SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Da caracterização da relação de consumo – 3. Da atividade econômica – 4. Das obrigações contratuais – 5. Da responsabilidade civil pelo vício de qualidade do serviço de ensino no CDC – 6. Considerações finais – 7. Notas – 8. Bibliografia.
Resumo: A prestação do serviço educacional de qualidade no Ensino da Educação Superior passa a ser a regra no direito brasileiro com o advento do Código de Defesa do Consumidor. Atualmente, diante das exigências do mercado de trabalho, a validade do título obtido vem sofrendo valorização biparte – "formal" (MEC e CAPES) e "material" (empregador, meio acadêmico e científico). A oferta de Cursos Superiores no Brasil tem legado um panorama quantitativo elevado e de perfil qualitativo duvidoso. Constatado o vício de qualidade do serviço educacional, em qualquer nível, nasce a obrigação de reparar os danos materiais e morais aos alunos das Instituições de Ensino Superior, conforme permissivo no CDC.
Palavras-chave: vício de qualidade do serviço educacional; Código de Defesa do Consumidor; Responsabilidade Civil.
1. Introdução
O art. 48 da Lei n. 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação – prevê a "valoração da qualidade do ensino". Isto porque, reconhece que a "validade" do diploma – Graduação, Especialização, Mestrado e Doutorado – é "prova da formação recebida por seu titular".
No entanto, claro é que apenas uma boa formação acadêmica não traduz a garantia do sucesso profissional. Todavia, com certeza, a qualidade de Ensino é um requisito muito importante para todo aluno que aspira alcançar um futuro melhor, com maiores chances no mercado de trabalho, sobretudo num país com poucas oportunidades como o Brasil.
A realidade incontestável é o mercado de trabalho que está a exigir profissionais cada vez mais preparados, advindos de Instituições que se preocupam em oferecer o ensino da Educação Superior em consonância com a atualidade, senão à frente de seu tempo, balizado nas necessidades prementes da sociedade brasileira em constante evolução, em todas as áreas do conhecimento. A excelência do Ensino da Educação Superior é imprescindível para os alunos atuarem com sucesso na profissão escolhida e com competência frente às incessantes batalhas da competitiva profissão e nos desafios da vida.
Nesse sentido, tem-se em mente que o "reconhecimento" de títulos acadêmicos e de todos os Cursos Superiores no País, não se resume à "chancela" estatal dos órgãos educacionais. Dito "reconhecimento", ocorre de duas formas autônomas: "formal" e "material", e este último é tão relevante quanto o primeiro, pois o mercado de trabalho e a vida exigem sem complacência a "validade" (MEC/CAPES) e a "qualidade" (empregador, meio acadêmico, científico e nas muitas outras ocasiões inusitadas).
Os contratos de serviços educacionais prescrevem que compete aos alunos realizarem os pagamentos dos valores das mensalidades, a freqüentarem e serem aprovados nas atividades programadas nas disciplinas, a cumprirem os trabalhos exigidos pela programação do curso e a se submeterem a todos os meios necessários à boa execução do serviço, a um fim determinado; às Instituições prestadoras dos serviços educacionais, por meio de seus professores, de sua infra-estrutura didático-científica e de seu Programa de Ensino competem proporcionar a formação acadêmica qualificada e aprofundada aos alunos, e ao desenvolvimento de suas capacidades de pesquisa, no âmbito dos ramos dos estudos e do Saber. As Instituições de Ensino devem estar objetivadas a expandirem, qualitativamente, em detrimento da "quantitativa", o conhecimento da Ciência, intrinsecamente com a vocação para a qualidade do Ensino ministrado.
O objetivo ao qual os alunos do Ensino Superior investem tempo, dinheiro e dedicação no estudo é para o aprendizado do Saber, com a qualidade de Ensino que dele se espera nos Cursos Superiores. Não para alcançar apenas, a aprovação na matéria, a obtenção de aprovação nas disciplinas, e finalmente, a diplomação com o título.
A Educação de Nível Superior é um projeto de formação do cidadão e de efetiva aquisição de competências, sendo seu valor reconhecido constitucionalmente ao "pleno desenvolvimento da pessoa", ao "preparo para o exercício da cidadania" e para "a qualificação para o trabalho", como membro de um centro de difusão acadêmico-científica (CF, art. 205).
2. Da caracterização da relação de consumo
Da leitura dos dispositivos do estatuto consumerista a seguir trazidos à colação, resta clara a existência de relação de consumo entre as Instituições de Ensino Superior – prestadoras de serviços educacionais e os alunos. Senão, vejamos:
"Artigo 2º - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."
"Artigo 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
(...)
§ 2º - Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista."
Todos os alunos de Cursos Superiores, assim denominados os usuários de serviços educacionais são consumidores na medida em que utilizam um serviço, na qualidade de consumidores finais.
Desta forma, estão os prestadores de Ensino Superior, a exemplo de outros prestadores de serviços no mercado de consumo, obrigados a fornecerem seus serviços com qualidade, "adequados para os fins que razoavelmente deles se esperam", bem como serviços que "atendam as normas regulamentares de prestabilidade", sob condição de responderem a ação de responsabilidade pelos vícios de qualidade, conforme permissivo contido no Código de Defesa do Consumidor.
3. Da atividade econômica
A atividade remunerada desempenhada pelas Instituições de Ensino Superior na oferta do ensino educacional privado no Brasil se submete a todas normativas dos órgãos de Educação Nacional e da autorização e avaliação da qualidade pelo Poder Público. Atende ainda, aos princípios da ordem econômica (CF, art. 170 inc. V).
Todavia, iniciemos este tópico, transcrevendo a lição de José Afonso da Silva acerca da Educação prestada como serviço público:
"As normas têm, ainda, o significado jurídico de elevar a educação à categoria de serviço público essencial que ao Poder Público impende possibilitar a todos. Daí a preferência constitucional pelo ensino público, pelo que a iniciativa privada, nesse campo, embora livre, é, no entanto, meramente secundária e condicionada (arts. 209 e 213)." [1]
Em outras palavras, o Estado pode desempenhar por si mesmo as atividades administrativas, ou estas podem ser realizadas por outros sujeitos, como prevê a Constituição Federal prevê no art. 209, especificamente à previsão constitucional para a prestação de serviços educacionais pela iniciativa privada, como verdadeiro alicerce à promoção da Educação, sob regime de autorização e reconhecimento dos cursos superiores:
"O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas às seguintes condições:
I – cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público."
A qualidade do Ensino da Educação Superior na atualidade é um direito subjetivo público, posto que reconhecido na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação podendo ser exigida, com o Código de Defesa do Consumidor.
4. Das obrigações contratuais
As obrigações das partes não se resumem somente às prestações convencionadas expressamente, como já tratadas anteriormente. Se por um lado as Instituições de Ensino Superior não podem obrigar seus alunos a freqüentarem às aulas e à absorverem os conteúdos e os conhecimentos das disciplinas que constem no Programa de Ensino para a obtenção do título, por outro, tem o dever de proporcionarem o desenvolvimento dos alunos com padrões mínimos de qualidade e eficiência no ensino da Ciência que pretendem ministrar, sob os rigores exigidos pelo MEC e CAPES, com vista à expansão "qualitativa" do ensino, em detrimento da "quantitativa".
Nesse sentido, as obrigações das Instituições de Ensino contratadas, sob a nova concepção de contrato e no Código de Defesa do Consumidor estão sujeitas a "direitos e deveres outros que os resultantes da obrigação principal", como ensina a insigne jurista Cláudia Lima Marques:
"Esta visão dinâmica e realista do contrato é uma resposta à crise da teoria das fontes dos direitos e obrigações, pois permite observar que as relações contratuais durante toda a sua existência (fase de execução), mais ainda, no seu momento de elaboração (de tratativas) e no seu momento posterior (de pós-eficácia), fazem nascer direitos e deveres outros que os resultantes da obrigação principal. Em outras palavras, o contrato não envolve só a obrigação de prestar, mas envolve também uma obrigação de conduta!" [2]
Por outro lado, o art. 22 do CDC impõe às Instituições de Ensino – autorizado pelo Poder Público – a obrigação de fornecer serviços "adequados", "eficientes" e "seguros". Senão, vejamos:
"Os serviços públicos gratuitos relacionados com o ensino, como os fornecidos por escolas e universidades públicas, não se inserem como relações de consumo. ‘A contrario sensu’, porém, quanto à relação escola/universidade privada – estudante e seus representantes legais, caso menores –, a sua caracterização como relação de consumo visando a prestação de serviços de ensino não apresenta maior problema." [3]
De mesmo modo, dispõe o art. 6o inc. X do CDC, que trata dos direitos básicos do consumidor ao serviço "adequado" e "eficiente". Isto porque:
"Em uma palavra: é obrigação dos mantenedores garantir a seus alunos a realização efetiva de serviços de qualidade. Independente das tarefas descritas em contrato, a expectativa legítima do alunado é a de um aprendizado eficaz, adequado aos hábitos e costumes do tempo atual." [4]
A constatação de que tal situação não é verdadeira, caracterizará o vício e, em conseqüência, a responsabilidade das Instituições de Ensino Superior.
Tanto é assim, que também o art. 24 e o "caput" do art. 25 do CDC estipulam que:
"Art. 24. A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor".
"Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores".
5. Da responsabilidade civil pelo vício de qualidade do serviço de ensino no CDC
A proteção do "vício de qualidade" do serviço é relativamente recente em nosso sistema jurídico positivado e surgiu com o advento do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, transcrevo a lição do Ilustre doutrinador Nery Júnior acerca da responsabilidade por "vício de qualidade do serviço":
"Este modelo de responsabilidade, a nosso aviso, é consectário do inadimplemento contratual: o fornecedor tem a obrigação de assegurar a boa execução do contrato, colocando o produto ou serviço no mercado de consumo em perfeitas condições de uso e fruição." [5]
O Código de Defesa do Consumidor, na seção III em seu art. 20 trata da responsabilidade pelo "vício do serviço", mais especificamente, "vícios de qualidade" por "inadequação" e "disparidade" com as indicações constantes da oferta publicitária, ainda aqueles que "não atendam as normas regulamentares de prestabilidade":
"O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
(...)
§ 2.o São impróprios serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles de esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade."
Ora, o aluno que se submete a investir "tudo" e por muitas vezes, mais do que previu no início do Curso de Graduação, Especialização "lato sensu" ou "stricto sensu" espera, e a lei impõe como a finalidade desse serviço imanente à Educação Superior (art. 43 da Lei 9.394/96) que o Ensino e à capacitação a serem fornecidos pela Instituição permitam o acúmulo de conhecimentos, que por sua vez, ampliarão seus horizontes culturais e facilitarão à abertura ao mercado de trabalho com maior segurança e um futuro profissional melhor, com vistas à sua formação acadêmico-científica, condizente com o nível e à natureza do Curso Superior.
O ensino da Educação Superior, em qualquer nível será "inadequado" e em "desatendimento as normas regulamentares de prestabilidade" quando prestado ao aluno de forma qualitária colidente com o padrão mínimo exigido pelos órgãos competentes de avaliação da qualidade de Ensino no País – MEC e CAPES; quando incapazes de não proporcionarem aos seus alunos à aptidão acadêmica e científica – não tão somente a legal – para exercerem a profissão que escolheram; ainda, quando insuficiente a acrescentar subsídios à sua cultura e que frustre suas normais expectativas, violando a confiança depositada no fornecedor do serviço educacional ligado por uma relação de boa-fé.
Assim, todos os prestadores de Ensino Superior devem empregar todos os esforços para que o serviço educacional atinja o nível esperado de "adequação" em conformidade com as diretivas dos órgãos da Educação Superior (MEC e CAPES), e porque não ultrapassando as expectativas dos alunados, credores da obrigação? Levando-se em conta, a eficiência e o profissionalismo de todos os meios necessários à execução do serviço.
Com mestria, bem ensina Cláudia Lima Marques:
"a prestação de serviço adequado passa a ser a regra, não bastando que o fornecedor tenha prestado o serviço com diligência." [6]
Sanseverino, sobre conceito de defeito tece que:
"Consideram-se defeituosos os produtos ou serviços que não apresentam a segurança que deles legitimamente se espera na sociedade de consumo." [7]
Neste sentido, Cláudia Lima Marques lembra que:
"Enquanto o direito tradicional se concentra na ação do fornecedor do serviço, no seu ‘fazer’, exigindo somente as diligências e cuidados ordinários, o sistema do CDC, baseado na teoria da função social do contrato, concentra-se no ‘efeito do contrato’." [8]
De todo, o CDC prescreve no "caput" do art. 14 e art. 22, que o fornecedor de serviços submete-se a responsabilidade objetiva:
"Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência da culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequados sobre sua fruição e riscos".
A causa resolve-se à luz do art. 6o inc. VI do Código de Defesa do Consumidor, que ao prever seus direitos básicos, garante a indenização por danos patrimoniais e morais decorrentes das relações de consumo e inclui as Instituições de Ensino Superior no rol das entidades por ele abrangidas.
De outra parte, o inc. II do art. 20 do Código de Defesa do Consumidor determina "a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada" pelos vícios de qualidade do serviço.
6. Considerações finais
A qualidade do ensino na Educação Superior é irrenunciável por todos os alunos e condição "sine qua non" para a continuidade da oferta do Ensino Superior de qualquer nível. Ademais, o Direito à Educação de qualidade está consagrado na Constituição Federal como um Direito Social, incluso no Título que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais.
Quiçá, no atual estado evolucionista do País, a Educação e a qualificação profissional são caminhos para se atingirem maiores chances de lutar por um futuro melhor e ainda, alcançar "lugar ao sol" no mercado de trabalho tão competitivo.
O crescimento na oferta de Ensino da Educação Superior não deve ser proporcionado sem a qualidade mínima exigida e sob os maiores rigores dos órgãos do Estado MEC e CAPES. As Instituições de Ensino Superior devem demonstrar maior preocupação com a oferta "qualitativa" do ensino, em "detrimento da quantitativa", e atender, com maior atenção à formação dos alunos, uma vez que esses interesse ultrapassam a esfera particular e se tornam um interesse social.
7. Notas
[1]SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 316.
[2]MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: RT, p. 183.
[3]MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1o. a 74: aspectos materiais. São Paulo: RT, 2003, p. 331.
[4]MÜLLER, Célio Luiz. Guia jurídico do mantenedor educacional. São Paulo: Érica, 2004. p. 64.
[5]Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto /Ada Pellegrini Grinover...[et al]. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 178.
[6]MARQUES, Cláudia Lima. op. cit., nota 02, p. 308.
[7]SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 114.
[8] MARQUES, Cláudia Lima. op. cit., nota 03, p. 308.
8. Bibliografia.
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
CASTRO, Fabiana Maria Martins Gomes de. Revista de direito do consumidor. São Paulo: RT. n. 44, out./dez. 2002.
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto / Ada Pellegrini Grinover...[et al]. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2003.
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: RT, 2001.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: RT, 2002.
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1o. a 74: aspectos materiais. São Paulo: RT, 2003.
MÜLLER, Célio Luiz. Guia jurídico do mantenedor educacional. São Paulo: Érica, 2004.
SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.