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Apuração de fatos provenientes de denúncia anônima: orientações do TCU

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Vários órgãos já adotam procedimentos como os definidos pelo TCU, mas esses métodos precisam ser melhorados, porque, quando se autua a denúncia anônima, é difícil garantir o sigilo de uma peça do processo.

Figura entre os deveres do servidor público o ato de representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder quando tomar conhecimento de fatos nesse sentido. E, se houver indicativo liminar de verossimilhança, a autoridade pode, desde logo, instaurar um processo administrativo disciplinar.

Se não há indícios verossímeis de autoria e materialidade, porém, o processo investigativo apontado na norma pode até ser instaurado. Essa investigação, no entanto, deve ser feita de forma cautelosa, evitando-se o dano ao investigado. Caso a acusação seja proveniente de denúncia anônima, o cuidado precisa ser redobrado.

A doutrina ainda se divide em relação ao aproveitamento da denúncia anônima que chega aos órgãos de controle, conciliando a sua investigação com os princípios da Administração Pública. Recentemente, o TCU republicou a Resolução nº 2.159/2014, em que estabelece procedimentos para constituição, organização e tramitação de processos e documentos relativos à área de controle externo.

A republicação se deu em razão de alteração nos parágrafos do art. 104, que trata da denúncia anônima. Assim passou a dispor a norma:

§1º A fim de resguardar o sigilo e a proteção do denunciante, o documento original da denúncia, bem como qualquer outro documento no qual conste sua identificação, serão juntados ao processo como peças sujeitas a sigilo, classificadas quanto à confidencialidade como informação pessoal, nos termos da Lei 12.527/2011, tendo por grupo de acesso o auditor designado para instrução, o diretor e o secretário da unidade técnica competente, o relator, seu chefe de gabinete e o(s) assessor(es) por ele indicado(s), bem como o membro do Ministério Público que houver atuado no processo, seu chefe de gabinete e eventual(is) assessor(es) indicado(s), além do presidente do Tribunal, e delas não se concederá vista ou cópia durante o período de vigência da restrição, salvo nas hipóteses previstas em lei.

§2º A unidade técnica providenciará cópia do documento original, devendo tarjar quaisquer sinais que possam identificar o denunciante, tais como logotipos, timbres, nome, assinatura, endereço e qualificação profissional.

§3º A hipótese de restrição de acesso estabelecida no §1º deste artigo não se aplica caso seja comprovada má-fé do denunciante. [1]  

Vários órgãos já adotam procedimentos como os definidos pelo TCU, mas esses métodos precisam ser melhorados. Isso porque, quando se autua a denuncia anônima, é difícil garantir o sigilo de uma peça do processo, notadamente quando o princípio geral de processos é a publicidade. Ademais, é difícil impedir a contaminação do procedimento pela inserção de peça que não é validada pela Constituição, o que pode ser traduzido como o fruto da árvore envenenada.  O processo fica contaminado porque os agentes que apuram correm o risco de fundamentar algum veredito na peça inválida.

É certo que Brasil aderiu à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 09 de dezembro de 2003 –, que passou a admitir e incentivar o recebimento de denúncias, inclusive anônimas. A Constituição, contudo, não mudou e nem pode, porque firma o postulado da livre manifestação, da responsabilidade pela manifestação e, por fim, veda o anonimato. Portanto, nada na apuração pode ter como causa elementos da denúncia anônima.

A questão que se coloca é: como tratar a denúncia anônima? Afinal de contas, se for inserida no processo, pode ser conhecida e pode ser origem de informações que invalidam o processo.  

A resposta, inclusive coerente com o decreto que regulamentou a Lei Anticorrupção, é o art. 4º do Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015, que formaliza o juízo de admissibilidade preliminar no Processo Administrativo de Responsabilização – PAR. Esse juízo preliminar também é previsto na Lei de Improbidade e na Lei nº 8.112/1990.

Em termo de procedimento, recebida a denúncia anônima, esta pode ser autuada. Formam-se autos, com chancela de sigilo, extraem-se informações, faz-se uma apuração sumária e, com base nos indícios levantados, será produzido relatório. O relatório deverá ter o cuidado de reportar-se apenas aos indícios levantados. O relatório será a peça principal do processo de apuração de responsabilidade, ordenando-se o arquivamento do processo de investigação sumária anterior. 

O relatório pode informar que as apurações originaram-se de denúncia anônima, mas que os apontamentos não foram utilizados para formar convicções. Foram utilizados para indicar os pontos a serem auditados, fiscalizados. O livre convencimento dos apuradores, no entanto, considerou os elementos coligidos. 


Nota

[1] TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Resolução nº 259, de 07 de maio de 2014. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 fev. 2018. Seção 1, p. 219-223.

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Sobre o autor
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

É professor de Direito Administrativo, mestre em Direito Público e advogado. Consultor cadastrado no Banco Mundial. Foi advogado e administrador postal na ECT; Juiz do Trabalho no TRT 10ª Região, Procurador, Procurador-Geral do Ministério Público e Conselheiro no TCDF.Autor de 13 livros e 6 coletâneas de leis. Tem mais de 8.000 horas de cursos ministrados nas áreas de controle. É membro vitalício da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura, como acadêmico efetivo imortal em ciências jurídicas, ocupando a cadeira nº 7, cujo patrono é Hely Lopes Meirelles.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Apuração de fatos provenientes de denúncia anônima: orientações do TCU. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5403, 17 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64429. Acesso em: 10 mai. 2024.

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