Dos legados

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EFEITOS DO LEGADO

O primeiro efeito que o legado produz é quanto à transmissão da propriedade e da posse, pois o herdeiro legítimo adquire a posse e o domínio da herança no momento do falecimento do defunto, de acordo com o princípio da saisine. Já o legatário só receberá a propriedade do bem legado com a abertura da sucessão, desde que o legado seja puro e simples, e se tratar de coisa certa (DINIZ, 2012). Quanto à posse, a abertura da sucessão confere ao legatário somente o direito de pedi-la aos herdeiros instituídos. Devido a aparente contradição do Art. 1.923 e seu §1º, Silvio Rodrigues (2003) expõe:

 (...)faz-se preciso recorrer à distinção entre posse direta e indireta. O legatário, no momento da morte do testador, adquire o domínio da coisa certa legada, bem como a posse indireta dela (CC, art. 1.923). A posse direta, entretanto, só será por ele adquirida no momento em que o herdeiro lhe entregar o objeto do legado (CC, art. 1.923, § 1º). Até esse momento, cabe-lhe o direito de reclamar a entrega daquilo que se tornou seu por força do testamento, e cuja propriedade resultou da morte do testador (RODRIGUES, 2003).

O segundo efeito ocorre quanto ao direito de pedir o legado, já que o legatário não entra na posse por autoridade própria, caso o testador não deixe tal situação explícita lhe permitindo. O direito de pedir é transmissível aos herdeiros do legatário, se este vier a óbito após a abertura da sucessão, no entanto, se o legatário falecer antes do testador nenhum direito será transmitido a seus herdeiros.

O art. 1.924 do Código Civil aduz:

O direito de pedir o legado não se exercerá, enquanto se litigue sobre a validade do testamento, e, nos legados condicionais, ou a prazo, enquanto esteja pendente a condição ou o prazo não se vença (CC, art.1924).

Ficará suspenso o direito de pedir nestas três possibilidades expostas: enquanto se litigue sobre a validade do testamento, pois enquanto houver ação de anulação do testamento, não se entrega o legado, devendo aquela ação ser transitada em julgado para a entrega da deixa; na pendência da condição suspensiva, nos legados condicionais, pois por ser condicional, a aquisição do bem só se dá com o implemento da condição imposta pelo disponente, de maneira que a capacidade para suceder, é a do tempo da verificação da condição e não a do momento da abertura da sucessão, mas se o legatário falecer antes do implemento da condição, nenhum direito se transmitirá a seus sucessores (DINIZ, 2012); nos legados a prazo , enquanto o termo não se vencer, entendendo que terá o direito de pedir o legado apenas por ocasião do vencimento, neste caso se o legatário vier a falecer depois do testador, porém antes do advento do termo, o domínio do legado transmitir-se-á aos seus sucessores.

O legado poderá ser requisitado ao testamenteiro ou inventariante, se estiverem com a posse dos bens, a certos herdeiros, se o testador assim determinar ou a todos os herdeiros conjuntamente (TARTUCE, 2010).

Após falar sobre os efeitos ocorridos com relação à aquisição do bem, o Código Civil explicita também, os efeitos quanto algumas modalidades de legados. O art. 1.923, §2º, aduz sobre os frutos do legado de coisa certa, desde a morte do testador, exceto se dependente de condição suspensiva, ou de termo inicial, excluídos os colhidos anteriormente (GONÇALVES, 2012). O herdeiro entregar-lhe-á o bem do legado no estado em que estiver na data da abertura da sucessão com todos os seus acessórios, respondendo pelos prejuízos que causou culposamente.

No entanto, há algumas exceções, onde o referido artigo não será aplicado: a) se o legado estiver sob condição suspensiva, após o implemento da condição o legatário receberá o bem, e então receberá também os frutos; b) se o legado for a termo, o qual os frutos pertencerão ao legatário no vencimento do prazo; c) se o legado for em dinheiro, pois só vencerão os juros no dia em que se constituir em mora a pessoa obrigada a prestá-lo (DINIZ, 2012).

Carlos Roberto Gonçalves (2012), trás ainda mais uma exceção:

Excluem-se os frutos desde a morte do testador no legado de coisa incerta ou não encontrada entre os bens por ele deixados. Injusto seria onerar o herdeiro com pagamento de frutos, uma vez que tais bens, enquanto não localizados, não são exigíveis (GONÇALVES, 2012).

Quanto ao legado de renda ou prestação periódica, o qual o herdeiro deverá pagar ao legatário determinado valor após a morte do testador, em frutos ou em dinheiro, o testador poderá fixar o termo inicial da prestação, e caso não fixe esse prazo, começará a contar do dia da morte do de cujus. O pagamento poderá ser feito por dinheiro ou através de imóvel, podendo ser estipulado mensalmente, trimestralmente, semestralmente ou anualmente. As prestações periódicas são devidas integralmente desde o início do período sucessivo, podendo ser perceptível até mesmo após a sua morte, a seus sucessores, conforme exemplifica Carvalho Santos (1920):

O testador ordena ao herdeiro que dê a José R$ 500,00 todos os meses e morre no dia 10 de fevereiro. Neste mesmo dia José adquire o direito de haver a primeira prestação de R$ 500,00; em 10 de março, e todos os meses sucessivamente, em igual data, adquire o direito a igual quantia. Mas, se o legatário morre, por exemplo, em 9 de outubro, a mesada que devia ser paga a 10 deste mês não é devida aos herdeiros de José, precisamente porque tendo morrido antes de iniciado o período, o legado desta mesada, assim como das sucessivas, se extinguiu definitivamente (SANTOS, 1920).

As prestações só podem ser exigidas no final de cada período, conforme estabelece o art. 1.928, mas seu parágrafo único traz uma única exceção, quando se tratar de prestação a título de alimentos, hipótese em que serão exigidas no início de cada período, devido a sua natureza alimentícia.

Quando se tratar de coisa incerta, mas determinada no gênero e espécie, será válido o legado, podendo o devedor escolher o bem, utilizando de meio-termo entre os congêneres da melhor e da pior qualidade (CC, art. 1.929). A mesma regra é aplicada em caso de o testador deixar ao arbítrio de um terceiro, ou de um juiz, se aquele não quiser ou não puder escolher.  Se a escolha couber ao legatário, poderá este escolher, dentre as coisas do mesmo gênero, o melhor que existir na herança.

O legado alternativo é aquele que tem por objeto duas ou mais coisas, mas que dentre elas somente uma deverá ser entregue ao legatário. O poder de escolha da coisa que vai ser entregue cabe ao herdeiro, sendo ele o devedor, porém o testador pode dispor de forma diversa, transferindo o poder de escolha para um terceiro ou para o próprio legatário (OLIVEIRA, 1987). Caberá aos herdeiros o poder de escolha, caso o herdeiro ou legatário a quem couber esse poder vier a falecer antes de exercê-lo. Caducará o legado se o legatário falecer antes do testador, depois de ser feita a escolha, esta não poderá ser revogada, entretanto poderá ser anulada, caso tenha sido feita fora dos padrões estabelecidos.


RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO LEGADO

A priori, quem tem o dever de pagar o legado é o herdeiro. Ele deve tirar do seu acervo hereditário os bens que são objetos de legado. O testador pode nomear herdeiros que ficarão encarregados de cumprir o legado e eles serão chamados de onerados. Os demais herdeiros ficarão livres dessa responsabilidade, porém havendo um único herdeiro, este será o responsável.

Se a coisa legada pertencer ao herdeiro ou legatário, somente eles poderão repassar a coisa ao sublegatário e terá direito de regresso contra os demais coerdeiros. (MONTEIRO, 2006).

Todas as despesas, como o recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, depósito, transportes, bem como os riscos da entrega do legado, “correm à conta do legatário” ou gratificado, senão dispuser diversamente o testador (CC, art. 1.936) (GONÇALVES, 2012).

Segundo o artigo 1.937 do Código Civil “(...) entregar-se-á, com seus acessórios, no lugar e estado em que se achava ao falecer o testador, passando ao legatário com todos os encargos que a onerarem”.

Complementa Itabaiana de Oliveira (1987) que por acessório:

Entende-se tudo aquilo que, sem ser a própria coisa, tem com ela tal ligação, que se não deve separar, mas, antes, deve segui-la. Assim, devem ser entregues, com a coisa legada e por serem acessórios dela, os títulos e as chaves dos prédios legados, os animais necessários à exploração de uma propriedade agrícola, os utensílios de uma fábrica, o jardim dependente de uma casa legada, etc. (ITABAIANA DE OLIVEIRA, 1987, pag. 182-183).


DA CADUCIDADE DOS LEGADOS

A caducidade do legado é a sua ineficácia em razão de causas posteriores à sua instituição, que mesmo sendo feito de forma válida, perderá a razão de existir. Não se confunde com nulidade, caso em que o testamento nasce inválido.

O legado quando válido poderá caducar por causas supervenientes de ordem subjetiva, quando faltar beneficiário, ou por ordem objetiva, quando faltar o objeto do legado. Nesses casos, verificado a caducidade o legado volta à massa do espólio (MONTEIRO, 2006).

O Código Civil apresenta as causas de perda do legado, enumeradas pelo artigo 1.939:

 Art. 1.939. Caducará o legado:

I - se, depois do testamento, o testador modificar a coisa legada, ao ponto de já não ter a forma nem lhe caber a denominação que possuía;

II - se o testador, por qualquer título, alienar no todo ou em parte a coisa legada; nesse caso, caducará até onde ela deixou de pertencer ao testador;

III - se a coisa perecer ou for evicta, vivo ou morto o testador, sem culpa do herdeiro ou legatário incumbido do seu cumprimento;

IV - se o legatário for excluído da sucessão, nos termos do art. 1.815;

V - se o legatário falecer antes do testador.

1-      Modificação substancial da coisa legada

Segundo Washington de Barros Monteiro (2006): “com o transformar a coisa legada, o testador deixa evidenciada a mudança de sua vontade primitiva, manifestada no ato de última vontade, inutilizando-se o legado”. Ou seja, se o testador, ou algum terceiro deixado por ele, transformar a coisa legada ao ponto de mudar sua forma, isso demonstra que existe vontade do testador em revogar o legado.

São dois os requisitos para haver a caducidade: ser feita pelo testador, ou a seu pedido; e a modificação da coisa legada ser substancial, de modo que não seja reconhecida mais pela forma ou nome.

2-      Alienação da coisa legada

Se após feito o testamento, o testador dispor da coisa legada por doação, permuta, por título gratuito ou oneroso, partilha, dação em pagamento, sub-rogação feita à terceiros, no todo ou em parte, haverá a caducidade. Desse modo o testador demostra sua mudança de vontade, e que não deseja mais fazer a liberalidade, ou seja, essa presunção é juris et de jure, não admitindo prova em contrário. Conforme Washington de Barros Monteiro (2006): “a promessa de venda com caráter irrevogável, acarreta a caducidade do legado por aplicação do princípio da mudança da vontade do testador”.

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Se a alienação for anulada, revigorado estará o legado, desde que verificado que essa invalidação se deu de forma involuntária, em razão de algo que afetou diretamente a vontade do alienante.

Verificado na abertura de sucessão que o bem não pertence mais ao autor da herança, o legado caducará por ser vedada a alienação de coisa alheia (MONTEIRO, 2006).

3-      Perecimento ou evicção da coisa legada

Havendo a evicção ou perecimento do objeto, o legado caducará, pois faltará o principal, o objeto do legado, vivo ou morto o testador, o legado deixará de existir.

Quando o perecimento ocorrer por culpa comprovada do herdeiro ou legatário, o beneficiário estará autorizado a postular o direito a ressarcimento, respondendo este por perdas e danos. Porém se o perecimento ocorrer por culpa de terceiro, o legatário não poderá acioná-lo no intuito de receber o valor da coisa legada, pois esta ação compete somente aos herdeiros e o testador. E no caso em que o objeto da coisa legada deixa de existir por destruição, perda, incêndio, inutilização, resolve-se o legado, havendo a caducidade da liberalidade, assim o legatário não terá o direito de reclamar o pagamento do valor da coisa, pois se desaparece o objeto, caduca o legado por falta deste (GONÇALVES, 2012).

Ocorre a caducidade se quando da evicção de sentença judicial, a coisa for declarada do reivindicante, desta forma a coisa legada não será do testador e sim do reivindicante, sendo assim ineficaz o legado de coisa alheia.

Se o perecimento ou evicção for parcial, permanece o legado no tocante a parte remanescente.

4-      Indignidade do legatário

Presume-se que o testador não queria deixar a coisa legada para uma pessoa que se mostrasse indigna, atentando assim contra sua honra, liberdade, integridade. Torna-se ineficaz cláusula que beneficia o legatário, desde que prove, por um dos interessados que, depois de feito o testamento, praticou um dos atos referidos no artigo 1.814 do Código Civil, tal indignidade deve ser declarada por sentença que declarará a exclusão do legatário.

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

5-      Premoriência do legatário

Se o legatário vier a falecer antes da sucessão do testador, haverá a caducidade, pois desaparece o sujeito da liberalidade. O legado não pode subsistir por ser intuito personae, ou seja, a intenção do testador era de beneficiar o legatário e não seus eventuais sucessores, assim sendo, os descendentes do legatário não podem reclamar o legado (GONÇALVES, 2012).

Caducado o legado pela morte antecipada do legatário, a coisa legada permanece no acervo hereditário, passando assim para os herdeiros legítimos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fica exposto a diferença notável entre o instituto do legado e da herança, que não mais se confundem. Esta se dar pela sucessão legal ou testamentária e a título universal.

O legado se mostra um assunto breve, que ocorre a título singular, somente por meio de testamento, mas complexo quanto à sua aplicação, pois há variedades de espécies referentes ao seu objeto, podendo ser abarcado coisa alheia, prestação alimentícia, imóvel, acessórios, frutos, usufruto, relatando a diversidade de bens disponíveis para testar.

Quanto ao legatário, este traz um efeito negativo perante o herdeiro, pois mesmo não sendo necessariamente um destes, tira um quinhão da universalidade para si, respeitando a vontade do testador, mas contrariando, muitas vezes, a vontade dos herdeiros que subsistem.

Por fim, vale salientar que seus efeitos relatam a eficácia do legado, no entanto, se não observados seus requisitos, este caducará ou será nulo, não podendo dizer que não foi respeitada a vontade do de cujus, mas que a sua ineficácia adveio de vícios ocorridos na sua instituição ou no decorrer dela.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 10 de novembro 2017.

CARVALHO SANTOS, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960. v. 23, 24 e 25.

CASTRO, Alexandre. Legado: conceito, objeto e espécies. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/42368/legado-conceito-objeto-e-especies>. Acesso em 14 de novembro 2017.

CRETELLA JUNIOR, J. Institutas do Imperador Justiniano. Tradução. São Paulo: RT, 2000. 348p.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 6: direito das sucessões – 26. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012

DOMINGUES, Lucas, PINHEIRO, Fuster.  Espécies de Legado Quanto ao Objeto. Disponível em: <https://jus.com.br/duvidas/176695/especies-de-legado-quanto-ao-objeto>. Acesso em 14 de novembro 2017.

GONÇALVES, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 7 : direito das sucessões — 6. ed. — São Paulo : Saraiva, 2012.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 35. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

OLIVEIRA, Arthur Vasco Itabaiana de, Tratado de Direito das Sucessões, volume II,  Ed. Max Limond., 1987

OLIVEIRA, Euclides de; AMORIM, Sebastião. Inventários e partilhas. 16ª ed. São Paulo: 2003.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil v.7: Direito das Sucessões. 26ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito das Sucessões, vol. 06. 3ª ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Método, 2010.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, v.7: Direito das Sucessões. 6ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010.

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Sobre as autoras
Mariana Silva Dias

Estudante de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros

Samyra Xavier Versiani Lima

Estudante na Universidade Estadual de Montes Claros

Paula Porto Sousa

Estudante de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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