A Educação é a base do instrumento que é engajamento cívico para a formação do cidadão. Assim, a Educação serve como instrução do indivíduo para com o seu meio, para que se dê o vislumbre do engajamento cívico e ele se envolva e desenvolva suas vontades na sociedade, sempre em busca dos anseios coletivos, tornando-se assim, um cidadão.
A educação deve criar no indivíduo um fenômeno de entendimento e respeito para com o seu meio. Nisso, deve envolvê-lo na sociedade, em suas instituições, nas relações com as pessoas, fazendo com que ele se sinta parte disso. Desse modo, torna o indivíduo num ser consciente de seu meio para transformá-lo.
Essa consciência deve ser obrigacional para todo cidadão, como um sentimento derivado do respeito que seja superior, transmitindo-o como ideias, conselhos para outros indivíduos, que os receberão e também criarão o mesmo sentimento de respeito.
Esse respeito pode-se afirmar que será recebido pelos indivíduos por causa de dois aspectos:
- Primeiro, por entenderem a função ou o fim dessa obrigação.
- Em segundo, pelo respeito a quem o transmitiu.
O respeito aqui buscado pela educação não é algo utópico e sim teórico e que deve ser vivido na prática[1]. Nesse sentido, se deve ter a educação como base para alcançar um norte.
A educação deve mostrar para o indivíduo o seu compromisso relacionado aos interesses de sua sociedade. Aqui se tem um vislumbre para o indivíduo. O vislumbre é a compreensão de sua unidade, que, após isso, a sua vontade de iniciativa se iniciará. Fará com que ele faça parte da democracia, entendendo a ideia de participação sua[2], de todos em um todo.
Esta ideia de democracia cai no ideário de civismo, ambas as palavras sinônimas. Democracia é tratada como soberania popular ou governo popular e civismo como interesse popular, as duas ideias com mesmo fim que é buscar o envolvimento do indivíduo no todo que o contorna.
Ressalta-se novamente que essa vontade demonstrada pela educação ao indivíduo para que ele possa compreender o seu meio para transformá-lo, não é mera persuasão. Seria mera persuasão se se dissesse que bastariam apenas ensinamentos, teorias para essa formação do indivíduo em cidadão.
Como Jean-Paul Sartre[3]descreve “a existência precede a essência” [4] (SARTRE, 1970), e assim, o ser humano necessita dos caminhos dados pela educação para envolvê-lo nas teorias que dão sustento à sua base e indicando o caminho para ele poder usufruir da prática, que é exercida por meio do engajamento cívico, elemento fundamental, se chegando à essência que é o ser cidadão.
Esse caminho que a educação visa alcançar deve ter um ponto de partida. Então, quais são as bases para a educação do indivíduo? Nós temos como base escola e a família. Essas duas instituições são o primeiro contato do indivíduo ao conhecimento. Ambas as bases são envolvidas pelo Estado. E o que é o Estado no meio disso tudo? O Estado, ou melhor, um Estado democrático de direito, é aquele que não governa de modo estático, como nossa própria CF/1988 é mutável, o Estado também acompanha os anseios da sociedade. E assim, se tem aquela ideia de que o governo é a expressão da herança histórica do povo[5]·.
Essa frase descrita logo acima descreve muito bem a sociedade brasileira. O Brasil é uma sociedade apolítica[6]. Esse apoliticismo pode ser visto em qualquer roda de conversa quando surge o assunto “política”.
O desinteresse se liga a um distanciamento entre os governantes e os governados, afetando a ideia de participação da democracia e nos mostrando a não existência de um civismo. O distanciamento do povo dos interesses coletivos dá liberdade aos governantes adotarem medidas de seus interesses, não levando em consideração as vontades da sociedade. Essa situação se torna uma constante, pelo fato desse afastamento criar uma ausência de cobrança. Pois, não se cobra algo do qual não se tem interesse ou até mesmo se desconhece. Aqui se tem a indiferença do indivíduo pelo comum, sendo que o comum o envolve e dele faz parte, mas não o pratica.
A ausência da busca pelo comum
No Brasil é senso comum que muitas das vezes a culpa por crises políticas, econômicas e sociais é somente da classe política. Sim, há na classe política uma imensa crise, visto que o seu objeto principal, que é a defesa do interesse do povo, se perdeu. Mas a culpa não é somente deles. Há uma crise de representação da sociedade como sociedade. O indivíduo não se porta como cidadão, pois não o é. Nisso, se cria um limbo de representação, tanto dos governantes como dos governados, ambos não exercendo a participação que lhes cabe.
A mudança de crises de todas as abrangências em qualquer país deve ser iniciada pelos cidadãos que têm conhecimento de sua realidade. Os políticos podem ser alterados pelos cidadãos sendo essa a base de uma democracia. E o cidadão consciente é decisivo para seu país ser bem-sucedido. E qual é a solução para isso? É uma educação que mostre para o indivíduo o que é ser cidadão.
Mas como dito anteriormente, não basta só à teoria para essa transformação, sendo essencial um instrumento para a vivência da democracia, do civismo na prática, que é o engajamento cívico.
Posto isso, e verificando o atual momento da história brasileira, veem-se mudanças na vivência da sociedade. Mudanças de vivência que dizem respeito ao reconhecimento do apodrecimento, a degradação pelo qual as instituições e a sociedade brasileira vêm passando e sustentando. E como a própria sociedade é feita de mudanças, são feitas solicitações urgentes que envolvem um anseio para uma sociedade onde haja um respeito mútuo entre os governantes e a sociedade que os elege, pelo fato de terem que olhar para além de si e encontrar o mesmo fim que sempre lhes coube, que é a harmonia social.
O engajamento cívico como instrumento de participação do cidadão na sociedade pode ser impulsionado por uma ausência de cooperação do bem-comum. Situações assim decorrem de um esgotamento ou de uma descrença na sociedade de forças que são pilares para sua locomoção, como por exemplo, crises nas instituições públicas, sejam faltas de verbas para investimentos ou escândalos de corrupção envolvendo seus agentes; a falta de segurança pública nas cidades; a precariedade do sistema de saúde, entre outras situações que geram a incredulidade da sociedade.
A ausência de cooperação dá espaço para a um egoísmo do indivíduo que ganha essa dimensão pelo apego as situações drásticas descritas acima. Esse apego não visa ligar o indivíduo à sociedade, mas somente a ideais específicos, ou seja, a interesses limitados a determinados grupos. Ideias que são exaltadas por meio de discursos de viés populistas, que incitam sentimentos não conscientes, mas que se baseiam no medo de serem atingidos.
Fiorina descreve que, uma sociedade engajada politicamente nem sempre é sinônimo de fortalecimento da democracia. Ou seja, o alto envolvimento dos cidadãos na vida política, pode ser fundado num sentimento de ódio, de desespero, ou outras motivações as quais não são vistas como benéficas para a manutenção de uma sociedade democrática. (FIORINA, 2009, apud FREIRE, 2017, p.5).
Dessa forma, se tem uma população que é engajada civicamente, mas não se tem uma base formada numa educação para a cooperação, para o desenvolvimento mútuo da sociedade.
Essa realidade pode ser percebida pelos momentos descritos acima, como por exemplo, a corrupção no meio político. Momentos que estão enraizadas na sociedade por várias gerações e criam consequências devastadoras como se vê na ausência de lideranças políticas. Essa ausência mostra a delicadeza que surge num estado democrático de direito.
Ou seja, no estado democrático de direito há a liberdade para a população eleger seus governantes para que eles possam fazer as leis que envolvam os interesses da sociedade. Essa liberdade de alistabilidade é dada para “todos” e, por isso, a participação na vida política deve envolver a todos. Mas ocorre que esse envolvimento abrangente deixa a desejar, pelo fato do interesse da sociedade, como um todo, ser deixado de lado. E aqui se tem o surgimento de classes de políticos que usam de sentimentos que surgem da necessidade profunda da sociedade. Eles se utilizam desses anseios para seus interesses e não para os interesses reais da sociedade, pois ela está cega pelo medo da precariedade que a envolve. E nisso, os discursos são dirigidos para esses sentimentos e não para envolver a sociedade no bem comum, mas num interesse limitado pelo seu medo que é fomentado por “políticos” reacionários.
Em síntese, o engajamento cívico que tem como base uma educação em busca do comum[7] pode ser essencial para a manutenção dos regimes democráticos. Em sua ausência, se poderia ter a formação de regimes intolerantes, coercitivos, tirânicos, tendo em vista que isso acarretaria na incontrolabilidade de nossos governantes.
O bem comum e a confiança interpessoal
O bem comum deve ser buscado para a compreensão de todos. Cada cidadão tendo essa consciência se porta diante do outro com um respeito mútuo. Isto é, uma confiança em que cada um trabalha em prol do outro, criando uma reciprocidade na qual se tem perspectivas de que todos têm obrigações em comum.
Uma engrenagem essencial para o sustento de uma sociedade sadia é a confiança, que tem por intuito fomentar a capacidade de associação da sociedade em volta dos interesses coletivos, influenciando o desempenho da democracia. Essa ideia é ligada a um conceito chamado de “capital social”.
Freire descreve o “capital social” baseando-o em concepções Durkheimianas onde:
A socialização desempenha papel fundamental para a formação de normas sociais e de laços de confiança entre os indivíduos, a teoria do capital social tem como um de seus principais elementos constituintes o conceito de confiança interpessoal. (FREIRE, 2017, p. 5).
Ou seja, o “capital social” se baseia na criação de uma confiança mútua entre os indivíduos, que é a confiança interpessoal. Mas pode-se perguntar: Há essa confiança interpessoal no Brasil? Há uma confiança do indivíduo brasileiro em relação ao outro indivíduo brasileiro? A resposta pode ser dada de maneira ampla, como já foi discorrido anteriormente, envolvendo as estruturas da sociedade brasileira. E o que isso quer dizer? Isso quer dizer que todos brasileiros ao menos têm uma ideia de como as instituições, seus compatriotas, seus representantes estão nessa atualidade, como eles se portam diante de acontecimentos que envolvem toda a nação. Mas eles não se portam diante dessas situações como se os envolvessem e sim, de maneira egoística, pois não conhecem sua real posição nesse meio. Eles a tratam com desconfiança, se afastam dessa realidade e lidam com ela somente pela emoção, ou seja, egoisticamente não buscando intenções coletivas dado que não há uma confiança interpessoal entre esses indivíduos. Por fim, tendo essa posição, não se tem o engajamento cívico pelo bem comum.
Freire fala sobre a posição do indivíduo diante de situações como estas expostas acima:
A relação de causalidade estabelecida entre confiança interpessoal e engajamento cívico defendida pelos teóricos supracitados é, de fato, sustentável do ponto de vista lógico. Em contextos sociais caracterizados pela difusão da confiança, os indivíduos têm maiores incentivos para interagir com estranhos e, consequentemente, engajar-se em ações coletivas. Dessa forma, o surgimento de instituições destinadas ao provimento de bens coletivos poderia ser facilitado, dado que os incentivos para o oportunismo seriam consideravelmente menores. (FREIRE, 2017, p.9).
Após essa formação de confiança, de respeito recíproco, pode ser posto em prática ação do indivíduo por meio do engajamento cívico. E onde essas ações irão ocorrer? Quais são os meios para o indivíduo agir na sociedade? Essas ações irão ocorrer em situações que envolvam o bem comum. E os meios para o indivíduo agir podem ser dados por instrumentos criados para a participação popular. Ou seja, podemos citar como exemplo, o voto, partidos políticos, associações sem fins lucrativos, ONG’s, sindicatos, movimentos em redes sociais de participação em determinadas áreas de interesse coletivo. A simples conscientização do indivíduo sobre o que se passa nas instituições políticas, ou o seu respeito humano pelo o outro, já é um meio para o indivíduo agir em sociedade.
Essa participação é visualizada pelo cidadão que tem conhecimento das instituições criadas e postas à sua disposição. O engajamento aqui é utilizado para a interação, fazendo um desenvolvimento da sociedade, para que ela se locomova, e que haja uma manutenção de sua estrutura.
Assim, a manutenção da sociedade, ou seja, de sua estrutura no que se refere à saúde, à educação, ao saneamento básico, a tudo que é fundado para o bem estar social, sairia mais barata aos cofres públicos, pois a educação fundada num respeito recíproco daria ao indivíduo um olhar para o todo, entendendo que os seus atos são para todos, para toda a sociedade, entendendo o seu meio e quais instrumentos utilizar para essa participação, tendo a iniciativa para tal, pois há a confiança em seus pares e nas instituições que visem dar progressividade à sua sociedade e fazer jus à parte dela como cidadão.
Por esse lado descrito acima, pela visão de reciprocidade alcançada, se pode ter uma ideia superficial, mas não o é. Pode ser dito que reciprocidade é sinônimo de confiança e que ambas as palavras se dão em cooperação. Confiança para alguns autores não deve ser confundida com cooperação, ou seja, não são equivalentes (LEVI, 1996, p. 2 apud FREIRE, 2017, p.11). Mas para outros, como descreve Hardin:
A confiança é um atributo gerado dentro das relações interpessoais, sendo a experiência do indivíduo o principal fator determinante. O ato de confiar é vinculado a um compartilhamento de interesses complementares entre dois atores, ou seja, um “interesse encapsulado”. (HARDIN, 1992, apud FREIRE, 2017, p.11).
Como se vê a confiança surge das relações entre os indivíduos, sendo explícito o entendimento de que há uma inter-relação entre as palavras descritas acima. Assim, a confiança surge do entendimento do indivíduo pelo seu meio social, da sociedade em que ele vive. Essa ideia é vivenciada por ele, posta pela educação, que deve ser disposta nas escolas e faz com que o indivíduo entenda suas relações sociais, para que elas possam ser vividas em participação na sociedade. Nesse ponto, se verifica a cooperação pelas relações interpessoais. Por exemplo, um indivíduo que vai participar de um plebiscito, não deve ver isso como um fim, mas antes, deve entender o por quê de sair de sua casa para ter essa participação, que irá influenciar a sua vida e a vida de sua sociedade.
O indivíduo que se torna cidadão pratica o engajamento cívico. Ele o pratica por já ter a “bagagem” do bem comum. Esse cidadão se depara em suas ações, verificando o benefício que elas irão produzir na sociedade.
Dessa forma, Freire descreve esse caminho feito pelo cidadão, nomeando-o por “indivíduos racionais”, da seguinte maneira:
Os indivíduos racionais procuram estimar os custos e benefícios associados às suas ações antes de tomarem suas decisões, visando à minimização dos primeiros e a maximização dos últimos, baseados nas informações de que dispõem, em suas experiências, e em suas crenças. (FREIRE, 2017, p.14).
Posto isso, se vê que o indivíduo, ou melhor, nessa situação descrita acima, o cidadão já tem em si uma compreensão de sua realidade no que diz respeito à cooperação. Ele já sabe de sua existência perante a sociedade, de suas responsabilidades diante dela.[8]
A respeito de toda exposição feita até agora do presente trabalho, nota-se que a realidade para a mudança do comportamento do indivíduo, deve se iniciar em sua educação para a compreensão de seu meio. E ao entender isso, ele pode pratica-lo, pois daí se terá a experiência dos instrumentos postos a sua disposição. Chegando assim, num ser que possui uma mentalidade para o todo.