O presente trabalho, longe de esgotar o assunto, visa contribuir para o diálogo e atividade prática dos operadores do direito, com o objetivo de discutir sobre a interpretação, método e aplicação da lei ao caso concreto, sobretudo para os que labutam na área federal.
Os contratos comerciais realizados pelas empresas públicas federais sob o pretexto de modernização das mesmas, por exemplo, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT nos convênios de e-Commerce e Banco Postal, afetam sobremaneira todo o sistema institucional constitucional, fazendo com que a União suporte situações que não são de sua competência.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT, empresa pública federal, tem seu objeto de atuação insculpido nos artigos 21 e 22 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988- CRFB/88. A função constitucional da mesma é promover e garantir a comunicação dos brasileiros onde quer que estejam, por isso o investimento público na construção e manutenção de agências em praticamente todas as cidades brasileiras. A missão constitucional da EBCT está relacionada à comunicação através do serviço postal, tendo o monopólio do serviço. Os bens, interesses e serviços alocados para a atividade constitucional de serviço postal estão abarcados pela competência ratioe personae, já aqueles que derivam de convênio Banco Postal e E-commerce não têm o mesmo tratamento.
Interpretações equivocadas foram mantidas por muito tempo quanto ao Banco Postal não ser amparado pela competência federal, o mesmo raciocínio deve ser utilizado para os convênios e contratos de E-commerce[1], pois não há bem, serviço ou interesse da empresa pública, mas, sim, interesses privados. Muitos falam que a EBCT de fato já foi privatizada.
Os crimes contra bem (patrimônio registrado), interesse (verbas federais) ou serviço (crimes contra a administração pública federal) da União não contemplam o crime contra o patrimônio de terceiros que realizaram convênios comerciais (E-commerce) com a empresa pública (EBCT), este por sua vez é, tão somente, crime contra o Patrimônio de competência Estadual, conforme Título II, Capítulo VII, do Código Penal Brasileiro, conforme método jurídico positivo de interpretação das leis, pois Direito é Ciência e não Ideologia, vide [2]Informativo 524 STF.
Tal entendimento está amparado nas lições insertas no [3]HC 90.174. Hora, interesse para fixação da competência federal difere, e muito, do caso aqui abordado (receptação de bem de empresa de segurança privada sendo transportado pela EBCT), ele, simplesmente, não existe.
Podemos falar que a suposta receptação aqui mencionada em nada afeta o constitucional serviço postal de comunicação, exercido pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, artigos 21 e 22 da CRFB/88. O serviço da EBCT é de prestação de comunicação, por isso está vinculada ao Ministério das Comunicações.
O Artigo 109 da Constituição Federal de 1988, consagra o seguinte:
[4] "Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral".
De acordo com a ADPF 46 DF, o ofício público e o privado em muito se distinguem, não devendo ser homogeinizados no âmbito jurídico, tal qual ocorre no vocábulo popular, visto que, pelo decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1969, confere à ECT guarda da Administração Indireta da União, observe:
[5]“6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal.
7. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade.”.
O Título II do Código Penal Brasileiro trata "Dos Crimes Contra O Patrimônio" e o seu Capítulo VII trata "Da Receptação".
O método jurídico de hermenêutica constitucional penal, orientado pelo inciso XXXIX, do Artigo 5ª, da CF/88, não permite interpretação fora da estrita legalidade, ou seja, a semântica importa para o Direito Constitucional Penal e Direito Penal, a saber: [6]Princípio da Taxatividade, corolário do [7]Princípio da Legalidade, [8]Anterioridade e Reserva Legal.
Não se pode interpretar a competência penal federal de maneira abrangente. Patrimônio não é "interesse" ou "serviço", é instituto do Direito Civil e determina a interpretação do preceito constitucional penal (Artigo 109 CRFB/88) e penal (Artigo 180 do CP).
Portanto, não podemos dizer que são bens da EBCT ou da União produtos e bens de consumo despachados pela Empresa Brasilelira de Correios e Telégrafos (atuam como empresa de transporte e de entrega em domicílio), a CRFB/88 trata do serviço postal (comunicação), por isso, o Ministério responsável pela condução da EBCT é o das Comunicações. Despachar mercadoria através dos correios não é comunicação. Serviço de Banco Postal (Portaria 588/2000 Ministro das Comunicações) em agências próprias ou não da EBCT também não o é.
Assim, não podemos dizer que há crime contra o patrimônio de competência federal nos casos em que não há verdadeiro prejuízo patrimonial (efetiva perda de patrimônio público, devidamente identificado e contabilizado) da empresa pública federal, sob pena de afrontar o inciso LIII, do Artigo 5ª, da Constituição Federal de 1988, vejamos:
[9]“Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente".
Agir assim é aumentar politicamente a demanda de serviço aos órgãos de persecução penal federal que não são "aparelhados" e sequer contam com a capilaridade necessária para abarcar um feixe ilimitado de crimes não previstos pelo legislador constitucional, gerando impunidade.
Podemos dizer que houve uma “privatização” da empresa pública EBCT em razão da mesma funcionar praticamente fora da sua função conferida constitucionalmente nos Artigos 21 e 21 da Constituição Federal de 1988.
Entendemos que os crimes contra o patrimônio realizados contra o transporte de cargas (mercadorias) rodoviário terceirizado e as agências do banco postal não atraem a competência da Justiça Federal, já que não afetam bem da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT.
Bibliografia
http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&livre=@COD=%270524%27&tipo=informativo
http://www.elciopinheirodecastro.com.br/site/jurisprudencia-stfstj/habeas-corpus-no-90174go/
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
https://www.jurisway.org.br/v2/cursoonline.asp?id_curso=184&pagina=5
http://principios-constitucionais.info/principio-da-legalidade.html
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/293139/principio-da-reserva-legal
[1] http://blog.correios.com.br/ecommerce/
[2] Informativo 524 STF; Este periódico, elaborado pela Secretaria de Jurisprudência do STJ, destaca teses jurisprudenciais firmadas pelos órgãos julgadores do Tribunal nos acórdãos incluídos na Base de Jurisprudência do STJ, não consistindo em repositório oficial de jurisprudência.
http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&livre=@COD=%270524%27&tipo=informativo
[3] HC 90.174; Competência da Justiça estadual. Repasse de Verbas. Lei nº 8.666/93. 1. É da competência da Justiça Estadual processar e julgar agente público estadual acusado da prática do delito de que trata o art. 89 da Lei nº 8.666/93, não sendo suficiente para atrair a competência da Justiça Federal a existência de repasse de verbas em decorrência de convênio da União com Estado-membro. 2. Habeas Corpus deferido.
[4] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Seção IV artigo 109, inciso I .
[5] Ementa ; ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. EMPRESA PÚBLICA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS. PRIVILÉGIO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS. SERVIÇO POSTAL. CONTROVÉRSIA REFERENTE À LEI FEDERAL 6.538, DE 22 DE JUNHO DE 1978. ATO NORMATIVO QUE REGULA DIREITOS E OBRIGAÇÕES CONCERNENTES AO SERVIÇO POSTAL. PREVISÃO DE SANÇÕES NAS HIPÓTESES DE VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL VIGENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1º, INCISO IV; 5º, INCISO XIII, 170, CAPUT, INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, E 173 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃOCONFERIDA AO ARTIGO 42 DA LEI N. 6.538, QUE ESTABELECE SANÇÃO, SE CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO. APLICAÇÃO ÀS ATIVIDADES POSTAIS DESCRITAS NO ARTIGO 9º, DA LEI.
[6] Princípio da Taxatividade;Este princípio se encontra ligado à técnica redacional legislativa. Não basta existir uma lei que defina uma conduta como crime. A norma incriminadora legal deve ser clara, compreensível, permitindo ao cidadão a real consciência acerca da conduta punível pelo Estado.
Trata-se de uma construção doutrinária, fundamentada no princípio da legalidade e nas bases do Estado Democrático de Direito.
[7] Princípio da Legalidade, conhecido por meio da expressão latina nullum crimen, nulla poena sine lege, que significa que 'não há crime, nem pena, sem lei anterior que os defina', é muito importante no estudo do Direito, sendo um norteador para leis e dispositivos. Esse princípio encontra-se em várias partes da Constituição Federal e também em códigos penais e outros documentos.
[8] Princípio da Anterioridade e da Reserva Legal; Nenhum fato pode ser considerado crime se não existir uma lei que o enquadre no adjetivo Criminal. E nenhuma pena pode ser aplicada se não houver sanção pré-existente e correspondente ao fato.
[9] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Título II artigo 5, inciso LIII .