A inconstitucionalidade do banco de dados de criminosos.

Lei 12.654/12 (Lei de Coleta Genética para Identificação Criminal)

Leia nesta página:

A lei de coleta genética contribui com a resolução de casos de difíceis elucidações em circunstâncias de não haverem estas provas cabais, por falta de meios probatórios. Porém, o modo como a lei trata do tema, produz uma flagrante inconstitucionalidade.

1. Introdução

A lei de coleta genética é embasada no pressuposto da tentativa de se equiparar a Polícia Brasileira, a um dos mais importantes, renomados e reconhecidos órgãos de investigação criminal do mundo, o FBI, que possui dezena de milhões de perfis genéticos cadastrados em seus bancos de dados, sendo que estes, contribuem diariamente com a resolução de casos de difíceis elucidações, como também, são imprescindíveis no alicerçamento de condenações, que em circunstâncias de não haverem estas provas cabais, levariam à prováveis absolvições, por falta de meios probatórios, incidindo o “in dubio pro reo”. Porém, o modo como a lei trata do tema, produz uma flagrante inconstitucionalidade, ferindo vários princípios fundamentais.


2. Mudanças trazidas pela Lei 12.654, de 28 de maio de 2012

Na Lei 12.037/09, que dispõe sobre a Identificação Criminal, houve a inclusão dos seguintes termos:

  • Art. 5º, Parágrafo Único, dita que a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para obtenção do perfil genético;

  • Art. 5º-A, que prega sobre o armazenamento em banco de dados de perfis genéticos, gerenciados pela unidade de perícia criminal, sendo estes dados estritamente sigilosos, devendo serem apostos por perito oficial devidamente habilitado para tal procedimento;

  • Art. 7º-A, ditando que a exclusão destes perfis genéticos dos bancos de dados, ocorrerá com o escoamento do prazo prescricional do delito;

  • Art. 7º-B, dizendo que o regulamento que tratará sobre o sigilo do banco de dados, será expedido pelo poder executivo;

Na Lei 7.210/84, Lei de Execução Fiscal, incluiu os seguintes termos:

  • Art. 9º-A, manda fazer a extração de material genético, para os condenados por crimes dolosos, com natureza de violência grave contra a pessoa, ou cometimento de crimes hediondos;

    Lembramos ainda, que a Lei 8.072/90, dispõe sobre os crimes hediondos e equiparados, sendo que o rol números claustros pode ser enriquecido pelo “crime do colarinho branco”, que tratam sobre crimes de corrupção. Grifo que este último, ainda não foi aprovado, estando ainda à beira do clamor público.

  • Art. 9º, § 1º, que remete novamente ao sigilo do banco de dados;

  • Art. 9º, §2º, que reza sobre a autoridade policial federal ou estadual, poder requerer ao juiz competente, no caso de inquérito policial instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.


3. A Inconstitucionalidade da rotulação do Criminoso ou Indiciado

É fato que o DNA, trouxe uma verdadeira revolução ao “mundo jurídico”. Temos como exemplo a investigação da paternidade, chegando ao ponto de nosso Tribunal defensor da Constituição, o STF, relativizar a garantia da coisa julgada, em razão da possibilidade de se retificar um julgado, depois da implantação da utilização do exame de DNA, pela busca à verdade.

Para a República Federativa do Brasil, os Direitos Fundamentais, são de suma importância, dando limites a soberania do Estado, prevenindo um Estado totalitário, que afaste esse abuso em sua forma de governar nosso país, como nos ensina o mestre, J.J. Gomes Canotilho:

"Cumpre a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: I-Constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica; II-Implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)"

(Canotilho, 1993, pag.143).

“Todos são iguais perante a lei”, é o que dita o art. 5º da CRFB, sem distinção de qualquer natureza, pregando ainda, que é inviolável o direito à igualdade de todos perante a lei. Esta nova lei, de forma clara, contribui excessivamente para a maior estigmatização do criminoso, ex-criminoso (leia-se como ex-condenado), ou até mesmo ao indiciado. Cito especificamente este último, pelo motivo do mesmo ainda não ter sido condenado e muito menos ser o efetivo responsável pelo delito de sua inquisição, sobrepesando apenas a sua suposta autoria, que segundo a lei supracitada, este seria obrigado a dispor de modo coercitivo, se necessário, de retirada de material genético, para equiparação aos dados contidos no banco de dados de criminosos, já indo de encontro ao que prega a CRFB, de que o acusado não pode, ou entenda como, tem o direito de não oferecer prova contra si mesmo. E findo o inquérito, mesmo sendo provado sua não-autoria, este seria ressarcido de seu prejuízo experimentado, ou seria apenas mais uma vítima do totalitarismo do Estado-Juízo em desvendar o cometimento criminoso.

Comungamos das palavras de Rogério Tadeu Romano, que enfoca sobre o tema, com as lentes do pensamento LOMBROSIANO:

“Assombra a possibilidade de identificação criminal pelo DNA, introduzida pela lei 12.654/12, bem como a manutenção de banco destinado a armazenar perfis genéticos dos criminosos. Sendo assim a identificação criminal, a teor do artigo 5° daquele diploma legal, é Direito Penal do Inimigo, algo de forte inspiração repressiva e etiquetante. Algo próprio de um Estado Totalitário” (Romano, 2013).

Outro aspecto a ser considerado é que a “pena” seria aumentada sobremaneira, pois, o condenado iria ter “pesando” sobre sua pessoa, a rotulação de criminoso, mesmo já tendo cumprido sua condenação na totalidade, pelo motivo deste prazo ocorrer conquanto na reabilitação criminal, oportunamente transcorrido com a prescrição do crime cometido. Não seria uma duplicação da responsabilização do criminoso? Não seria a punição do “crime/delito suspeito”? Estes estariam concretamente incidindo na efetiva violação das garantias processuais, ou seja, estamos diante de um claro retrocesso do Direito Penal.

Tomemos ainda como apoio, o que diz o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais: O desaviso e o açodamento são tamanhos, que se sujeitarão à providência constritiva, por exemplo, autores de falsificação de cosméticos, mas ficarão de fora os sujeitos ativos dos crimes de tráfico de drogas e de tortura, na modalidade em que perpetrada “apenas” com grave ameaça, dado que não se encontram normativamente abrangidos. Igualmente, ficou de fora o agente do roubo perpetrado sem “violência grave”. Fica clara a disparidade de tratamento dado a certos crimes, quando comparados a outros supostamente menos graves.


4. Preceitos fundamentais desrespeitados pela lei 12.654/12

O art. 5º de nossa CRFB, dita como garantias fundamentais de todo cidadão:

  • Inciso X assegura o direito à intimidade do indivíduo;

  • Inciso LVII dispõe que não será considerado culpado o suspeito, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

  • Inciso LVIII dispõe que o civilmente identificado, não se submeta à identificação criminal, a não ser em casos previstos em lei (reza sobre informações imprecisas de identificação, ou, suposta falsidade de documentação, mas não dispõe sobre consulta de seus dados em de cadastro de criminosos);

  • Inciso LXIII dispõe que ao preso, será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (para não produzir provas contra si mesmo) “nemo tenetur se detegere”;

  • O art. 8° da Convenção Americana de Direitos Humanos, o qual o Brasil é signatário, diz que toda pessoa tem direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada, prevendo explicitamente o contrário ao que prega a lei supracitada, que seria o direito de se defender contra toda e qualquer acusação que sobre sua pessoa paira.

Recentemente o STJ decidiu (seguindo precedentes do STF) que sobre a “Lei Seca”, o motorista não pode ser obrigado a participar do “teste do bafômetro” ou fornecer material para exame de sangue, sob pena de violar a garantia da não auto-acusação, ou seja, pela aplicação do princípio constitucional da equiparação, o condenado (ou investigado ou acusado) pode se recusar a fornecer o material para a identificação do seu perfil genético, sendo provável seu julgamento pelos tribunais superiores neste sentido.

Portanto, para a Constituição da República Federativa do Brasil e demais ordenamentos jurídicos que dispõem sobre os direitos humanos, aos quais o Brasil se faz signatário, consideram a coleta de material genético de sindicados, ou demais pessoas já comentadas anteriormente, como sendo prática abusiva, que acarretava constrangimento desnecessário ao acusado. Abafado por esta nova lei, o princípio da presunção da inocência fica reduzido a nada.


5. A lei 12.654/12, pela visão de Guilherme de Souza Nucci

Data venia”, descordamos do nobre autor, no ponto que este renomado considera que a referida norma não é inconstitucional, mas o saudamos, no ponto em que nos filiamos outrossim, com a visão de que a identificação genética deveria ser para todas os cidadãos, juntamente com o cadastro das digitais. Compartilhemos de suas brilhantes palavras:

“Dado ensejo ao certeiro exame de DNA, não vislumbro inconstitucionalidade. Ao contraio, todos deveríamos ser identificados civilmente não somente pela foto e impressão digital, como ocorre hoje, mas também com dados genéticos. Na área criminal, com maior razão, evitando-se o erro judiciário de troca de identidade nos processos criminais. Não se ofende o princípio contra a auto-incriminação, pois identificação se faz antes do crime e não se obriga, depois do delito que o suspeito forneça material genético comparativo” (Nucci, 2012).


6. A lei 12.654/12, pela visão de Aury Lopes Junior

Enfático é o doutrinador Aury Lopes, ao comparar a criação desta supracitada lei, com o final do direito de não produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere). Vejamos o que nos ensina este ilustre:

“A identificação criminal cria uma abertura que – salvo melhor juízo – fulmina mortalmente o direito de não produzir provas contra si mesmo. Vários problemas brotam desta disciplina. Inicia por recorrer a fórmula genérica e indeterminada de ‘essencial às investigações policiais’ , sem sequer definir em que tipos de crimes isso seria possível. Dessarte, basta uma boa retórica policial e uma dose de decisionismo judicial... Como se não bastasse, poderá o juiz atuar de ofício, rasgando tudo o que se sabe acerca de sistema acusatório e imparcialidade” (Lopes JR, 2012).

São ainda palavras de Lopes Jr, que com grande pesar diz que esta lei é um grande retrocesso civilizatório, rumo à coisificação do imputado. Deixando como direito ao imputado, o da garantia de ser empregado na extração, “técnica adequada e indolor”.


Conclusão

A identificação do criminoso por meio da coleta de DNA, para arquivamento em Bancos de Dados específico afronta vários princípios fundamentais, previstos na CRFB, desrespeitando o princípio basilar de nossa “Lei Maior”, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Sobrepesa a duplicidade de punição ao condenado pelo mesmo delito, também veemente combatida pela nossa Carta Magma.

A citada lei, seria mais eficaz e menos incisiva nos direitos do cidadão brasileiro, se fosse aplicada de modo a prevenir e coagir crimes futuros, e não tentando combater de forma pretérita os crimes já praticados. Seria de maior efetividade esta lei, se tivesse como escopo o pressuposto basilar, de se ocupar com a maior vigência, ou seja, se institui-se que todos os cidadãos ao comparecerem às delegacias e centrais de serviços da Secretaria de Segurança Pública, fizessem a coleta do material genético, juntamente com a retirada dos dados dactiloscópicos, para confecção do Registro Geral da Pessoa. Dessa forma não se estaria discriminando o criminoso, pelo simples fato da lei ser de pretensão geral, aplicada “erga omnes”, que implicaria numa maior efetividade da lei, pois seria conhecida a autoria criminosa do delito, ao se comparar os dados coletados da sena do crime, com o banco de DNA, mesmo este suspeito não sendo praticante de crime pretérito, a informação estaria disponível para elucidação do caso.

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Dentro de curto espaço de tempo, esta lei será alvo de Representação de Inconstitucionalidade, ou seja, recairá sobre a mesma uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), pelo motivo da mesma ferir vários Princípios Constitucionais, tornando-se assim “letra morta” em nosso ordenamento jurídico, que apenas desperdiçou muita “energia pública” e bastante tempo precioso de nosso Congresso, para sair da imaginação de “excepcionais doutrinadores” e virar iniciativa da lei, ser discutida, votada, aprovada, sancionada, promulgada, publicada, para depois vir a falecer (leia-se: “ser revogada”).


Referências Bibliográficas

Direitos Fundamentais, J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, apud, BARROSO, Luís Roberto. Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade. Disponível em <https://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d19990628007.htm>. Acesso em: 8 de ago. 2005.

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Sobre os autores
Daniela Galvão Araújo

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Euripedes de Marília (2002), Pós-graduação em Direito Processual: Civil, Penal e Trabalho e Mestrado em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Euripedes de Marília (2005). Atualmente é professora e coordenadora do curso de Direito da UNILAGO (União das Faculdades dos Grandes Lagos). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Teoria do Direito, Teoria do Estado, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Penal, Direito Constitucional.

Marcelo Augusto de Freitas

Advogado do Escritório Freitas & Homaile Advs. Mestre pela FAMERP. Pós Graduado em Advocacia Tributária. Membro da Comissão de BIO DIREITO da OAB SJRP/SP. Docente da UNITERP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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