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Chega ao fim o imbróglio jurídico em torno dos incentivos fiscais inconstitucionais

01/03/2018 às 13:45
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A guerra fiscal parece estar no sangue do brasileiro. Todos a amam: os governantes, os contribuintes, os parlamentares e a cúpula do Judiciário.

Os incentivos fiscais na área do ICMS são regidos pela Lei Complementar nº 24/75 recepcionada pela Constituição de 1988 (art. 155, § 2º, XII, g).

Ocorre que nunca foram observados os requisitos dessa lei complementar por exigir a quase impossível unanimidade dos Estados componentes da Federação Brasileira. Daí os incentivos fiscais unilateralmente concedidos pelos Estados, ensejando a chamada “Guerra Fiscal”.

Os Estados prejudicados ingressaram com ADIs no STF. Se a Corte Suprema concedesse a medida liminar suspendendo a vigência de Lei unilateralmente aprovada pelo Estado-réu, ao invés de aplicar o art. 12 da Lei nº 9.868/99, tudo seria resolvido de imediato. Mas, os processos versando sobre a inconstitucionalidade dos incentivos fiscais se arrastaram por vários lustros. Quando vieram as decisões de mérito,  as situações jurídicas irregulares já haviam se consolidado com o passar dos anos. A declaração de inconstitucionalidade passados mais de dez anos, com efeito ex tunc, ofende o princípio da segurança jurídica.

Em 2011, o Colendo Supremo Tribunal Federal julgou simultaneamente onze ADIs acumuladas, concluindo pela inconstitucionalidade das leis impugnadas, sem modulação de efeitos. Aí teve início o drama dos contribuintes beneficiados que teriam que recolher os impostos com multa, juros e correção monetária.

Em meio à ameaça de edição da Súmula Vinculante nº 69 do STF considerando inconstitucionais os incentivos do ICMS sem a aprovação em convênio [1],  foi apresentado o PLC nº 238/13 prevendo a remissão de créditos tributários constituídos em decorrência de incentivos fiscais irregulares, mediante aprovação de um convênio no âmbito do Confaz a ser subscrito por 3/5 das unidades federadas e 1/3 das unidades federadas integrantes de cada uma das cinco regiões do País [2]. Esse PLC nº 238/13, por outro lado,  flexibilizava a concessão de novos incentivos fiscais mediante alteração do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Só que o Confaz, órgão de fato, sem personalidade jurídica [3],  atropelando o processo legislativo em andamento decretou por iniciativa própria a remissão dos créditos tributários oriundos de incentivos fiscais declarados inconstitucionais.

Criou-se um verdadeiro imbróglio jurídico em torno dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade de incentivos fiscais diversos por decisão do STF que julgou em bloco as onze ADIs represadas.

O PLC nº 238/13, na parte que introduzia normas nebulosas nos parágrafos do art. 14 da LRF, flexibilizando os requisitos legais para concessão de incentivos fiscais, resultou na aprovação Lei Complementar nº 148, de 25-11-2014.

A parte concernente à remissão de créditos tributários decorrentes de incentivos fiscais irregulares converteu-se  na Lei Complementar nº 160, de 7-8-2017 (arts. 1º a 8º).

Entretanto, legislando em caráter concreto, o art. 9º dessa Lei Complementar, mediante acréscimos dos §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei nº 12.973, de 13-5-2014, conferiu aos créditos tributários gerados pelos incentivos fiscais irregulares, a natureza de subvenção para investimentos, nos seguintes termos:

“§4º Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimentos, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo.

§ 5º O disposto no § 4º deste artigo aplica-se inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados.”

O art. 10 dessa  LC nº 160/17,  por sua vez,  determinou a aplicação dos §§ 4º e 5º do art. 30 da Lei nº 12.973/14 aos incentivos fiscais ou financeiro-fiscais do ICMS sem aprovação por convênio no âmbito do Confaz.

Trocando em miúdos, os créditos tributários decorrentes da declaração de inconstitucionalidade dos incentivos fiscais irregulares do ICMS, mesmo aqueles em cobrança administrativa ou judicial foram convertidos em subvenção para investimento.

O que são subvenções para investimentos?

Nos termos do parágrafo 3º, do art. 12 da Lei nº 4.320/64:

Subvenções são transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como:

I – subvenções sociais, as que se destinam a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa;

II – subvenções econômicas, as que se destinem a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.

Resulta desses textos que subvenções são auxílios pecuniários para fins sociais ou econômicos.

As despesas de investimento estão definidas no § 4º, do art. 12:

§ 4º Classificam-se como investimentos as dotações para o planejamento e a execução de obras, inclusive as destinadas à aquisição de imóveis considerados necessários à realização destas últimas, bem como para os programas especiais de trabalho, aquisição de instalações, equipamentos e material permanente e constituição ou aumento do capital de empresas que não sejam de caráter comercial ou financeiro.

Nesse conceito estão abrangidas as transferências para implantação de indústria, sua expansão, inclusive aquisição de imóveis necessários à essa implantação ou expansão.

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Conjugando-se os dois conceitos que derivam da lei aplicável nacionalmente temos que as subvenções para investimento são ajudas financeiras do governo destinadas a fomentar as atividades econômicas (industrial, comercial ou pastoril).

O caminho encontrado pelo legislador afigura-se correto.

De fato, não era o caso de conceder simplesmente a remissão de créditos tributários que significa perdão dos créditos tributários aos maus pagadores de tributos, com ofensa ao princípio da isonomia tributária. O sábio legislador nacional, para solucionar o impasse criado por ação dos governadores,  deu à questão a roupagem jurídica adequada, conferindo a natureza de subvenção para investimento àqueles créditos tributários oriundos de incentivos fiscais irregularmente concedidos.

Realmente, resta claro que os governantes não concederam os aludidos incentivos fiscais, unilateralmente, sem a intermediação do Confaz como exige a Constituição, simplesmente por amor aos contribuintes. Infere-se com clareza lapidar que esses incentivos foram outorgados com o nítido objetivo de desenvolver a economia regional, para que pudesse contribuir no crescimento do PIB, na geração de novos empregos e consequentemente no aumento da arrecadação tributária, a médio prazo, decorrente de riquezas acrescidas.

Desde o início, aqueles incentivos fiscais do ICMS se revestiam, materialmente, da natureza jurídica de subvenção para investimento.

A única diferença é que ao invés de fornecer dinheiro público aos contribuintes para expansão de suas atividades, permitiu-se que os contribuintes beneficiados por incentivos fiscais retivessem parte do dinheiro correspondente ao ICMS devido.

Contudo, o caminho para a continuidade da guerra fiscal permanece livre e desimpedido. Por isso tenho dito que a guerra fiscal está no sangue do brasileiro. Todos a amam: os governantes, os contribuintes, os parlamentares e a cúpula do Judiciário

A única solução para pôr termo a essa guerra fiscal consiste na edição de Súmula Vinculante pelo STF considerando inconstitucionais os incentivos fiscais concedidos sem a intermediação do Confaz como consignado no Projeto de Súmula Vinculante de nº 69, ou, a federalização do ICMS, um imposto de vocação nacional.


Notas

[1] A Proposta da Súmula Vinculante nº 69 tinha a seguinte relação:

“Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou da base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz, é  inconstitucional”.

Essa PSV não chegou a ser editada e publicada. Sem efeito modulatório ela  causaria mais problemas do que soluções, desfazendo  as relações jurídicas estabilizadas com o passar do tempo. Na verdade, houve pedido do Senado Federal para suspender a edição dessa Súmula Vinculante.

 [2] Norte, Nordeste, Centro Oeste, Sul e Sudeste.

[3] O Confaz foi “instituído” pelo Convênio nº 8/75, porém, às vezes, ele tem funcionado como órgão legislativo.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Chega ao fim o imbróglio jurídico em torno dos incentivos fiscais inconstitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5356, 1 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64357. Acesso em: 26 abr. 2024.

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