INTRODUÇÃO
O legado tem resquícios da Lei das XII Tábuas, no qual era possível testar de forma quase ilimitada, de maneira que seu patrimônio poderia ser disposto de forma integral por meio de legados (CRETELLA, 2000). Era próprio do Direito Romano a divisão de quatro espécies de legatum: per praeceptionem, per damnationem, per vindicationem e sinendi modo, que foram unificadas, com objetivo de limitar a possibilidade de testar, e com várias adaptações e alterações, chegaram em um patamar objetivo e limitado.
A Roma Clássica trouxe consigo o entendimento que o legado era uma espécie de doação deixada pelo de cujus, sendo facultado ao testador destinar um ou mais bens do seu patrimônio a alguém, sendo ele herdeiro ou não.
Neste contexto, legado é a disposição testamentária a título singular, pela qual o testador deixa a pessoa estranha, ou não, à sucessão legítima, um ou mais bens individualizados (DINIZ, 2012). Portanto, tem-se por legado uma deixa testamentária determinada dentro do acervo transmitido pelo de cujus, tendo como exemplo determinado automóvel, imóvel específico, referida joia etc. Assemelha-se com a doação, no entanto, esta advém de um ato bilateral e ocorre entre vivos, e aquele só produz efeitos com o evento morte.
Já herança compreende a sucessão legal ou testamentária, do patrimônio do de cujus, incidindo na totalidade ou numa quota parte deles, sucedendo, os herdeiros, em seus direitos, obrigações e até mesmo em seus débitos, desde que não sejam superiores às forças da herança (DINIZ, 2012).
O Código Civil (CC) regula a parte dos legados em seus arts. 1.912 a 1.940, em um só capítulo, dividido em três seções: “Disposições gerais”, “Dos efeitos dos legados e do seu pagamento” e “Da caducidade dos legados”.
CARACTERÍSTICAS
Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 263), aduz que o legado é o meio pelo qual o de cujus cumpri seus deveres sociais premiando os amigos e parentes pelo carinho e afeto recebido, contribuindo para instituições de caridade, recompensando serviços, contribuindo para educação do povo, impedindo que jovens dignos da sua estima tomem na vida caminho errado e distribuindo esmolas, para qualquer pessoa, seja ela parente ou não, natural ou jurídica, simples ou empresária.
Para Maria Helena Diniz (2012) o legado requer a presença de três pessoas: a) o legante, que é o testador, quem outorga o legado; b) o legatário, que adquire o direito ao legado, no entanto o beneficiário não precisa, necessariamente, ser pessoa diversa do herdeiro, mas se a mesma pessoa for constituída legatário e herdeiro será denominada de prelegatário ou legatário precípuo, recebendo o prelegado além dos bens que constituem sua herança; c) o onerado é sobre quem recai o ônus do legado ou a quem compete prestar o legado. Segundo Diniz (2012), seria qualquer pessoa que suceda a título universal o autor da herança, em contrapartida para Gonçalves (2012) o ônus poderá recair sobre o herdeiro ou sobre o legatário.
Importante ressaltar que o legatário deve estar expresso no testamento, caso contrário não considerará constituído.
O herdeiro representa o defunto para efeitos patrimoniais, mas o legatário não, exceto quando a herança for insolvável, ou distribuída, por inteiro, em legados válidos, ou quando a obrigação de atender ao passivo lhe é imposta pelo testador explicitamente (GONÇALVES, 2012, p. 263).
Se houver mais de um beneficiário sobre o mesmo objeto, eles se denominam colegatários. Se a um legatário é imposta a entrega de outro legado, de sua propriedade, a este se denomina sublegado, e sublegatário, à pessoa a que o bem se destina.
OBJETO
O testador tem ampla liberdade para testar, devendo ser respeitada sua autonomia da vontade, podendo testar todo o seu patrimônio caso não haja nenhum herdeiro.
Pode ser objeto do legado coisa móvel e imóvel, bens corpóreos (imóveis, móveis, semoventes) e incorpóreos (ações, direitos de crédito, ao usufruto), os fungíveis e infungíveis, existentes e futuros, e até mesmo os frutos, abranger ou não acessórios, pertencente ou não ao testador ou herdeiro, podendo ainda, incidir em prestações de fazer ou de não fazer algo, desde que observado os requisitos existentes no Código Civil vigente (art. 104), sendo o objeto lícito, possível, economicamente apreciável, determinado ou determinável e suscetível de alienação (DINIZ, 2012, p. 349).
Ao contrário do herdeiro, o legatário não segue o princípio da saisine (CC, art. 1784), pois o ingresso na posse do objeto ocorre com a abertura da sucessão, devendo reclamar a coisa legada ao herdeiro.
MODO DE INSTITUIÇÃO
O legado pode ser puro e simples, condicional, a termo, modal ou subcausa. Quando for puro e simples, produzirá seus efeitos independentemente de qualquer fato. O condicional tem seus efeitos subordinados a evento futuro e incerto, desde que não seja captatório, caso em que será nulo o legado (art. 1900, I e 1923).
Será a termo, quando sua eficácia estiver limitada no tempo, a um evento futuro e certo, aperfeiçoando-se ou extinguindo-se com o advento do prazo fixado pelo testador (art.1921). O modal ocorre quando o testador gravar o legado com encargo ou obrigação do legatário, podendo este aceitar ou não, mas aceitando o bem, aceita também o encargo, rejeitando o encargo, rejeita o bem. Por último, há o subcausa ou por certa causa, quando houver algum motivo no passado que motivou o testador a instituí-lo, e ele o justifica (DINIZ, 2012).
ESPÉCIES QUANTO AO OBJETO
1 - Legado de Coisa Alheia
O Código Civil em seu artigo 1.912 aduz:
Art. 1912. É ineficaz o legado de coisa certa que não pertença ao testador no momento da abertura da sucessão.
No entanto, há quatro possibilidades de ressalvas. A primeira exceção é quando a coisa certa legada, embora não fosse de propriedade do testador no momento do testamento, é adquirida antes do evento morte, “retroagindo” a data do testamento, compondo os bens da herança ao tempo do falecimento, proporcionando ao legado eficácia, respeitando o supracitado artigo, pois o bem pertencerá ao testador no momento da abertura da sucessão (GONÇALVES, 2012).
A segunda exceção é quando o disponente, expressamente, determinar que a coisa alheia seja adquirida pelo herdeiro para ser entregue ao legatário, sendo um exemplo de disposição modal, impondo ao herdeiro o ônus de adquirir o bem (DINIZ, 2012).
A terceira ressalva está prevista no art. 1.913, ocorrendo quando o testador ordenar que o herdeiro, ou legatário, entregue coisa (sublegado) de sua propriedade a outrem (sublegatário), não cumprindo, entender-se-á que houve renuncia à herança ou ao legado. O herdeiro ou legatário que cumprir a disposição testamentária, entregando coisa de sua propriedade a outrem, terá direito de “regresso contra os coerdeiros, pela quota de cada um, salvo se o contrário expressamente dispôs o testador” (CC, art. 1.935). Deve-se ressaltar que o testador não pode impor encargo ou obrigação, previsto no art. 1.913, a herdeiro necessário quanto a legítima deste, pois a quota do herdeiro reservatório é inatingível.
A quarta e última exceção ocorre quando o legado for de coisa genérica ou que se determine pelo gênero, o qual será cumprido, ainda que tal coisa não exista entre os bens deixados, pois o testamenteiro se torna responsável por adquiri-lo até o limite do espólio, podendo este escolher, não precisando ser o melhor, nem o pior.
2- Legado de Coisa Comum
Se a coisa legada for comum, pertencendo em parte ao testador, ao herdeiro ou ao legatário, só quanto a essa parte valerá o legado, conforme explicitado no art. 1.914 (CC). A parte que não for do disponente, nulo será o mesmo, por versar sobre bem alheio. A parte que versar sobre coisa alheia poderá contar com as exceções citadas acima, para que torne válido o legado.
Maria Helena Diniz (2012, p. 352) expõe sobre a validade de legado de coisa certa, feito por cônjuge casado pelo regime da comunhão universal de bens, utilizando-se do entendimento de Agostinho Alvim, o qual conclui que:
(...) a) se a coisa legada, na partilha, vier a ser atribuída ao consorte sobrevivente, a pedido dele, como é de seu direito, o legado terá versado sobre bem alheio, impondo-se-lhe, assim, a nulidade; b) se o cônjuge supérstite não reclamar que seja imputada na sua meação a coisa legada, válida será a disposição testamentária, devendo, então, ser cumprida (DINIZ, 2012).
3- Legado de Coisa Singularizada
Outra espécie de legado, quanto ao seu objeto, é o legado de coisa singularizada, pelo qual, o testador determinará o gênero, a espécie e o próprio bem ou coisa legada.
O testador deverá indicar as suas características, singularizando-a, individualizando-a dentre todas as coisas que existam no mesmo gênero, só terá efeito e eficácia, se o bem for encontrado ou pertencer ao de cujus (DINIZ, 2012).
Só valerá o legado se a coisa singularizada for encontrada e pertencer ao testador ao tempo da abertura da sucessão. Salienta-se também que, se a coisa legada existir entre os bens do testador em quantidade inferior à do legado, este será eficaz apenas quanto à parte existente do bem (CC, art. 1.916). No entanto, se ela não mais existir no patrimônio, por perecimento ou alienação, será atribuída ineficácia ao legado. (DINIZ, 2012)
4- Legado de Universalidade
É o chamado de Legado de Universalidade quando o testador lega uma espécie inteira de bens existentes em seu acervo hereditário.
No entendimento de Diniz (2012), se o bem legado for pertinente a uma espécie por inteiro, abarcará todas as peças encontradas entre os pertences do sucedido, como por exemplo, os livros existentes em sua biblioteca.
5- Legado de Coisa Localizada
Outra espécie de legado, no que concerne ao objeto, é o de coisa localizada. Ocorre quando, ao invés do testador indicar o bem, menciona, em sua cédula testamentária, o lugar no qual os bens se encontram.
Após a morte do testador para que o legado tenha eficácia, como preceitua o artigo 1.917 do Código Civil, o bem deve ser encontrado no lugar determinado onde o testador deixou expresso, salvo se, o bem foi removido transitoriamente.
Se a remoção foi de caráter definitivo o legado será ineficaz. No entanto, se retirado por outrem ou por terceiro a título transitório, mesmo após a morte do testador, será eficaz os seus efeitos (DINIZ, 2012).
6- Legado de Crédito
O legado que tem por objeto um título de crédito é transferido pelo testador ao legatário (CC, art. 1.918, §1º), que alcançará a quantia do crédito existente na abertura da sucessão, mais os juros vencidos desde a morte do testador, a menos que haja declaração em contrário neste sentido.
Trata-se de um título de crédito possuído pelo testador o qual terceira pessoa lhe deve, que será transferido ao legatário. Não há necessidade de o devedor concordar com a transferência da titularidade do credor, porque, o que lhe compete, é adimplir a obrigação que assumiu com o ato jurídico. O espólio não responderá pela exigibilidade do crédito ou mesmo pela solvência ou insolvência do devedor.
O legado de crédito tem por objeto um título de crédito do qual é devedor terceira pessoa, que é transferido pelo testador ao legatário, e que, entretanto, somente valerá até a concorrente quantia do crédito ao tempo da abertura da sucessão (DINIZ, 2012).
O crédito poderá ser representado por um título executivo, como nota promissória ou cheque, deverá o herdeiro entregá-lo ao legatário, como modo de cumprimento da cédula testamentária. Com a entrega do título, o legatário efetuará a cobrança do crédito.
Não obstante, em tal modalidade de legado, o legatário terá direito aos juros vencidos desde a morte do testador, ressalvados a possibilidade do testamento conter disposição em sentido contrário.
Sendo legado o crédito, estarão abrangidos todos os seus acessórios, tais como juros, multa e garantias, incidindo a regra pela qual o acessório segue o principal (TARTUCE, 2010).
7- Legado de Quitação de Dívida
Outra espécie de legado, no que concerne ao objeto, é o de quitação de dívida (legatum liberationis), previsto no artigo 1.918 do Código Civil. O devedor é o legatário e seu credor é o testador, que perdoa a dívida por intermédio de seu testamento, que funciona como instrumento de exoneração.
Observa-se quando o testador, na condição de credor do legatário, deixa-lhe como legado, em cédula testamentária, a quitação de suas dívidas. Opera-se então, como se o testador recebesse o pagamento, no entanto, não abrange dívidas posteriores a feitura do testamento. Se ao tempo da abertura do testamento o legatário nada dever, caduca-se o legado, tornando-o ineficaz quanto aos seus efeitos (VENOSA, 2010).
8- Legado de Alimento
A definição legal de legado de alimentos é encontrada no capítulo do direito das sucessões, no artigo 1.920 do Código Civil, o qual preceitua: “O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor”.
É um legado de prestações periódicas. A prevalência deve ser da vontade do testador que, interpretada, pode ensejar que o legado de alimentos seja amplo ou restrito do que o expresso no artigo supramencionado.
Não havendo tal distinção, poderá o testador instituir em favor do legatário o denominado legado de alimentos, isto é, valores considerados como indispensáveis à subsistência do legatário.
Além da vontade do testador, devem-se levar em conta as forças da herança para a fixação do valor do legado de alimentos, inclusive, se o testador não dispôs sobre o quantum. A periodicidade, o termo e a condição, dependerão da vontade do autor da herança. O legado de alimentos constituirá ônus real se for expressamente vinculado a um imóvel, podendo o juiz, no silêncio do testador, apontar um imóvel para produzir os alimentos.
Respectivamente, vale salientar segundo entendimento de Diniz (2012), que os alimentos:
(...) poderão ser legados in natura, determinando o autor da herança que se forneça ao legatário hospedagem, ou que lhe sejam entregues gêneros necessários à sua subsistência, ou em dinheiro, cuja prestação deverá ser realizada em determinados períodos (DINIZ, 2012)
Por ter caráter de subsistência, o legado de alimentos insere-se entre os bens impenhoráveis sendo, no entanto, penhoráveis se o testador fixar um rendimento ou um pagamento periódico ao legatário, rotulando-o de alimentos, mas o beneficiário tiver plenas condições de subsistência. Conclui-se que não é concebível o pagamento de alimentos sem a necessidade destes.
Os alimentos são irrenunciáveis e intransferíveis, conforme a natureza das prestações alimentícias em geral (DINIZ, 2012).
9- Legado de Usufruto
A disposição sobre o legado de usufruto que traz o Código Civil encontra-se no artigo 1.921: “O legado de usufruto, sem fixação de tempo, entende-se deixado ao legatário por toda a sua vida”.
Não obstante, vale ressaltar que usufruto é o direito real conferido a determinada pessoa de retirar, em caráter temporário, de coisa alheia, os frutos e utilidades que ela produz, sem alterar-lhe a substância. Assim, constata-se que o usufruto não se configura como espécie de limitação ao direito de propriedade, mas sim à posse direta, que é concedida a outrem, que poderá desfrutar do bem alheio, dele retirando os frutos e utilidades.
Vale assinalar que, em se tratando de usufruto, o proprietário da coisa perde o jus utendi e jus fruendi, que são poderes intrínsecos ao domínio. Todavia, prima-se que o proprietário não perde a substância, o conteúdo de seu direito, que permanece em sua propriedade (VENOZA, 2010).
Vale salientar, que o legado de usufruto admite duas espécies distintas, uma a termo e a outra a condição. No entanto, se a cédula testamentária não se manifestar quanto o prazo de duração do legado, presumir-se-á que será vitalício para o legatário, se não houve outra fixação de prazo, extinguindo-se com a morte do usufrutuário, não podendo este transmitir o direito real. Porém, não se aplica o mesmo quanto às pessoas jurídicas, conforme entendimento de Tartuce (2010) que aduz: “Se o legado de usufruto for a favor de pessoa jurídica, estará limitado ao prazo máximo de 30 anos, por aplicação analógica ao que dispõe o art. 1.410, III, do Código Civil”.
O legado de usufruto pode recair sobre bens determinados (coisa singular) e sobre a universalidade (disposição sobre fração do acervo), sendo a conservação do bem de exclusiva responsabilidade do legatário (DINIZ, 2012).
10- Legado de Imóvel
O legado de bem imóvel, como dispõe o artigo 1.922 do Código Civil, preceitua: “Se aquele que legar um imóvel lhe ajuntar depois novas aquisições, estas, ainda que contíguas, não se compreendem no legado, salvo declaração em contrário do testador”.
Considerando que os imóveis acrescidos depois do testamento são aquisições posteriores, não incluídas na manifestação de vontade do testador, o legatário não pode cogitar a inclusão em seu legado de propriedade formalizada pelo testador depois da sua facção testamentária.
Após o testamento, se houver acréscimo nessa propriedade, tal não se compreende no imóvel legado, mesmo que contíguos, o legado não compreende as novas aquisições (TARTUCE, 2010).
Como preceitua o parágrafo único do artigo 1.922 do Código Civil, não se aplica o caput desse dispositivo às benfeitorias, pois elas tornam-se acessórias aos imóveis, como parte integrante do imóvel legado, não importando se as benfeitorias executadas pelo testador foram necessárias, úteis ou voluptuárias (CC, art. 96), desde que existentes no tempo da abertura da sucessão. Entretanto, se posteriores a isso, forem realizadas pelos sucessores, assistirá a estes o direito de reembolso dos valores despendidos (RODRIGUES, 2003).
Ao lado disso, valorando o princípio que o acessório segue o principal, pode-se anotar que as benfeitorias necessárias, voluptuárias e úteis no bem legado, estas pertencerão ao legatário (DINIZ, 2012).