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Teoria subjetiva e teoria objetiva da posse

23/02/2018 às 12:32
Leia nesta página:

As teorias Subjetiva (Savigny) e Objetiva (Ihering), o pensamento da doutrina majoritária, bem como a identificação da teoria adotada pelo atual Código Civil Brasileiro de 2002.

Palavras-chave: Posse. Elemento objetivo. Elemento subjetivo.


1. Introdução

Conceituar posse tem sido ao longo da história uma tarefa árdua à ciência jurídica. A primeira dificuldade encontrada pelos cientistas do direito está em determinar se o instituto da posse constitui-se em um fato ou um direito, ou seja, vaticinar sua natureza-. Filiando-se à Teoria Tridimensional do Direito (Fato, Valor e Norma), de Miguel Reale, o autor Orlando Gomes, sem oferecer um conceito, entende que se a posse é um domínio fático sobre uma coisa, logo, consectariamente, constitui-se direito – esta é a posição doutrinária prevalente (TARTUCE, 2011, p. 758).

Inobstante as celeumas jurídicas que o tema desperta, surgiram na doutrina alemã as duas principais teorias que visam a explicar a posse e oferecer à ciência jurídica um conceito do instituto: a Teoria Subjetiva, de Friedrich Calr von Savigny, e a Teoria Objetiva, de Rudolf von Ihering.


2. A Teoria Subjetiva da Posse Savigny

Para Savigny, a posse seria o poder direto que alguém tem para dispor fisicamente de uma coisa com a intenção de tê-la como sua e para defendê-la da intervenção ou agressão de outrem.

Do conceito formulado por Savigny extraem-se os dois elementos que caracterizam a Teoria Subjetiva, quais sejam:

  • i) o corpus – elemento objetivo ou material da posse, traduzindo-se no domínio ou poder físico sobre a coisa ou na detenção do bem e possibilidade de disposição; e

  • ii) o animus domini ­– elemento subjetivo da teoria, caracterizado pela intenção do possuidor em ter a coisa para si, é dizer, o ânimo de ter a propriedade do bem.

Destarte, para o consagrado autor, à posse jurídica são necessários os dois elementos.

Ausente um dos elementos da posse, ter-se-ia duas situações:

  • a) ausente o corpus, a posse não passaria de um fenômeno psíquico, inexistente no mundo fático; e

  • b) ausente o animus domini, a posse seria meramente natural, é dizer, mera detenção, ausente a juridicidade do fato.

Entende-se que a teoria de Savigny é subjetiva porque sobreleva o estado psíquico, isto é, intencional como elemento característico da posse, não obstante assinalar a necessidade de conjunção dos dois elementos para conceituar a posse civil.

Quais as consequências da adoção da teoria subjetiva em nossa seara civil?

Conforme lições de Maria Helena Diniz, adotada a teoria de Savigny, o locatário, o comodatário, o depositário, o mandatário e os demais que tiverem poder físico sobre coisas não passariam de meros detentores e, consectariamente, não gozariam de proteção direta (DINIZ, 2009, p. 819). Destarte, havendo turbação, tais sujeitos haveriam de dirigir-se a quem lhes conferiu a detenção, a fim de que estes defendam a posse através do interdito possessório. Entende-se que, para Savigny, não é possível que alguém exerça a posse por outrem, haja vista não ser possível ter, para outrem, um bem com o desejo de tê-lo para si. É dizer, segundo o entendimento do jurista alemão, não existindo a vontade de ter a coisa como sua, haverá mera detenção do bem.

A Teoria Subjetiva da Posse serviu de fundamento para diversas codificações civilistas do século XIX. Atualmente, diante da evolução jurídica acerca do tema e da necessidade de efetiva proteção das relações jurídicas, não encontra respaldo na seara jurídica. É mister, entretanto, destacar que ainda existem resquícios do entendimento subjetivista, como se depreende da leitura dos arts. 1.2231 e 1.2042, do atual Código Civil Brasileiro, que tratam da aquisição e perda da posse.


3. A Teoria Objetiva da Posse Ihering

A Teoria Objetiva, de Ihering, parte do entendimento de que o elemento corpus é suficiente para caracterizar a posse, daí a objetividade da teoria. Para o autor, o animus constitui elemento ínsito, implícito do poder de fato exercido sobre a coisa, ou seja, o corpus. Segundo Ihering, o elemento objetivo é o caractere visível e passível de comprovação, sendo a manifestação externa do direito.

A teoria objetiva traça distinção entre posse e propriedade, estabelecendo que aquela complementa e permite o exercício pleno dos direitos ínsitos a esta. É dizer, o aproveitamento econômico da coisa que pertence ao dono é possível quando este também possui a posse. Destarte, a posse, para a teoria objetiva, reveste-se de importância fulcral no estudo do Direito das Coisas.

Para o ilustre autor alemão, a posse é reconhecida pela destinação econômica dada à coisa, ou seja, percebe-se a posse sobre um bem pela forma econômica da relação exterior com o possuidor. Cita-se que qualquer pessoa é capaz de saber que materiais próximos a uma construção – mesmo que não haja ninguém, no local, exercendo o poder fático sobre a coisa ­– devido à circunstância de pertinência entre bens e destinação econômica, indicam a posse de alguém. Destarte, o corpus, exteriorização da propriedade, que desempenha a função de indicar a função econômica e a quem pertence a coisa, constitui a parte externa da relação possessória.

Quais as consequências práticas da adoção da teoria objetivista em nosso Direito Civil?

Conforme lições de Maria Helena Diniz, “[...] a dispensa da intenção de dono (o animus domini), na caracterização da posse, permite considerar como possuidores o locatário, o comodatário, o depositário etc.” (Diniz, 2009, p. 817).

Em síntese, para a Teoria Objetivista, pode-se afirmar que a posse:

  • a) é um direito que faz parte do conteúdo do direito de propriedade;

  • b) é condição fática para o aproveitamento econômico da coisa;

  • c) é meio de proteção do domínio;

  • d) pode ser direta ou imediata e indireta ou mediata; e

  • e) é um caminho que conduz ao direito de propriedade.

É forçoso concluir que, majoritariamente, o Código Civil adotou a teoria objetivista de Ihering, como se depreende da leitura do art. 1.196: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Destarte, a norma não exige a intenção de dono nem o poder físico sobre o bem para reconhecer a posse, esta caracterizada pela relação exterior entre sujeito e coisa, observando-se a destinação econômica desta.

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4. Da Proteção à Posse

Conforme assinalado por Diniz, para o direito brasileiro, além dos elementos apontados por Ihering, a posse exige para a sua configuração:

i) agente capaz (pessoa natural ou jurídica);

ii) a coisa (objeto corpóreo ou incorpóreo); e

iii) relação de dominação entre sujeito e objeto. (DINIZ, 2009, p. 818).

O Código Civil estabelece, em seu art. 1.210, que “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.”. Destarte, configurada a posse, o possuidor pode lançar mão dos meios e instrumentos necessários para protegê-la.

4.1. Da autotutela

O art. 1.210, § 1º, do CC possibilita que o possuidor turbado ou esbulhado, por meios próprios, mantenha ou restitua a posse, desde que o faça logo. A norma em comento preconiza a legítima defesa da posse e o desforço imediato em caso de turbação e esbulho, respectivamente. É mister destacar que a norma estabelece que os atos de defesa ou desforço não podem ir além do necessário à manutenção ou restituição da posse.

4.2. Da manutenção e reintegração da posse

A Constituição Federal consagra em seu art. 5º, XXXV, o princípio da inafastabilidade do judiciário ao preconizar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Desta forma, o possuidor turbado ou esbulhado tem a garantia de proteção jurisdicional do seu direito. É dizer, aquele que, na qualidade de possuidor, tiver sua posse ameaçada ou lesada pode socorrer-se do Poder Judiciário.

Para que se postule em juízo a manutenção ou a reintegração de posse são necessários os seguintes requisitos: a) posse – é necessário que aquele impetra a ação demonstre que tem ou tinha a posse da coisa; b) turbação ou esbulho – conforme Orlando Gomes, a turbação há que ser concreta, consistente em fatos (GOMES, 2002, p ); c) data do fato – esta é uma exigência legal insculpida no art. 9243 do Código de Processo Civil.

4.3. Do interdito proibitório

É meio de defesa preventivo concedido ao possuidor que, antevendo ameaça à posse, assegura-se de violência iminente, nos termos do art. 1.210. do Código Civil. Os requisitos do interdito proibitório estão contidos no art. 932. do CPC4.


5. Considerações finais

A Teoria Objetiva de Ihering, como demonstrado ao longo deste trabalho, mostra-se mais adequada para o estudo da posse, no moderno Direito das Coisas, pois permite maior segurança às relações jurídicas, amiúde àquelas em que a relação entre pessoa e coisa não se reveste de caráter essencialmente proprietário – verbi gratia, o locatário, o comodatário, o depositário, o mandatário etc. –, entretanto, merecem a atenção normativa para sua proteção.


REFERÊNCIAS

DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado / Maria Helena Diniz – 14. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único / Flávio Tartuce. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil / Gustavo Tepedino. – 1. ed. –Rio de Janeiro: Renovar, 1999.


Notas

1 Art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196.

2 Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.

3 Art. 924. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório.

4 Art. 932. O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.

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Sobre o autor
Osiel Ferreira

Advogado atuante nas searas Criminal, Cível e do Consumidor. OAB-MA 17.626 Esp. em DIREITO CONSTITUCIONAL pela Universidade Anhanguera-Uniderp (2017). Graduado em DIREITO pela Universidade Federal do Maranhão (2017).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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