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Bioética na Constituição mundial

04/03/2005 às 00:00
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            Hoje, mas do que nunca, a humanidade vê sua existência ameaçada pelo desenvolvimento excessivo de técnicas biomédicas. Isto merece uma profunda reflexão, assim como uma resposta apropriada por parte da lei, a quem corresponde impor limites legais à bioética, dando-lhe normas especiais e estabelecendo uma posição na Lei Fundamental. Todas as constituições no mundo defendem os direitos humanos, já que estes são a coluna vertebral que permite a existência de uma sociedade. Contudo, a biotecnologia é uma das principais fontes de violação destes direitos hoje em dia e, em conseqüência, deve ser vigiada pela Constituição.

            É por isso que muitas constituições já estabelecem princípios legais no que se refere a bioética e a genética. De fato, no ano de 1993 houve uma tentativa de se fazer isso no Peru.

            A comissão da constituição do Congresso Constituinte Democrático aprovou um artigo que ressaltava "a proteção de todo tipo de experimentos ou manipulações genéticas contrárias a dignidade". No entanto, este texto não foi incluído na constituição aprovada por referendo, perdendo-se a oportunidade de se legislar sobre este tema.

            Atualmente, nas "Bases para uma reforma constitucional", apresentada pela Comissão encarregada do estudo das bases para uma reforma constitucional no Peru (26 de Julho de 2001), tampouco se considerou os princípios bioéticos incluídos na lei comparativa constitucional, que em linhas gerais são os seguintes:

            1.Limitar a aplicação e mal uso de material genético humano (Equador) e garantir a identidade genética contra a criação, desenvolvimento e uso da tecnologia em experimentação científica (Portugal, Ucrânia), proteção à identidade genética (Grécia). Estes parâmetros limitam as técnicas de manipulação genética que violam a essência da humanidade e a identidade do indivíduo. Ainda que a investigação científica esteja apoiada e reconhecida, ainda por leis constitucionais, estas devem cuidar do bem estar humano e um ser humano nunca deve ser usado como meio para completar objetivos.

            2.Não haverão experimentos médicos ou científicos sem o consentimento da pessoa (Armênia, Croácia, Chechênia, Egito, Eslovênia, Guatemala, Estônia, Latvia, Paraguai, Rússia, Santa fé - Argentina, Polônia, África do Sul, Turquia, Venezuela, Zimbábue). Todas as pessoas serão protegidas das intervenções biomédicas (Grécia). O direito ao consentimento informado é básico, já que permite ao paciente consentir ou rechaçar experimentos científicos ou médicos depois de haver sido bem informado sobre o procedimento a ser usado. Este direito normalmente é considerado na lei médica de cada país, mas ainda assim deveria ser incluída no Código Civil (Projeto de Código Civil Argentino) já que este direito é parte intrínseca da pessoa.

            3.Preservação da integridade dos ativos genéticos do país (Brasil, Equador) e regulação de biosegurança dos organismos voluntariamente modificados (Equador). Os países com uma variedade de recursos genéticos devem desenvolver leis para protege-los, começando por um reconhecimento constitucional do uso sustentado e preservação da biodiversidade. Esta norma geral deveria velar pela proteção da saúde, do meio ambiente e da biodiversidade, promovendo a segurança na pesquisa, o desenvolvimento da biotecnologia e sua aplicação na produção e serviços (regulamentar, administrar e controlar os riscos derivados de seu uso confinado e a liberação de organismos modificados voluntariamente).

            4.Proteção especial da reprodução humana (Nicarágua), controle de novos procedimentos de reprodução (projeto de constituição do Quebec) e igualdade para todas as crianças, mesmo os procriados com assistência científica (Colômbia). O objetivo é a proteção integral da população procriada cientificamente e esta nova forma de discriminação, genoísmo, que se vê refletido no tratamento diferenciado entre as crianças concebidas naturalmente e as concebidas por meios científicos. Desta maneira, este princípio limita o uso alternativo e caprichoso de técnicas de procriação e todos seus derivados biotecnológicos (conservação criogênica, maternidade subrogada, embriões de paternidade múltipla, etc.).

            5.Promoção do direito de investigação da paternidade (Bolívia, Costa Rica, Cuba, Espanha, El Salvador, Guatemala, Honduras, Itália, Panamá, Uganda, Venezuela). Reconhecimento do direito a uma identidade biológica (Venezuela) e origem (Buenos Aires – Argentina). A lei estabelece o direito de cada pessoa de contar, legalmente, com um pai e uma mãe. Apesar da investigação da paternidade ser reconhecida em leis especiais, como os códigos da infância, códigos civis e códigos de família, seu reconhecimento constitucional é essencial.

            6.Promoção da medicina tradicional de acordo com princípios bioéticos (Venezuela) e regulamentação da prática médica (Washington) já que a medicina ancestral da cultura e caráter de muitos países, deve ser reconhecida e incentivada pelo governo. A cultura é um elemento fundamental quando uma pessoa toma uma decisão sobre sua saúde. Muita gente prefere a medicina folclórica baseada em crenças ancestrais. A importância da medicina tradicional deve ser reconhecida e aprovada pela prática médica.

            7.Respeito às futuras gerações (Buenos Aires – Argentina, Santa Cruz – Bolívia, Brasil, Japão, Noroega). O habitat deve ser cuidado para permitir que as novas gerações desfrutem de um mundo geneticamente limpo e sejam trazidos ao mundo sem manipulações de qualquer tipo. Devemos pensar na comunidade e não no indivíduo; no habitat e não no homem. Ademais, este perfil de classificação da humanidade como um novo sujeito de direitos, fortalece a teoria de Concepturos que percebe a humanidade como o ser legal ideal. Todas as pessoas, mesmo as de gerações futuras, merecem proteção legal e constitucional.

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            O pioneiro da regulamentação constitucional da bioética foi a Confederação Suíça desde 1992. Sua constituição atual (1999) protege ao homem e seu habitat contra o abuso das técnicas de reprodução e manipulação genética baseando-se nos seguintes princípios:

            - Direito ao uso da medicina reprodutiva e engenharia genética no ambiente humano e proteção contra seu abuso;

            - Está permitido o uso de técnicas de procriação para remediar a infertilidade ou evitar a transmissão de enfermidades;

            - Não se admite a doação de embriões ou a maternidade substituta;

            - O patrimônio germinal humano e embriões não são produtos comerciais;

            - O patrimônio genético humano pode ser analisado, registrado e revelado somente com o consentimento da pessoa;

            - Toda pessoa tem direito de acesso a sua informação genética;

            - Reconhecimento legal de transplante de células;

            - Proteção ao uso de engenharia genética em um ambiente humano;

            A proteção à saúde requer uma completa regulamentação no Peru. A lei genética e médica estão comprometidas na criação de regras especiais. Estas devem surgir de princípios básicos, aceitos pela Constituição. Baseando-se em uma análise comparativa é urgente estabelecer parâmetros sobre a matéria bioética, aproveitando a oportunidade de que a Carta Magna proteja integralmente o indivíduo, evitando usar-lo como material na pesquisa genética e procriativa e em sua exploração. Isto será conseguido estabelecendo-se princípios bioéticos em nosso sistema legal e constitucional.

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Sobre o autor
Enrique Varsi Rospigliosi

doutor em Direito, professor da Universidad de Lima - Universidad Nacional Mayor de San Marcos e advogado em Lima (Peru)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSPIGLIOSI, Enrique Varsi. Bioética na Constituição mundial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 604, 4 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6400. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Título original: "Bioética na Constituição mundial. Nova constituição política do Peru deve oferecer máxima proteção à humanidade". Texto originalmente redigido em espanhol, traduzido por Marcelo Leal de Lima Oliveira (diretor do curso de Direito da PUC/PR, Campus Londrina, doutor honoris causa da Universidad San Pedrod e Chimbote, no Peru).

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