Evolução histórica da família e suas espécies no ordenamento jurídico brasileiro

25/02/2018 às 14:33
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Artigo acerca da evolução histórica da família no ordenamento jurídico brasileiro, e as forma de família aceita nos instrumentos legislativos brasileiros.

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo fazer uma análise histórica sobre a evolução histórica da família e a sua delimitação constitucional, analisando a forma como a mesma é tratada na Constituição de 1988. Foi analisado também, de forma breve, as formas de entidades familiares aceitas no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo uma breve explicação sobre cada tipo de família e demonstrando qual o instituto jurídico que as garante.  Por fim, foi analisado de forma mais abrangente as famílias homoafetivas que estão sendo inseridas no atual ordenamento jurídico brasileiro.

PALAVRAS-CHAVES: Família; Evolução histórica; Constituição de 1988; Tipos de família.


ABSTRACT: This article aims to make a historical analysis of a historical evolution of the family and its constitutional delimitation, analyzing the way it is treated in the Constitution of 1988. It was also analyzed briefly as forms of family entities accepted in the Brazilian legal system, giving a brief explanation on each type of family and demonstrating which legal institute as guarantor. Finally, it was analyzed more comprehensively as homoaffective families that are being inserted in the current Brazilian legal system.

 KEYWORDS: Family; Historic evolution; Constitution of 1988; Types of family.

Introdução

A família, em relação à organização social, é a primeira expressão humana, levando-se em conta que a mesma surgiu com o próprio homem e, o modelo familiar foi resultante do desenvolvimento social e cultural dele, tendo, portanto, como função básica reproduzir e defender seus membros.

Desta forma, este artigo tem por objetivo fazer uma abordagem acerca do conceito de família, mostrando sua evolução história em relação a sociedade, destaca-se nesse conceito a sua evolução após a Revolução Industrial, já que foi por meio desta que a afetividade passou a ser o principal elo entre os integrantes do mesmo núcleo familiar, também foi feito uma análise das espécies de famílias existentes.

Neste contexto não podemos esquecer da Constituição de 1988 que trouxe em seu texto como fundamento da nossa República o princípio da dignidade da pessoa humana, e como objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária, promovendo o bem de todos e coibindo qualquer forma de discriminação.

Outro ponto fundamental da nossa Carta Magna é a proteção dada pelo Estado à família, que é a base de qualquer sociedade; além mais por meio da Constituição é possível a pluralidade de famílias. Dessa forma, mesmo a Constituição sendo o norte para o ordenamento jurídico, foi preciso o julgamento conjunto da ADPF 132 – RJ e da ADI 4.277 – DF pelo STF para que houvesse o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, com os mesmos direitos e deveres dos casais heteroafetivos.

Por fim, denota-se que a família é a base da sociedade e como tal tem amparo legal e direitos garantidos pela Constituição. Por mais que tenha sofrido, ao longo dos anos, transformações em sua construção social, o seu princípio basilar permanece imutável, tanto quanto os laços de afetividade e o vínculo derivado desse sentimento.

1. FAMÍLIAS

 

Evolução Histórica – Constitucional e sua delimitação

O início de toda vida tem origem na família, ela é um instituto que rege as relações em um todo; não tem como existir alguém que não descenda de uma geração anterior ou que seja parente, mesmo que distante, de uma determinada família.

 A nossa Constituição atual trata da família em um capítulo próprio, o sétimo, que delimitou o conceito de família; importante ressaltar que nas constituições anteriores não havia referência a família, já que as sociedades antigas visavam simplesmente os laços consanguíneos.

 O assunto família no Brasil praticamente passou despercebido pelos responsáveis pela elaboração das duas primeiras Constituições nacionais, pois a primeira, de 1824, nenhuma referência fazia à família em particular e a segunda apenas passou a reconhecer o casamento civil como o único ato jurídico capaz de constituir a família, determinando que sua celebração fosse gratuita. Nada mais disse sobre a constituição da família. (OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2002, p. 25)

A Constituição de 1988, no artigo 226, considera que a família é à base da sociedade civil e que a mesma tem proteção do Estado; ou seja, por meio deste artigo houve uma ampliação do conceito de família e o Estado passou a proteger a família, inclusive quando ela for formada por um dos pais e seus descendentes.

Diante do panorama até então vigente, pode-se afirmar que a Constituição atual atendeu aos reclamos da época, que já eram necessários em razão da estagnação do Direito de Família durante todo o período militar.

Entretanto, o conceito de família não reflete a sociedade atual, uma vez que tal conceito estabelece o casamento como fundamental para a formação da família, não levando em consideração os outros tipos de famílias existentes; mas, o constituinte tratou de proteger a família em si.

Para a jurista Maria Berenice Dias deve haver uma ampliação do conceito de família em razão do surgimento de legislação nova, a qual enfatiza a família atual e a protege da violência, ou seja, o que passa a reger os novos arranjos familiares é o princípio da afetividade.

A Lei nunca se preocupou em definir a família- limitava-se a identificá-la com o casamento. Esta omissão excluía do âmbito jurídico todo e qualquer vínculo de origem afetivo que leva a comunhão de vidas e embaralhamento de patrimônios. O resultado sempre foi desastroso, pois levou a Justiça a condenar a invisibilidade em negar direito a quem vivia aos pares, mas sem a chancela estatal. Agora – e pela vez primeira – a Lei define a família atendendo seu perfil contemporâneo. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que busca coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, identifica como família (LMP 5º, inciso III) qualquer relação de afeto. Com isso, não mais se pode limitar o conceito de entidade familiar ao rol constitucional. Lei nova alargou seu conceito. E não se diga que este conceito serve tão só para flagrar a violência. Ainda que este seja o seu objetivo, acabou por estabelecer os contornos de seu âmbito de abrangência. (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 5.ed., São Pulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.194-195.)

Por fim, percebe-se que a família deixou de ser simplesmente voltada para a procriação, e passou a ser uma entidade que visa o afeto, a solidariedade, a igualdade e a liberdade; ou seja, a proteção da pessoa humana e a sua dignidade passou a ser a base da família moderna.

 

1.1.Espécies de família

 

1.1.1. Matrimonial

Desde o início dos tempos o matrimônio é considerado um meio para se formar uma família na sociedade, dessa forma, a igreja era um fator importante para tal formação, uma vez que sua chancela era o que tornava homem e mulher como um só, levando ao pensamento do casamento ser indissolúvel.

Compreende-se que mais uma vez fica demonstrado que a família era vista como forma de reprodução e com o intuito de reger a vida sexual do casal, para assim, preservar o padrão de moralidade da época. Inclusive, por incrível que pareça, o casamento até poderia ser anulado caso alguns dos cônjuges fosse estéril ou impotente. Percebe – se que não havia nenhum tipo de relação de afeto na família.

Inclusive, o Código Civil de 1916 levou a termo “o modelo de família já existente, qual seja, matrimonializada, patriarcal, hierarquizada e heterossexual” (DIAS, 2009, p.45). E, tal instrumento jurídico, estabeleceu regras para o casamento e regulou o regime de bens, estipulando o regime de comunhão universal.

Tal modelo de família preconizava o homem como chefe absoluto da família, responsável pelo sustento do lar, levando a mulher e os filhos a meros concordantes de suas ordens.

Ademais, o Código Civil de 1916 previa somente a possibilidade do desquite, impedindo assim um novo casamento diante da dissolução do vínculo matrimonial.

A sociedade e o direito começaram a reconhecer novas formas de família somente com a Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77), que previa o fim do vínculo conjugal e a possibilidade de um novo casamento, trazendo também a alteração do regime geral de bens e deixando opcional a adoção do uso do nome do marido.

A Lei do Divórcio é fruto do avanço social da época em decorrência da flagrante nova formação de uniões, que mereciam amparo e proteção estatal, sob pena de perpetuar juridicamente relações fracassadas. Assim, o divórcio veio para desmistificar a eternidade de um vínculo familiar já desfeito, o que atendia ao novo modelo de família, que já se apresenta na sociedade. (WALD, Arnold. O Novo Direito de Família. 14.ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2002, p.179-191.)

A mudança maior veio com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, na qual o legislador estabeleceu proteção às novas formas de família.

Art.226.A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§1º [...]

§3ºPara efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Para Paulo Lins e Silva “o casamento é um contrato de adesão, pois as regras são delimitadas pelo Estado e que a manifestação de vontade dos nubentes

seria com relação ao Estado que, previamente, estabelece normas legais para o casamento. ” (SILVA,2002, p. 354)

É importante ressaltar que a interferência do Estado é relativa, já que o casamento é uma livre manifestação de vontade de duas pessoas afim de uma vida plena e com o intuito de constituir uma família.

1.1.2. Famílias advindas da União Estável

Como citado no tópico sobre a evolução da família, antigamente a constituição de uma família era feita apenas por meio do casamento, mas com a evolução da sociedade o reconhecimento de outras formas de constituição de família foi mudando gradualmente.

Foi por meio de jurisprudências que houve alterações no ordenamento jurídico pátrio para o aceitamento das uniões extramatrimonias sob o nome de união estável. Como explica Maria Berenice Dias “a constitucionalização do conceito de entidade familiar sem estar condicionado à tríade: casamento, sexo e reprodução tem mérito da Justiça face ao legislador conservar-se inerte. ” (DIAS,2008, p.13-14)

A regulamentação da união estável veio pela Lei nº 8.971/94 que exigia um tempo de convívio de 5 anos ou a existência de prole, entretanto tais requisitos eram alvo de crítica, e tal instrumento jurídico foi substituído por outra Lei (9.278/96) que não exige tempo mínimo para tipificação da união estável.

A atual Constituição Brasileira preceitua em seu artigo 226, § 3º que é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, e que o Estado deve dar a afetiva proteção, inclusive, facilitando a mesma em casamento.

Além da previsão constitucional e das leis citadas acima, o Código Civil traz previsão para a união estável no artigo 1.723

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente

Sobre o tema, Fábio Ulhôa nos ensina que

(...) é certo que os conviventes podem, a qualquer tempo, se casar, como quaisquer outras pessoas desimpedidas. Mas essa é uma alternativa diferente da conversão, porque os efeitos do ato não retroagem à data da formação da união estável. Quer dizer, quando os conviventes optam por simplesmente se casarem, em vez de buscarem a conversão, os efeitos do casamento projetam-se a partir da celebração. Na conversão, ao contrário, os efeitos retroagem para a época em que os conviventes constituíram sua união. Convertida está em casamento, produzem-se os mesmos efeitos que existiriam como se os conviventes estivessem casados desde o início de sua convivência (COELHO, 2012, p. 283).

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Em relação aos direitos advindos da união estável, o artigo 2º, da Lei 9.278/ 96, fala sobre os direitos e deveres iguais dos conviventes, quais sejam: respeito e consideração mútua, assistência moral e material recíproca, guarda, sustento e educação dos filhos comuns.

Já o artigo 5º discorre sobre a meação dos bens adquiridos durante o tempo de convivência, móveis ou imóveis, adquiridos por um ou ambos, a título oneroso, considerando-se como fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio ou partes iguais, salvo se houver estipulação contrária em contrato escrito, no § 1 º diz que cessa essa presunção se a aquisição for anterior ao início da morada em comum.

No que tange ao direito real de habitação a previsão legal está no parágrafo único do artigo 7º da Lei 9.278/96, que preceitua no caso de morte de um dos conviventes em união estável, cabe ao sobrevivente, até adquirir nova união, o imóvel destinado à residência da família.

Já em relação aos alimentos a Lei foi omissa, no entanto subentende-se que o mesmo princípio reservado aos alimentos para cônjuges na separação judicial, deve ser usado por analogia.

Ao direito de herança, o companheiro sobrevivente, na falta de descendentes ou de ascendentes do falecido, e de usufruto, sobre ¼ dos bens, havendo descendentes ou sobre ½, havendo ascendentes, conforme artigo 2º da Lei 8.971/94.

No aspecto patrimonial, praticamente iguala-se a união estável ao casamento, por sujeitar-se ao regime de bens da comunhão parcial. Portanto comunicam-se os aquestos, ou seja, os bens que adquiridos á título oneroso durante a convivência, salvo se adquiridos com bens tidos anteriormente à união.

Em relação a sucessão hereditária, o Novo Código Civil trata do direito do companheiro sobrevivente, no artigo 1.790, que participará da sucessão do outro somente quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas seguintes condições:

“I - Se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente a que por lei for atribuída ao filho;

II - Se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - Se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - Não havendo parentes sucessíveis, terá direito á totalidade da herança.”

Sendo assim, conclui-se que para a constituição da união estável, faz-se necessária a convivência ser pública, de conhecimento de todos, contínua e duradoura, com o intuito de constituição de família.

1.1.3. Monoparental

Este tipo de família está disposto no § 4º do artigo 226 da Constituição Federal, essa família é aquela formada por qualquer um dos genitores e seus descendentes, já que esse tipo de família é uma realidade social.

Art.226.A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§1º [...]

§4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

O elemento primordial deste tipo de família é o vínculo familiar, o qual é garantido pelo Estado.

1.1.4.Pluriparental

Este modelo de família é conhecido também como famílias mosaicos, e foi inserido no cotidiano brasileiro nas últimas décadas; também é chamado de famílias reconstituídas ou recompostas.

As famílias pluriparentais vêm se destacando na nova concepção do Direito de Família e, vem demonstrando também a necessidade de verem seus direitos e deveres esculpidos no ordenamento jurídico brasileiro, além de elevar a proteção da entidade familiar perante a sociedade.

A realidade do país é um conglomerado de situações fáticas postas em debate no judiciário, pois não há como negar a convivência familiar nessa espécie de família e o afeto dela decorrente. É certo que a existência de brigas, discórdias ou mesmo inimizade entre os integrantes da família retiraria a formação de vínculos mais profundos entre as pessoas. (OLIVEIRA, J. F. Basílio de. Guarda, Visitação, Busca e Apreensão de Menor, 2.ed. Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2006, p.89.)

Essas novas concepções de famílias modernas, não possuem norma especifica reguladora de seus direitos e deveres, contudo a doutrina e a jurisprudência buscam destacar o vínculo de afeto existente entre os membros de uma família mosaico para assim determiná-los e ainda verificar o melhor interesse do menor acerca da relação afetiva constituída.

Infelizmente, no mundo jurídico ainda existe uma resistência em admitir esse tipo de família, pois mesmo que se estabeleçam vínculos de afetividade, ainda continuarão haver vínculos de uma família monoparental, tendo em vista que sempre haverá um genitor e um descendente integrando a família plurilateral, a teor do art.1579, parágrafo único do Código Civil/02: “Parágrafo único do art. 1.579 do CC/02: Novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, não poderá importar restrições aos direitos e deveres previstos neste artigo.”.

É essa a dificuldade em se estabelecer juridicidade aos novos contornos da família brasileira atual.

Importante ressaltar que a família pode se apresentar sob múltiplas formas, e que ela necessita da tutela jurisdicional para seu resguardo na medida em que variadas situações podem ocorrer.

1.1.5.Família Homoafetivas

São formadas por relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo, com característica de união estável, inclusive sendo um fato social, não podendo o Judiciário censurar sua existência e a necessidade de uma tutela jurisdicional.

A união homoafetiva sempre esteve presente na sociedade, tanto na atual como nas passadas, mas, infelizmente ainda não tinha sido reconhecida pelo direito em si. Tal tipo de família é merecedora de toda a proteção do direito como entidade familiar, já que por força da nossa Constituinte não pode haver discriminação entre as pessoas, ou seja, os casais homoafetivos devem ser tratados e respeitados de forma igualitária perante a lei.

Diante da evolução da sociedade e do conceito atual de família alguns doutrinadores vêm defendendo a união homoafetiva como família, uma das grandes defensoras é Maria Berenice Dias, que tece o seguinte

A falta de previsão específica nos regramentos legislativos não pode servir de justificativa para negar prestação jurisdicional ou ser invocada como motivo para deixar de reconhecer a existência de direito merecedor de tutela. (DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade: o que diz a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p.11-12).

Ao contrário do que pensa Dias, Rainer Czakowski, a luz da teoria clássica do direito e seus princípios liberais afirma que:

 Por mais estável que seja, a união sexual entre pessoas do mesmo sexo – que morem juntas ou não – jamais se caracteriza como entidade familiar. A não configuração de família, nestes casos, é resultante não de uma análise sobre a realização afetiva e psicológica dos parceiros, mas sim da constatação de que duas pessoas do mesmo sexo, não formam um núcleo de procriação humana e de educação de futuros cidadãos. (CZAKOWSKI, Rainer apud KLEIN, Felipe Castro. In ARRONE, Ricardo. Família, Entidade Familiar e União de Indivíduos do mesmo Sexo. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004. p.172.)

Entretanto, é importante lembrar, que o argumento usado por Rainer Czakowski não tem escopo jurídico, uma vez que a Constituição de 1988 adotou a família monoparental como entidade familiar, levando em conta a afetividade e não a procriação.

Inclusive, é importante demonstrar que não há como os magistrados ignorarem a questão da família homoafetiva, pois de acordo com o artigo 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil, “ quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso concreto de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. ” ((BRASIL. Presidência da República, 1942), ou seja, a lei demonstra como os julgadores devem agir em casos que não são regulamentados, já que se não há lei que regulamenta nem proíbe, cabe ao magistrado usar do bom senso nessas situações.

Importante lição é dada por Maria Helena Diniz em relação as lacunas da lei

Quando, ao solucionar um caso, o magistrado não encontra norma que lhe seja aplicável, não podendo subsumir o fato a nenhum preceito, porque há falta de conhecimento sobre um status jurídico de certo comportamento, devido a um defeito do sistema que pode consistir numa ausência de norma, na presença de disposição legal injusta ou em desuso, estamos diante do problema das lacunas. Imprescindível será um desenvolvimento aberto do direito dirigido metodicamente. É nesse desenvolvimento aberto que o aplicador adquire consciência da modificação que as normas experimentam, continuamente, ao serem aplicadas às mais diversas relações de vida, chegando a se apresentar, no sistema jurídico, omissões concernentes a uma nova exigência vital. Essa permissão de desenvolver o direito compete aos aplicadores sempre que se apresentar uma lacuna, pois devem integrá-la, criando uma norma individual, dentro dos limites estabelecidos pelo direito. (DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 2ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1996, p.89-90)

O uso da analogia é o método mais eficaz para compensar as omissões deixadas pelo legislador, sendo assim, é importante que se aplique uma lei a casos semelhantes que por omissão ou falha do legislador não estão normatizados. Nesse sentido, importante destacar o pensamento de Kelsen (1934), que afirmou: “ tudo que não está explicitamente proibido, está, implicitamente permitido. ”

Infelizmente, quando há que se discutir alguma questão acerca da família homoafetiva a mesma é julgada na vara cível, sendo que a mesma deveria ser discutida nas varas de família, já que a família homoafetiva se equipara com a família heterossexual; dessa forma, mais uma vez fica demonstrada a inércia do legislador.

Os conflitos decorrentes das entidades familiares explícitas ou implícitas devem ser resolvidos à luz do Direito de Família e não do Direito das Obrigações, tanto os direitos pessoais quanto os direitos patrimoniais e os direitos tutelares. Não há necessidade de degradar a natureza pessoal de família convertendo-a em fictícia sociedade de fato, como se seus integrantes fossem sócios de empreendimento lucrativo. (NETTO, Paulo Luiz. Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e cidadania - O novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.101)

Ademais, em 1999, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já tinha definido que as questões relativas a uniões homossexuais deveriam ser tratadas nas varas de famílias:

Relações homossexuais. Competência para julgamento de separação de sociedade de fato dos casais formados por pessoas do mesmo sexo. Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa uma das varas de família, a semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo provido. (Relator: Breno Moreira Mussi)

Na união/família homoafetiva existe afeto da mesma forma da família heterossexual, ou seja, a proteção aos casais homossexuais deve ser a mesma ofertada aos outros casais, uma vez que há que ser respeitado o princípio da afetividade.

O ser humano tem de entender que a sociedade evoluiu, que os valores mudaram, as famílias já não têm a mesma estrutura de tempos atrás. A família contemporânea tem como parâmetro principal o afeto e não mais a relação sexual. O homossexualismo tem de ser entendido como uma relação normal, possuindo como critério diferenciador apenas o fato de ser formada por pessoas do mesmo sexo.

(OLIVEIRA, R.G. Tentativa de regulamentação da união homoafetiva: Discriminação nunca mais, o que importa agora é o afeto.2008)

Os requisitos para se estabelecer uma união estável é a convivência duradoura, contínua, pública e pautada pelo afeto, estabelecida por duas pessoas com o intuito de constituir familiar, então, se ficarem comprovados esses requisitos na união homoafetiva não há que se negar que exista uma família.

O então ministro, na época, Celso de Mello ao dar seu voto na ADI 3.300 que buscava o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, expôs o seguinte

 [...] o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito e na esfera das relações sociais [...] (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3300. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, DF, 03 de fevereiro de 2006.)

Faz-se útil levar em consideração que o TJRS foi um dos pioneiros nas decisões jurisprudenciais que tangem sobre à união de pessoas do mesmo sexo, já que em 2001 proferiu a primeira decisão onde foi reconhecido a união entre iguais como entidade familiar:

União homossexual. Reconhecimento. Partilha do patrimônio. Meação paradigma. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem consequências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevado sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na Constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70001388982, Sétima Câmara Cível. Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 14/03/2001.)

Como se vê, o entendimento dos tribunais é de que é possível o reconhecimento da união homoafetiva, já que inexiste no ordenamento jurídico brasileiro qualquer tipo de vedação. E, partindo da interpretação do artigo 126, do Código de Processo Civil que diz ser vedado ao magistrado deixar de julgar utilizando-se do argumento de lacuna na lei, os julgadores devem, sim, continuar julgando as ações relativas às uniões homoafetivas se pautando no uso da analogia e sempre respeitando os princípios constitucionais.

A Constituição de 1988 impõe, o princípio à dignidade da pessoa humana, sendo a dignidade o vértice do Estado Democrático de Direito e um amparo de sustentação dos ordenamentos jurídicos contemporâneos. Ele foi elevado a fundamento na nossa Constituição com previsão no artigo 1º, III, é por meio desse princípio que começou a ter uma maior atenção nas situações existenciais, passando a existir tutelas jurídicas do homem voltadas à sua qualidade humana, sendo assim não há uma situação que coisifique o ser homem, posto isto, conclui – se:

Alicerce da ordem jurídica democrática, pode – se dizer que a dignidade vem retratar o conteúdo do imperativo Kantiano, segundo o qual o homem há que ser considerado como um fim em si mesmo, jamais como meio para obtenção de qualquer outra finalidade. (ALMEIDA; Rodrigues Júnior, 2002, p.69)

Sendo assim, percebe – se que a própria Constituinte protege todos os tipos de família, inclusive aquele formada por pessoas do mesmo sexo. O artigo 226 da Constituição delegou proteção as famílias plurais, sendo o caput de tal artigo uma regra geral de inclusão. Dessa forma, ao fazer uma referência a união estável entre homem e uma mulher e as relações com a prole não está proibindo a união entre pessoa do mesmo sexo, já que em momento algum a Constituição aduz a uma existência de entidade familiar formada por homossexuais.

Diante deste contexto a exclusão de qualquer entidade familiar que preencha os requisitos de estabilidade, afetividade e publicidade não pode ser aceita, pois estaria indo contra os princípios basilares da constituição de uma família.

Importante lição é dada por Adauto Suannes

Exigir a diferenciação de sexos no casal para haver a proteção do Estado, é fazer distinção odiosa, postura nitidamente discriminatória que contraria o princípio da igualdade, ignorando a existência da vedação de diferenciar pessoas em razão de seu sexo. (SUANNES, Adauto. As Uniões Homossexuais e a Lei 9.278/96. COAD. 2002, p.32).

A Lei 11.340/, Lei Maria da Penha, mostra, no parágrafo único do artigo 5°, que o legislador avançou no assunto, ao proteger todos os tipos de relação, vejamos:

Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

 I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

 III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Como se vê, avanços como estes trazidos pela Lei Maria da Penha devem ser cada vez mais presentes no atual ordenamento jurídico brasileiro, cabe ao Estado e aos legisladores respeitarem o princípio da dignidade da pessoa humana, igualdade e não discriminação.

É imperioso o reconhecimento da união homoafetiva como família, buscando assim a segurança jurídica necessária para se garantir direitos e a tutela jurídica.

Conclusão

 

A construção familiar sofreu, ao longo dos anos, importantes mudanças, da mesma forma que ocorreu como tudo que gira ao redor do homem.

Sendo assim, o direito, nesse sentido, também acompanhou essas mudanças, bem como a sociedade que tem como base essencial a família. Em relação a família a mudança principal se deu em relação ao afeto que passou a ser a base da família atual, o amor e da solidariedade também passaram a nortear o comportamento do homem como da própria sociedade.

A nova configuração da família que teve por base o afeto oportunizou novas concepções familiares no ordenamento jurídico, passando a ser entendidas como grupo social fundamentado nos laços afetivos, efetivando dessa forma a dignidade humana, com relação ao sentimento e a forma de ser feliz plenamente.

Essa nova realidade familiar deu origem a novos modelos familiares que foram ganhando força ao longo do tempo, principalmente a família monoparental e a família homoafetiva, já reconhecida pela legislação brasileira, pois não podia deixar de ser legítima a união homoafetiva no interior do Direito de Família, pois do contrário estaria violando a dignidade humana.

É importante, que se respeite essa nova realidade pois o novo formato familiar não descaracteriza o conceito de família nem perde o referencial maior que serve como norteador do comportamento do homem em sociedade, levando-se em consideração que não existe para o homem outro meio de convívio social que não seja a família.

 

 

Referências Bibliográficas

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

_____. Decreto-Lei 4.657 de 4 de setembro de 1942. Institui a lei de introdução ao código civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2017.

_____. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o novo código civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 23 agosto de 2017.

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