da negociação direta com o empresário) e 135, ambas ratificadas pelo Brasil.

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Sobre a autora
Cristiane Rozicki

mestre e doutoranda em Instituições Políticas e Jurídicas pela UFSC, pesquisadora do CNPq em Florianópolis (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROZICKI, Cristiane. Da pluralidade política à liberdade sindical do art. 8º da Constituição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 603, 3 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6390. Acesso em: 25 abr. 2024.

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